Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
16/09.1GBBRG-C.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: DOCUMENTO
RECURSO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- É aos juizes do tribunal superior que compete decidir se é ou não admissível a junção de documentos em fase de recurso e, em caso afirmativo, se o conteúdo do concreto documento é ou não relevante para a sua decisão
II- O despacho proferido pelo tribunal a quo que se limita a admitir a junção aos autos de um documento que uma das partes apresentou em fase de recurso, tendo por exclusiva finalidade regular e disciplinar o andamento e a tramitação processual é de mero expediente e, por isso, irrecorrível.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo da Vara de Competência Mista de Braga 16/09.1GBBRG, foi proferida decisão, datada de 14-10-2010, que admitiu um documento apresentado pelo magistrado do MP
Notificado, o arguido José P... apresentou o requerimento de fls. 1078 e ss, no qual:
- invoca a irregularidade do despacho que admitiu a junção por falta de fundamentação; e
- requereu que esse despacho seja “reformado, suprindo-se os vícios apontados e indeferindo-se a final a junção dos autos do documento”.
Tal requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 1090, datado de 5-11-2010, que é o recorrido.
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O arguido José P... interpôs recurso desta decisão, suscitando as seguintes questões:
- o despacho que admitiu a junção do documento não está fundamentado, de facto e de direito;
- deve ser substituído por outro que indefira a junção do documento, porque tal junção viola o disposto nos arts. 165 e 340 do CPP.
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Respondendo, o magistrado do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Decorre do processo o seguinte:
1 - No decurso do julgamento o arguido e ora recorrente José P..., requereu a inquirição de um indivíduo que identificou pelo nome de “Ferreira”, que teria estado preso no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, com o nº 362 – fls. 796;
2 - Tal requerimento foi indeferido na sessão do julgamento realizada no dia 12-7-2010.
3 - Em 21-7-2010, foi proferido o acórdão, que, além do mais, condenou o arguido José P... em 10 anos e 6 meses de prisão – fls. 807 e ss;
4 - O arguido recorreu quer do despacho que indeferiu a inquirição do mencionado “Ferreira”, quer do acórdão;
5 - Entretanto, em 28-7-2010 o magistrado do MP requereu a junção uma certidão do assento de óbito de Avelino S..., ex-recluso nº 362 do EP de Paços de Ferreira (fls. 854);
6 - O arguido opôs-se à junção da certidão referida no ponto nº 4, por o magistrado do Ministério Público não ter fundamentado o requerimento e por a junção violar o disposto no art. 165 nº 1 do CPP (fls. 862);
7 – Em 14-10-2010, foi admitida a junção do documento, por despacho que tem o seguinte conteúdo:
Considerando o MP que o documento junto se mostra essencial para a decisão do recurso intercalar interposto do despacho que indeferiu a inquirição de Avelino S... que correspondia ao ex-recluso nº 362 do E.P. de Paços de Ferreira e que faleceu em 27-10-2009, admito a junção aos autos do documento” – fls. 1063 e 1064.
8 – Notificado, o arguido apresentou o requerimento de fls. 1078 e ss, no qual:
a) invoca a irregularidade do despacho referido em 7 por falta de fundamentação; e
b) requer que esse despacho seja “reformado, suprindo-se os vícios apontados e indeferindo-se a final a junção dos autos do documento”.
9 – Este requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 1090, datado de 5-11-2010, que é o recorrido.
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Notificado da decisão que admitiu a junção do documento, o arguido não podia requerer, como fez (v. acima o ponto nº 8), que tal despacho fosse “reformado, suprindo-se os vícios apontados e indeferindo-se a final a junção dos autos do documento”.
É que, uma vez proferida a decisão, aos juízes não é permitido “repensá-la” e alterá-la, pois fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto ao seu objecto - art. 666 nºs 1 e 3 do CPC.
Em consequência, também o sujeito processual, quando notificado duma decisão judicial que o prejudica e de que discorda, não pode entrar em “diálogo” com o juiz para o convencer do seu possível erro. A via é a interposição de recurso (naturalmente, se este for admissível). Só não é assim quando a lei expressamente prevê a possibilidade de «reclamação» para a entidade que praticou o acto – como exemplo, no processo penal, pode indicar-se a reclamação do despacho que indeferir actos de instrução – cfr. art. 291 2 do CPP.
Por isso, ao contrário do entendimento do recorrente, nenhuma “irregularidade” existiu no despacho que admitiu a junção do documento, por este pretensamente ter violado as normas dos arts. 165 e 355 do CPP, que justificasse a sua sanação.
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Questão diferente é a da alegada irregularidade por falta de fundamentação da decisão que admitiu a junção do documento.
Porém, o despacho de admissão foi de mero expediente. Não se trata de um «acto decisório», para os efeitos do art. 97 nº 5 do CPP.
Vejamos:
Como se referiu, o requerimento para a junção do documento foi feito após a sentença, na fase de interposição de recursos.
Não tem aqui aplicação o art. 165 nº 1 do CPP, nos termos do qual os documentos devem ser juntos impreterivelmente até ao encerramento da audiência. Esta norma visa impedir que sejam considerados na decisão quaisquer elementos de prova que não tenham sido submetidos ao contraditório. É harmoniosa com a do art. 355 do mesmo código, segundo a qual “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.
Tendo já sido proferido o acórdão da primeira instância, é evidente, pela própria natureza das coisas, que o fito do Ministério Público foi de o documento influenciar a decisão do tribunal da relação. O tribunal de primeira instância já nada de substancial tinha a decidir.
Pois bem, embora sejam apresentados no tribunal recorrido, os recursos são dirigidos aos juízes do tribunal superior. Ao juiz do tribunal recorrido não é lícito condicionar os argumentos, factos ou elementos de prova que as partes entendam apresentar ao tribunal superior. Cabe-lhe apenas a decisão processual de admitir ou não o recurso (art. 414 nºs 1 e 2 do CPP).
Por outras palavras, o juiz do tribunal a quo não podia sonegar à relação o conhecimento de um documento que uma das partes apresentou no âmbito do recurso. É aos juízes do tribunal ad quem que compete decidir se é admissível a junção de documentos em fase de recurso e, em caso afirmativo, se o conteúdo do concreto documento é relevante para a sua decisão.
Por isso, para o juiz do tribunal recorrido a decisão de admitir a junção foi de mero expediente. Teve a exclusiva finalidade de regular e disciplinar o andamento e a tramitação processual. Não vinculou a decisão do tribunal da relação, nem importou qualquer julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.
Era irrecorrível – art. 400 nº 1 al. a) do CPP.
Tem, pois, de ser negado provimento ao recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário.