Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1790/03-2
Relator: ROSA TCHING
Descritores: DIREITOS
REMISSÃO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: No caso de venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido a partir do momento em que estiver fixado o preço da venda e até ao momento da entrega dos bens móveis ou da assinatura da escritura pública que titula a venda de bens imóveis.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


No 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, corre termos os autos de Execução ordinária, n° ..., em que é Exequente "A" e Executado, "B".

A fls. 276 dos mesmos autos foi proferido o seguinte despacho judicial:

“Nos presentes autos de Execução Ordinária nº ... que "A" move contra "B", ambos com os sinais nos autos, mostrando-se depositado o preço dos bens penhorados (cfr. fls. 273 a 275) adjudico a Ana ...; filha do aqui executado, devidamente que foi exercido o seu direito de remição os seguintes bens móveis: uma televisão, um video gravador, uma cadeia estereofónica, dois sofás, uma mobilia de quarto, um tractor da marca “carraro” e um atrelado alimentador e imóveis: prédio rústico, com a área de 1950 m2, sito no Lugar da Devesa, ..., inscrito na matriz respectiva sob o artº ... e descrito na Conservatória do registo Predial de Esposende com o nº ... e prédio rústico, com a área de 390 m2, sito no lugar da Devesa, ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artº ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende com o nº ....
Not. e D.N.
Ordeno, ainda, o cancelamento dos registos reais que sobre tais imóveis incidem, que caducam, por força do disposto nos artºs 888º do C.P. Civil e 824º do C.Civil. D.N.
Passe titulos de transmissão . cfr o artº 900º, nº2 do C.P.Civil. D.N.”

*
Inconformado com este despacho dele agravou a exequente, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1- Nos autos foi ordenada a venda por negociação particular dos bens penhorados;
2- Por requerimento apresentado em 25 de Outubro de 2002, a encarregada da venda, veio informar quais as melhores ofertas conseguidas;
3- Por douto despacho de fls. 257, foi autorizada a venda pelos valores propostos.
4- Por requerimento apresentado em 4 de Fevereiro de 2003, veio a filha do executado, Ana ..., exercer o direito de remissão;
5- O douto despacho recorrido, adjudicou à aludida Ana ..., os bens objecto da venda;
6- Nos termos do disposto no art.° 912° do C.P.C, as pessoas aí referidas podem exercer o direito de remir os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda;
7- O que significa, em nosso entender, que no momento em que a filha do executado exerceu o direito de remissão, ainda não o podia fazer, uma vez que os bens não tinham sido objecto de adjudicação ou venda;
8- Pelo que o douto despacho recorrido é nulo por violação do citado preceito legal;
9- Por outro lado e sem prescindir, o douto despacho recorrido, adjudicou à filha do executado um bem, no caso, o tractor matrícula VU..., que não deveria ser objecto de venda;
10- Isto porque a exequente por requerimento que apresentou em 23.06.1998, desistiu da penhora relativamente àquele bem, por o mesmo não se encontrar registado em nome do executado;
11- Assim, a adjudicação daquele tractor deve ser dada sem efeito, por anulável, nos termos do disposto no art.° 201° do C.P.C.”

A final, pede seja concedido provimento ao agravo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho de sustentação, mantendo-se o despacho recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:


FUNDAMENTAÇÃO :


Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.

Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em:

1º- estabelecer o momento a partir do qual pode ser exercido o direito de remição, no âmbito do processo executivo.

2º- saber se o despacho recorrido padece de nulidade, nos termos do disposto no art. 201º do C. P. Civil.

Dos elementos constantes dos autos, verifica-se:

1º- Por despacho judicial, datado de 26.06.2002, foi ordenada a venda por negociação particular dos bens penhorados (cfr. fls. 12);
2- Por requerimento apresentado em 25 de Outubro de 2002, a encarregada da venda, veio informar das melhores ofertas conseguidas e requerer autorização para proceder à venda ou o que for julgado conveniente (cfr. fls. 13);
3- Por despacho judicial, datado de 28.01.2003, foi autorizada a venda pelos valores propostos (cfr. fls. 19);
4- Foram emitidas guias à encarregada da venda para depósito do preço dos bens vendidos em 29.01.20003 (cfr. fls. 20 e 21);
5- Por requerimento que deu entrada em tribunal no dia 4 de Fevereiro de 2003, veio a filha do executado, Ana ..., exercer o direito de remissão, requerendo a passagem das competentes guias para pagamento do preço (cfr. fls. 22 e 23);
6- Por despacho judicial, datado de 10.02.2003 e tendo-se em consideração o teor do assento de nascimento apresentado pela requerente, foi ordenada a passagem das guias requeridas (cfr. fls. 27)
7- A requerente, Ana ..., juntou aos autos guia comprovativa do depósito, na Caixa Geral de Depósitos, do preço dos bens em causa (cfr. fls. 31 a 33);
8- O despacho recorrido, adjudicou à aludida Ana ..., os bens objecto da venda, ou seja, os seguintes bens móveis - uma televisão, um video gravador, uma cadeia estereofónica, dois sofás, uma mobilia de quarto, um tractor da marca “carraro” e um atrelado alimentador - e imóveis - prédio rústico, com a área de 1950 m2, sito no Lugar da Devesa, ..., inscrito na matriz respectiva sob o artº ... e descrito na Conservatória do registo Predial de Esposende com o nº ... e prédio rústico, com a área de 390 m2, sito no lugar da Devesa, ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artº ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende com o nº ....

I- Analisando a primeira das questões supra enunciadas, cumpre, salientar, desde logo, que, apesar de surgir na pendência do processo executivo, o exercício do direito de remição, configura-se como um incidente, com tramitação autónoma, pelo que, tendo o pedido da remição em causa sido formulado em requerimento que deu entrada em juízo no dia 4 de Fevereiro de 2003, ao seu processamento são aplicáveis as disposições do Código de Processo, com as alterações introduzidas pela reforma de 95/96, entradas em vigor em 1.1.1997.

Dispõe o art. 912º do C. P. Civil que “1. Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou partes deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.
2. O preço há-de ser depositado no momento da remição”

Como ensina, Lebre de Freitas In, “A Acção Executiva”; à luz do Código revisto, 3ª ed., pág. 281 e 282., a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha recta do executado um especial direito de preferência, denominado direito de remição, o qual, tendo por finalidade a protecção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado.
No caso dos autos, tratou-se de uma venda de bens móveis e imóveis, ordenada por negociação particular, a qual, por força do disposto no art. 886º, n.º1 e 3, al. c) do C. P. Civil, é uma modalidade de venda extrajudicial.
Por isso, no que respeita ao estabelecimento dos prazos dentro dos quais deve ser exercido o direito de remição, importa considerar apenas e tão só o disposto no art. 913, al. b) do C. P. Civil.
Estabelece este preceito legal que “O direito de remição pode ser exercido, na venda extrajudicial, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”.
E esclarece Anselmo de Castro In, “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª ed. , pág. 227. que os dois momentos referidos para o exercício do direito em causa – entrega dos bens ou assinatura do título – reportam-se, respectivamente, à venda de móveis e à de imóveis, respectivamente.
Porém, como é bom de ver, este artigo limita-se a estabelecer o prazo limite para o exercício do direito de remição, isto é, a marcar o seu termo.
E, porque a lei processual não é expressa quanto à indicação do início do prazo para remir, importa indagar a partir de que momento se pode exercer tal direito, tanto mais que, ao contrário do que se passa com os preferentes, os titulares do direito de remição não são notificados para exercerem, querendo, o seu direito.
É que, não sendo notificado para o efeito, o titular do direito de remição tem de estar alerta, a fim de se apresentar a exercê-lo no momento próprio ou dentro do prazo legal.

Quanto à oportunidade do exercício deste direito, sustenta a exequente/agravante, que pressupondo o direito de remição, nos termos do disposto no art. 912º, n.º1 do C. P. Civil, a adjudicação ou a venda dos bens penhorados, este direito só pode ser exercido pelo respectivo titular no acto da entrega dos bens móveis ou no acto da escritura pública de venda, no caso de bens imóveis.
Antes dessa entrega dos bens móveis ou dessa escritura, não há que falar de remição.
Assim, porque no caso dos autos foi ordenada a venda por negociação particular, mas não chegou a verificar-se a entrega dos bens móveis nem a efectuar-se qualquer escritura de venda dos bens imóveis, não se verificou qualquer remição por parte da filha do executado, Ana ....
Esta posição já havia merecido acolhimento, embora sobre a questão diversa, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 27.10.1988 In, CJ; ano XIII, tomo IV, pág. 126..

Não é esta, porém, a nossa posição.
É que, aderindo à doutrina expandida no Acórdão da Relação do Porto, de 26.06.1990 In, CJ, ano XV, tomo III, pág. 225, entendemos que decorre do citado art. 912, n.º1 que o direito de remição se exerce a partir do momento em que fica determinado o preço dos bens a vender.
E isto porque, tal como se escreve nesse mesmo acórdão, é pelo preço que se opera a remição E isto sem prejuízo de poder elevar-se essa base nos casos especiais de licitações entre vários concorrentes à remição ou entre preferentes cujo direito venha depois a ser sacrificado em favor da remição- arts. 915º e 914º do C. P. Civil., pois não basta a vontade do remidor em salvar o património de um parente próximo, é ainda necessário que possa pagar o preço e só depois de este fixado é que se sabe por quanto é.
Significa isto que, uma vez ordenada a venda por negociação particular e determinado o preço da venda, o titular do direito de remição já pode exercer tal direito.
É que, se assim não fosse chegaríamos à solução absurda de, não obstante o cônjuge ou qualquer parente em linha recta do executado ter manifestado, nesta fase do processo executivo, a vontade de remir, obrigar-se o encarregado da venda a concretizar, perante o terceiro adquirente, a entrega dos bens móveis ou a celebrar a escritura de venda de bens imóveis para, depois, nestes próprios actos se fazer consomar a remição.
O que tudo se traduziria na prática de actos inúteis, com despesas acrescidas, resultado que, certamente, o legislador não quis.
Ora, porque, no caso dos autos, já havia sido autorizada a venda por negociação particular e já se encontrava fixado o preço dos bens a vender, forçoso é concluir que o direito de remição foi oportunamente exercido pela filha do executado.

Improcedem, pois, as 1ª a 8ª conclusões da agravante.

II- Finalmente, argumenta a agravante padecer o despacho recorrido de nulidade, nos termos do disposto no artigo 201º do C. P. Civil, porquanto adjudicou à filha do executado o tractor matrícula VU-..., que não deveria ter sido era objecto de venda, pois que relativamente a tal bem já a exequente havia desistido da respectiva penhora.

A este respeito, diremos desde logo que a ser assim, a denunciada ilegalidade reside, então, no despacho que ordenou a venda e não no despacho recorrido, sendo que no presente recurso não nos compete apreciar da validade daquele despacho.

Daí improcederem todas as demais conclusões da exequente/agravante.





DECISÃO:

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.