Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
49/14.6PTBRG.G1
Relator: ALCINA MARIA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: VEÍCULO APREENDIDO
FIEL DEPOSITÁRIO
DESOBEDIÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: É legítima a ordem dirigida pela autoridade policial ao fiel depositário de um veículo automóvel apreendido ao abrigo do disposto no artº 162º, nº 2, alínea f) do Código da Estrada, proibindo a circulação deste, sob a cominação de incorrer na prática de um crime de desobediência.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

1 - Por sentença datada de 4 de Dezembro de 2014, foi condenado o arguido, António P., nascido a 16 de Agosto de 1972, residente na Rua …, nº .. .., .., …, pela prática, como autor material de um crime de desobediência previsto e punido pelo art. 348º, nº 1, al. b) do Código Penal, com referência aos arts. 145º, nº2, 150º, nºs 1 e 2, 161º, nº 1, e) e 162º, al. f) e 5, do Código da Estrada na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, totalizando a quantia de 325,00 euros

2 – Inconformado com a condenação apenas no que respeita à pena aplicada, interpôs o arguido o presente recurso, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

2.1.Nenhum dos elementos do tipo legal de crime analisados se encontram preenchidos, pelo tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de desobediência, previsto no artigo 348.º do Código Penal.

2.2. O tribunal a quo decidiu por base factos, que apesar de confessados pelo arguido, não podem ser cominados como crime, relativamente ao crime de desobediência simples previsto no artigo 348.º, n.º 1 do C.P, pelo facto de a ordem dos agentes de autoridade não se revestir de legalidade substancial, ou seja, não tem base legal que autorize a sua emissão, nem decorre dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente.

2.3. Por outro lado, dos autos não consta nenhuma decisão administrativa, produzida pela ANSR, que permita qualificar o incumprimento daquela como crime de desobediência qualificada nos termos do artigo 348.º, n.º 2 ex vi do artigo 138.º, n.º 3 do Código da Estrada.

2.4. Pelo exposto o tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio jurídico do ne bis in idem.

Em suma, nos presentes autos não só ficou cabalmente provado que o arguido não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vinha acusado consubstanciarem um crime, até porque o legislador – artigo 138.º, n.º 3 do Código da Estrada – e a jurisprudência (Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2009, DR, I-A, 19.03.2009 e Acórdão do TRP, de 10.03.2010) estabelecerem posições diferentes.

3 – O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do Recorrente, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.

4 – Igualmente, o Digno Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação defende a improcedência do Recurso, com fundamento, além do mais, nos argumentos aduzidos no Acórdão desta Relação de 29 de Novembro de 2009 e no Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Fevereiro de 2011.

5 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II – FACTOS PROVADOS

A primeira instância deu como provados os factos que se descrevem, após auditado o CD enviado.

1. No dia 14 de Outubro de 2014, pelas 14H30, na Praça … em …, o arguido foi abordado por uma patrulha da PSP, Comando Distrital de Braga, quando conduzia na via pública o motociclo de marca “Yamaha”, modelo “XT 350” e de matrícula …..
2. No decurso da inspecção efectuada detectou-se que o arguido não possuía seguro de responsabilidade civil obrigatório, motivo pelo qual foi levantado o correspondente auto de contra-ordenação e efectuada a apreensão do motociclo, sendo o arguido nomeado seu fiel depositário.
3. Em consequência, o guarda da PSP advertiu-o de que não poderia circular com o referido motociclo sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
4. Todavia, e não obstante o supra exposto, no dia 3 de Dezembro de 2014, pelas 16 horas, na Avª …, em S…, …, o arguido foi novamente interceptado pela PSP, Comando Distrital de Braga, a conduzir o supra identificado motociclo.
5. O arguido agiu livrem deliberada e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir aquele motociclo por ter sido apreendido pelas autoridades policiais e que a condução do mesmo significava não acatar a ordem legitima, regularmente comunicada e emanada da autoridade competente.
6. Tinha perfeito conhecimento que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
7. O arguido encontra-se há cerca de 3 meses, de baixa médica não tendo actualmente rendimento próprio.
8. Vive com uma com uma companheira que não trabalha.
9. Paga 250 € de renda de casa.
10. O arguido beneficia de ajuda monetária de sua mãe
11. Como habilitações literárias possui o 9º ano de escolaridade.
12. O arguido não possui antecedentes criminais, tendo, contudo, um processo pendente que se encontra suspenso provisoriamente por factos da mesma natureza aos dos presentes autos.

III – QUESTÕES A DECIDIR

A questão essencial a dirimir consiste em saber se a ordem dirigida pela autoridade policial ao fiel depositário de um veículo automóvel apreendido ao abrigo do disposto no artigo 162.º, n.º 2, alínea f) do Código da Estrada, proibindo a circulação deste, sob a cominação de incorrer na prática de um crime de desobediência, é legitima.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Com a revisão do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei nº 59/98, de 25/8, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos recursos de fixação de jurisprudência deixaram de ter força obrigatória.

Porém, o artigo 445º, nº 3, do Código de Processo Penal, ao estabelecer que «a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão», impõe, um especial dever de fundamentação tendente a justificar os motivos pelos quais se defende uma posição contrária à decidida no Acórdão de Uniformização de jurisprudência.

E isto, porque, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2015 Processo nº 14/12.8GBAGN.C1, visualizado em www.dgsi.pt (sitio onde poderão ser localizados os Arestos a que, de ora em diante nos referiremos, sem menção do contrário).:

«Quando a lei, no nº 3 do art. 445º do C.P.P., determina que os tribunais que divirjam da jurisprudência fixada pelo S.T.J. devem fundamentar as divergências certamente quererá um mais em relação ao dever geral de fundamentação da decisão, que estando já previstos noutras normas não careceria de específica consagração caso o objectivo fosse o mesmo.

O conteúdo desta norma foi sendo preenchido ao longo do tempo com a jurisprudência que se foi produzindo, até chegarmos ao momento presente em que se entende que quando a lei diz que as divergências com a decisão do S.T.J. que fixa jurisprudência têm que ser fundamentadas quer dizer que terão que ser usados argumentos novos, relevantes, nunca anteriormente ponderados. Donde resulta que não cumpre as exigências legais da fundamentação da divergência a invocação de argumentos já anteriormente usados e que nunca mereceram acolhimento.

Mas nem só nestes casos é legítima a divergência. Para além daquelas situações, os tribunais sempre poderão perfilhar entendimento divergente desde que a doutrina e/ou a jurisprudência tenham alterado a sua posição relativamente àquela jurisprudência obrigatória ou desde que se vislumbre que o entendimento do S.T.J. mudou desde a jurisprudência fixada.

A não ser nos casos acima mencionados – devidamente ponderados e fundamentados, nos termos expostos –, as instâncias devem obediência à jurisprudência fixada pelo S.T.J., mesmo que dela discordem».

Para o caso, releva o Acórdão Uniformização de Jurisprudência nº 5/2009, publicado no DR nº 55, 1ª Série A, de 19.03.2009, que considerou:

«O depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respectivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (e não o crime de desobediência qualificada do artigo 22.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto – Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro)».

Daqui resulta, que, se de um lado, se pode afirmar, que a questão da legitimidade da ordem de proibição de circular com o veículo apreendido, sob a cominação de praticar o crime de desobediência, não foi directamente analisada naquele Acórdão, de outro, pode afirmar-se que este postula a legitimidade daquela injunção.

Ou seja, existindo um Acórdão de Fixação de Jurisprudência a definir o sentido que deve ser dado à questão suscitada pelo recorrente, (a injunção que lhe foi comunicada pela PSP – proibição de circular com o veículo apreendido, sob pena de cometer o crime de desobediência - é legítima), dele poderemos divergir, se se verificar um argumento novo, de grande valor, que ponha em causa os fundamentos da decisão perfilhada, o que, quanto a nós e salvo o devido respeito pela opinião contrária, não se verifica no caso concreto.

É certo, que o Acórdão da Relação do Porto de 10 de Março de 2010, proferido no processo nº 961/05.3PTPRT.P1, chamado à colação pelo Recorrente, decidiu que:

«Não comete o crime de desobediência aquele, que sendo fiel depositário de um veículo automóvel que lhe foi apreendido por não ter seguro de responsabilidade civil, o conduz na via pública, apesar de, no momento da apreensão, o GNR o ter notificado de que não podia circular com ele».

Mas, salvo o devido respeito por esta opinião, os argumentos aduzidos não são de molde a afastarmo-nos do fixado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 5/2009 citado.

«O Acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2009, debruçou-se sobre a conduta do depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de segura obrigatório, concluindo que a mesma integra o crime de desobediência simples do artigo 348º, nº1, al. b), do CP.

Sendo, que nos termos da fundamentação daquele acórdão, é a norma do art. 150º, nº1, do CE a fonte da legitimidade da proibição de o depositário fazer transitar o veículo, como claramente resulta do excerto que se passa a transcrever:

“Pode, pois concluir-se que a apreensão do veículo por falta de seguro obrigatório de responsabilidade civil não se enquadra em nenhum dos actos regulados no Dec.- Lei nº 54/75 e não sendo uma «apreensão prevista neste diploma» (a ela não se referem os nºs 1 e 2 do art. 22º).

E que não existe ilícito próprio no qual se subsuma a conduta do agente que não respeite a proibição de conduzir um veículo apreendido por falta de seguro obrigatório, nem exista norma legal que a qualifique como desobediência simples ou qualificada. E, sendo assim, resta a subsunção directa dessa conduta à al. b) do nº1, do art. 348º, do Código Penal.

Sendo o artigo 150º, nº 1, do actual Código da Estrada ( «anterior nº 1, do art. 131º»): Os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efectuado, nos termos de legislação especial, seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua actualização.», a fonte da legitimidade da autoridade de trânsito que, ao apreender o veículo por falta de seguro, «proíba» o depositário de o fazer circular (…) Acórdão da Relação do Porto de 17 de Março de 2010, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXV, Tomo II, pág. 211. ».

E, nem se diga, como o faz o recorrente que a contra-ordenação prevista no artigo 161º, nº 7, do Código da Estrada, pune a conduta de quem conduzir veículo automóvel cujo documento de identificação tenha sido apreendido.

Na verdade, como se salienta no Acórdão desta Relação, de 29 de Novembro de 2010Colectânea de Jurisprudência (CJ), Ano XXXV, Tomo V, pág. 299. :

«Não obstante a apreensão do veículo dar lugar à apreensão quer do respectivo documento de identificação quer dos documentos que à circulação do mesmo respeitam [cf. artigo 161.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2 do Código da Estrada], nem todos os casos de apreensão dos aludidos documentos implicam a apreensão do veículo – [cf. os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 161.º] e nem todos os casos de apreensão do veículo conduzem à investidura do titular do respectivo documento de identificação como seu fiel depositário – [cf. os n.ºs 4 e 5 do artigo 162.º].

Entende-se, pois, que a contra-ordenação prevista no n.º 8 [anterior n.º 7] do artigo 161.º do Código da Estrada, por não ser coincidente o respectivo campo de aplicação, não preclude a cominação no acto de apreensão do veículo, concretamente por falta de seguro de responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização, com investidura do titular do respectivo documento de identificação na qualidade de fiel depositário, do crime de desobediência caso o veículo venha a ser utilizado em violação da ordem/proibição comunicada, ordem, essa, que encontra suporte no artigo 150.º do Código da Estrada “… a fonte de legitimidade da autoridade de trânsito que, ao apreender o veículo por falta de seguro, “proíba” o depositário de o fazer transitar” – [cf. o Acórdão de Uniformização de jurisprudência do STJ n.º 5/2009, in DR, I. série, de 19.03.2009]».

(….) Naturalmente que o juízo sobre a idoneidade da conduta descrita para enquadrar o crime está bem explicita no acórdão e a verificação dos seus elementos constitutivos não se mostra questionada ao nível colocado pelo recorrente que parte do pressuposto, com todo o respeito pelas opiniões divergentes, erróneo, de que a conduta em causa nos autos nunca poderia integrar o crime de desobediência por ser sempre subsumível a um ilícito contra-ordenacional – [artigo 161.º, n.º 8 do Código da Estrada, na sua actual redacção].

E sendo o desvalor da acção diferente num e noutro caso, não coincidindo o âmbito de aplicação das normas em confronto, tão pouco o interesse que visam proteger [no crime de desobediência está em causa o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade], não havendo, portanto, que fazer apelo ao princípio da fragmentaridade e subsidiariedade do direito penal, encontrando-se a ordem legitimada pelos artigos 5.º e 150.º do Código da Estrada [a lei atribui às autoridades policiais a fiscalização do cumprimento das normas legais sobre o trânsito]».

A conduta do recorrente não se subsume à condução de veículo com documento de identificação apreendido, prevista e sancionada pelo artigo 161º, nº 8, do Código da Estrada ou a qualquer outro título.

Do que se trata é de uma conduta diferente: nomeado fiel depositário do veículo apreendido por falta de seguro obrigatório, e expressamente advertido pela autoridade competente, de que não podia utilizá-lo, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, ainda assim, decidiu contrariar a ordem que lhe foi dada.

«E é esta conduta, e não aquela (…) que integra o crime de desobediência simples p. e p. no artigo 348º, nº1, al. b), do CP Acórdão da Relação do Porto de 17.03.2010, in CJ, Ano XXXV, Tomo II, pág. 212.».

Neste sentido, também decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 13 de Janeiro de 2010 Citado no Aresto identificado na nota anterior. :

«Com facilidade se conclui que a condução de veiculo com os documentos apreendidos nada tem a ver com a condução de veículo estando este apreendido, embora esta possa implicar aquela e não já o contrário.

Trata-se, por isso, de condutas distintas, a reclamar distinto tratamento jurídico (…). Enquanto a apreensão dos documentos tem por finalidade primordial facilitar a fiscalização, evitando a circulação do veículo desacompanhada do documento de identificação, a finalidade da apreensão do veículo é ainda a de evitar a prossecução de uma situação antijurídica, que consiste na condução em via pública de veículo a motor, sem contrato de seguro de responsabilidade civil».

A apreensão do veículo visa, impedir que o veiculo circule sem o contrato de seguro de responsabilidade civil, que, como se sabe é obrigatório e sem o qual não podem os veículos transitar na via pública.

Para alcançar tal desiderato, o legislador, nos termos dos artigos 150º, nº 1 e 162º, nº 1, alínea f), ambos do Código da Estrada, conferiu competência aos agentes de autoridade para apreenderem o veículo e poderes para o efeito, podendo ordenar tudo quanto seja necessário ao cumprimento das funções que lhe estão cometidas (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Outubro de 2014).

Do que precede, concluímos, que inexistem fundamentos especiais que nos levam a divergir da orientação fixada no mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 5/2009.

E, a ser assim, perante a factualidade apurada, nenhuma dúvida se suscita, que a ordem de apreensão do veículo e a proibição do recorrente o conduzir, sob pena de incorrer no crime de desobediência, é legítima, provindo de entidade a quem a lei conferiu poderes para a dar, sendo o seu desrespeito punido, pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal cf. em sentido idêntico Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pág. 825/826, nota 6, e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Novembro de 2003, CJ, Ano XXVIII, T. V, pág. 225 e ss e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Novembro de 1996, CJ, XXI, T. V, pág. 144..

2. Violação do Principio ne bis idem

O recorrente, fazendo equivaler a proibição de circular com o veiculo apreendido a uma sanção acessória de inibição de conduzir, defende a fls. 42 (nº 25) e Conclusão nº3, que os autos deviam conter a decisão administrativa definitiva proferida pela ANSR que possibilitasse a condenação, nos termos e para efeitos, do disposto no artigo 138º, nº3, do Código de Estrada e 348º, nº 2, do Código Penal, sob pena de violação do artigo 32º da Constituição da República e o principio ne bis idem.

Mas sem qualquer razão.

Sob a epígrafe “Sanção Acessória”, dispõe o artigo 138º, do Código da Estrada:

«1 - As contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.

2 - Quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em sentença criminal transitada em julgado, por prática de contra-ordenação rodoviária, é punido por crime de violação de imposições, proibições ou interdições, nos termos do artigo 353.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro.

3 - Quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em decisão administrativa definitiva, por prática de contra-ordenação rodoviária, é punido por crime de desobediência qualificada, nos termos do n.º 2 do artigo 348.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro».

Pressuposto de aplicação deste preceito, é, além do mais, que a contra-ordenação grave ou muito grave a que alude o seu nº 1, seja punível, para além da coima, com uma sanção acessória, que, nos termos do artigo 147º, nº1, do Código da Estrada, consiste na inibição de conduzir quando aplicável aos condutores que praticam aquele tipo de contra-ordenação.

No caso em apreço, a infracção praticada pelo recorrente – condução de veículo em via púbica sem possuir seguro obrigatório – é sancionada pelo artigo 150º, do Código da Estrada, apenas com coima, não se prevendo a sanção acessória de inibição de conduzir.

Quando um veiculo circular nas condições previstas no artigo 162º, nº 1, do Código da Estrada, entre as quais, se enquadra a falta de seguro de responsabilidade civil nos termos da lei, deve aquele ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes, nos termos, do artigo 161º, nº, 1, al. e) e 162º, nº1, al. f), do Código da Estrada, evitando, assim, a prática de uma acção antijurídica: que o veículo circule fora das condições legais.

A apreensão do veículo visa, pois, acautelar que não volte a transitar na via pública, sem que possua o seguro obrigatório.

Por isso, quando a PSP designou o arguido como fiel depositário do veículo, no âmbito da faculdade conferida pelo nº 5 do artigo 162º, do Código da Estrada, comunicou-lhe que, um dos efeitos da apreensão consistia na proibição de circular com aquele.

O recorrente não foi, assim, punido por desrespeitar uma sanção acessória que o inibiu de conduzir, mas antes, insiste-se, por conduzir um veículo apreendido, do qual foi constituído fiel depositário, veiculo aquele que estava impedido de circular na via pública por falta de contrato de seguro obrigatório.

A conduta do arguido não se subsume, assim, à previsão do artigo 138º, nº3, do Código da Estrada, não havendo, por isso, que lhe fazer qualquer apelo.

Por outro lado, como se salientou no ponto anterior, nenhuma das normas invocadas pelo recorrente prevê qualquer sanção para o incumprimento pela proibição de circulação do motociclo apreendido, de que o recorrente foi nomeado fiel depositário e advertido de que com ele «não poderia circular, sob pena de cometer o crime de desobediência».

Ora, não existindo norma penal ou contra-ordenacional que sancione a conduta desobediente do arguido, não subsistem dúvidas que integra os elementos objectivos da alínea b) do nº 1, do artigo 348º, do Código Penal e, muito menos, as aludidas a fls. 46.

Verificados, também, os demais elementos constitutivos do crime (que não foram, sequer colocados em crise), mais não restava ao tribunal recorrido, do que a condenação o recorrente, nos termos em que o fez, não colidindo esta interpretação com qualquer imperativo constitucional ou princípio de direito penal, como o é, o ne bis idem.

Nenhuma censura nos merece, assim, a decisão recorrida que, como tal, é de manter.

V – DECISÃO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em julgar não provido o recurso interposto por António P.

Custas pelo recorrente, com 3UCS de taxa de justiça.

Notifique.

Processado por computador e revisto pela primeira signatária (art. 94º nº 2 CPP).

Guimarães, 21 de Setembro de 2015