Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
450/10.4TBPVL-G.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Nos termos do disposto o artigo 377º-n.º1-alínea.b) e n.º2- alínea- b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/03, de 27/8, os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, só gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, sendo, neste caso, graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil, não gozando de tal privilégio relativamente a quaisquer outros imóveis do empregador, nomeadamente, aquele que constitui a sua casa de morada de família.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Nos presentes autos de Reclamação de Créditos n.º 450/10.4TBPVL-G., do Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso, que correm por apenso aos autos de Insolvência em que é insolvente FT, veio o Banco E, S.A., interpor recurso de apelação da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos, na parte em que naquela sentença se graduou o crédito hipotecário do ora recorrente após os créditos laborais sobre o produto da venda da meação do bem imóvel apreendido nos autos e pertencente ao insolvente.

O recurso veio a ser admitido com subida imediata, e nos autos do apenso e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta o recorrente formula as seguintes conclusões:
1. Por escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada a 11.02.2003, o Banco Recorrente mutuou ao insolvente FT e a SC a importância de €100.000,00, a uma taxa de juro nominal contratual inicial de 2,147%, a liquidar em 30 anos, através de 360 prestações mensais e sucessivas, e nas demais condições constantes do referido título, junto em 07/01/2011 ao apenso C.
2. Para garantia do bom pagamento da importância mutuada, juros e despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco houvesse de fazer para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, fixando-se tais despesas, para efeitos de registo, em € 4.000,00, os mutuários hipotecaram, a favor do Recorrente, o prédio urbano, denominado lote 20, sito no Lugar dos Moinhos Novos, freguesia e concelho de Póvoa de Lanhoso, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso sob o n.º 1167 e inscrito na respectiva matriz com o artigo 2244º.
3. A referida hipoteca encontra-se definitivamente registada a favor do banco Recorrente na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso sob a apresentação 4 de 27.01.2003, conforme certidão permanente do registo predial da que se juntou como Doc. 1 à p.i. que deu origem ao apenso C.
4. A quantia derivada do aludido financiamento ascendia em 09/12/2010 a € 93.871,91, que compreendia:
a) € 86.657,78, referente a capital em dívida;
b) € 3.214,13, referente a juros calculados à taxa de 2,115%, desde 01.02.2010 (data da última prestação paga) até efectivo e integral pagamento, acrescida, desde 01.03.2010 (data do início da mora), da sobretaxa de mora de 2%, até 09/12/2010;
c) Das despesas judiciais e extrajudiciais que o Recorrente se visse obrigado a efectuar para haver o seu crédito, as quais, nos termos da aludida escritura, se contam em € 4.000,00.
5. O contrato de mútuo com hipoteca protestado juntar é título bastante para que o respectivo crédito pudesse ser reclamado na presente insolvência com a natureza privilegiada, como foi.
6. Acresce que por escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada a 11.02.2003, o Banco Recorrente mutuou ao insolvente FT e a SC a importância de € 75.000,00, a uma taxa de juro nominal contratual inicial de 2,147%, a liquidar em 30 anos, através de 360 prestações mensais e sucessivas, e nas demais condições constantes do referido título, também junto em 07/01/2011 ao apenso C.
7. Para garantia do bom pagamento da importância mutuada, juros e despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco houvesse de fazer para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, fixando-se tais despesas, para efeitos de registo, em € 3.000,00, os mutuários hipotecaram, a favor do Recorrente, o bem imóvel supra identificado.
8. A referida hipoteca encontra-se definitivamente registada a favor do banco Recorrente na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso sob a apresentação 5 de 27.01.2003, conforme certidão permanente do registo predial supra aludida.
9. A quantia derivada do aludido financiamento ascendia em 09.12.2010 a € 72.107,77, que compreendia:
a) € 65.709,79, referente a capital em dívida;
b) € 3.397,98, referente a juros calculados à taxa de 2,115%, desde 01.10.2009 (data da última prestação paga) até efectivo e integral pagamento, acrescida, desde 01.11.2009 (data do início da mora), da sobretaxa de mora de 2%, até 09.12.2010;
c) Das despesas judiciais e extrajudiciais que o Recorrente se visse obrigado a efectuar para haver o seu crédito, as quais, nos termos da dita escritura, se contam em € 3.000,00.
10. Sendo o aludido contrato de mútuo com hipoteca título bastante para que o respectivo crédito pudesse ser reclamado na presente insolvência com a natureza privilegiada, como foi.
11. Os mencionados créditos hipotecários foram reconhecidos como garantidos por «hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito na CRP da Póvoa de Lanhoso sob o nº1167 e inscrito na matriz sob o artº 2244» através da competente lista definitiva de créditos reclamados e reconhecidos, apresentada nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º do CIRE – cfr. requerimento do Senhor Administrador de Insolvência ref. 7122277, de 03/05/2011.
12. Não tendo tal relação sido impugnada, nos termos do disposto no artigo 130º do mesmo diploma legal.
13. Conforme consta da documentação existente nos autos, da qual se sublinham e destacam a petição inicial, o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Administrador da Insolvência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 155º do CIRE e o respectivo auto de arrolamento, o insolvente «dedicou a sua actividade à exploração de um estabelecimento denominado “E…”, estabelecimento este sito na Avenida da República, nº101, R/C, Póvoa de Lanhoso» - cfr. p.5, in fine, do relatório do art. 155º, do CIRE.
14. O insolvente não exercia qualquer actividade na morada correspondente ao bem imóvel hipotecado ao Banco recorrente, correspondente à sua residência, uma casa para habitação de rés-do-chão, andar e logradouro sita na Rua de Goa, nº1… – Lote 20, Moinhos Novos, Póvoa de Lanhoso, descrito na CRP de Póvoa de Lanhoso sob o nº1167, da freguesia de Póvoa de Lanhoso, inscrito na matriz sob o artigo 2244.
15. Nem qualquer dos trabalhadores alegou que prestasse serviço nesse imóvel.
16. Os trabalhadores invocaram, ao reclamar os seus créditos, privilégio mobiliário geral – não invocaram privilégio imobiliário especial sobre qualquer bem.
17. Os créditos laborais reclamados e reconhecidos na lista definitiva apresentada pelo Administrador da Insolvência (art. 129º CIRE), foram assim reconhecidos – e bem – na qualidade de créditos “privilegiados (art. 333º CT)”,
18. O art. 47º, nº4, al. a) do CIRE estabelece que deverão ser classificados como garantidos os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais e como privilegiados os créditos que beneficiem de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente.
19. O art. 333º do Código do Trabalho estabelece um privilégio mobiliário geral para a generalidade dos créditos laborais, quer decorram do contrato de trabalho, quer da sua violação ou cessação - art. 333º, nº1, al. a), CT - e um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade - art. 333º, nº1, al. a), CT.
20. Sendo que compete ao próprio trabalhador, para efeitos de benefício daquela prerrogativa legal, alegar a existência do seu crédito, bem como, demonstrar que se trata do imóvel onde exercia a sua actividade laboral.
21. Razão pela qual, se terá, necessariamente de julgar assertiva e legalmente correcta a lista de créditos reconhecidos pelo Administrador da Insolvência, que reconheceu os créditos dos trabalhadores como privilegiados (não como garantidos) não merecendo, por isso, qualquer impugnação ou reparo, como se verificou.
22. Sucede, porém, que a douta sentença em apreço, apesar de reconhecer que «não há erro manifesto», graduou o crédito dos trabalhadores (com privilégio mobiliário geral), nos termos do disposto no artigo 333º do CT, à frente do crédito garantido do Banco recorrente sobre o produto da venda da meação do mencionado bem imóvel apreendido nos autos e pertencente ao insolvente.
23. Ao contrário do que vem exposto na lista de créditos reconhecidos.
24. Pelo que, salvo melhor opinião, face a tudo quanto vindo de expor, tal decisão não se afigura correcta, violando o disposto nos art. 47º, nº4, al. a) e 130º, nº3, do CIRE, no art. 333º, do CT, e nos arts. 686º, nº1, 749º e 751º, do CC.
