Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4324/05.2TBVCT.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA
VENDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Do n.º 3 do art.º 218.º do CPPT (Procedimento Tributário) decorre, que o facto do bem penhorado numa execução fiscal, ter sido alvo de penhora mais antiga numa execução judicial, não determina a suspensão da execução fiscal, que prosseguirá os seus termos tendo em vista, nomeadamente, a venda do bem penhorado.
II - A execução judicial, onde foi efectuada a penhora mais antiga, prosseguirá igualmente os seus termos relativamente ao bem duplamente penhorado, até à realização da venda, na execução fiscal ou na execução judicial (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 527; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2006, pág. 344, nota 740).
III- Como, no caso dos autos, o processo fiscal foi mais lesto e a venda já se mostra efectuada na execução fiscal, onde aliás o exequente reclamou o seu crédito, tal venda operou a extinção, por caducidade, dos direitos de garantia que oneravam o prédio, nomeadamente a penhora efectuada na presente execução (judicial).
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO
Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa em que é exequente Banco… S.A. e são executados F… e outros, o Banco exequente veio requerer se desse sem efeito a venda designada para 29.4.09 e se ordenasse o levantamento da penhora que incide sobre a fracção autónoma, prosseguindo a execução sobre outros bens, nos termos peticionados no requerimento executivo.
Alega para tanto que, na qualidade de credor hipotecário, reclamou o seu crédito na execução que corre termos no serviço de finanças de Viana do Castelo sob o nº 2348200701052187. No âmbito da venda neles realizada do imóvel penhorado, este foi adjudicado ao aqui exequente pelo preço e €66.000, quantia que depositou naqueles autos e que ainda não lhe foi devolvida, por não ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
Apenas o Mº Pº se opôs ao requerido, sustentando que, como o registo da penhora efectuada nestes autos é anterior ao registo da penhora efectuada na referida execução fiscal, a referida venda não produz qualquer efeito sobre a penhora efectuada na presente execução.
Sobre o requerido recaiu o seguinte despacho:
“Pelos fundamentos de facto e de direitos invocados pelo Digno M.P., que a aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais, indefere-se ao requerido.
Notifique, com cópia da promoção, e, após trânsito, conclua”.
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Inconformado, o Banco exequente interpôs o presente recurso, que foi admitido como agravo a subir de imediato em separado e com efeito suspensivo sobre a decisão recorrida.
Apresentou alegações em que formula as seguintes conclusões:
I - O aliás douto despacho recorrido não deve manter-se pois não consagra a justa e correcta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II - O Recorrente é credor dos Executados pelo montante de €77.0707,38, proveniente de um empréstimo que lhes concedeu.
III - O crédito do Recorrente encontra-se garantido por hipoteca constituída sobre a fracção autónoma designada pela letra “E”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Lugar da Abelheira, na Rua António Correia Vieira, freguesia de Viana do Castelo (Santa Maria Maior), concelho de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 3468.º e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 1214/19950216.
IV - Sobre este imóvel foi registada uma penhora no âmbito dos presentes autos, a qual se encontra inscrita sob a Ap. 18 de 2008/03/25
V - Em 27.02.2009, foi o aqui Recorrente citado, nos termos do art.º 239º do Código de Procedimento e Processo Tributário, para efeitos de reclamação de créditos nos autos de execução fiscal que correm termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo sob o n.º 2348200701052187 e Aps.
VI - Na venda realizada em 02.04.2009, naquela execução fiscal, a referida fracção foi adjudicada ao aqui Recorrente pelo preço de 66.000,00€, tendo sido desde logo depositado o preço, encontrando-se a propriedade definitivamente registada a seu favor pela inscrição Ap. 5025 de 2009/05/22
VII – O Tribunal a quo considera que, uma vez que a penhora ordenada nos presentes autos se encontra anteriormente registada, a venda ocorrida na aludida execução fiscal é inoponível aos presentes autos, devendo estes prosseguir os seus trâmites relativos à venda do imóvel em apreço.
VIII - Todavia, entende o Recorrente que o despacho recorrido não faz uma correcta interpretação das disposições conjugadas dos art.s 218º n.º 3 do C.P.P.T, 871º nº1 do C.P.C. e 819.º do C.P.C..
IX - Dispõe o n.º 3 do art. 218º do C.P.P.T. que podem ser penhorados pelo órgão de execução fiscal
X – A ser assim, por força do "privilégio" concedido à execução fiscal através do regime especial contido no artigo 218°, nº 3, do C.P.P.T., nenhum destes processos tem de ser sustado.
XI – Isto é, no foro tributário não se aplica o regime previsto no art. 871º do C.P.C., prosseguindo pois a tramitação do processo executivo fiscal com inteira autonomia e independência do processo comum.
XII – A verdade é que as normas do C.P.C. são de aplicação supletiva, ou seja, têm aplicação quando ocorrerem casos omissos, nos termos do art.º 2.º, al.e) do CPPT. Ora, neste particular não há omissão, mas sim um regime próprio. A diferença de regimes explica-se pela diversidade de realidades que a lei pretende acautelar com a execução comum e com a execução fiscal.
XIII - Ora, a existência do regime especial previsto no artº 218º n.º 3 do C.P.P.T. não pode deixar de ter como consequência lógica que a inoponibilidade prevista no artº 819º do C.C. não tem aplicação sempre que o imóvel seja vendido em execução fiscal, ainda que a penhora haja sido ordenada em data posterior.
XIV - De resto, tal situação em nada prejudica os interesses que se pretendem proteger com o disposto no artº 819º do C.C.
XV - Com efeito, consagra aquele artigo o principio da ineficácia em relação ao Exequente e demais credores dos actos de disposição dos bens penhorados. Tal regime de ineficácia visa proteger os interesses do Exequente e dos credores em ver satisfeitos os seus créditos, pela venda dos bens penhorados, pelo que não pode ir além do que é aconselhado pela sua razão de ser.
XVI - Pelo que, no caso em apreço, tendo o Exequente e demais credores garantidos sido citados para, nos termos do artº 240 do C.P.PT., reclamarem o seu crédito na aludida execução fiscal, em nada saem ofendidos os seus interesses.
XVII - Deve, então, ser ordenado o levantamento da penhora que incide sobre a fracção autónoma supra referida, e bem assim, ordenado o prosseguimento dos autos para penhora de outros bens dos Executados.
XVII - Ao decidir-se, como se decidiu, não foi feita a melhor interpretação e aplicação da lei, pelo que o despacho recorrido viola as normas e os princípios jurídicos constantes dos art.ºs 218°, nº 3 do C.P.P.T. e 871° do C.P.C., porquanto as mesmas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido, com todas as consequências legais. Assim, se fará, como sempre, inteira J U S T I Ç A.
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Apenas o Mº Pº contra-alegou.
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Não consta dos autos o despacho de sustentação.
Autuado e instruído com a pertinente certidão, o recurso foi remetido a este Tribunal da Relação onde foi admitido nos mesmos termos.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 684º nº3 e 690º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 660º nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artºs 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Face às conclusões da apelação cumpre decidir se a venda realizada no processo executivo é ineficaz em relação à penhora efectuada nos autos principais, ou seja, se a penhora anterior em execução judicial implica a suspensão da execução fiscal onde o mesmo bem foi posteriormente penhorado e consequente ineficácia da venda aí efectuada.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
Têm interesse para a apreciação deste recurso os seguintes factos:
1º O crédito exequendo está garantido por hipoteca sobre o imóvel descrito na Conservatória do registo predial de Viana do Castelo no nº 1214 de Santa Maria Maior.
2º Nos autos principais, de execução do crédito garantido por tal hipoteca, foi o mesmo imóvel penhorado em 25.3.2008, penhora essa registada na mesma data pela ap.18.
3º Da nota informativa do registo a fls. 27, 28 e 29, resulta que sobre o mesmo prédio pendiam vários registos de penhoras anteriores, concretamente, dois a favor do IGFSS (ap. nºs s 67 e 68), ainda em vigor e outros a favor da fazenda nacional, que já se encontravam cancelados.
4º A execução foi sustada nos termos do artº 871º do C.P.C.
5º A Segurança Social informou que as duas penhoras a seu favor se encontravam extintas pelo pagamento e iria diligenciar pelo cancelamento do registo (fls. 30).
6º Presumivelmente com base nesta informação, determinou-se o prosseguimento da execução e agendou-se a venda.
7º O exequente foi citado no processo de execução fiscal nº 2348200701052187, onde também havia sido penhorado o mesmo imóvel, mas em data posterior, para reclamar o seu crédito e no âmbito de tal execução o dito imóvel foi-lhe adjudicado, tendo depositado o preço de €66.000.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A penhora realizada nestes autos é anterior à realizada na execução fiscal onde foi efectuada a venda do imóvel ao credor aqui exequente e recorrente. A execução, a que estes autos respeitam, foi bem sustada, por constarem do registo predial penhoras anteriores e, constatando-se que todas elas tinham sido canceladas, correctamente se determinou o prosseguimento dos autos para venda.
Constatando-se, antes de efectuada a venda, que o mesmo imóvel já fora vendido em execução fiscal, ainda que a penhora realizada nesses autos seja posterior, deve deferir-se o requerido pelo exequente no sentido do levantamento da penhora.
Com efeito, relativamente a penhora posterior efectuada em execução fiscal não é aplicável o disposto no art.º 871.º do Código de Processo Civil, pois o n.º 3 do art.º 218.º do CPPT estabelece que “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada.”
Deste normativo decorre, que o facto do bem penhorado numa execução fiscal, ter sido alvo de penhora mais antiga numa execução judicial, não determina a suspensão da execução fiscal, que prosseguirá os seus termos tendo em vista, nomeadamente, a venda do bem penhorado (cfr., neste sentido, acórdãos do STA, de 16-12-2010, processo 0806/10; de 30.4.2008, processo 0248/08; de 20.2.2008, proc. 0975/07; e de 06-10-2005, proc. 0417/05; assim como do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.5.2007, 01814/07; todos in www.dgsi.pt).
A execução judicial, onde foi efectuada a penhora mais antiga, prosseguirá igualmente os seus termos relativamente ao bem duplamente penhorado, até à realização da venda, na execução fiscal ou na execução judicial (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 527; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2006, pág. 344, nota 740).
Como, no caso dos autos, o processo fiscal foi mais lesto e a venda já se mostra efectuada na execução fiscal, onde aliás o exequente reclamou o seu crédito, tal venda operou a extinção, por caducidade, dos direitos de garantia que oneravam o prédio, nomeadamente a hipoteca e a penhora efectuada na presente execução (judicial) e as posteriores, no caso a realizada na execução fiscal (art.º 824.º n.º 2 do Código Civil).
A extinção dos direitos prevista no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil opera ipso jure, não carecendo de decisão judicial para esse efeito. Contudo, face à informação fornecida pelo exequente, compete ao juiz da execução, no uso dos poderes que lhe são reconhecidos pelo art.º 809º, n.º 1, corpo, e alínea d), do Código de Processo Civil, determinar o cancelamento da inscrição do registo da penhora efectuada nestes autos.
Não tem assim qualquer utilidade travar uma batalha jurídico-processual com a Fazenda Nacional, relativamente a este “imbróglio” criado pelo próprio sistema jurídico e cuja única solução é dar prevalência à 1ª venda efectuada. Até porque, nos presentes autos e tanto quanto nos é dado perceber pelos elementos que constam deste apenso, tal não prejudica o exequente, que é aliás quem requer o levantamento da penhora, nem qualquer credor graduado. Com efeito e como refere o Mº Pº nas suas alegações, reclamaram créditos o ISS e a Fazenda Nacional, credores que este representa. Ora, tais créditos estão acautelados na execução fiscal onde o bem foi vendido (se não estão deviam estar, sendo problema da respectiva jurisdição e não dos Tribunais Judiciais).
Neste sentido, embora no caso a venda tivesse sido efectuada na execução judicial, ver o Ac do TRL, de 04-06-2009, proc. 3002/05.7TBBRR,L1-2
Tal como requerido a execução deverá prosseguir relativamente à parte do crédito que não se mostre satisfeita pelo pagamento reclamado pelo aqui recorrente na execução fiscal.
Sumário:
I - Do n.º 3 do art.º 218.º do CPPT (Procedimento Tributário) decorre, que o facto do bem penhorado numa execução fiscal, ter sido alvo de penhora mais antiga numa execução judicial, não determina a suspensão da execução fiscal, que prosseguirá os seus termos tendo em vista, nomeadamente, a venda do bem penhorado.
II - A execução judicial, onde foi efectuada a penhora mais antiga, prosseguirá igualmente os seus termos relativamente ao bem duplamente penhorado, até à realização da venda, na execução fiscal ou na execução judicial (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 527; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2006, pág. 344, nota 740).
III- Como, no caso dos autos, o processo fiscal foi mais lesto e a venda já se mostra efectuada na execução fiscal, onde aliás o exequente reclamou o seu crédito, tal venda operou a extinção, por caducidade, dos direitos de garantia que oneravam o prédio, nomeadamente a penhora efectuada na presente execução (judicial).
V – DELIBERAÇÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e determinando o prosseguimento da execução, relativamente ao remanescente do crédito do exequente, com a penhora de outros bens, bem como o cancelamento do registo da penhora sobre o imóvel, nos termos do artº 824º nº 2 do C.P.C., como fora requerido.
Sem custas.
Guimarães, 07-02-2012