Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
323/12.6TBFLG-E.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Os documentos visam demonstrar certos factos antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica, motivo pelo qual a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância e com os articulados.
2 - Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância.
3 - Deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
“Banco…, SA”, por apenso aos autos de insolvência, intentou ação declarativa para verificação ulterior de créditos contra Massa Insolvente de…, Lda., a devedora e respetivos credores da massa insolvente, pedindo que seja reconhecido o seu crédito, no montante global de € 22.863,96, proveniente de contratos de locação financeira cujos alugueres a insolvente deixou de pagar desde 25/03/2012.
Notificados os requeridos e citados os credores, veio o Administrador da Insolvência dizer que se opõe ao reconhecimento do crédito por a data de incumprimento ser posterior ao início do processo de insolvência e as viaturas em causa, objeto dos contratos de locação financeira, terem sido entregues à locadora.
Respondeu o autor para dizer que os veículos lhe foram entregues em 25/05/2012, mas que tal restituição não exime o locatário do pagamento das quantias referentes às indemnizações por lucros cessantes, nos termos do disposto na cláusula 12.ª das Condições Gerais do Contrato.
Esclareceu, ainda o AI que entende que nada é devido, uma vez que não havia rendas vencidas à data da entrega das viaturas.
Foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo autor.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso o autor.
Com as suas alegações, junta 8 documentos e finaliza as mesmas com as seguintes conclusões:
1 – Por notificação com referência 3626245, foi o Credor notificado através da plataforma Citius do despacho proferido a 17.04.2013 com a referência 3541299, conforme documento 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
2 -Contactado por telefone o 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Felgueiras com vista a obter esclarecimento quanto à divergência da capa da notificação e o teor do despacho de que foi notificado,
3 - A 03.07.2013, logrou o credor obter o envio da sentença proferida por email, conforme documento 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido, de onde resulta o teor do documento em anexo ao referido email.
4 - Por sentença proferida nos autos em epígrafe, o douto Tribunal a quo entendeu que, atento a que a mora no pagamento das rendas a que a Insolvente estava obrigada, não foi convertida em incumprimento definitivo, não havendo, consequentemente lugar ao pagamento da alegada indemnização por lucros cessante
5 - Os veículos objecto dos contratos de locação financeira celebrados entre o
Apelante e a Insolvente foram restituídos ao Autor, aqui Apelante, a 25.03.2012.
6 – Os contratos de locação financeira encontram-se validamente resolvidos, por acordo, devidamente subscrito pelo Exmo Sr. Administrador de Insolvência a 22.05.2012, conforme cópia dos mesmos que se juntam como documentos 3 a 8 que aqui se dão por integralmente reproduzidos
Assim, dando provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e sendo a mesma substituída por sentença que julgue totalmente procedente o pedido formulado pelo Autor e consequentemente, reconhecido e graduado o seu crédito no valor de € 22.863,96 farão V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores, o que é de inteira JUSTIÇA!

Contra alegou a massa insolvente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se, em função dos novos documentos juntos com as alegações de recurso, pode ser alterada a sentença proferida em 1.ª instância.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
A) No âmbito da sua actividade, o Autor celebrou com a insolvente os contratos de locação financeira nºs. 2011.014412.01; 2011.014412.02; 2011.014414.01; 2011.014414.02; 2011.014414.03; e 2011.014415.01, nos termos constantes de fls. 8 a 60 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
B) Nos termos dos contratos identificados em A), o Autor deu em locação à Insolvente os seguintes veículos automóveis:
1. da marca Renault, modelo Kangoo, com a matrícula …-LL-…;
2. da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula …-LL-…;
3. da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula …-LL-…;
4. da marca Renault, modelo Kangoo, com a matrícula …-LL-…;
5. da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula …-LL-…;
6. da marca Renault, modelo Master, com a matrícula …-LP-…;
C) Em 25/03/2012 a Insolvente deixou de pagar os alugueres a que se havia obrigado em todos os contratos identificados em A);
D) Os veículos identificados em B) foram todos devolvidos ao Autor;
E) Por sentença datada de 27/02/2012, transitada em julgado, foi a L…, Lda. declarada insolvente.

Na sentença sob recurso considerou-se que entre o autor e a insolvente foram celebrados seis contratos de locação financeira, cujo objeto consistia em veículos automóveis e que a ré não cumpriu as obrigações de pagamento das rendas a que estava obrigada, entrando em mora. Contudo, uma vez que tal mora não foi convertida em incumprimento definitivo – o que só aconteceria, nos termos da cláusula 12.ª dos contratos, através do envio de comunicação nesse sentido, por carta registada com aviso de receção – não se pode concluir que os contratos tenham sido validamente resolvidos pelo autor e, não o tendo sido, então não há lugar ao pagamento da alegada indemnização por lucros cessantes, nos termos da referida cláusula.
Não contestando o acerto da sentença, vem o autor, em recurso, dizer que, se é certo que os veículos lhe foram restituídos logo após o incumprimento, é igualmente certo que os contratos foram validamente resolvidos por acordo, em 22/05/2012, juntando, para prova de tal alegação, seis documentos, intitulados de “Acordo de Resolução do Ónus de Locação Financeira relativo ao contrato de locação financeira n.º…” subscritos pelo Administrador da Insolvência, pelo que, tendo os contratos sido resolvidos, a mora se transformou em incumprimento definitivo e o apelante tem, assim, direito ás indemnizações previstas contratualmente.
Vejamos.
Dispõe o artigo 693.º-B do Código de Processo Civil que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º»
No novo Código de Processo Civil, manteve-se a mesma formulação, agora sob o artigo 651.º (com remissão para o 425.º) e, sem interesse para o nosso caso, eliminando a última parte daquele 693.º-B (nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º).
Os documentos visam demonstrar certos factos antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica, motivo pelo qual a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância e com os articulados.
Em sede de recurso, como resulta do artigo citado, em conjugação com o artigo 524.º do CPC (atual artigo 425.º), é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância.
Em face da redacção dos citados artigos parece não haver duvidas que deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado – cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, pág. 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 103.
Ora, os documentos que os apelantes juntaram com as suas alegações, estavam já disponíveis em fase muito anterior ao presente recurso e até à entrada da ação em juízo – os documentos datam de 22/05/2012 e a ação deu entrada em 14/01/2013.
Aliás, os documentos em causa, segundo alegação do próprio autor em sede de recurso, destinaram-se a pôr fim – resolver – os contratos de locação financeira, sendo certo que é, precisamente, o incumprimento e consequente resolução de tais contratos que está na origem do pedido formulado de indemnização por lucros cessantes.
Verifica-se, portanto, que o apelante teve oportunidade de juntar os documentos em data anterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância, devendo tê-lo feito para prova dos factos constitutivos do seu direito.
Tendo alicerçado a sua ação no incumprimento contratual por parte da insolvente e, vindo a constatar, pela sentença, que deveria ter alegado e provado a resolução contratual, para obter ganho de causa, não pode, agora, surpreendido com o resultado, vir tentar colmatar tal falha de alegação e prova (e dizemos “tentar”, porque não é líquido que os documentos que junta, destinados a permitir a extinção do ónus de locação financeira que impendia sobre as viaturas, tenha a virtualidade que lhes pretende assacar).
Seja como for, o momento de apresentação de tais documentos era o previsto no artigo 523.º do CPC.
Não pode é juntá-los agora, alegando que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, uma vez que não é esse facto que determina a necessidade da junção dos documentos, mas sim a existência de um facto que já antes do julgamento o autor sabia estar sujeito a prova.
Tendo perdido a acção, não pode agora, extemporaneamente, tentar instruir melhor a prova, com elementos que há muito estariam já disponíveis, para inverter o resultado final.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 106: «Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redacção, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B actual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)».
Revestindo a junção de documentos na fase de recurso carácter excepcional, só deve ser admitida nos casos especiais previstos na lei, o que não acontece no caso presente, não se admitindo, assim, a junção daqueles documentos.

Ora, não sendo admissíveis os documentos, necessariamente improcede a apelação que estava exclusivamente sustentada na sua junção.

Nada a referir quanto às conclusões 1.ª a 3.ª da alegação, uma vez que o recurso foi admitido em 1.ª instância, tendo, certamente, sido considerada a tempestividade do mesmo.

Sumário:
1 - Os documentos visam demonstrar certos factos antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica, motivo pelo qual a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância e com os articulados.
2 - Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância.
3 - Deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 27 de fevereiro de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho