Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/12.0TBCMN.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
INDIVISIBILIDADE
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – De acordo com o disposto no art.º 1417º, nº 1, do CC, para que a propriedade horizontal possa ser constituída por decisão judicial impõe-se que, a par dos requisitos civis referidos no art.º 1415º do CC, se verifiquem os requisitos administrativos de divisibilidade através da constituição da propriedade horizontal.
II –Tais requisitos haverão de concorrer ou verificar-se no momento em que a divisão é requerida e se coloca a questão da divisibilidade ou indivisibilidade da coisa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
A presente acção de divisão de coisa comum destinada a colocar termo à compropriedade do imóvel que id. no art. 1º da sua petição inicial foi intentada por C… e M… contra B… e M… alegando que o prédio é indivisível sem detrimento da coisa. Mesmo que a questão da divisibilidade se colocasse sempre seria necessário que o ente autárquico a viabilizasse, não sem antes os demais condóminos do imóvel a autorizassem
Devidamente citados, os Rs. deduziram oposição, alegando a divisibilidade da coisa.
Foi determinado o registo da acção
Seguiu-se despacho a notificar os AA para juntarem nova petição onde concretizem o pedido formulado-, o que foi feito.
Os réus deduziram oposição alegando a divisibilidade.
A seguir foi proferido despacho que considerando que a fracção em causa é um T1 mandou notificar os requeridos para virem aos autos dizer deque forma a fracção é divisível, sendo que o tribunal declarará a sua indivisibilidade se nada for dito no prazo de 10 dias.
Os réus satisfizerem esta pretensão.
Seguiu-se pedido de indicação de perito e determinação para ser efectuada prova pericial com vista á determinação da divisibilidade/indivisibilidade da coisa comum.
Os AA juntam requerimento ao abrigo do disposto no artº 669 do CPC no sentido de serem esclarecidos se o tribunal se pretende pronunciar sobre a matéria excepcional –consubstanciada na indivisibilidade jurídica e material alegadas na inicial , em momento ulterior à promovida perícia.
A seguir foi a seguinte decisão
"Pelo exposto, julgo verificada a situação de compropriedade e declaro o prédio id. Na alínea a) da matéria de facto provada indivisível.
As custas serão suportadas a final na proporção das quotas dos As. e dos Rs. De harmonia com o disposto no art. 446º nº 1 parte final do C. P. Civil.
Registe e notifique.
Para realização da conferência prevista no art. 1056º, nº 2, do C. P. Civil, designo o dia 12 de Junho, pelas 10.00 horas.
Notifique a todos os interessados, com a advertência prevista no art. 1352º do C. P. Civil (ex vi art. 1056º, nº5, do diploma citado)".
Após esta decisão os requeridos vieram apelar, formulando, nas suas alegações, as seguintes Conclusões:
I) O Mmo. Juíz a quo decidiu-se sumariamente pela indivisibilidade da fracção, sem que tenha sido feita prova nos autos, pelo menos que seja do conhecimento dos demandados, dessa mesma indivisibilidade.
II) No caso, tendo os autores alegado que a coisa é indivisível, cabia-lhes alegar e provar a razão de indivisibilidade, aos réus cabia contestar a indivisibilidade e provar que a coisa é divisível.
III) Para que na acção se pudesse decidir pela indivisibilidade, como fez o Mmo. Juíz a quo, teria que dos autos constar meio de prova idóneo a tal fim. Sucede que, apesar de na sentença se fazer menção a um relatório pericial, o que é certo é que os demandados nunca dele foram notificados, desconhecendo, na íntegra o seu conteúdo.
IV) Dispõe o art. 1055º do C.P.C. que caso a perícia conclua que a coisa não pode ser divida em substância, as partes são notificadas do relatório pericial, podendo pedir esclarecimentos ou contra ele reclamar, no prazo de 10 dias. Ocorre que, in casu, o Sr. Juíz decidiu sem que, previamente, as partes tivessem sido notificadas do relatório pericial.
V) Assim, deverá anular-se todo o processado posterior à realização da perícia, devendo o respectivo relatório ser notificado ás partes, nos termos previstos no art. 1054º nº 2 do C.P.C.
VI) A sentença recorrida violou o disposto no art. 1053º nº 2 e 1054º nº 2 do C.P.C.
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se todo o processado subsequente à elaboração do relatório pericial e ordenando-se a notificação das partes para sobre ele se pronunciarem.
Assim se fará a habitual, sã e serena Justiça!
Os requerentes apresentaram contra alegações nas quais concluiram pela improcedência do recurso.
Apresentam ampliação do objecto de recurso ao abrigo do disposto no artº 684º-A nº2.
Formulam as seguintes CONCLUSÕES
1 - Não assiste qualquer razão aos recorrentes ao pretenderem que o Tribunal declare nulo o Despacho ora posto em crise por preterição do nº 2 do art.º 1054º do C.P.C.;
2 - A perícia ordenada pelo Tribunal dentro do seu livre arbítrio foi usada pelo mesmo como meio meramente instrumental para coadjuvado pelos outros elementos constantes do processo, ser proferido o Despacho judicial que os recorrentes pretendem ver declarado nulo;
3 - Porém, salvo o devido respeito pela posição perfilhada pelos recorrentes, pretendem os recorridos que o Tribunal em sede de Ampliação de Recurso, conheça da matéria vertida na sua Petição Inicial e em Requerimento de esclarecimento, que o Tribunal ignorou ao proferir o Despacho ora posto em crise, de onde resulta com especial clareza que:
a) O prédio objeto de divisão é já uma fração autónoma de um prédio em regime de propriedade horizontal;
b) Não se pretendendo constituir em propriedade horizontal um prédio passível de divisão que é o que claramente se prevê no art.º 1415º e seguintes do C.C,, a pretensão dos recorrentes só poderá ocorrer através da modificação do titulo da propriedade horizontal existente, o que pressupõe o Acordo de todos os condóminos – art.º 1419º do C.C.;
c) Tal modificação subentende a divisão da fração, o que só pode ocorrer com a prévia aprovação em Assembleia de Condóminos, sem nenhuma oposição – nº 3 do art.º 1422º – A do C.C.;
d) Paralelamente, porque tal divisão implicaria a alteração do projeto aprovado, a verificação da sua adequação ao regime de propriedade horizontal e nova qualificação do uso das novas frações, conforme resulta do art.º 66º do Dec. – Lei 555/99, na sua atual redação Lei 60/2007, o Município teria de intervir para que a aludida divisão operasse, sob pena de nulidade do titulo – nº 3 do art.º 1418º do C.C.;
e) Por ultimo, a aludida modificação teria de ser realizada por Escritura Publica ou por Documento Particular Autenticado, desde que com o Acordo de todos os condóminos – art.º 1419º do C.C.;
f) Assim sendo, Venerandos Desembargadores, por Sentença Judicial a propriedade horizontal só pode ser constituída desde que seja para dividir um imóvel em frações autónomas distintas e isoladas entre si, sempre e desde que o ente autárquico competente seja ouvido e deia o seu assentimento;
g) A modificação do título não compete aos Tribunais;
Assim sendo, conhecendo V.ªs Ex.ªs do objeto da Ampliação e julgando-a procedente farão a habitual Justiça.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, decisão que foi mantida por despacho proferido neste Tribunal da Relação.
Foram colhidos os vistos legais.

A apreciar temos as seguintes questões
. violação do contraditório
. indivisilibilidade legal do imóvel em causa

Fundamentação
De Facto
Na decisão foram considerados provados os seguintes factos:
a) Encontra-se registada desde 25-05-2005 a favor de autores e réus, na proporção de metade, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra A, do prédio em regime de propriedade horizontal sito no Largo…, em Caminha, composta de duas divisões e uma arrecadação servindo de garagem sita na cave, com a área aproximada de 207,50 m2.
b) A fracção autónoma referida em a) tem uma única casa de banho.
c) A fracção não é divisível em substância

Do Direito
O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, e, na estrita perspectiva das partes, quiçá o mais relevante.
Na verdade: «o processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars)…esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões…para o esclarecimento da verdade» - Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, p.379.
A sua consagração legal mais evidente está plasmada no artº 3º nº3 do CPC:
«O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Este princípio assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do nº1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de ação e de defesa.
Na verdade: «quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respetiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é suscetível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº3» - Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10..
No plano da prova, o princípio do contraditório apenas exige que “às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos da causa, que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal” - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, págs. 98 e 99
Ora, no caso em apreço as partes não foram notificados do relatório da perícia feita e com base no qual o Tribunal da 1.ª instância se baseou na sua decisão, conforme claramente resulta da fundamentação na qual se escreveu A convicção do Tribunal alicerçou-se no teor dos documentos juntos e do relatório
pericial elaborado.
Mostra, pois, violado o princípio do contraditório na vertente apontada.
Todavia esta omissão de notificação não influiu na decisão da causa e por tal não acarreta a invocada nulidade.
A razão desta afirmação prende-se com a causa de pedir invocada nesta acção.
De facto, em apreciação neste processo não temos apenas a possibilidade de divisão em substância do imóvel prevista no art.º 1415º do Código Civil mas também a verificação das exigências previstas nos arts 1417º a 1419º do mesmo diploma legal e requisitos de ordem administrativos. Tudo questões colocadas na petição inicial.
Na decisão recorrida o Sr. Juiz a quo considerou que, não se verificando os requisitos do aludido artigo 1415º inexistindo logo duas fracções, o prédio objecto do direito de propriedade não é divisível.
Todavia mesmos que no caso em apreço, os requisitos do artº 1415º citado se verificassem os mesmos não eram suficientes para se concluir pela divisibilidade.
É que de acordo com o disposto no art.º 1417º, nº1, do CC, para que a propriedade horizontal possa ser constituída por decisão judicial impõe-se que, a par dos requisitos civis referidos no art.º 1415º do CC, que devem verificar-se ainda os requisitos administrativos de constituição da propriedade horizontal, designadamente as exigências legais em matéria arquitetónica, estética, urbanística, de segurança e salubridade, a certificar pelas câmaras municipais como claramente decorre do disposto no art.º 66º, nº 2 e 74º, do Regime Jurídico Da Urbanização E Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
Nos termos do art.º 209º do C. Civil as coisas são divisíveis quando, cumulativamente se verifique o concurso de três circunstâncias: - que não haja alteração da substância; - que não se verifique diminuição do valor (detrimento); - e, que não saia prejudicado o uso a que se destina. Quando tal não suceda a coisa não pode ser fracionada, sendo naturalmente indivisível.
Esta norma consagra um conceito jurídico de divisibilidade e não um conceito naturalístico ou físico ( cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol I pp 257).
Neste contexto tem pleno cabimento falar-se em requisitos administrativos de constituição da propriedade horizontal, para além dos requisitos civis enunciados.
Que assim é resulta do disposto no art.º 1418º, nº 3, do C. Civil, em que se faz menção á necessária intervenção da entidade pública na certificação da conformidade entre oi fim a que as partes destinam cada fração e o fim que foi fixado no projeto previamente aprovado pelas entidade publica competente.
E bem assim o disposto nos artigos 1416º, nº 2, e 1418º, nº 3, do C. Civil, no qual se confere às entidades públicas competentes para a provação ou fiscalização da construção, a legitimidade para requerer a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal que não preencha os requisitos administrativos legalmente fixados.
E a esse propósito igualmente o disposto nos arts. 2º, 4º, 60º, 62º a 66º e 70º, todos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, entretanto alterado pelo DL. n.º 177/2001 e pela Lei n.º 60/2007, de 4/9, nos quais se regulamenta o regime de controlo ou licenciamento prévio das Câmaras Municipais as operações de urbanização e obras particulares, nomeadamente as “obras de alteração” de construções ou edifícios, em que se incluem necessariamente a modificação das características físicas de uma edificação destinada a comércio e habitação para um edifício em regime de propriedade horizontal
No mesmo sentido também o art. 64º-4) da Constituição da República, que comete às autarquias a definição dessas regras urbanísticas.
Assim que, corroborando o que cremos ser o entendimento pacífico da jurisprudência atual, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça – entre outros acórdão proferido no processo 261/99.0TBCHV.P1.Si em 15.11.2012 em que foi seu relator o Sr Conselheiro Abrantes Geraldes e o recente acórdão proferido no processo nº 3271/03.7 TBOER:11.s1 em 12.09.2013- entendemos que, para que possa proceder a pretensão de constituição da propriedade horizontal por decisão administrativa, no âmbito de uma ação de divisão de coisa comum, para além dos requisitos civis, a que se alude no art.º 1415º do C. Civil haverão de concorrer os referidos requisitos administrativos.
E todos esses requisitos haverão de concorrer ou verificar-se no momento em que a divisão é requerida e se coloca a questão da divisibilidade.
Não é assim legítimo ao comproprietário de um prédio utilizar uma ação de divisão de coisa comum para, com o concurso do tribunal, mas sem a intervenção das entidades administrativas competentes, obter o efeito equivalente à constituição da propriedade horizontal.
Exige-o, de resto, expressamente o Código do Notariado para a constituição por negócio jurídico titulado por escritura pública (art. 59º, nº 1), não se vendo como dispensá-lo para o reconhecimento judicial, tanto mais que se trata, inegavelmente, do cumprimento de normas de direito público, de interesse e ordem pública, ficando para a decisão judicial a resolução de divergências entre os interessados (cfr. RODRIGUES PARDAL e DIAS da FONSECA, “da propriedade horizontal”, 5ª ed., 97-100).
E assim que, concordando-se em absoluto com os requerentes, sufragando do resto o que resulta ser o entendimento largamente maioritário da jurisprudência dos tribunais superiores, conclui que, para além dos requisitos civis a que se alude no art.º 1415º do C. Civil, incumbia aos requeridos demonstrar a divisibilidade do prédio por eles alegados, mormente juntando documento comprovativo da certificação pela Câmara Municipal … de que o referido prédio urbano reunia as condições previstas e exigidas administrativamente e satisfazia os requisitos legais para que se pudesse proceder à constituição da propriedade horizontal, não bastando para tal a mera alegação da divisibilidade.
A esta conclusão chega-se sem necessidade de mandar efectuar prova pericial, aliás permita na situação dos autos ao abrigo do disposto no artº 1053 nº 3 e 5 do CPC, mas desnecessária no caso em apreço, pelas razões ora apontadas.
Deve por isso improceder o recurso dos requeridos, confirmando-se a decisão recorrida quando concluiu pela indivisibilidade do prédio ainda que com outros fundamentos (os que foram alegados pelos requerentes na ampliação do recurso) e determinou o prosseguimento da ação com vista ao acordo entre os interessados na adjudicação do prédio, ou para a venda do mesmo, nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 1056º, nº 2, do C. Civil.

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I – De acordo com o disposto no art.º 1417º, nº 1, do CC, para que a propriedade horizontal possa ser constituída por decisão judicial impõe-se que, a par dos requisitos civis referidos no art.º 1415º do CC, se verifiquem os requisitos administrativos de divisibilidade através da constituição da propriedade horizontal.
II –Tais requisitos haverão de concorrer ou verificar-se no momento em que a divisão é requerida e se coloca a questão da divisibilidade ou indivisibilidade da coisa.

Decisão
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto pelos requeridos, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos, e nos termos apontados pelos requerentes na ampliação do recurso.
Custas a suportar pelos recorrentes /requeridos.
Notifique
Guimarães, 25 de Novembro de 2013
Purificação Carvalho
Rosa Tching
Espinheira Baltar