25. Face ao exposto, constando do processo meios de prova plena que, só por si, implicam decisão diversa da proferida, deve a sentença recorrida ser revogada parcialmente e substituída por outra que, em conformidade com a relação definitiva de créditos, gradue os créditos verificados da seguinte forma a serem pagos pelo produto da venda da meação do imóvel:
«1º Crédito hipotecário até ao montante da garantia (nº4);
2º Créditos dos trabalhadores (nº2 12, 22, 26, 27, 28 e 32);
3º Crédito do ISS, IP, na parte em que goza de privilégio imobiliário geral (nº20);
4º Crédito da Fazenda Nacional na parte em que goza de privilégio imobiliário geral;
5º Demais créditos comuns (incluindo o crédito sob condição).»

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:
- deverá o crédito hipotecário do Banco ora recorrente ser graduado em primeiro lugar, e à frente dos créditos laborais, pelo produto da venda da meação do imóvel apreendido nos autos ?

II) Fundamentação ( de facto e de direito ):
1. Os factos ( são os seguintes os factos com interesse à decisão a proferir ):
I.Na sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos graduou-se o crédito hipotecário do ora recorrente após os créditos laborais sobre o produto da venda da meação do bem imóvel apreendido nos autos e pertencente ao insolvente.
II.O imóvel em causa corresponde ao prédio urbano, denominado lote 20, sito no Lugar dos Moinhos Novos, freguesia e concelho de Póvoa de Lanhoso, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso sob o n.º 1167 e inscrito na respectiva matriz com o artigo 2244º, e constitui a residência do insolvente ( cfr. certidão junta a fls. 170 e sgs. ).
III.Em tal imóvel nunca o insolvente desenvolveu a sua actividade comercial, nem os trabalhadores prestaram a sua actividade.
IV.Ao reclamarem os seus créditos os trabalhadores invocaram apenas privilégio mobiliário geral nos termos do art.º 333º-n.º1-alínea.a) do Código do Trabalho.
2. O Direito
Dispõe o artigo 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/03, de 27/8 :
1- Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) privilégio mobiliário geral;
b) privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2 – A graduação de créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) o crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747º do Código Civil;
b) o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.
Por força do disposto nas citadas normas legais é manifesta a razão do recorrente, gozando o crédito hipotecário de que é detentor de legal preferência de graduação nos termos indicados pois que, como claramente decorre dos preceitos legais em referência, os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, só gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, sendo, neste caso, graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil, não gozando de tal privilégio relativamente a quaisquer outros imóveis do empregador, resultando provado nos autos que no imóvel em causa, cuja meação do insolvente veio a ser apreendida nos autos, correspondente ao prédio urbano, denominado lote 20, sito no Lugar dos Moinhos Novos, freguesia e concelho de Póvoa de Lanhoso, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso sob o n.º 1… e inscrito na respectiva matriz com o artigo 2…º, e que constitui a residência do insolvente, sita na Rua de Goa, nº1… – Lote 20, Moinhos Novos, Póvoa de Lanhoso, nunca o insolvente desenvolveu a sua actividade comercial, e, assim, os indicados créditos salariais não gozam de privilégio imobiliário especial relativamente ao imóvel apreendido, mas tão só de privilégio mobiliário geral.
Os créditos em causa, tempestivamente reclamados, foram relacionados pelo Sr. Administrador nos termos do art.º 129º do C.I.R.E. e não tendo sido impugnados vieram a ser reconhecidos na sentença proferida nos autos nos termos do art.º 140º, do citado diploma legal, devendo a sua graduação obedecer aos legais critérios de preferência supra assinalados.
Conclui-se, nos termos expostos, ser procedente a apelação, devendo proceder-se à graduação do crédito hipotecário do ora recorrente em primeiro lugar e à frente dos créditos laborais por não beneficiarem estes de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel apreendido, nos termos acima expostos.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, graduando-se o crédito hipotecário do ora recorrente em primeiro lugar e à frente dos créditos laborais reconhecidos e graduados, em tudo o mais se mantendo o decidido.
Custas pela massa insolvente.

Guimarães, 19.01.2012
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho