Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3959/09.9TBBCL.G1
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. No caso de optar pela resolução contratual, o credor apenas pode ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, ou seja, na expressão do artigo 908º do C.C., pelo prejuízo que não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Domingos… intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra Augusto… , pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €15.370,66, acrescida de juros de mora, desde a data da citação, até integral pagamento.

A fundamentar aquele pedido, alega que, em 17 de Outubro de 2007, o réu intentou contra o autor uma execução comum, alegando ser credor da quantia de €11.353,72, sendo €11.298,00 de capital e €55,72 de juros vencidos.
O ora autor deduziu oposição e, em 18 de Julho de 2008, foi proferida sentença que a julgou procedente e, em consequência, julgou extinta a execução, no que concerne ao capital de €11.000,00 e respectivos juros, da qual foi interposto recurso que foi julgado improcedente.
Mercê da execução instaurada, alicerçada num alegado contrato de mútuo, titulado por três cheques, foi penhorada ao autor a quantia de €3.805,93, em 18.12.2007; foi, de novo, penhorada a quantia de €3.767,49, em 21.01.2008; foi, de novo, penhorada a quantia de €3.380,35 e, finalmente, em 21.02.2008, foi, ainda, penhorada ao autor a quantia de €1.535,32 e só em 28.09.2009 foi declarada extinta a execução, com a devolução ao autor, pelo Solicitador de Execução, da quantia de €12.158,80. O autor ficou privado, desde as datas das mencionadas penhoras até 28.09.2009, da quantia de €12.158,80 e, assim, impossibilitado de a utilizar de modo produtivo na sua exploração agrícola ou até efectuar aplicação financeira que renderia juros. Alegou, ainda, que mercê da actuação do réu, o autor foi confrontado com comentários e apreciações negativas por parte do banco em que trabalha e onde foi concretizada a penhora, tendo sido rotulado como “cliente de risco”. Mencionou, ainda, que, como deflui da sentença proferida na aludida oposição à execução, foi apurado (provado) que o autor pretendeu comprar ao réu umas vacas para produção de leite e que este entregou, em 30.06.2007, nas instalações do autor, 10 vacas para produção de leite, com a garantia dada pelo réu de que produziriam cerca de 25 litros por dia; que esses animais seriam vendidos pelo preço de €1.125,00 cada, mas após a entrega, o autor comunicou ao réu que as vacas não davam a produção diária prometida e que apresentavam excesso de células somáticas; que o autor chamou um veterinário para fazer o tratamento dos animais, mas este informou que o tratamento das vacas seria impossível, tendo o autor comunicado estes factos ao réu; que o autor solicitou ainda ao réu que levantasse os animais da sua exploração, porque lhe estavam a dar prejuízo, uma vez que os tinha que alimentar, sem que estes produzissem leite; que o autor solicitou ao réu que substituísse os animais por outros, pedido que reiterou por escrito, em 16.07.2007, mas o réu recusou tal pedido, que o autor comunicou então ao réu que iria proceder ao abate dos animais para refugo e que após várias diligências obteve a melhor oferta de 4.100,00 €, com Iva incluído, o que comunicou ao réu, que nada fez, pelo que procedeu à venda dos animais por aquele preço; que no período entre a entrega dos animais na exploração e até à venda destes para abate, o autor teve que suportar as despesas com veterinário, farmácia e alimentação dos referidos animais. Nesta decorrência alegou que suportou, com veterinário e farmácia, despesas no montante total de €514,62 e com a alimentação dos animais suportou as seguintes despesas e encargos: ração: 8 kg x 0,33 €/Kg x 10 vacas x 167 dias = €4.408,80; silagem de milho: 30 Kg x 0,06 € x 10 vacas x 167 dias = €3.006,00; silagem de erva: 8 Kg x 0,05 € x 10 vacas x 167 dias = €668,00; mão-de-obra para alimentar e cuidar das vacas: €25 / dia x 167 dias = €4.175,00; instalações para estadia das vacas/valor locativo: €7/dia x 167 dias = €1.169,00 e consumo de água e electricidade: €2/dia x 167 dias = €334,00. Referiu, assim, que suportou despesas e encargos no total de €14.275,42 €, a deduzir o valor líquido obtido na venda para refugo dos animais, descontado do Iva, que teve que pagar ao Estado pela operação. Alegou, também, que as quantias gastas com a alimentação, veterinário e farmácia seriam susceptíveis de gerar juros, se aplicadas em operação financeira normal, assim como a quantia penhorada, desde as datas da penhora até à data da devolução ao autor, que computados à taxa equivalente de juros de mora legal (4%/ano) esses montantes seriam susceptíveis de gerar rendimentos e juros em montante não inferior a €1.500,00. Aduziu igualmente que na referida execução o ora réu agiu de forma consciente e voluntária, bem sabendo que causaria, como causou, danos e prejuízos ao autor, nada tendo feito para os minimizar ou evitar, situação que acarretou ao autor preocupações, desgostos e ansiedade, além deste se sentir humilhado pela realização de penhoras na sua conta bancária. Mais alegou que o autor suportou encargos com a execução judicial que lhe foi movida e com a oposição que deduziu, assim como teve preocupações e sentiu desgosto por ter sido enganado pelo réu.

O réu contestou, impugnando parcialmente os factos alegados e salientou que veio a ter recentemente conhecimento que no momento da compra das vacas em causa, a vacaria do autor encontrava-se em tratamento da doença das “mastites”, facto que era do conhecimento do médico veterinário, Dr. Paulo… , que foi quem foi chamado a tratar dos animais vendidos pelo réu ao autor.

O autor respondeu à matéria de excepção alegada pelo réu e pediu a condenação deste como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor do autor em montante não inferior às despesas com o presente processo.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, o réu condenado a pagar ao autor a quantia global de €9.873,40 (€8.173,40 + €700,00 + €1.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

Inconformado, o réu recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
a) Em 17 de Outubro de 2007 o Réu intentou contra o aqui Autor uma Execução
Comum, a que foi atribuído o n.º 3925/07.9TBBCL, do 4º Juízo Cível deste
Tribunal, alegando ser credor da quantia de 11.353,72 €, sendo €11.298,00 de capital e €55,72 de juros vencidos, peticionando ainda juros vincendos [alínea
A) dos Factos Assentes].
b) O Autor deduziu oposição à referida oposição [alínea B) dos Factos Assentes].
c) Em 18 de Julho de 2008, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a oposição e, em consequência, julgou extinta a execução, no que concerne ao capital de €11.000,00 e respectivos juros de mora [alínea C) dos Factos Assentes].
d) O Réu interpôs recurso de apelação e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 de Fevereiro de 2009, já transitado em julgado, foi a apelação julgada improcedente e mantida na totalidade a sentença proferida [alínea D) dos Factos Assentes].
e) Em 23.11.2007, foi penhorada ao Autor a quantia de €3.805,93, em 18.12.2007 foi, de novo, penhorada a quantia de €3.767,49, em 21.01.2008 foi, de novo, penhorada a quantia de €3.380,35 e, finalmente, em 21.02.2008, foi ainda penhorada ao autor a quantia de €1.535,32 [alínea E) dos Factos Assentes].
f) Só em 28.09.2009, foi declarada extinta a execução, com a devolução ao autor pelo Solicitador de Execução, da quantia de €12.158,80 penhorada em excesso [alínea F) dos Factos Assentes].
g) Deste modo, desde as datas referidas na alínea e) até à data referida na alínea f), o autor ficou privado da quantia de €12.158,80 e, assim, impossibilitado de a utilizar de modo produtivo na sua exploração agrícola ou até efectuar aplicação financeira que renderia juros [alínea G) dos Factos Assentes].
h) O réu é negociante de gado e que o autor tem uma exploração agrícola com cabeças de gado leiteiro [alínea H) dos Factos Assentes].
i) O autor pretendeu comprar ao réu umas vacas para produção de leite e que este entregou, em 30.06.2007, nas instalações do autor 10 vacas para produção de leite, com a garantia dada pelo réu de que produziriam cerca de 25 litros por dia [alínea I) dos Factos Assentes].
j) Esses animais seriam vendidos pelo preço de €1.125,00 cada mas, após a entrega, o autor comunicou ao réu que as vacas não davam a produção diária prometida e que apresentavam excesso de células somáticas [alínea J) dos Factos Assentes].
k) O autor chamou um veterinário para fazer o tratamento dos animais, mas este informou que o tratamento das vacas seria impossível, tendo o autor comunicado estes factos ao réu [alínea L) dos Factos Assentes].
l) O autor solicitou ainda a réu que levantasse os animais da sua exploração, porque lhe estavam a dar prejuízo, uma vez que os tinha que alimentar, sem que estes produzissem leite [alínea M) dos Factos Assentes].
m) O autor solicitou ao réu que substituísse os animais por outros, pedido que reiterou por escrito em 16.07.2007, mas o réu recusou tal pedido [alínea N) dos Factos Assentes].
n) O autor comunicou então ao réu que iria proceder ao abate dos animais para refugo [alínea O) dos Factos Assentes].
o) Após várias diligências obteve a melhor oferta de 4.100,00 €, com Iva incluído, o que comunicou ao réu, que nada fez, pelo que procedeu à venda dos animais por aquele preço [alínea P) dos Factos Assentes].
p) No período entre a entrega dos animais na exploração e até à venda destes para abate, o autor teve que suportar as despesas com veterinário, farmácia e alimentação dos referidos animais [alínea Q) dos Factos Assentes].
q) O autor foi confrontado com comentários e apreciações negativas no banco em que trabalha e em que foi concretizada a penhora, pois, até decisão da oposição, ficou classificado como “cliente de risco” [resposta ao art. 1º da base instrutória].
r) O autor suportou, com veterinário e farmácia, despesas no montante total de €514,62 [resposta ao art. 2º da base instrutória].
s) O autor suportou ainda as seguintes despesas e encargos:
- Com ração: 6 kg x 0,27 €/Kg x 10 vacas x 167 dias = €2.705,40
- Com silagem de milho: 30 Kg x €0,45 x 10 vacas x 167 dias = €2.254,50
- Com silagem de erva: 5 Kg x €0,35 x 10 vacas x 167 dias = €2.922,50
- Mão-de-Obra para alimentar e cuidar das vacas: €15 / dia x 167 dias = €2.505,00
- Instalações para estadia das vacas / valor locativo: 5 € /dia x 167 dias = €835,00 e
- Consumo de água e electricidade: €2 / dia x 167 dias = €334,00 [resposta ao artigo 3º da base instrutória].
t) Autor suportou despesas e encargos no total de €11.556,40, a deduzir o valor líquido obtido na venda para refugo dos animais, descontado do Iva (€4.100,00:1,05), que teve que pagar ao Estado pela operação [resposta ao artigo 4º da base instrutória].
u) As quantias gastas com a alimentação, veterinário e farmácia seriam susceptíveis de gerar juros, se aplicadas em operação financeira normal [resposta ao artigo 5º da base instrutória].
v) Assim como a quantia penhorada, desde as datas da penhora até à data da devolução ao autor [resposta ao artigo 6º da base instrutória].
w) Na execução referida em a), o ora réu agiu de forma consciente e voluntária, bem sabendo que causaria, como causou, danos e prejuízos ao autor, nada tendo feito para os minimizar ou evitar [resposta ao artigo 8º da base instrutória].
x) A situação descrita acarretou ainda ao autor preocupações, desgostos e ansiedade, além deste se sentir humilhado pela realização de penhoras na sua conta bancária [resposta ao artigo 9º da base instrutória].
y) O autor suportou encargos com a execução judicial que lhe foi movida e com a oposição que deduziu, assim como teve preocupações e sentiu desgosto por ter sido enganado pelo réu [resposta ao artigo 10º da base instrutória].
z) Depois de proferidos os arestos de fls. 1 e 2 juntos com a petição, há pouco dias, o réu teve conhecimento que, no momento da compra das vacas em causa, a vacaria do autor se encontrava em tratamento da doença das “mastites” [resposta ao artigo 11º da base instrutória].
aa) Facto que era do conhecimento do médico veterinário em questão, Dr. Paulo Capelo [resposta ao artigo 12º da base instrutória].


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do C. P. Civil.
As questões a decidir são as seguintes: nulidades da sentença, nos termos do artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c), do C.P.C; apreciação da impugnação da matéria de facto, no que concerne às alíneas s) e t) da matéria assente; se o autor deve ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, assim como interesse contratual positivo, cumulável com a resolução do contrato.

I. Nulidades da sentença, nos termos do artigo 668º, alíneas b) c) e d), do C.P.C.
O artigo 668º, nº 1, alínea b), do C.P.C., estabelece que a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta nulidade apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente.
Como diz Alberto dos Reis, «não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto.
(…) Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do nº 2 do artigo 668º». Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 140.
Portanto, existe falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, quando o juiz não concretiza os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Por outro lado, é essencial que se mencionem os princípios e as normas em que a sentença se apoia.
Por sua vez, o artigo 668º, nº 1, alínea c), do C.P.C., estabelece que a sentença é nula, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Verifica-se esta nulidade, sempre que há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
Na alínea c), do artigo 668º, «a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto». Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 141.
Esta nulidade só se verifica quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir a resultado oposto do que vem expresso na sentença. Assim, sempre que houver um raciocínio típico entre as premissas de facto, donde o julgador partiu, para a decisão de direito, não existe a falada nulidade. O que poderá haver é erro de julgamento. Rodrigues Bastos, Notas, Volume III, edição 1969, pág. 246.
Ora, a sentença concretizou, devidamente, todos os fundamentos de facto e de direito relativos às questões levantadas, não ocorrendo, sequer, qualquer deficiência de especificação daqueles mesmos fundamentos.
E também não existe contradição entre a fundamentação e os factos dados como provados.
A sentença recorrida fundamentou a decisão de facto e de direito, pois, descreveu os factos dados como assentes, fez a subsunção jurídica destes ao direito aplicável, relativamente às diversas questões que foram suscitadas.
No fundo, ao invocar as referidas nulidades da sentença, os apelantes confundem-nas com um eventual erro de julgamento na apreciação da prova, questão que, em sede própria, irá ser conhecida.
Não ocorrem, pois, as nulidades da sentença invocadas pelo apelante.

II. Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento, nos termos do disposto nos artigos 522º-B e 522º-C, do C. P. Civil, pode alterar-se a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 685º-B, como o permite o disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), ambos do mesmo diploma.
Igualmente, nos termos do citado artigo 712º, nº 1, alínea b), do C. P. Civil, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
O registo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento tem como objectivo facilitar a reparação de um eventual erro de julgamento. Esta tarefa – apreciação da prova – está cometida, em primeira linha e como regra geral, à primeira instância e em execução do princípio da imediação, que a reforma processual trazida pelo Decreto Lei nº 329-A/95, de 12/12, veio reforçar quanto à prova testemunhal.
Os casos em que, pela via do recurso, se há-de reapreciar a prova produzida em primeira instância, terão de ser, concretamente, evidenciados pelo recorrente, destacando-os dos demais, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2, do citado artigo 522º-C (artigo 685º-B, nº 2, do C. P. Civil).
A recorrente, mencionando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, preenche, no essencial, estes requisitos legalmente impostos, para que se possa apreciar o alegado erro na apreciação da matéria de facto.
Os pontos da matéria de facto assente que o recorrente considera incorrectamente julgados são os seguintes: O autor suportou ainda as seguintes despesas e encargos:
- Com ração: 6 kg x 0,27 €/Kg x 10 vacas x 167 dias = €2.705,40
- Com silagem de milho: 30 Kg x €0,45 x 10 vacas x 167 dias = €2.254,50
- Com silagem de erva: 5 Kg x €0,35 x 10 vacas x 167 dias = €2.922,50
- Mão-de-Obra para alimentar e cuidar das vacas: €15 / dia x 167 dias = €2.505,00
- Instalações para estadia das vacas / valor locativo: 5 € /dia x 167 dias = €835,00 e
- Consumo de água e electricidade: €2 / dia x 167 dias = €334,00.
O autor suportou despesas e encargos no total de €11.556,40, a deduzir o valor líquido obtido na venda para refugo dos animais, descontado do Iva (€4.100,00:1,05), que teve que pagar ao Estado pela operação.
Com base na reapreciação dos depoimentos das testemunhas Paulo… , Vitor… e Ana… , o réu pretende que seja considerada não provada.
Ouvida a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e lidas as transcrições que o réu/apelante efectuou, verifica-se que a valoração que o tribunal a quo deles fez merece alguma correcção, no que se refere à mão-de-obra para alimentar e cuidar das vacas, às instalações para estadia das vacas/valor locativo e ao consumo de água e electricidade.
De facto, quanto à mão-de-obra para alimentar e cuidar das vacas, concorda-se que não existiu um redobrado esforço, tendo a testemunha Paulo… , a este propósito, referido que:
“Quantos funcionários tem a vacaria?
Tinha lá uma senhora (…) o filho.
Sabe se quando entraram as nossas dez vacas aumentou o pessoal?
Não. Tudo igual”.
No que se refere às instalações para estadia das vacas/valor locativo, de facto, o apelado não necessitou de construir quaisquer instalações para a estadia das vacas, por possuir uma vacaria com todas as condições e que não são arrendadas. Não é por ter mais dez cabeças de gado que aquele teve custos com o acomodamento.
Finalmente, possuindo o apelado diversas cabeças de gado, o aumento de electricidade e de consumo de água não é mais do que residual e, não sendo os depoimentos das referidas testemunhas esclarecedores a este respeito, deve ser dada como não provada a respectiva verba de €334,00.
Deste modo, alteram-se as alíneas s) e t) da matéria assente pela forma seguinte:
s) O autor suportou ainda as seguintes despesas e encargos:
- Com ração: 6 kg x 0,27 €/Kg x 10 vacas x 167 dias = €2.705,40
- Com silagem de milho: 30 Kg x €0,45 x 10 vacas x 167 dias = €2.254,50
- Com silagem de erva: 5 Kg x €0,35 x 10 vacas x 167 dias = €2.922,50
t) Autor suportou despesas e encargos no total de €7.882,40, a deduzir o valor líquido obtido na venda para refugo dos animais, descontado do Iva (€4.100,00:1,05), que teve que pagar ao Estado pela operação.
No mais, mantém-se a matéria de facto que a sentença recorrida considerou assente.

III. Se o autor deve ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, assim como pelo interesse contratual positivo, cumulável com a resolução do contrato.
O autor considera que deve ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, assim como pelo interesse contratual positivo, cumulável com a resolução do contrato.
A sentença recorrida considerou que, no caso, atentos os seus contornos, seria de adoptar a tese mitigada, segundo a qual, no dizer de Galvão Teles, «o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias». Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 463.
O réu, pelo contrário, recusa esta posição e defende que se o autor/apelado anulou o contrato ou optou pela resolução do mesmo, não pode exigir do devedor o benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio, nos termos do artigo 801º do C.C.
Cremos ser esta a posição que melhor corresponde ao espírito e texto expresso da lei.
Como se disse, o autor pretende ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, ou seja, na expressão do artigo 908º do C.C., pelo prejuízo que não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.
Mas, também pretende cumular com a resolução do contrato a indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja, pela indemnização do prejuízo que não sofreria se a compra e venda tivesse sido cumprida pelo réu.
Como refere Antunes Varela, «mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito a indemnização. Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. fórmula do artigo 908º), que é a indemnização do chamado interesse contratual negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual positivo)». Das Obrigações em Geral, Volume II, pág.109.
Também Almeida Costa ensina que, «optando o lesado pela resolução do contrato, seria em substância contraditório que, ao mesmo tempo, pedisse a indemnização pelo seu não cumprimento. O que decorre da lógica e coerência dessa opção é colocar o prejudicado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado. Portanto, não só exonerá-lo da obrigação que assumiu ou restituir-lhe a prestação por ele já efectuada, mas também indemnizá-lo do prejuízo que teve pelo facto de celebrar o contrato (dano «in contrahendo»)». Direito das Obrigações, 6ª edição, pág. 917. No mesmo sentido, Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, pág. 412; e Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume II, pág. 200; e acórdãos do STJ, de 12.7.2005, 23.1.2007, 17.5.2007, 22.1.2008, 22.4.2008 e 23.10.2008, in www.dgsi.pt.
Outra posição admite a cumulação, sem restrições. Por um lado o artigo 801º do C.C. não o proíbe. Por outro o artigo 325º do BGB a partir de 1-1-2002 passou a admitir essa possibilidade. Várias normas da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1981, dos Princípios relativos aos Contratos de Compra e Venda Internacionais publicados pelo Instituto UNIDROIT em 1994 e, ainda, dos Princípios do Direito Europeu dos Contratos, da Comissão Lando, permitem-no. Entre outros, estes argumentos são expendidos por Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 208.
Uma posição mitigada é defendida por Brandão Proença a partir de uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos “quando assim for exigido pelos interesses em presença” (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 196) e Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, 463, afirma que se concebe todavia “que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias.”. Neste sentido já se pronunciou um recente Acórdão do STJ de 12.02.2009, onde se escreve que há que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem uma palavra a dizer o princípio de boa fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade. São casos excepcionais, sob pena de se desconsiderar a figura da resolução do contrato e de se transformar o contrato de sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido, favorável a uma só das partes (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 659 e os acórdãos do S.T.J. de 30.10.1997 - BMJ 470, 565 e de 25.01.2007 (este, in www.dgsi.pt) e para estas figuras remete o artigo 433º do referido código”. In www.dgsi.pt.
No caso presente, tendo em conta a tese por nós adoptada da cumulação da resolução do contrato com o interesse contratual negativo, as verbas que integram o prejuízo do autor são as despesas com veterinário e farmácia, no montante total de €514,62; as despesas e os encargos:
- Com ração: 6 kg x 0,27 €/Kg x 10 vacas x 167 dias = €2.705,40
- Com silagem de milho: 30 Kg x €0,45 x 10 vacas x 167 dias = €2.254,50
- Com silagem de erva: 5 Kg x €0,35 x 10 vacas x 167 dias = €2.922,50;
Assim, as quantias que devem ser pagas ao autor cifram-se em €8.397,02 (€514,62 + €7.882,40), a que se deve deduzir o valor líquido obtido na venda para refugo dos animais (€4.100,00), descontado o IVA (€195,00), ou seja, €3.905,00, o que perfaz a quantia de €4.492,02.
Por se entender que não integra o referido interesse contratual negativo, não se atribui ao autor a quantia que na sentença recorrida se fixou em €700,00, correspondente ao rendimento que as quantias indevidamente penhoradas numa execução poderiam ter produzido, partindo de uma taxa de juro de 1% a 1,5%.
E também não se atribui qualquer quantia ao autor, a título de danos não patrimoniais.
Na sentença recorrida entendeu-se que resultaram provados danos de natureza não patrimonial com gravidade suficiente para merecer a tutela do direito e, nesse sentido, considerou justa, proporcional e adequada a fixação da quantia de €1000,00 para o autor/apelado.
Relativamente aos danos não patrimoniais, quando decorram de responsabilidade contratual, deve entender-se que são indemnizáveis, ainda que o preceito legal que prevê a respectiva indemnização – artigo 496º do C.C. – esteja inserido no âmbito da previsão relativa a lesões corporais.
Como refere Almeida Costa, embora no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico se produzam tais danos com menor frequência e intensidade, podem verificar-se hipóteses em que bem se justifique uma indemnização por danos não patrimoniais, dentro do critério do artigo 496º. De resto, a lei refere-se apenas ao prejuízo causado ao credor pelo inadimplemento, sem que estabeleça distinção alguma entre danos patrimoniais e não patrimoniais (artigos 798º e 804º, nº 1)». Direito das Obrigações, págs. 395 e 396.
E também Vaz Serra afirma que o nº 1 do artigo 496º tem alcance geral. «É aplicável quer se trate de danos não patrimoniais resultantes de lesão corporal, quer de outros, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». RLJ, 113º, pág. 96.
Para que os danos não patrimoniais justifiquem uma indemnização, é necessário que mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito, cabendo ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica.
Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais «que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral. A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada, e aprecia-se em função da tutela do direito». Acórdão do STJ, de 26.6.1991, BMJ 408, pág. 538.
Portanto, há lugar à indemnização dos danos não patrimoniais por incumprimento de obrigações, desde que revestidos de gravidade. Os simples incómodos, desconfortos e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Resultou provado que, em virtude do sucedido, o autor se sentiu agastado e incomodado, além de humilhado pela realização de penhoras na sua conta bancária.
Ora, ao contrário do entendido na sentença recorrida, considera-se que aquela matéria provada é manifestamente insuficiente, face ao regime estabelecido no artigo 496º do C.C., para atribuir aos referidos réus indemnização por danos não patrimoniais. O autor, conforme consta da declaração de fls. 123, emitida pela Cooperativa Agrícola de Barcelos, CRL, é considerado um “cliente de risco”. Em relação aos danos não patrimoniais, a matéria provada nas alíneas x) e y) da matéria assente não revela danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral do autor.
Assim, deve o réu pagar ao autor a quantia global de €4.492,02, acrescida de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento.

Sumário:
I. No caso de optar pela resolução contratual, o credor apenas pode ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, ou seja, na expressão do artigo 908º do C.C., pelo prejuízo que não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, condenar o réu/apelante pagar ao autor/apelado a quantia global de €4.492,02, acrescida de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento.


Custas por apelante e apelado, na proporção do respectivo decaimento.

Guimarães, 30.6.2011
Augusto Carvalho
Conceição Bucho
Antero Veiga