Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1417/10.8TBVCT-A.G1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) - À luz do Código de Processo Civil de 2013, na acção executiva a deserção da instância opera de forma automática, não dependendo de decisão judicial, desde que, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
II) - No entanto, não deixará o juiz de avaliar, em concreto, ao julgar a deserção, se houve efectiva negligência das partes motivadora da paralisação do processo por mais de seis meses.
III) - A imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de inactividade do processo, aconselham, face ao quadro normativo anterior, uma cautelosa ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao princípio da cooperação previsto no artº. 7º do NCPC, pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação.
IV) - Tendo o exequente requerido a realização de penhora sobre bens dos executados que indicou, ao Agente de Execução incumbia informar aquele das diligências efectuadas, isto é, da realização ou não da penhora e, neste último caso, dos motivos da frustração da mesma.
V) - Não se cumprindo tal formalismo, não se pode afirmar que exista qualquer negligência do exequente em promover o andamento processual.
VI) - Para que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
BANCO, S.A., anteriormente denominado BANCO M, S.A., intentou a presente execução comum para pagamento de quantia certa, contra César C e Maria C, com base em sentença judicial condenatória, tendo em vista o pagamento da quantia total de € 17 289,94, sendo € 11 936,50 de capital e o restante correspondente a juros de mora vencidos calculados até 29/03/2012, na qual requer a penhora de todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência dos executados, bem como do veículo automóvel da marca Opel Corsa, com a matrícula 72-AI-13 registado em nome do executado.

Pelo Agente de Execução nomeado nos autos foram realizadas várias diligências com vista à localização de bens dos executados, nomeadamente a consulta às bases de dados da Direcção-Geral de Impostos, da Segurança Social e do Registo Automóvel (cfr. fls. 45, 46, 50, 52 a 54, 60, 88 e 197 do processo informatizado).

Em 5/05/2012 o Agente de Execução procedeu à penhora de um terço do vencimento de cada um dos executados, notificando para tanto as respectivas entidades patronais (fls. 36 a 39).
Nessa mesma data, o Agente de Execução notificou o exequente de que havia localizado dois bens imóveis e um veículo automóvel registados em seu nome e que o processo se encontrava na fase de penhora do vencimento (cfr, fls. 70 do processo informatizado).

Em 25/04/2013 o Agente de Execução deu conhecimento ao Mº Juiz “a quo” de que “foi efectuado o registo das penhoras de créditos fiscais junto da AT” (fls. 41).

Em 1/09/2014 foi elaborado o auto de penhora de um crédito fiscal (IRS) dos executados, no valor de € 129,43 (cfr. fls. 103 e 104 do processo informatizado).

Em 4/09/2014 os executados foram citados, através de carta registada com aviso de recepção, para deduzirem oposição à execução e à penhora, tendo os documentos comprovativos de tal citação sido juntos aos autos pelo Agente de Execução em 3/10/2014 (fls. 44 a 47).

Em 14/06/2015 o Agente de Execução informou o Tribunal de que havia efectuado o registo de penhora de créditos fiscais e que iria proceder à elaboração do auto de penhora e respectiva citação/notificação dos executados (fls. 48).

Por ofício do Tribunal datado de 15/12/2015 e assinado pela Srª. Oficial de Justiça, remetido ao mandatário do exequente através da plataforma Citius, foi o mesmo notificado de que a instância se considerava deserta nos termos do disposto no artº. 281º do CPC, por o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de 6 meses (fls. 81).

Em 16/12/2015 veio o exequente reclamar daquele acto praticado pela funcionária judicial, nos termos do artº. 157º, nº. 5 do CPC, alegando, em síntese, que continuava a aguardar que o Agente de Execução o notificasse do resultado da penhora dos bens existentes na residência dos executados, penhora essa logo requerida no requerimento executivo, e requerer que fosse ordenado o regular prosseguimento da execução e a notificação do Agente de Execução para dar cumprimento ao disposto no artº. 754º, nº. 1, al. a) do CPC, dando conhecimento ao exequente das diligências que tem levado a efeito, ou que não realizou, para a implementação da penhora requerida (fls. 49 a 52).

Em 17/12/2015 foi proferido o seguinte despacho [transcrição]:
«Fls. 49 e seguintes:
Ao abrigo do disposto no artigo 281º, n.º 5, do CPC, no processo de execução considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
Compulsados, considerou-se, e bem, deserta a instância, uma vez que, decorreram mais de seis meses, sem que tivesse sido praticado pelas partes qualquer ato processual nos autos.
Ao contrário do alegado pelo exequente, este poderá sempre impulsionar os autos, não ficando a aguardar “eternamente” pelas ações do agente de execução, que se este não for diligente, incumbe ao exequente, por exemplo, pedir a sua substituição e assim impulsiona o processo, e trava o prazo do artigo 281º, do CPC, pois como o mesmo sabe, a deserção da instância é automática, bastando que decorrem mais de seis meses, sem que os autos sejam impulsionados e tal falta de impulso seja imputável às partes, por negligência das mesmas, como é o caso, ou seja o agente de execução nada fez e o exequente com tal inércia se conformou.
Para além do mais, não sufragamos da jurisprudência citada, pois a entender-se que deverá ser dado o contraditório às partes, estamos a esvaziar por completo a norma em causa, para tal a referida norma deveria conter a expressão, “ouvidas as partes, decide-se a deserção da instância”, mas não é nada disso que a norma em causa prescreve, em primeiro lugar a deserção é automática, bastando que os autos se encontrem a aguardar o impulso processual das partes, e logo aqui não existindo, se verifica a negligências das mesmas, e não há lugar a despacho judicial para decidir essa mesma deserção da instância, ora se não há despacho judicial, quem decide a pronuncia das partes quanto à aplicação do artigo 281º do CPC?
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 281º, n.º 5, do CPC, indefere-se o prosseguimento dos autos.»

Inconformado com tal despacho, o exequente dele interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
“Em conclusão, portanto, por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, deve, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a decisão que manteve a extinção da execução e substituindo-se a mesma por Acórdão que, aliás deferindo o referido a fls.-, ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma,
J U S T I Ç A”
Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 74.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil [doravante NCPC], aplicável à presente execução, não obstante a mesma ter sido instaurada em 29/03/2012, por força do disposto no artº. 6º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo exequente, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à questão de saber se ocorre, “in casu”, causa de deserção da instância nos termos do artº. 281º, nº. 5 do NCPC.

Com relevância para a apreciação e decisão da questão suscitada no presente recurso, importa ter em consideração a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório.
*
Apreciando e decidindo.
O recorrente discorda da decisão proferida em 17/12/2015 que, ao abrigo do disposto no artº. 285º, nº. 5 do NCPC, indeferiu o prosseguimento dos autos requerido pelo exequente e manteve a deserção da instância, fundamentando, no essencial, a sua divergência na circunstância de que continua a aguardar que o Agente de Execução o informe da realização da penhora, logo requerida no requerimento executivo, dos bens que guarnecem a residência dos executados, ou da eventual frustração da mesma, argumentando que é obrigação e dever daquele dar conhecimento ao exequente das diligências feitas para efectivação das penhoras requeridas, para que, se for o caso, este requeira ao juiz do processo a notificação do Agente de Execução para levar a efeito as diligências que o mesmo terá de fazer.
Estabelece o artº. 281º, nº. 5 do NCPC que, no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
É evidente que se na acção executiva a deserção opera de forma automática, não dependendo de decisão judicial, não é menos certo que tal só ocorrerá, ainda assim, se se verificarem determinados requisitos, isto é, a paralisação do processo, por mais de seis meses, em consequência da inércia das partes.
Assim colocada a questão, é manifesto o infundado da decisão recorrida, posto que se o processo se encontrava sem movimento aparente há mais de seis meses, não se nos afigura que tal ocorresse por inércia do exequente.
Conforme se referiu, o exequente no requerimento inicial requereu a penhora de todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência dos executados, bem como do veículo automóvel acima identificado.
Ora, compulsados os autos não se vislumbra que tenha existido qualquer decisão, qualquer apreciação sobre tal requerimento do exequente, quer efectuando-se a penhora, quer, não se logrando executar a mesma, indicando-se os motivos, não resultando dos autos que o exequente tenha sequer sido informado do resultado dessa diligência, quando por força do disposto no artº. 754º, nº. 1, al. a) do NCPC, compete ao Agente de Execução, designadamente, “informar o exequente de todas as diligências efectuadas, bem como dos motivos da frustração da penhora”.
Assim, tendo o exequente requerido a realização de penhora sobre bens dos executados que indicou, ao Agente de Execução incumbia informar aquele das diligências efectuadas, isto é, da realização ou não da penhora e, neste último caso, dos motivos da frustração da mesma.
Não se cumprindo tal formalismo, não se pode afirmar que exista qualquer negligência do exequente em promover o andamento processual.
Ora, nada disto se mostra documentado nos autos, não se alcançando de que forma o presente processo aguardava a iniciativa processual do exequente ou dependia do impulso deste, pelo que não se pode afirmar que tenha existido negligência das partes e, neste particular, do exequente, não podendo, pois, salvo o devido respeito, considerar-se correcto o despacho ora sob escrutínio.
Para que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe (cfr. acórdão da RG de 29/09/2014, proc. nº. 7122/12.3TBBRG, acessível em www.dgsi,pt).
Já vimos que a circunstância da deserção operar na acção executiva independentemente de decisão judicial não dispensa a verificação concreta dos pressupostos correspondentes, pelo que é sempre indispensável avaliar se houve efectiva negligência das partes motivadora da paralisação do processo por mais de seis meses.
Como vem sendo pacificamente defendido pela nossa jurisprudência, a imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de imobilização, aconselham, face ao quadro normativo anterior, uma cautelosa ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao princípio da cooperação previsto no artº. 7º do NCPC, pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação (cfr. acórdão da RP de 2/02/2015, proc. nº. 4178/12.2TBGDM e acórdãos da RL de 26/02/2015, proc. nº. 2254/10.5TBABF, de 16/06/2015, proc. nº. 1404/10.6TBPDL e de 9/07/2015, proc. nº. 3224/11.1TBPDL, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
No caso da acção executiva tal necessidade mais se adensa, considerando, designadamente, as competências cometidas ao Agente de Execução e a circunstância do exequente não estar obrigado a nomear bens à penhora no requerimento executivo (cfr. artºs 719º e 724º, nº. 1, al. i) e nº. 2 do NCPC), sendo certo que, muitas das vezes, a aparente inactividade do processo apenas se justifica pela conduta do próprio Agente de Execução que, por exemplo, não cumpriu devidamente o seu dever de informação e comunicação.
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que não foi proferido despacho judicial a decretar a deserção da instância, tendo o exequente apenas sido notificado oficiosamente, através de ofício do Tribunal, datado de 15/12/2015 e assinado pela Srª. Oficial de Justiça, de que a instância se considerava deserta nos termos do disposto no artº. 281º do CPC, por o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de 6 meses (cfr. fls. 81).
Somente na sequência da reclamação do acto praticado pela secretaria do Tribunal, apresentada pelo exequente nos termos do artº. 157º, nº. 5 do NCPC, é que foi proferido o despacho ora sob censura, que indeferiu o prosseguimento dos autos e manteve a deserção da instância, com os fundamentos acima transcritos.
Ademais, constatando-se, por um lado, não ter sido dada oportunidade ao exequente de se pronunciar previamente quanto a uma qualquer paralisação do processo por negligência da sua parte e, por outro, não se vislumbrando que tenha havido qualquer negligência do exequente em promover o impulso processual, dado o não cumprimento pelo Agente de Execução do ónus que sobre ele recai previsto no artº. 754º, nº. 1, al. a) do NCPC, teremos de concluir que não se mostram verificados os requisitos indispensáveis para que se considere deserta a instância executiva nos termos do nº. 5 do artº. 281º do NCPC.
Acresce, ainda, referir que, atenta a redacção do artº. 281º do NCPC, o prazo para a deserção da instância é agora fixado em seis meses e um dia, não se suspendendo durante as férias judiciais (cfr. artº. 138º, nº. 1 do NCPC), sendo que, no caso em apreço, desde a última comunicação feita pelo Agente de Execução ao Tribunal “a quo” em 14/06/2015 (na qual informa o Tribunal de que havia efectuado o registo de penhora de créditos fiscais e que iria proceder à elaboração do auto de penhora e respectiva citação/notificação dos executados) e o ofício do Tribunal datado de 15/12/2015 (através do qual o exequente é notificado de que a instância foi considerada deserta), não haviam ainda decorrido seis meses, pelo que, em bom rigor, não se poderá sequer dizer que a presente execução se encontrava paralisada há mais de 6 meses (cfr. fls. 48 e 81).
Assim sendo, terá de ser revogada a decisão que indeferiu o requerido prosseguimento dos autos e manteve a deserção da instância, devendo ser dado cumprimento ao disposto no artº. 754º, nº. 1, al. a) do NCPC, procedendo-se à penhora dos bens indicados pelo exequente no requerimento inicial ou, não sendo possível a realização daquela diligência, informando-se o exequente dos motivos de tal frustração.
*
SUMÁRIO:
I) - À luz do Código de Processo Civil de 2013, na acção executiva a deserção da instância opera de forma automática, não dependendo de decisão judicial, desde que, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
II) - No entanto, não deixará o juiz de avaliar, em concreto, ao julgar a deserção, se houve efectiva negligência das partes motivadora da paralisação do processo por mais de seis meses.
III) - A imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de inactividade do processo, aconselham, face ao quadro normativo anterior, uma cautelosa ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao princípio da cooperação previsto no artº. 7º do NCPC, pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação.
IV) - Tendo o exequente requerido a realização de penhora sobre bens dos executados que indicou, ao Agente de Execução incumbia informar aquele das diligências efectuadas, isto é, da realização ou não da penhora e, neste último caso, dos motivos da frustração da mesma.
V) - Não se cumprindo tal formalismo, não se pode afirmar que exista qualquer negligência do exequente em promover o andamento processual.
VI) - Para que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo exequente BANCO, S.A. e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução com a penhora dos bens dos executados indicados pelo exequente no requerimento inicial.
Sem custas.
Guimarães, 2 de Maio de 2016
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Cristina Cerdeira)
(Espinheira Baltar)
(Henrique Andrade)