Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
12309/16.7YIPRT.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA SUJEITA A CONTAGEM
VENDA POR CONTA PESO OU MEDIDA
REDUÇÃO DO PREÇO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Na venda “ad corpus” (cfr. art. 888.º do Código Civil), em contraposição com a venda “ad mesuram” (cfr. art. 887.º do CC), o preço da coisa certa é determinado em função da totalidade ou globalidade da coisa e não da sua dimensão, mesmo que no contrato se faça incidentalmente referência à quantidade, peso ou medida da coisa vendida.

II - A compra e venda de coisa determinada por preço global obriga ao pagamento deste, ainda que se venha a verificar não corresponderem à realidade as menções feitas ao número, peso ou medida das coisas vendidas – cfr. art. 888º, n.º 1, do CC.

III – Todavia, nos casos em que a quantidade diferir em mais de 20% (a vigésima parte), nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo 888.º, o preço acordado e pago pela coisa sofrerá redução ou aumento proporcional.

IV – Compete à parte que pretende ver obtida a redução do preço contratado a prova dessa divergência, por se tratar de um facto modificativo/extintivo do direito da parte contrária ao recebimento da totalidade do preço convencionado (art. 342º, n.º 2 do CC).”
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

“Massa Insolvente FI, SA” interpôs requerimento de injunção contra “MT, Lda.”, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 29.200,00 €, acrescido de juros de mora, sendo 6.317,28,00 € relativos aos vencidos até à data de interposição do referido requerimento.

Para o efeito, e em síntese, alegou a autora que vendeu à R., e esta lhe comprou, vários bens, pelo preço global de 49.200,00 €, sendo que se encontram por pagar os mencionados 29.200,00 €.
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Deduziu a R. oposição (cfr. fls. 2 a 4), defendendo que não se encontra obrigada a pagar a referida quantia em falta, alegando, para o efeito, que a requerente “só tinha para vender” – e só lhe foram entregues – “o total de 11 984 peças (incluindo 2 500 parafusos) e não o total de 30 713 peças que anunciou e que fez constar da factura”.
Conclui, assim, que, “tendo pago 20 000 € (…), pagou um valor superior ao que efectivamente a requerente lhe vendeu, face à proposta apresentada e aceite”, pelo que a injunção deve ser julgada improcedente.
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Por despacho de fls. 14 foi determinada a aplicação aos presentes autos da forma de processo comum, nos termos do disposto no art. 7º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 32/2003, de 10/5, “ex vi” do art. 13º, n.º 1, parte final, do Dec. Lei n.º 62/2013, de 10/5, atenta a data de celebração do contrato em causa.
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A Autora apresentou resposta à contestação, concluindo como no requerimento injuntivo (cfr. fls. 18 e 19).
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A fls. 29 e segs. foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo-se de seguida elaborado despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade dos pressupostos objetivos e subjetivos da instância; procedeu-se, ainda, à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova.
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Após procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento (cfr. acta de fls. 61 a 63).
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Posteriormente, o Mmº. Julgador a quo proferiu sentença (cfr. fls. 64 a 69), nos termos da qual, julgando a presente acção procedente, decidiu condenar «a R. “MT, Lda” a pagar à A. “Massa insolvente de FI, SA” a quantia de 29 200 € (vinte e nove mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, vencidos desde 5-2-2013 – os quais ascendiam, em 3-2-2016, a 6 317,28 € - e vincendos até integral pagamento.
(…)».
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Inconformada, a Ré MT-Acessórios para Máquinas de Hotelaria, Lda interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 72 a 83) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)):

«a) O presente recurso incide sobre matéria de facto, com reapreciação da prova gravada e sobre matéria de direito nos termos do disposto no art;
b) Os concretos meios de prova que impõem decisão diversa quanto à matéria de facto são os documentos 1 a 8 juntos em sede de requerimento probatório da Recorrente, assim como os juntos pelo Recorrente no início da Audiência de Julgamento com as referências 152997063, 152996662, 152996118, 152996023 no Citius e os depoimentos de F. C. (Inicio: 11.34.32 /Fim: 11.54.29- H@bilus Media Studio.), C. P. (Inicio: 10.41.42 /Fim: 10.42.18- H@bilus Media Studio), O. V. (Inicio: 11.06.41/Fim: 11..15.30 H@bilus Media Studio), C. A. (Inicio: 11.54.31 /Fim: 12.13.43- H@bilus Media Studio.), H. O. (inicio: 12.15.42 /Fim: 12.21.36- H@bilus Media Studio.);
c) Considerando os meios probatórios referidos em b), assim como nas presentes alegações na parte respeitante à alteração da matéria de facto, devem ser julgados provados os seguintes factos:

1) A Ré não esteve presente no leilão de adjudicação dos bens;
2) Nunca lhe foram transmitidas as condições particulares ou gerais de venda, quer no leilão considerando o referido em 1), quer posteriormente;
3) A Autora desconhecia por completo o número de objetos por si anunciados, apesar da descrição quantitativa aproximada que elaborou (“cerca de”);
4) “Massa Insolvente de FI, SA” declarou vender, apesar do desconhecimento das quantidades sequer aproximadas, em 5-2-2013, à “MT, Lda.”, e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 40 000 €, acrescido de IVA, no montante de 49 200 €, os seguintes bens:

- Lote 3 - verba nº 4: 1 lote de existências com cerca de 4 294 peças, composto por: balanças, azulejos, suportes de garrafas e pratos, escorredores, misturadoras, fornos, placas de indução, placas vitrocerâmicas, micro-ondas, chaminés, acessórios, outros;
- Lote 4 - verba nº 5: 1 lote de existências com cerca de 25 803 peças, composto por: acessórios, motores, turbinas, componentes, fornos, máquinas de café, chaminés, placas, outros;
-Lote 5 - verba nº 6: 1 lote de existências, com cerca de 570 peças, composto por: placas vitrocerâmicas, tampos, chaminés, fornos, frigoríficos, mesas, cadeiras, torneiras, balanças, outros; e
- Lote 6 – verba nº 7: 1 lote de existências com cerca de 46 peças: bancas, chaminés, outros.
5) Nessa ocasião, a Ré entregou à Autora a quantia de 20 000 €;
6) Os bens vendidos e comprados, respetivamente, encontravam-se acomodados de modo a que a grande maioria dos mesmos se encontrasse inacessível, inalcançável e portanto, seria fisicamente impossível à Ré verificar a existência das quantidades aproximadas contratadas, por causa que não lhe é imputável;
7) Procedeu a Ré ao levantamento dos bens que adquiriu pelo contrato celebrado entre as partes da presente ação;
8) A Ré apenas teve oportunidade de verificar a existência dos bens no momento da sua retirada do estabelecimento da Autora, momento em que procedeu à sua contagem;
9) Nesse momento referido em 8), resultou da contagem um total de 11.984 peças (incluindo 2.500 parafusos) e não o total de cerca de 30.713 peças anunciadas e feitas constar na fatura;
10) De imediato, a Ré remeteu reclamação, por escrito e verbal, à Autora (na pessoa da senhora administradora de insolvência) e à Leilão S.;
11) Deu conhecimento que, dos bens anunciados e comprados, a Autora apenas possuía para vender os seguintes:

- Do lote 3 – verba nº 4: 1.161 peças em vez das 4.294 anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 4 – verba nº 5: 10.504 peças, incluindo 2.500 parafusos (que nem fazem parte da descrição dos bens a vender), em vez das 25.803 peças anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 5 – verba nº 6: 285 peças em vez das 570 peças anunciadas na venda e
constantes da fatura;
- Do lote 6 – verba nº 7: 34 peças em vez das 46 peças anunciadas na venda e constantes da fatura.
12) A Autora, conforme guias de transporte de fls. 25-verso e ss. e registos manuscritos de fls. 31 e ss., não possuía os bens que constam do requerimento injuntivo e da fatura aqui em causa;
13) Posto o referido em 10) e 11), a Ré propôs a redução do preço acordado face ao número de peças efetivamente vendidas;
d) Tendo a Recorrente curado indicar os concretos pontos de facto que considerados incorretamente julgados, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 685.º-B, do CPC e referido os concretos meios probatórios que imporiam a decisão de facto diversa da sugerida, considerando a al. b, do n.º 1 do mesmo art., com as referências nos termos do art. 522º, nº 2, do CPC;
e) O tribunal a quo incidiu em erro ostensivo na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, devendo a mesma ser alterada;
f) A empresa Leilão S. contactou a Recorrente no sentido de averiguar se esta estaria interessada em adquirir à requerente diversos bens que constavam do auto de apreensão de bens móveis no âmbito da insolvência da empresa FI – Equipamentos de Cozinha, S.A., que correu os seus termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso, sob o nº 1810/12.1TBSTS;
g) No caso em apreço, pelo preço de €49.200 (quarenta e nove mil e duzentos euros) estava acordada a venda de cerca de 30.713 (trinta mil setecentas e treze) bens,
h) No entanto, a Recorrida não sabia sequer aproximadamente a quantidade de bens que possuía para venda;
i) No regime da venda ad corpus, o preço fixado é global, mas com indicação no contrato do número, peso ou medida da coisa vendida, conforme se verifica no caso em apreço;
j) Os bens vendidos e comprados, respetivamente, encontravam-se acomodados de modo a que a grande maioria dos mesmos se encontrasse inacessível;
k) A Ré apenas teve oportunidade de verificar a existência dos bens no momento da sua retirada do estabelecimento da Autora, momento em que procedeu à sua contagem;
l) No decorrer do processo de levantamento e contagem a Recorrente concluiu que não estavam disponíveis sequer metade dos bens, não estando, por conseguinte, perante um número aproximado conforme contratado mas um número de bens muito inferior;
m) De imediato, a Recorrente procedeu a reclamação, por escrito e verbalmente, dirigida à Recorrida (na pessoa da senhora administradora de insolvência) e à Leilão S., no sentido de apurar a causa do desfasamento entre o contratado e o realmente adquirido, de modo a apurar uma resposta e uma solução;
n) Em rigor, a Recorrida só possuía para vender os seguintes bens: - Do lote 3 – verba nº 4: 1.161 peças em vez das 4.294 anunciadas na venda e constantes da fatura; - Do lote 4 – verba nº 5: 10.504 peças, incluindo 2.500 parafusos (que nem fazem parte da descrição dos bens a vender), em vez das 25.803 peças anunciadas na venda e constantes da fatura; 4/10 - Do lote 5 – verba nº 6: 285 peças em vez das 570 peças anunciadas na venda e constantes da fatura; - Do lote 6 – verba nº 7: 34 peças em vez das 46 peças anunciadas na venda e constantes da fatura.
o) Ou seja, o total de 11.984 peças (incluindo 2.500 parafusos) e não o total de 30.713 peças que anunciou e fez constar da fatura;
p) Nesse seguimento, propôs a Recorrente um ajuste do preço face à flagrante disparidade entre o que supostamente teria adquirido por meio do contrato celebrado e o que realmente adquiriu;
q) Proposta que não foi aceite pela Recorrida, sem mais;
r) A Recorrida intentou a presente ação, com origem numa injunção, na tentativa de adquirir título executivo de forma a cobrar a totalidade do preço acordado, bem sabendo que seria possível não existirem os bens vendidos nas quantidades aproximadas anunciadas, nunca tendo apurado de facto um numero de objetos, seja esse algarismo certo ou próximo, conforme fez a Recorrente aquando do levantamento;
s) No caso sub juditio, quanto ao contrato, é à autora, ora Recorrida, a quem compete a prova da entrega da coisa – vide art.º 342.º, n.º 1, do CC –, uma vez que a Recorrida, logo aquando o levantamento dos bens, denunciou por reclamação a inexistência de mais de metade das quantidades anunciadas, conforme corroboraram todas as testemunhas de uma forma ou de outra, para além da prova documental junta;
t) [o] n.º 2 do 888.º, que ao contrário do que expressamente refere a sentença posta em crise, aplica-se especificamente ao caso e aproveita às alegações da Recorrente, na medida em que, apesar de prescrever no seu n.º 1 que “a venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade”, no n.º 2 prevê que “se, porém, a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional.”
u) E considerando que existiam no local de levantamento dos bens menos de metade das quantidades aproximadas das peças vendidas, os vinte mil euros pagos no início do contrato são mais do que suficientes para satisfazer a redução prevista no n.º 2 do art. 888.º do CC.,
v) Atente-se que, adversamente ao entendimento da sentença do tribunal a quo, no contrato do qual nasce a relação jurídica em discussão, são expressas quantidades que, na realidade, podem diferir apenas em margem pequena das contratadas.
w) O sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, isto é, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do real declaratário, face às asseverações do declarante;
x) Nenhum declaratário entenderia que por “cerca de 4.294 peças” estaria a comprar 1.161 peças, ou que por “cerca de 25.803 peças” estaria a comprar “10.504 peças”, e assim sucessivamente;
y) Estamos em face de um erro sobre a quantidade que as partes tiveram em vista quando contrataram, erro comprovado pela verificação de que o número, peso e medida das coisas vendidas e a indicação não corresponde à realidade – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-9-2008 - Fonseca Ramos - P. 2265/2008.
z) O que reitera a aplicação do n.º 2 do art. 888.º por força do princípio da equiparação, consagrado no n.º 1 do artigo 410 do mesmo diploma, ao caso vertido nos presentes autos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser pelo Venerando Tribunal alterada a matéria de facto nos termos exarados em sede das alegações que precedem, assim como ser declarado totalmente improcedente e por provar o pedido vertido pela recorrida na petição inicial, alterando, na totalidade, a decisão prolatada pelo ínclito Tribunal de que se recorre.».
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Contra-alegou a Autora Massa Insolvente de FI, S.A., fazendo constar no final as seguintes conclusões (cfr. fls. 99 a 101):

«1 A recorrente dá como certo que a matéria dada como provada deveria ser alterada e dados como provados mais 13 factos novos que, em súmula, corroboram a tese defendida pela recorrente na sua oposição
2 Ora, tal conclusão é apenas uma interpretação subjectiva e não objectiva do que foi dito, esquecendo sempre a recorrente a fundamentação de facto que, com base nos mesmos depoimentos, sustenta o Tribunal “a quo”, aliás, de forma exaustiva e bem fundamentada, não esquecendo o princípio fundamental da livre apreciação da prova e da imediação.
3 Da matéria provada nos autos e dos depoimentos das testemunhas decorre uma conclusão inabalável: as partes formaram a sua vontade numa venda “ad corpus”, ou seja , formaram a sua vontade sobre o preço e a coisa globalmente consideradas e não tendo por referência a quantidade exata das coisas vendidas (aliás conforme muito bem sustenta a sentença recorrida).
4 Ainda que assim se não entendesse, ou seja, mesmo que tudo o alegado pela recorrente fosse procedente, o que apenas se concebe por mera hipótese, ainda assim, como muito bem andou a sentença recorrida, “a verdade é que, no caso dos autos, não resultou provado que a quantidade efectiva dos bens entregues divergia da declarada, nem consequentemente, a proporção dessa divergência.” (Cfr. fundamentação de direito da sentença).
5 Na realidade, por muito que a recorrente quisesse ver alterada a matéria de facto provada, nunca em nenhum depoimento ou qualquer outra prova constante dos autos, resulta a prova da quantidade de bens realmente existente e o valor da eventual divergência, o que teria de ser conferido no acto de levantamento suspendendo-se tal recolha, e não, como fez a recorrente, levantar os bens, transportá-los para as suas instalações e, posteriormente vendê-los a terceiros, recusando-se depois a pagar o remanescente alegando aquilo que não conseguiu provar, como lhe competia.
Sendo o ónus da prova de tal divergência da responsabilidade da ora recorrente, o que não logrou fazer (cfr. fundamentação de direito da sentença) – nos termos do nº 2 do artº 342º do Cód. Civil.
6. Acresce que, em nenhum momento a prova testemunhal transcrita pode levar às “convenientes” conclusões e alteração da matéria dada como provada, pois não existe qualquer fundamento alegado pela recorrente que possa por em causa a matéria provada e infirmar o princípio da livre apreciação da prova e imediação.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE vªs exªs DOUTAMENTE SUPRIRÃO, NÃO DEVERÁ SER ALTERADA A MATÉRIA DE FACTO, DEVENDO MANTER-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA POR SER DE JUSTIÇA.».
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 104).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
– Da verificação dos pressupostos do art. 888º, n.º 2 do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC), bem como as consequências daí decorrentes.
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2. Fundamentos

2.1) A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1 - A “Leilão S.”, encarregada pela Exma. Administradora da insolvência de “FI, SA” de proceder à divulgação da venda dos bens integrante daquela massa insolvente, contactou a requerida no sentido de averiguar se esta estaria interessada em adquirir diversos bens que constavam do auto de apreensão de bens móveis no âmbito do processo de insolvência da mencionada “FI – Equipamentos de cozinha, SA”, que correu termos sob o nº 1810/12.1 TBSTS do então 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso.
2 – Entre esses bens contavam-se os infra descritos em 3).
3 – Em 5-2-2013, a requerente “Massa Insolvente de FI, SA” declarou vender à requerida “MT, Lda.”, e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 40 000 €, acrescido de IVA, no montante global de 49 200 €, os seguintes bens:

- Lote 3 - verba nº 4: 1 lote de existências com cerca de 4 294 peças, composto por: balanças, azulejos, suportes de garrafas e pratos, escorredores, misturadoras, fornos, placas de indução, placas vitrocerâmicas, micro-ondas, chaminés, acessórios, outros;
- Lote 4 - verba nº 5: 1 lote de existências com cerca de 25 803 peças, composto por: acessórios, motores, turbinas, componentes, fornos, máquinas de café, chaminés, placas, outros;
- Lote 5 - verba nº 6: 1 lote de existências, com cerca de 570 peças, composto por: placas vitrocerâmicas, tampos, chaminés, fornos, frigoríficos, mesas, cadeiras, torneiras, balanças, outros; e
- Lote 6 – verba nº 7: 1 lote de existências com cerca de 46 peças: bancas, chaminés, outros.
4 – Nessa ocasião, a requerida entregou à requerente a quantia de 20 000 €, a título de pagamento parcial do preço.
5 – De seguida, a requerida iniciou o processo de recolha dos bens descritos em 3), nos locais onde os mesmos se encontravam armazenados.
6 – No local onde os bens descritos em 3) se encontravam armazenados encontravam-se alguns parafusos, em número não concretamente apurado.
7 – Após iniciar o processo de recolha e retirada dos referidos bens, a requerida contactou telefonicamente F. C., funcionário da “Leilão S.”; dando-lhe conta que da provável falta de alguns dos bens mencionados em 3).
8 – Em 20-3-2013, a requerida enviou à Exma. Administradora de insolvência da “FI” e à “Leilão S.” o “e-mail” de fls. 21., dando conta àquela, designadamente, da inexistência de algumas das peças e bens descritos em 3), nas quantidades mencionadas nesse “e-mail”.
9 – Em 11-4-2013, a Exma. Administradora de insolvência nomeada no referido processo, Dra. D. L., enviou à requerida o “e-mail” de fls. 21 e 21-verso, rejeitando a alteração da proposta e solicitando o pagamento da quantia em falta a título de preço.
10 – Após a celebração do contrato, a R. levantou e retirou os bens existentes no local onde se encontravam armazenados, incluindo os mencionados parafusos, armazenando-os em instalações suas.
11 – Em 5-2-2013, a A. remeteu à requerida a factura nº 2012/2, constante de fls. 20-verso, no montante de 49 200 €.
12 – A. e R. acordaram que o valor da referida factura deveria ser pago aquando da sua emissão, descontado do montante que já havia sido entregue pela R..
13 – Antes da celebração do contrato, o legal representante da R. deslocou-se ao local onde os mesmos se encontravam armazenados, acompanhado de F. C., funcionário da “Leilão S.”, então os tendo examinado.
*
2.2.) E deu como não provados os seguintes factos:

1 – No local onde os bens se encontravam armazenados apenas existiam os seguintes:
- Do lote 3 – verba nº 4: 1161 peças, em vez das 4.294 anunciadas na venda e constantes da factura;
- Do lote 4 – verba nº 5: 10 504 peças, incluindo 2.500 parafusos, em vez das 25.803 peças anunciadas na venda e constantes da factura;
- Do lote 5 – verba nº 6: 285 peças, em vez das 570 peças anunciadas na venda e constantes da factura;
- Do lote 6 – verba nº 7: 34 peças, em vez das 46 peças anunciadas na venda e constantes da factura.
*
IV. Do objecto do(s) recurso(s)

1. Delimitadas, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciar cada uma delas.
1.1. Da impugnação da matéria de facto.

Em sede de recurso, vem a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:.

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, especificando igualmente a redação que entendia dever ser proferida quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º. Isto sem embargo de se considerar que, relativamente a alguns pontos fácticos, a impugnação sobre a matéria de facto jamais poderá proceder, nos termos que adiante explicitaremos.
Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
b) - sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
c) - e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).

Nas palavras de Abrantes Geraldes (2), “(…) quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. O mesmo é dizer, recorrendo ao mesmo autor (cfr. obra citada., p. 285), que a “Relação poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado”. Contudo, como também sublinha o mencionado autor, ob. cit., p. 287, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição (3) –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova (art. 607.º, n.º 5 do CPC) (4) (5).
O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções judiciais) vigora no domínio da prova pericial (art. 389º do CC e art. 489º do CPC), nalguns casos da prova documental (arts. 366º, 371º, n.º 1, in fine, e n.º 2, e 376º, n.º 3 do CC), da prova por inspeção (art. 391º do CC), da prova por testemunhas (art. 396º do CC), da prova por declarações de parte, salvo se as mesmas constituem confissão (art. 466º, n.º 3 do CPC) e da prova por verificações não judiciais qualificadas (art. 494º, n.º 2 do CPC), sendo a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção formulada (art. 607°, n° 4, do CPC).
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, sendo chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o Tribunal da Relação considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo (6).
Todavia, como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova, sendo inúmeros os fatores relevantes na apreciação da credibilidade de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes na audiência.
Na reapreciação da matéria de facto, ao tribunal de recurso caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova produzida e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimentos comuns, não bastando para eventual alteração diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Se a decisão factual do tribunal se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com beneficio da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum (7).
Dito por outras palavras, mantendo-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes/deveres de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância (8).
Em suma, exige-se, portanto, que a Relação forme a sua convicção sobre a prova proveniente da 1ª instância; depois, a Relação deve confrontar a sua convicção com a convicção formada pela 1ª instância; por fim, a Relação deve tomar a decisão que resultar desse confronto: confirmar a decisão de 1ª instância, se a sua convicção coincidir com a do juiz a quo, ou revogar e substituir a decisão recorrida, se (e na medida em que) a sua convicção divergir da convicção da 1ª instância (9).
*
1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende:

- A alteração/modificação das respostas positivas dos pontos 5 a 13 da matéria de facto provada da decisão recorrida.

Por sua vez, pretende que sejam dados como provados os seguintes factos:

1) A Ré não esteve presente no leilão de adjudicação dos bens;
2) Nunca lhe foram transmitidas as condições particulares ou gerais de venda, quer no leilão considerando o referido em 1), quer posteriormente;
3) A Autora desconhecia por completo o número de objetos por si anunciados, apesar da descrição quantitativa aproximada que elaborou (“cerca de”);
4) “Massa Insolvente de FI, SA” declarou vender, apesar do desconhecimento das quantidades sequer aproximadas, em 5-2-2013, à “MT, Lda.”, e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 40 000 €, acrescido de IVA, no montante de 49 200 €, os seguintes bens:

- Lote 3 - verba nº 4: 1 lote de existências com cerca de 4 294 peças, composto por: balanças, azulejos, suportes de garrafas e pratos, escorredores, misturadoras, fornos, placas de indução, placas vitrocerâmicas, micro-ondas, chaminés, acessórios, outros;
- Lote 4 - verba nº 5: 1 lote de existências com cerca de 25 803 peças, composto por: acessórios, motores, turbinas, componentes, fornos, máquinas de café, chaminés, placas, outros;
-Lote 5 - verba nº 6: 1 lote de existências, com cerca de 570 peças, composto por: placas vitrocerâmicas, tampos, chaminés, fornos, frigoríficos, mesas, cadeiras, torneiras, balanças, outros; e
- Lote 6 – verba nº 7: 1 lote de existências com cerca de 46 peças: bancas, chaminés, outros.
5) Nessa ocasião, a Ré entregou à Autora a quantia de 20 000 €;
6) Os bens vendidos e comprados, respetivamente, encontravam-se acomodados de modo a que a grande maioria dos mesmos se encontrasse inacessível, inalcançável e portanto, seria fisicamente impossível à Ré verificar a existência das quantidades aproximadas contratadas, por causa que não lhe é imputável;
7) Procedeu a Ré ao levantamento dos bens que adquiriu pelo contrato celebrado entre as partes da presente ação;
8) A Ré apenas teve oportunidade de verificar a existência dos bens no momento da sua retirada do estabelecimento da Autora, momento em que procedeu à sua contagem;
9) Nesse momento referido em 8), resultou da contagem um total de 11.984 peças (incluindo 2.500 parafusos) e não o total de cerca de 30.713 peças anunciadas e feitas constar na fatura;
10) De imediato, a Ré remeteu reclamação, por escrito e verbal, à Autora (na pessoa da senhora administradora de insolvência) e à Leilão S.;
11) Deu conhecimento que, dos bens anunciados e comprados, a Autora apenas possuía para vender os seguintes:

- Do lote 3 – verba nº 4: 1.161 peças em vez das 4.294 anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 4 – verba nº 5: 10.504 peças, incluindo 2.500 parafusos (que nem fazem parte da descrição dos bens a vender), em vez das 25.803 peças anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 5 – verba nº 6: 285 peças em vez das 570 peças anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 6 – verba nº 7: 34 peças em vez das 46 peças anunciadas na venda e constantes da fatura.
12) A Autora, conforme guias de transporte de fls. 25-verso e ss. e registos manuscritos de fls. 31 e ss., não possuía os bens que constam do requerimento injuntivo e da fatura aqui em causa;
13) Posto o referido em 10) e 11), a Ré propôs a redução do preço acordado face ao número de peças efetivamente vendidas;

Relativamente aos factos supra enunciados que a recorrente pretende ver como demonstrados importa desde logo consignar a inviabilidade da procedência dessa pretensão quanto aos pontos 4, 5 e 10 – que correspondem, com ligeira alteração de redação, aos pontos 3, 4 e 8 da matéria de facto provada da decisão recorrida –, na medida em que, na motivação do recurso interposto (cfr. fls. 75 vº), a recorrente foi perentória ao considerar que «[f]ace à prova produzida, entende (…) que o tribunal a quo, corretamente, deu como provado» estes factos (tendo inclusivamente reproduzido na integra os pontos 1, 2, 3, 4 e 8 da matéria de facto provada da decisão recorrida), manifestando apenas a sua discordância quanto aos «restantes factos» provados.
Na verdade, estas questões de facto não só não foram validamente impugnadas, como inclusivamente foram objeto de aceitação expressa pela recorrente.

Assim, ao delimitar expressa e inequivocamente a impugnação da matéria de facto aos demais factos, é de concluir que os pontos 1, 2, 3, 4 e 8 da matéria de facto provada da decisão recorrida devem ter-se como definitivamente provados, estando vedado à recorrente, contraditoriamente com a declaração de anuência por si manifestada, pretender obter a alteração da referida matéria fáctica que não impugnou.
Deste modo, são de julgar inviáveis os pontos de facto n.ºs 4, 5 e 10 que a recorrente pretendia ver como provados.
Para além disso, constata-se que a matéria de facto que a recorrente pretende que este Tribunal dê como provada sobre os pontos 1, 2, 3, 6, 8 e 12 não foi objecto de alegação nos articulados, pelo que, em princípio, essa pretensão estaria destinada ao insucesso. Prevenindo, porém, a hipótese de os referidos factos serem subsumíveis ao regime estabelecido no art. 5º, n.º 2, als. a) e b) (10) do CPC, relega-se para um momento ulterior a decisão sobre a sua atendibilidade ou não.
No dizer da recorrente, a materialidade fáctica impugnada merece ser alterada pela conjugação dos documentos n.ºs 1 a 8 juntos em sede de requerimento probatório da Recorrente, assim como os por si juntos no início da audiência de julgamento com as referências 152997063, 152996662, 152996118, 152996023 no Citius e os depoimentos das testemunhas F. C. (Inicio: 11.34.32 /Fim: 11.54.29- H@bilus Media Studio.), C. P. (Inicio: 10.41.42 /Fim: 10.42.18- H@bilus Media Studio), O. V. (Inicio: 11.06.41/Fim: 11..15.30 H@bilus Media Studio), C. A. (Inicio: 11.54.31 /Fim: 12.13.43- H@bilus Media Studio.), H. O. (início: 12.15.42 /Fim: 12.21.36- H@bilus Media Studio.), que não foram devidamente valorados pelo Tribunal recorrido.
Há, assim, que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida ou, ao invés, se a mesma se apresenta de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos invocados pela apelante.
Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar consignado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos considerados na decisão da matéria impugnada, não nos tendo restringido aos trechos parcelares assinalados pela apelante.
Para além disso, foram analisados todos os documentos referenciados.
Começando pela apreciação da matéria do ponto de facto 1 que a recorrente pretende ver como provada, como já explicitámos, a mesma não foi alegada nos articulados. Todavia, para a decisão da causa o que releva é o que consta do item 1 dos factos provados, cuja matéria foi alegada no art. 4 do articulado da oposição, sem impugnação da recorrida, motivo por que foi (e bem) considerada admitida por acordo na sentença recorrida.
De todo o modo, sempre se dirá que da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha F. C. – que, à data, exercia funções profissionais na leiloeira “Leilão S.”, sendo então o encarregado da parte logística –, bem como da testemunha O. V. – funcionária subordinada da “Leilão S.”, onde exerce as funções de responsável do escritório, competindo-lhe supervisionar os processos e analisar a documentação quanto às vendas –, resulta que a aquisição dos bens pela recorrente não ocorreu num leilão, já que neste não se logrou obter interessados; aquela aquisição ocorreu, sim, na sequência duma proposta posterior (2ª proposta) apresentada pela recorrente, a qual foi formalizada após o legal representante (Tiago) ter realizado, a seu pedido, uma visita ao local onde os bens objeto da venda se encontravam armazenados a fim de os examinar, no que foi acompanhado pela referida testemunha F. C..
Daí que, dada a sua irrelevância para a sorte da ação se desatenda o ponto impugnado, sendo sim relevante o que consta do ponto 1 dos factos provados.
No tocante ao ponto 2 que a recorrente pretende ver como provada, não obstante (também) não ter sido alegado, jamais poderia ser dado como provado. Isto porque a testemunha F. C., que acompanhou o legal representante da recorrente na visita por este efetuada às instalações da insolvente a fim de se inteirar e examinar os bens objeto da venda tendo em vista uma eventual formalização de proposta de aquisição de tais bens, confirmou ter-lhe então facultado um folheto com as condições gerais de venda (por referência ao documento junto aos autos – cfr. fls. 20 e 60).

Improcede, por isso, o ponto fáctico em apreço.

No tocante ao ponto 3 que a recorrente pretende ver como provado, que também não foi alegado nos articulados, resulta do depoimento da testemunha Ana, à data consultora da leiloeira “Leilão S.”, que, quanto a alguns bens, dada a sua especificidade (quer em termos quantitativos, quer por força do seu diminuto tamanho) era impossível contabilizá-los, tendo para o efeito recorrido ao inventário da empresa insolvente para indicar uma estimativa ou um valor aproximado de tais bens. Daí a razão de ser para nas condições gerais de venda (cfr. documentos de fls. 20 e 60), bem como na fatura que titula essa venda (cfr. documento de fls. 20 v.º) se fazer menção a “lote de existências com cerca de” x bens, e não a um número preciso e determinado.
Não podendo, pois, inferir-se que a autora desconhecia por completo o número de objetos por si anunciados, resta concluir pela improcedência do ponto fáctico impugnado.
A matéria dos pontos de facto n.ºs 4 e 5 que a recorrente pretende ver como provada é de julgar inviável, nos termos supra já explicitados, o que dispensa qualquer considerações complementares.
A matéria do ponto de facto n.º 6 que a recorrente pretende ver como provada não foi alegada, pelo que não tinha de ser atendida na decisão da matéria de facto.
Sempre se dirá que, embora decorra do depoimento da testemunha F. C. que parte dos bens objeto da venda estavam embalados, o que igualmente se infere dos documentos constantes de fls. 54 a 59, daí não é legítimo concluir que a «grande maioria dos mesmos se encontrasse inacessível, inalcançável e portanto, seria fisicamente impossível à ré verificar a existência das quantidades aproximadas contratadas (…)».
Não oferece controvérsia que a “Leilão S.”, encarregada pela Administradora da insolvência de “FI, SA” de proceder à divulgação da venda dos bens integrantes daquela massa insolvente, contactou a recorrente no sentido de averiguar se esta estaria interessada em adquirir diversos bens que constavam do auto de apreensão de bens móveis no âmbito do processo de insolvência da mencionada “FI – Equipamentos de cozinha, SA”, que correu termos sob o nº 1810/12.1 TBSTS do então 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso. (cfr. item 1 dos factos provados)
Não sofre igualmente controvérsia que, na sequência desse contato, o legal representante da recorrente (Tiago) agendou com a “Leilão S.” uma visita às instalações da insolvente para examinar os bens objeto da venda, na qual foi acompanhado pela testemunha F. C., que lhe franqueou o acesso às instalações onde os bens estavam armazenados e o acompanhou nessa visita, exibindo-lhe os bens em causa. Como referiu a indicada testemunha, a visita correu normalmente, tendo o legal representante da recorrente tido total acesso ao local onde os bens se encontravam, visualizando os bens que ali se encontravam armazenados e jamais tendo colocado como condição que pretendia ver os bens que se encontram embalados.

Por conseguinte, não obstante se reconhecer que muitos dos bens se encontravam embalados em caixas, certo é que o legal representante da recorrente não exigiu perscrutar o que constava no seu interior. Assim, se este não examinou circunstanciadamente os bens foi porque não quis, porquanto jamais foi colocada a hipótese de, nessa visita, lhe terem sido ocultados bens, terem sido colocados entraves ao exame dos bens que entendeu por convenientes ou de os bens vendidos não corresponderem efetivamente à totalidade dos que estavam armazenados aquando da visita.
E, se dúvidas tivesse (ou subsistissem) quanto à quantidade ou à qualidade dos bens em causa, antes de formalizar a proposta de aquisição sempre o legal representante poderia ter requerido uma segunda visita, solicitado a prestação de esclarecimentos que entendesse por convenientes ou, então, formalizado a proposta sujeita a determinadas condições (nomeadamente acautelando a hipótese de haver divergências ou dúvidas quanto à efetiva quantidade dos bens anunciados para venda).
Ademais, não será despiciendo salientar que a recorrente está habituada a adquirir bens em leilões, pelo que nem sequer se poderá fazer apelo a uma entidade inexperiente na matéria em causa.

É, por isso, de julgar improcedente o ponto fáctico em apreço.
No tocante ao ponto de facto n.º 7 que a recorrente pretende ver como provado inexistem razões válidas e justificativas para alterar a respetiva materialidade fáctica dada como provada no ponto 7 dos factos provados, motivo por que improcede a impugnação deduzida.
Quanto ao ponto de facto n.º 8 proposto pela recorrente, é manifesta a improcedência da impugnação deduzida visto que, nos termos já explicitados, previamente à apresentação da proposta de aquisição dos bens, o legal representante da recorrente (Tiago) solicitou à “Leilão S.” uma visita às instalações da insolvente para examinar os bens objeto da venda, tendo efetivamente realizado essa visita, na qual teve oportunidade de se inteirar cabalmente dos bens em causa, sendo certo que não alegou qualquer constrangimento quanto aos termos como decorreu essa visita, ao ponto de posteriormente ter concretizado a formalização da sua proposta, o que denota claramente que ficou interessado na aquisição de tais bens.
Por conseguinte, resultando da prova produzida que a recorrente, na pessoa do seu legal representante, teve oportunidade de verificar a existência dos bens em momento anterior à apresentação da proposta de aquisição, forçoso será concluir pela improcedência do ponto impugnado.
Quanto aos pontos de facto n.ºs 9 e 12 que a recorrente pretende ver como provados teve-se sobretudo em atenção o depoimento da testemunha C. A., que até há cerca de dois anos foi funcionário da recorrente, onde exerceu as funções de técnico.
Participou na operação de transporte dos bens adquiridos das instalações da FI para as instalações da recorrente, o que demandou mais de 10 (dez) deslocações, tendo procedido à etiquetagem, registo e contagem dos bens recolhidos (sendo que alguns dos dizeres constantes de fls. 31 e seguintes são da sua autoria)
Depois de referir não saber concretizar o número preciso (o que, como se refere na sentença recorrida, se compreende, tendo em conta o período de tempo já decorrido e o numero de peças em causa), declarou terem sido retiradas das instalações da insolvente “à volta de 12.000/ 13.000” peças.
Revelou sinceridade ao dizer não poder ser preciso quanto ao número de bens que faltariam, pois desconhecia a quantidade de bens adquiridos pela recorrente. Foi o legal representante quem lhe disse que o número recolhido era inferior ao adquirido, desconhecendo, de facto, se assim era ou não.
Teve-se, também, em atenção o depoimento da testemunha H. O., legal representante da sociedade Transportes C., Lda, que, a pedido da recorrente, efetuou o transporte dos bens em causa das instalações da insolvente para as instalações da recorrente, serviços estes a que se reportam as guias de transporte contantes de fls. 25 vº a 28.
Não obstante ter referido que o legal representante da recorrente lhe mencionou que “faltava muito material”, a verdade é que a testemunha não revelou ser portadora de conhecimentos que atestem essa factualidade, desconhecendo o que foi contratado (quer em termos quantitativos, quer qualitativos) e se os bens transportados ficavam aquém do acordado.
Ademais, disse desconhecer se a recorrente apenas recorreu aos serviços da Transportes C., Lda para proceder ao transporte da totalidade dos bens adquiridos, depreendendo-se que assim não tenha sucedido face à junção aos autos (pela recorrente) de guias de transporte tendo como transportador a sociedade “José, Lda” (cfr. documentos de fls. 24 vº e 25).
Subscrevemos (por inteiro) o juízo formulado na 1ª instância quando se refere que as referidas testemunhas não conseguiram precisar os concretos bens retirados das instalações da “FI”, além de que tal especificação também não se consegue alcançar do teor dos registos manuscritos de fls. 31 a 45, os quais são manifestamente inviáveis para habilitar o tribunal a formar um juízo seguro, seja em que sentido for.
Para além disso, considerando que a recorrente procedeu ao transporte para as suas instalações da totalidade dos bens existentes nas instalações da insolvente (depoimento da testemunha C. A.), tendo ulteriormente procedido à venda de tais bens a terceiros (cfr. art. 23º do articulado da oposição), à míngua de outros elementos probatórios credíveis, torna-se inviável formular um juízo, sequer aproximado, quanto à quantidade de bens recolhidos das instalações da insolvente.
Daí que se julgue improcedente a impugnação deduzida quanto os pontos n.º 9 e 12 que a recorrente pretendia ver como provados.
Relativamente aos pontos de facto n.ºs 10 e 11 propostos pela recorrente, os elementos probatórios produzidos apenas permitem concluir nos exatos termos constantes da resposta conferida aos itens 7 e 8 dos factos provados, sendo que o item 7) alicerçou-se no depoimento da testemunha F. C., o qual confirmou ter sido contatado telefonicamente pelo legal representante da recorrente (Tiago), que lhe transmitiu que desconfiava que não lhe tinham sido entregues todas as peças indicadas no auto, ao passo que o item 8) mostra-se suportado no documento de fls. 21 (email datado de 20/03/2013, enviado pelo legal representante da recorrente à administradora da insolvência, no qual acusa a falta de bens).
Por outro lado, como já anteriormente explicitámos, não é possível concluir quanto à quantidade de bens recolhidos das instalações da insolvente.
Nesta conformidade, julga-se improcedente a impugnação dos referidos pontos de facto.
Por último, no que diz respeito ao ponto 13) proposto pela recorrente, desde logo lhe faltam os factos que dele eram pressuposto – os factos propostos sob os itens 10) e 11) –, além de que nenhum meio probatório credível confirmou essa versão fáctica e ela não se extrai dos documentos carreados aos autos.
Resta, assim, concluir pela improcedência desse concreto ponto impugnado.

Por último, dizer que, da análise da fundamentação das respostas dadas pelo tribunal na sentença, resulta exame crítico e valorativo das provas em que alicerçou a sua convicção, mais do que uma simples identificação dos meios de prova que teve por relevantes. O tribunal concatenou as prestações testemunhais produzidas em audiência e os documentos produzidos, e, discutindo as suas posições, apelando aos conhecimentos, à experiência e à razão de ciência de cada uma, tirou conclusões que se mostram condizentes com a leitura por nós efetuada da prova produzida.

Em suma, por referência aos concretos meios de prova (testemunhais e documentais) erigidos como justificadores da impugnação da matéria de facto, é de concluir que os mesmos não têm a aptidão de credibilidade que a apelante lhes pretende atribuir e não especificando relativamente aos demais meios probatórios que se mostram invocados, em sede de motivação, pelo tribunal recorrido, razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar o respetivo conteúdo e a apreciação crítica que sobre os mesmos foi feita, nem explicitando outros meios de prova que, no confronto com aqueles, deveriam merecer outra credibilidade ou uma distinta apreciação crítica, não é viável a este Tribunal superior (que não tem por missão efetuar, perante si, a repetição do julgamento) extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção do tribunal recorrido.
Nesta conformidade, coincidindo a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pelo Mmº juiz a quo, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pelo total indeferimento da impugnação da matéria de facto.
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1.4. – Verificação dos pressupostos do art. 888º, n.º 2 do Código Civil e, na afirmativa, as consequências daí decorrentes.

Estabelece o art. 874º do CC que “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.
A realização deste tipo de negócio jurídico gera a obrigação do vendedor transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação do comprador de pagar o preço (cfr. arts. 879º, 882º e 883º, todos do CC).
Na sentença recorrida entendeu-se que era de aplicar à relação contratual entre autora e ré, em que a primeira baseou o seu pedido, a norma contida no art. 888º do CC, tendo concluído pela inaplicação e/ou inverificação dos pressupostos do n.º 2, o que determinou a condenação da ré a pagar o preço em falta (29.200,00€), sem a sua redução.
Inserido na Secção destinada a regular a venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, estatui o normativo em referência:

1 – Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.
2 – Se, porém, a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional.
Foi explicado na sentença em apreço que entre autora e ré tinha sido contratada a compra e venda de lotes de existências, com cerca de 30.713,00 peças, pelo preço global de € 49.200,00, pelo que, face à indicação por aproximação (ou estimativa) do número de artigos vendidos, seria de excluir que as partes tivessem pretendido indicar em termos precisos o número das coisas vendidas, concluindo assim que as partes formaram a sua vontade sobre o preço e a coisa globalmente consideradas, e não por referência à quantidade das coisas vendidas, o que afastaria a aplicação do n.º 2 do art. 888º do CC.
De qualquer modo – acrescentou-se na sentença –, a ré não logrou demonstrar que a quantidade efectiva dos bens entregues divergia da declarada, nem, consequentemente, a proporção dessa divergência, pelo que sempre estaria obrigada ao pagamento da totalidade do preço acordado, sem possibilidade de o ver reduzido.

No caso resultou provado que:

Em 5-2-2013, a requerente “Massa Insolvente de FI, SA” declarou vender à requerida “MT, Lda.”, e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 40 000 €, acrescido de IVA, no montante global de 49 200 €, os seguintes bens:

- Lote 3 - verba nº 4: 1 lote de existências com cerca de 4 294 peças, composto por: balanças, azulejos, suportes de garrafas e pratos, escorredores, misturadoras, fornos, placas de indução, placas vitrocerâmicas, micro-ondas, chaminés, acessórios, outros;
- Lote 4 - verba nº 5: 1 lote de existências com cerca de 25 803 peças, composto por: acessórios, motores, turbinas, componentes, fornos, máquinas de café, chaminés, placas, outros;
- Lote 5 - verba nº 6: 1 lote de existências, com cerca de 570 peças, composto por: placas vitrocerâmicas, tampos, chaminés, fornos, frigoríficos, mesas, cadeiras, torneiras, balanças, outros; e
- Lote 6 – verba nº 7: 1 lote de existências com cerca de 46 peças: bancas, chaminés, outros.
Vista a factualidade disponível, verifica-se efetivamente que as partes não falaram em preço por unidade (x por peça), mas antes fixaram um valor global por cada um dos lotes de existências, por referência a um número aproximado ou estimativo de peças que integravam cada um desses lotes.
De facto, a menção utilizada de “lote de existências com cerca de” x peças a vender inculca precisamente a ideia da indicação por estimativa ou aproximação da quantidade de tais peças, o que exclui a sua indicação em número certo e preciso.
Concorda-se, por isso, em que estamos perante uma venda que a doutrina designa usualmente por "ad corpus" (ou a corpo) – posição esta que, de resto, é aceite por ambas as partes – e que o Prof. Antunes Varela (11) caracteriza com sendo "aquela em que o preço da coisa certa é determinado em função da totalidade ou globalidade da coisa e não da sua dimensão, mesmo que no contrato se faça incidentalmente referência à sua medida".
Para alcançarmos devidamente o âmbito do instituto em apreço, e porque inserido na mesma secção do Código Civil, importa ter também presente o estipulado no art. 887º do CC, nos termos do qual «[n]a venda de coisas determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, é devido o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar quantidade diferente».
Os dois enunciados preceitos contemplam o regime da venda ad mesuram (artigo 887º) e o da venda ad corpus (artigo 888º), respetivamente, versando o primeiro sobre os casos em que o preço é fixado à razão de tanto por cada unidade vendida (12) e regulando o segundo as situações em que o preço fixado é global (para o conjunto das coisas vendidas) (13), mas com indicação no contrato do número, peso ou medida da coisa vendida.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (14), a hipótese prevista no art. 887º «é a de a venda ter por objeto coisas determinadas e fixar-se o preço por unidade (venda por medida)». Neste caso, independentemente da quantidade referida no contrato, o preço devido é o proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas (15). Na venda por medida o facto de as partes fazem referência direta ao preço unitário leva a supor que a vontade das partes é fazer o preço corresponder à efetiva quantidade, peso ou medida das cosias entregues (16).
Diversamente, na situação prevista no art. 888º, o preço da coisa certa não é fixado por unidade, sendo determinado em função da totalidade ou globalidade da coisa e não da sua dimensão, embora se indique o número, peso ou medida da coisa vendida. Neste caso, “o preço devido é o global, embora a medida indicada não corresponda à realidade. Do facto de as partes não terem indicado o preço unitário extrai-se a conclusão de que elas formaram a sua vontade sobre o preço e a coisa globalmente consideradas, sendo apenas incidental a referência à quantidade, peso ou medida das coisas vendida” (17) (18).
Na venda ad corpus, havendo, porém, discrepância entre a quantidade das coisas vendidas e a que é declarada no contrato, o preço global pode ser proporcionalmente reduzido ou aumentado, desde que a divergência seja superior a um vigésimo da quantidade declarada (n.º 2 do art. 888º do CC).
Daí que se diga que o n.º 2 do art. 888º “atenua, porém, as consequências da aplicação do critério adoptado, atribuindo, quer ao vendedor, quer ao comprador, se a quantidade efectiva diferir da declaração em mais de um vigésimo desta, o direito a um aumento ou redução proporcional do preço.
(…)
Para que haja direito ao aumento ou à redução do preço é necessário, porém, que se tenha indicado ou declarado o número, peso ou medida das coisas vendidas(19).
Saliente-se que, quer no caso de venda ad mensuram (art. 887º), quer no caso de venda ad corpus (art. 888º), está apenas em causa uma divergência de ordem quantitativa (erro de cálculo comprovado pela verificação de que o número, peso ou medida da coisa vendida e a indicação não correspondente à realidade) e não qualitativa, respeitando esta a eventuais defeitos da coisa alienada (20).
Volvendo ao caso dos autos, os factos mostram inequivocamente que a venda realizada foi de coisa determinada ou individualizada (no caso, lotes de existências descritas no ponto 3 dos factos provados) e a determinação do preço foi feita pelas coisas em si, na sua globalidade ou totalidade, e não por unidade. Os factos apurados revelam, efetivamente, que a vontade das partes se formou em relação ao preço global convencionado, para a coisa-objeto da venda, sendo a indicação feita sobre o seu número (“com cerca de” x peças) incidental.
Como já vimos, com base nessa pressuposição, o Tribunal a quo entendeu que a menção da quantidade das coisas vendidas em nada relevava para a determinação quer do objeto da venda quer do seu preço, na medida em que face à indicação por aproximação (ou estimativa) seria de excluir que as partes tivessem indicado em termos precisos o número das coisas vendidas, o que permitiria inferir a conclusão de que as partes formaram a sua vontade sobre o preço e a coisa globalmente consideradas, e não tendo por referência a quantidade das coisas vendidas, legitimando, assim, a não aplicação do n.º 2 do art. 888º do CC, tendo em atenção a natureza supletiva deste normativo.
Com o devido respeito por opinião contrária, divergimos quanto a esse concreto ponto, porquanto julgamos que os elementos disponíveis nos autos não permitem concluir que o acordado pelas partes, por referência ao conteúdo do contrato e ao comportamento assumido por cada uma delas, determine o afastamento do disposto no n.º 2 do art. 888º do CC.
Afigura-se-nos útil ter presente o facto de os contratos estarem sujeitos a interpretação, tal como a lei, e que as regras de interpretação das declarações negociais são as contidas nos arts. 236º a 238º do CC: aquilo que foi convencionado deve valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante.
Ora, embora os termos do negócio acordado entre autora e ré, tal como ficou assente, revelem que a vontade das partes se formou em relação ao preço global convencionado, para as coisas-objeto identificadas no mesmo, a verdade é que a indicação feita sobre as quantidades vendidas (ainda que por aproximação ou estimativa) não é um elemento que se possa considerar desprezível, nomeadamente quando, como no caso, é invocado que as peças indicadas pela A. como objeto do contrato diferiam, em quantidade, das efetivamente recebidas pela R., na ordem de 2/3 (21). Aceitando-se que as partes estipularam um preço global para o objeto da venda, a verdade é que em parte alguma se retira que o número de peças vendidas era irrelevante para o comprador ou que os contraentes firmaram a sua vontade no pressuposto de ser afastada a hipótese de vir a ser invocada a discrepância entre o número de peças anunciado e o efetivamente vendido.
Julgamos, por isso, que a indicação do número das peças a vender (ainda que por referência a um valor aproximado ou estimativo) pode e deve ser objeto de confrontação com o número de peças efetivamente vendidas, na medida em que aquela indicação constitui um elemento essencial para fazer operar a redução do preço nos termos do art. 888º, n.º 2 do CC.
Isto porque, no dizer da recorrente, a divergência entre a quantidade das peças efetivamente vendidas e declarada na proposta de venda é superior a um vigésimo.
Concretizou, para o efeito, que a recorrida apenas lhe vendeu:

- Do lote 3 – verba nº 4: 1161 peças, em vez das 4.294 anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 4 – verba nº 5: 10504 peças, em vez das 25.803 peças anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 5 – verba nº 6: 285 peças, em vez das 570 peças anunciadas na venda e constantes da fatura;
- Do lote 6 – verba nº 7: 34 peças, em vez das 46 peças anunciadas na venda e constantes da fatura.

Acontece, porém, que a recorrente não logrou provar, como lhe competia (art. 342º, n.º 2 do CC), tal factualidade (cfr. resposta negativa ao ponto 1 dos factos não provados) (22).
Inexistindo, portanto, comprovada a apontada divergência resta concluir pela não demonstração dos pressupostos fácticos previstos no n.º 2 do art. 888º do CC.

Assim, não tendo a ré direito a qualquer redução do preço e estando vinculada ao pagamento da totalidade do mesmo por si oferecido, forçoso será concluir que a sentença recorrida merece plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 667º, n.º 3 do CPC):

I - Na venda “ad corpus” (cfr. art. 888.º do Código Civil), em contraposição com a venda “ad mesuram” (cfr. art. 887.º do CC), o preço da coisa certa é determinado em função da totalidade ou globalidade da coisa e não da sua dimensão, mesmo que no contrato se faça incidentalmente referência à quantidade, peso ou medida da coisa vendida.
II - A compra e venda de coisa determinada por preço global obriga ao pagamento deste, ainda que se venha a verificar não corresponderem à realidade as menções feitas ao número, peso ou medida das coisas vendidas – cfr. art. 888º, n.º 1, do CC.
III – Todavia, nos casos em que a quantidade diferir em mais de 20% (a vigésima parte), nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo 888.º, o preço acordado e pago pela coisa sofrerá redução ou aumento proporcional.
IV – Compete à parte que pretende ver obtida a redução do preço contratado a prova dessa divergência, por se tratar de um facto modificativo/extintivo do direito da parte contrária ao recebimento da totalidade do preço convencionado (art. 342º, n.º 2 do CC).
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V. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 22 de fevereiro de 2018


Alcides Rodrigues
Espinheira Baltar
Eva Almeida


1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada.
2. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 273.
3. Cfr. Ac. do STJ de 24-9-2013 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Ac. da RP de 8/06/2017 (Relator Nelson Fernandes), in www.dgsi.pt.
5. Nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada (art.º 607º, n.º 5). O enunciado princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 709). As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 471).
6. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 03.11.2009 (relator Moreira Alves) e de 01.07.2010 (relator Bettencourt de Faria), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Cfr. Ac. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. Acs. da RG de 11/07/2017 (Relatora Maria João Matos), 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis in www.dgsi.pt. Segundo Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609, «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
9. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, in Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33.
10. Factos instrumentais que resultem da instrução da causa [al. a)] e factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar [al. b)].
11. Cfr. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 119º, p. 311, nota 1.
12. Por exemplo, aquisição de uma determinada caixa de batatas por 1€/kg. Todos os exemplos indicados são retirados do Código Civil Anotado, (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, pp. 1103/1104.
13. Por exemplo, aquisição de uma determinada caixa de batatas por € 50.
14. Cfr. Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, 1986, p. 183.
15. No exemplo dado, se a caixa de batatas tiver 30 kg de batatas, o comprador deve pagar € 30, mesmo que tenha sido declarado pelas partes que a quantidade era diferente (por exemplo 28kg).
16. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. III, Almedina, 2002, p. 86.
17. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 185.
18. No exemplo dado, se no contrato de compra e venda de uma determinada caixa de batatas por € 50,00 se indicar que esta tem 50kg e se verificar que apenas tem 49kg, continuam a ser devidos os € 50.
19. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 185.
20. Cfr. Acs. do STJ de 14/07/2016 (Relatora Fernanda Isabel Pereira) e de 7/04/2011 (Relator Salazar Casanova), acessíveis in www.dgsi.pt.
21. Situação distinta é, por exemplo, a versada no Ac. da RE de 08-03-2012 (proc. n.º 58/11.7TBSTR.E1, relatado por José Lúcio), in www.dgsi. (embora para consulta na base de dados da dgsi se deva pesquisar com a data de 01-03-2012), na qual estava em causa um formalizado contrato de compra e venda de cortiça a ser extraída, pesando aproximadamente 4.000 arrobas, pelo preço global de 92.500 €, tendo-se constatado que a cortiça retirada, afinal, pesava apenas 3.060 arrobas. Ponderou o Tribunal que, não havendo lugar a pesagem, ficando a extração inteiramente nas mãos e por conta da compradora (tornando impossível qualquer controle de quantidades por parte da vendedora), sendo o preço total logo fixado e os momentos do seu pagamento também (cuja totalidade do preço deveria ser feita antes de ser sequer possível a pesagem), seria de excluir a relevância do fator peso para a determinação do preço convencionado, concluindo, assim, que o convencionado pelas partes afastou o disposto no n.º 2 do art. 888º do CC, não havendo lugar a redução do preço do negócio. Distinto é também o caso tratado no Ac. da RE de 8/05/1997, in Col. Jur., Ano XXII – 1997, T. III, pp. 260/262, no qual estava em causa uma compra e venda de madeira eucalipto, existente em 38 ha. de terreno, sendo que a quantidade efetiva de material lenhoso obtido foi de 1.744 hectares, não tendo sido declarada a quantidade do mesmo antes da publicitação do edital e da apresentação da proposta pela Ré, e que, aquando da adjudicação, foi estimada, por cálculo provável, em 2.300 hectares. Entendeu-se que “a madeira foi vendida em bloco, por preço global, e a sua quantidade foi referida, não ao volume, mas à área de árvores abatidas, à Ré que (e porque) por ela ofereceu o preço mais alto”, não tendo esta direito a qualquer redução do preço.
22. Consoante doutrina e jurisprudência correntes, das respostas negativas aos quesitos ou à matéria articulada – e, na medida em que o forem, das respostas restritivas também – resulta apenas que tudo se passa como se esses factos (não provados) não tivessem sido sequer alegados (cfr. Ac. Rel. Porto de 14.04.94, CJ, 1994, T. II, pág. 213; António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 1997, pág. 236 e J. P. Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2007, pág. 409). Ou, dito de outra forma, a não prova dos quesitos apenas significa isso mesmo: não se terem provados os factos quesitados ou articulados, e não que se tenham demonstrado os factos contrários (Acs. STJ de 8.2.66, 28.5.68, 30.10.70, 11.6.71, 23.6.73, 5.6.73, 23.10.73, 4.6.74, in Bol. M.J., respetivamente, 154-304,177-260, 200-254, 208-159, 218-239, 228-195, 228-239 e 238-211; José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2001, pág. 630). Ou, dito ainda de outro modo, a resposta negativa a um quesito ou a um facto controvertido, não significa a prova do facto contrário; significa tão-somente que esse facto controvertido não se provou, ou porque nenhuma prova foi produzida, ou porque a prova produzida se mostrou insuficiente para convencer o tribunal da veracidade desse facto (cfr. Ac. da RL de 13/05/2009 (relator Ferreira Marques), in www.dgsi.pt.); no mesmo sentido, Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, pp. 177-179, refere que a resposta de não provado a uma determinado facto não implica, direta e necessariamente, que o facto contrário se deva ter por provado, mas apenas que o mesmo não se provou, por a prova produzida naqueles autos em concreto não ter logrado demonstrar a verificação do mesmo. Daí não poder, em tal hipótese, haver colisão, deficiência ou obscuridade entre decisões parcelares positivas e negativas (cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 347).