Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1566/08.2TBVCT-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - O tribunal pode ordenar, discricionariamente, a suspensão da instância, quando ocorra outro motivo justificado, para além da pendência de causa prejudicial.
2 – Neste caso o juiz goza de grande liberdade, devendo sempre orientar-se por critérios de utilidade e conveniência processual.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Nos autos de expropriação, em que é expropriante «V…, SA» e expropriada «M…, SA», veio a expropriada, não se conformando com despacho que determinou a suspensão da instância até que esteja concluído o procedimento administrativo de delimitação do Domínio Público Hídrico na parcela expropriada, recorrer do mesmo, tendo, nas suas alegações formulado as seguintes

Conclusões
1 – O despacho controvertido, na modesta opinião da recorrente, não parece ser juridicamente possível e admissível pela nossa lei processual.
2 – Na verdade, ao decidir pela suspensão “sine die” dos presentes autos, sobrestando e fazendo depender a decisão final, qual seja a determinação da indemnização que é devida à expropriada, ao processo administrativo de delimitação do DPH da área territorial confinante com a parcela expropriada, previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 353/2007, de 26 de Outubro, o despacho controvertido realiza uma interpretação e aplicação que o disposto nos artigos 97.º e 279.º, todos do Cód. Proc. Civil, salvo melhor e douta reflexão, não permite.
3 – Por outro lado, a não ser assim, configuraria um enorme e injustificável prejuízo para a expropriada que está confrontada com o desapossamento da sua propriedade que foi adjudicada sem reserva à expropriante, na sua totalidade, e sem que lhe tenha ainda sido atribuída a indemnização que lhe é devida.
4 – Ou seja, configuraria, também, a não realização da justiça que é devida à expropriada, que o escopo do nosso ordenamento não permite, de todo.
Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido, ordenando-se, em sua substituição, que os autos do processo de expropriação devam prosseguir a sua normal tramitação, o que co-envolve a realização da perícia avaliativa, até à prolação da decisão final, sem prejuízo do Instituto da Água fazer desencadear, autonomamente, o que entender por pertinente no que respeita ao DPH da área territorial confinante com a parcela expropriada.

Contra alegou a expropriante pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida em separado e imediata.
O despacho objecto de recurso é do seguinte teor:
«Requerimento que antecede:
O recurso ao procedimento de delimitação do DPH, de acordo com o DL 353/2007 de 26 de Outubro, é a única forma de se apurar qual a área da parcela expropriada que está sujeita ao domínio público, questão essa essencial para a determinação da indemnização a arbitrar nestes autos, conforme já decidido nos autos (decisão já transitada em julgado uma vez que a expropriada dela não recorreu).
Tem razão a expropriada quando afirma que essa tarefa foi acometida aos Senhores Peritos, que poderiam recorrer a todos os meios que viessem a ser necessários para o fazer.
No entanto, atenta a impossibilidade de determinar a referida área por outros meios, decidiu-se recorrer àquele procedimento administrativo.
Como é natural, o presente processo ficará a aguardar o desfecho desse procedimento, cujo prazo não é possível desde já determinar.
Notifique.»

A única questão a resolver traduz-se em saber se foi correcta a decisão de suspensão dos autos de expropriação até que esteja concluído o procedimento administrativo de delimitação do Domínio Público Hídrico relativo à parcela expropriada.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Os factos com interesse para a causa são os que constam do relatório que antecede.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.ºs 2 e 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Tendo em conta o objecto do recurso assim delimitado, deve começar por dizer-se que o que está em questão nesta apelação, não é saber-se se foi correctamente decidido solicitar ao Instituto da Água que levasse a cabo o procedimento administrativo de delimitação do Domínio Público Hídrico.
A apelante parece discordar dessa decisão quando diz que na sua opinião não cabe num procedimento judicial em fase recursiva, o procedimento administrativo previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 353/07, de 26 de Outubro. Contudo, a apelante não interpôs recurso dos despachos que decidiram sobre tal matéria, não só do despacho de 22/05/2009 onde se diz: “não podemos deixar de afirmar que a questão da determinação da área sujeita ao domínio público é uma questão a apurar e decidir nestes autos, com vista à fixação da indemnização a atribuir à expropriada (…) ao contrário do defendido pela expropriada, o tribunal pode, ainda, nesta fase, promover as diligências instrutórias que entenda como úteis à decisão da causa e, sem dúvida, que será determinante para a decisão apurar que áreas serão objecto de indemnização e em que termos.” (despacho onde se determinou que tal diligência seria efectuada pelos peritos avaliadores), como também não recorreu do despacho de 17/06/2011 que determinou que tal diligência (face à incapacidade dos peritos em levá-la a cabo) deveria ser realizada pelo Instituto da Água, IP, determinando que se desencadeasse o procedimento administrativo de delimitação do Domínio Público Hídrico, de acordo com o disposto no DL 353/2007, de 26 de Outubro.
Assim, não está em questão a decisão que considerou a necessidade da realização de tal procedimento administrativo com vista á fixação da justa indemnização relativa à parcela expropriada.
A única questão em discussão é a de saber se, uma vez decidida a realização de tal procedimento administrativo, o processo de expropriação deve ou não aguardar o seu desfecho.
Quanto a esta questão, sustenta a apelante que o despacho viola o disposto nos artigos 97.º e 279.º, ambos do Código de Processo Civil.
Entende que os autos de expropriação não podem ficar à espera de um procedimento administrativo cujas decisões escapam ao controle jurisdicional do tribunal.
Salvo o devido respeito, entendemos que não terá razão.
Se é certo que o artigo 97.º do CPC apenas se refere a questões prejudiciais da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, não sendo, por isso, aplicável a este caso, onde está em causa um procedimento administrativo da competência de uma entidade administrativa, a verdade é que o artigo 279.º, n.º 1 do CPC permite que o tribunal ordene a suspensão “quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Como já vimos, a Sra. Juíza que proferiu o despacho recorrido, sustentou que a decisão que vier a ser tomada no procedimento administrativo é essencial para a decisão deste processo de expropriação, designadamente, para a fixação da justa indemnização, seu fim último. Note-se que o que está em causa não é delimitar o DPH na área territorial confinante com a parcela expropriada (como parece fazer crer a apelante), mas sim determinar que parte concreta da área da parcela expropriada é que se encontra sujeita ao domínio público hídrico.
Ou seja, a decisão final a proferir nestes autos está, necessariamente, condicionada pela decisão a proferir naquele processo administrativo que, como se viu, foi a única forma encontrada para delimitar o referido domínio público (tenha-se em vista que os peritos não o conseguiram fazer).
Ora, considerando-se, como considera a apelante, que a causa prejudicial terá que ter um carácter jurisdicional e não meramente administrativo, sempre fica ao juiz do processo a possibilidade de suspender a causa quando ocorra “outro motivo justificado”. Necessariamente que o preenchimento deste conceito – motivo justificado - ficará a cargo do juiz do processo, não podendo deixar de se considerar que esta segunda parte do n.º 1 do artigo 279.º do CPC confere ao juiz grande liberdade no uso do poder que lhe é concedido, devendo ele orientar-se, claro está, por critérios de utilidade e conveniência processual.
A este propósito escreve Lebre de Freitas, in «Código de Processo Civil Anotado», volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, pág. 503, que “o tribunal pode também ordenar, discricionariamente, a suspensão da instância, quando ocorra outro motivo justificado e não se verifique nenhuma das circunstâncias do n.º 2”.
No caso que nos ocupa, o motivo é mais que justificado para que se ordene a suspensão da instância, como já vimos, pelo que nada há a apontar ao despacho recorrido.
Quanto à fixação do prazo pelo qual durará a suspensão, vê-se que o despacho não é omisso, simplesmente, não o consegue desde já determinar, o que inculca a ideia que será possível fazê-lo logo que haja elementos para tal.
Finalmente, não tem, também, razão a apelante quando invoca o prejuízo que esta decisão lhe acarreta, uma vez que o cálculo do montante da indemnização é actualizado à data da decisão final, nos termos do disposto no artigo 24.º do Código das Expropriações e a indemnização justa apenas poderá ter em conta a parte da parcela expropriada que não pertence ao DPH, conforme já foi decidido anteriormente nos autos.
Pelo que improcedem todas as conclusões da alegação da apelante, sendo de manter a decisão recorrida.

Sumário:
1 - O tribunal pode ordenar, discricionariamente, a suspensão da instância, quando ocorra outro motivo justificado, para além da pendência de causa prejudicial.
2 – Neste caso o juiz goza de grande liberdade, devendo sempre orientar-se por critérios de utilidade e conveniência processual.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2012
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho