Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3582/09.8TBVCT-A.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Face à alteração introduzida pelo DL nº 226/08 aos artigos 814º e 816º do Código de Processo Civil, a oposição à execução fundada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória apenas é permitida com base nos fundamentos previstos no art. 814º nº 1 do mesmo Código
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO.

1. Instaurada pela recorrida “L… , Ldª”, acção executiva para pagamento de quantia certa, com base em requerimento de injunção a que foi aposta força executória, contra F… , ambos com os sinais dos autos, veio este deduzir oposição à execução, alegando factos ocorridos antes do encerramento do dito processo, nomeadamente falta parcial de fornecimentos, pagamento de outros e prescrição de créditos.

2. Na sequência, foi proferido o despacho recorrido, indeferindo liminarmente essa oposição, com o seguinte teor:
«… De acordo com nova redacção do artigo 814º, do Código de Processo Civil – introduzida pelo Decreto – Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro -, aplicável ao caso em apreço, nas execuções fundadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, como é o caso dos presentes autos, a oposição apenas poderá fundar-se nas situações previstas nas várias alíneas do nº 1, do mencionado artigo 814º, as quais são taxativas.
Da análise dos fundamentos invocados pelo oponente verifica-se não se integrarem os mesmos em qualquer uma das referidas alíneas, sendo que o que o oponente pretende é vir discutir os fundamentos do requerimento de injunção, alegando factos ocorridos antes do encerramento do dito processo.
Não cabe em sede de oposição à execução proferir qualquer decisão diferente daquela que constitui o título da execução a que se opõe.
Decorre, assim, do exposto que a sobredita oposição à execução carece de fundamento, pelo que deverá ser liminarmente indeferida.
Atento todo o exposto, e nos termos do artigo 817º, nº 1, alínea b), indefere-se liminarmente a presente oposição à execução, por falta de fundamento».

3. Inconformado, o recorrente alegou, assim concluindo:
- A injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17/02 (artº 7º do Regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98).
- A providência de injunção começou por ser regulada pelo Decreto-Lei nº 404/93, de 10/12, revogado pelo Decreto-Lei nº 269/98 que aprovou para ela um novo regime.
- No preâmbulo daquele primeiro diploma afirmava-se expressamente que “a aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção executiva com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815º do Código de Processo Civil”.
- O Decreto-Lei nº 269/98, revogou o Decreto-Lei nº 404/93, contudo “dele não se retira qualquer sinal no sentido de outro ser, no tocante aos fundamentos de oposição à execução fundada em título constituído pelo requerimento injuntivo com aposição da fórmula executória, o pensamento ou a vontade do legislador.” – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05-05-2009.
- Vária doutrina e a jurisprudência que têm entendido, com base na natureza extrajudicial do título executivo em questão e na sequência da afirmação taxativa constante do preâmbulo do Decreto-Lei nº 404/93, que ao executado é permitido opor-se à execução não apenas com os fundamentos previstos no art.º 814º, mas também com quaisquer outros que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.
- Entendimento que é corroborado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/05/2009 onde se refere, além do mais que “a alteração dos arts. 814º e 816º, operada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11 – estendendo ao requerimento de injunção a que tenha sido aposta a fórmula executória, no que tange aos fundamentos de oposição à execução, o regime previsto para a sentença – inculca que outra era a regulamentação anterior”.
- Acresce que, “O requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, …, não contém nem o reconhecimento de um direito nem a imposição ao requerido do cumprimento da prestação, como resultado de uma decisão jurisdicional, formado completamente à margem da intervenção do juiz”.
- Sendo certo que, “a fórmula executória é insusceptível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na acção executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial”.
- Mas mais, “o requerimento de injunção, a que foi aposta a fórmula executória, não é nem tem o valor de uma sentença, como não tem o valor de um despacho judicial ou outras decisões da autoridade judicial que condenam no cumprimento de uma prestação” - do Acórdão da Relação do Porto, 05/07/2006, disponível em www.dgsi.pt.
- Ora, no caso sub judice, a sentença recorrida indeferiu liminarmente a oposição à execução nos termos e ao abrigo do disposto no artº 817º, als. b), ou seja, por o seu fundamento não se ajustar ao disposto nos artºs 814º a 816º.
- Contudo, dado o exposto, fácil é de ver que tal argumento soçobra, uma vez que partia do pressuposto, que atrás se demonstrou ser incorrecto, de que a oposição à execução só podia basear-se nos fundamentos previstos no artº 814º.
- Pelo que, ao decidir pela improcedência da oposição intentada pela opoente/recorrente, fez o Tribunal “a quo” uma incorrecta aplicação do artigo 814.º do C.P.Civil aos factos enunciados no requerimento de oposição.

Conclui pela procedência da apelação e pela revogação da decisão recorrida, com o consequente prosseguimento da oposição à execução.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. A factualidade a considerar é a que consta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzida e integrada.

B. O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sendo certo que nos recursos se apreciam questões e não razões;

C. Vem submetida à apreciação deste Tribunal a questão de saber se, executando-se um requerimento de injunção a que foi aposta força executória, pode o executado deduzir oposição com fundamentos diversos dos consignados nas várias alíneas do nº1, do artigo 814º do Código de Processo Civil.
De acordo com o artº 7º do regime anexo ao DL 269/98, a injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artº 1º do DL 269/98, de 1.09, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003, de 17.02.
Conforme sabemos, o teor dos actuais artigos 814º e 816º do Código de Processo Civil tiveram a sua redacção dada pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro. Diz este diploma, no que a eles concerne:

Artigo 814.º
Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção
1 — (Anterior corpo do artigo.)
2 — O disposto no número anterior aplica -se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.
3 — Nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o expediente respeitante à injunção é enviado oficiosamente e exclusivamente por via electrónica ao tribunal competente para a execução.
*
Artigo 816.º
[...]
Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no n.º 1 do artigo 814.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração.
Do cotejo destes novos conteúdos com os anteriores, desde logo ressalta que o anterior corpo do artº 814º passou a integrar o nº1 do actual e o artº 816º foi restringido por forma a dele ser excluído o requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória.
Significa isto que os fundamentos que antes eram exclusivos da oposição à execução baseada em sentença, passaram a alargar-se à que também provém de requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.
Dir-se-á, no senda das alegações, que o requerimento de injunção, a que foi aposta a fórmula executória, não é nem tem o valor de uma sentença, como não tem o valor de um despacho judicial ou outras decisões da autoridade judicial que condenam no cumprimento de uma prestação, pelo que o respectivo executado não poderá ser impedido de usar de todos os meios de defesa previstos para os outros títulos executivos.
Essa, era, aliás, a posição maioritariamente seguida pela doutrina e pela jurisprudência de então.
Não obstante, o acórdão da Relação de Coimbra, datado de 05.05.2009, invocado pelo recorrente, não se coaduna com o caso em apreço, por se referir a situação anterior ao DL 226/2008, inculcando, até, entendimento diverso.
Com efeito, o que ali se concluiu foi que «Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11, a oposição à execução fundada em requerimento de injunção a que tivesse sido aposta fórmula executória podia, nos termos do artº 816º do Cód. Proc. Civil, basear-se não apenas nos fundamentos previstos no artº 814º do mesmo Código para a execução fundada em sentença, mas também em quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.» - sublinhado nosso.
Sabemos que precupações de natureza constitucional estiveram na base desta orientação, tendo questão similar sido abordada no acórdão do Tribunal Constitucional com o nº 658/06, aí se decidindo «Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, a norma do artigo 14ºdo Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, na interpretação segundo a qual, na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a umrequerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, o qual se tem por demonstrado».
Não obstante, sem prejuízo de mais acertado entendimento, cremos que a redacção hoje dada ao artº 814º do Código de Processo Civil, salvaguarda cabalmente aquele aludido princípio, porquanto exige que no procedimento de formação desse título seja admissível oposição pelo requerido.
Como se escreveu no acórdão da RLx de 14.06.2011 (itij), o «DL 226/2008, de 20 Novembro, ao fazer incluir neste tipo de título executivo os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença não alterou a natureza (extrajudicial) jurídica do mesmo, apenas limitou as possibilidades de oposição na respectiva execução confinando-os ao elenco consignado no artº 814º, n.º1, do CPC.
Esta limitação de fundamentos de oposição em paridade do que acontece com o título executivo sentença (…) assume sentido no processo de formação do título em causa já que nele é assegurado o direito ao contraditório (o executado é notificado para deduzir oposição ao pedido constante do requerimento de injunção, podendo ou não querendo usar a faculdade de se opor, sendo isso uma opção sua. Por conseguinte, pretendeu a lei que tendo sido dada oportunidade de defesa no processo de injunção, não se justificaria que o executado deduzisse oposição à execução com fundamentos que poderia e deveria de ter usado anteriormente em sede de oposição ao requerimento de injunção».
A mesma Relação, por acórdão de 14.06.2011 (itij) deliberou que «As alterações produzidas nos artigos 814, e 816 do CPC, pelo DL 226/2008, de 20.11, que expressamente consagram que os fundamentos de oposição à execução baseada em injunção, são os previstos para a execução com base em sentença, constituem a clarificação de um regime já anteriormente enunciado, como tal a observar, isto é, a inadmissibilidade da apresentação de defesa com fundamento diverso do constante no artº 814º, do CPC, na vigência anterior a tais alterações, e não a formulação de algo inovatório, sem anterior suporte legal».
Em igual sentido concluiu a Relação do Porto, no acórdão de 15.03.2011 (itij), fazendo-se constar que «Admitindo o procedimento de injunção a dedução de oposição ao requerimento, a oposição à execução baseada no mesmo e ao qual tenha sido aposta fórmula executória apenas é permitida com base nos fundamentos previstos no artº 814º nº1 do Código de Processo Civil».
Refira-se, finalmente, que o mesmo entendimento foi adoptado por esta Relação de Guimarães, agora em acórdão datado de 26 de Maio de 2011 (itij), nele se lendo que « O legislador do DL 269/98 concedeu ao requerido, no procedimento de injunção, um prazo para deduzir oposição, de 15 dias, igual ao prazo de que o réu dispõe para contestar no processo sumaríssimo (artº 794º do CPC), precedido de um rigoroso formalismo no acto de notificação, conforme exige o seu artº 12º do DL 269/98. A não se entender assim, então o procedimento de injunção era um acto inútil, uma vez que o requerido poderia suscitar na execução as questões que poderia ter suscitado na injunção, assim como desnecessário era deduzir oposição, pois sempre poderiam ser suscitadas todas as questões na execução. A questão é diferente quando o título executivo é um título extrajudicial, pois nestes casos o primeiro momento que as partes têm para se defender é a oposição na acção executiva, pelo que nestes casos se justifica que se possam socorrer dos fundamentos mais amplos previstos no artº 816º do CPC que englobam não só os constantes do nº1 do artº 814º do CPC, como quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração».
Não poderíamos estar mais de acordo, pois que nenhuma razão defensável se descortina para se conceder ao executado duas oportunidades iguais e sucessivas de defesa, que se configurará como excepcional e sem justificação, em termos deste direito.
É de manter, por isso, o despacho em crise, que se encontra conforme à lei.
Em resumo, a oposição à execução baseada em procedimento de injunção, ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas é permitida com base nos fundamentos previstos no artº 814º nº1 do Código de Processo Civil.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Guimarães, 29 de Novembro de 2011

Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha