Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
748/02.G3
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: INVENTÁRIO
ERRO
EMENDA DA PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO/AGRAVO
Decisão: IMPROCEDENTE/NÃO PROVIDO
Sumário: O erro de facto na descrição ou qualificação dos bens não carece, para fundamentar emenda da partilha, de revestir as características que o tomariam relevante como erro-vício da vontade, bastando que exista o erro, o qual opera por si, sem necessidade de outros requisitos, gerais e especiais.
os interessados que se julguem prejudicados com a partilha só têm ao seu alcance, para além do recurso extraordinário de revisão, três meios: a) a emenda da partilha por acordo de todos os interessados; b) na falta de acordo, a acção de emenda da partilha nos termos do disposto no artigo 1387º do CPC, e c) acção para anulação da partilha judicial, nos termos do disposto no artigo 1388º do mesmo CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 748/02.G3

I - Nos presentes autos de inventário instaurados por morte de J… , nos quais foi cabeça-de-casal B… (e, ulteriormente, D… ), foi proferida sentença em que se homologou o mapa de partilha e adjudicou aos interessados os respectivos quinhões.

Inconformados, os interessados B… e mulher interpuseram recurso cujas alegações de fls. 461 a 463, terminam com as seguintes conclusões:

a) A presente sentença homologatória da partilha, pelas razões já indicadas no recurso de agravo para o qual se remete e ao sancionar o decidido na conferência de interessados realizada em 11 de Março de 2010, violou o disposto no artº 252 do Cód. Civil e fez uma aplicação errada do disposto no artº 1385 do C.P.C.
b) De facto não atendeu ao facto alegado pelo interessado Belmiro que quando licitou na primeira conferência fê-lo plenamente convencido que poderia utilizar a verba de 4.027,24 €, como bem próprio e daí pagar pelo menos parte dos bens licitados
c) Por outro lado, qualquer um outro interessado sabendo que iria receber uma quantia que antes estava afastava do acervo da herança, poderia ter interesse em licitar bens que assim não licitou.
d) A decisão proferida não teve em atenção o interesse dos interessados quer na partilha quer na composição dos quinhões, pois não estavam resolvidas todas as questões que pudessem influi na partilha como manda o disposto no artº 1352 nº1 do C.P.C.
e) Termos em que deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que ordena nova conferencia de interessados para poderem ser partilhados todos os bens da herança.

Na Conferência de Interessados, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
Em parte alguma do despacho de fls. 361, o tribunal determinou que o resultado da anterior conferência de interessados seria posta em causa.
A razão da presente diligência é muito clara ou os interessados acordam em algo dentro do âmbito do objecto dos autos ou a parte resultante do acervo hereditário será distribuído (porque de dinheiro se trata) de acordo com as regras legais.
Em segundo lugar, cumpre afirmar que a pretensão do interessado Belmiro não encontra fundamento legal, em alguma norma ou preceito sendo que, tão pouco da anterior conferência de interessados resulta condição alegada, até porque a existir, tal implicava a nulidade da declaração.
Manifestamente as razões pelas quais o interessado B… licitou e como licitou são alheias ao processo.
Assim, indefere-se o peticionado.

Inconformado o interessado interpôs recurso de agravo, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1) Por douto despacho de 19 de Fevereiro de 2009, a Meritíssima Juiz a quo indeferiu uma reclamação apresentada pelo cabeça-de-casal Dr. D… , que pretendia que fosse incluída na relação de bens o dinheiro existente no ramo Vida pelo de cujus J… , mais concretamente um seguro de vida que foi resgatado pelo recorrente B… em 8-6-2004, que era o seu beneficiário.
2) Por força de tal despacho, procedeu-se a conferência de interessados, sem que averba de 4.027,24 € fosse considerada da herança.
3) O interessado B… licitou várias verbas, nomeadamente um prédio urbano e alguns bens móveis., ficando obrigado a pagar tornas de vários milhares de euros aos outros interessados
4) Foi interposto recurso para esse Venerando Tribunal do despacho que não considerou como acervo da herança o dito 5/10/4 seguro de vida que revogou a decisão anterior e considerou como acervo da herança o montante da apólice 55/100523
5) Para dar cumprimento ao aí decidido o Tribunal de Valença notificou os interessados para “ a realização da conferência de interessados, destinada a compor os quinhões e o valor porque que devem ser adjudicados.
Não sendo obtido acordo quanto a distribuição dos bens, haverá lugar, de imediato, a licitação entre os interessados”
6) A dita conferência ocorreu em 11 de Maio de 2010.
7) Antes de se proceder à conferência propriamente dita (como consta da referida acta) o mandatário do interessado B… fez um requerimento em que de forma sucinta alegou que: “com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação alteram-se de modo substancial as circunstâncias e pressupostos em que o interessado B… procedeu a licitação”
8) E pediu que se procedesse a nova partilha de todos os bens.
9) O Tribunal a quo indeferiu o requerimento dizendo que a razão da presente diligência é muito clara e que caso não haja acordo com as regras legais.
Alegando ainda que não encontra fundamento legal e que as razões do interessado B… são alheiras ao processo.
10) Ninguém desconhece, embora o douto despacho não se fundamente nele, o que dispõem o artº 1385 do C.P.C. que procura limitar a nova partilha ao necessário para cumprir a decisão que a ordenou;
O que foi invocado no requerimento do interessado B… tem a ver com erro ou vício de vontade sobre os motivos que 6/105 o levaram a licitar nos bens na primeira conferência.
11) Ou seja, o interessado B… quando licitou nos bens e pelo valor que o fez na primeira conferência estava convencido que a verba de 4.027,24 lhe pertencia.
Estava convencido que poderia utilizar esse dinheiro para proceder ao pagamento das tornas aos irmãos.
12) A alteração das circunstâncias, nomeadamente quanto a possibilidade de poder pagar as tornas condicionaram a sua vontade de ficar com tais bens.
13) A vontade do interessado B… partiu do pressuposto que poderia utilizar a verba do seguro para pagar as tornas.
14) Existe no caso em concreto um erro objectivo e determinante na formação da vontade do recorrente na primeira conferência de interessados (artº 252 do Cód. Civil).
15) Pelo que se impõe, salvo o devido respeito, se proceda a emenda da partilha conforme determina o artº 1386 nº1 do Cód. Proc. Civil
16) Aliás nesse sentido se pronuncia o mui douto Acórdão do S.T.J de 18/06/2003 in http:// www.dgsi.pt (Proc. 03ª4140)
17) O douto despacho violou o disposto no artº 252 do Cód. Civil e artº 1386 nº1 do Cód. de Proc. Civil
18) O Tribunal a quo não fundamenta a sua decisão;
Violou assim o douto despacho o disposto no artº 668 nº1 al. b) e d) do C.P.C.

O interessado C… apresentou contra-alegações que constam dos autos a fls. 392 a 394 e 470 e 471, assim como o Ministério Público também apresentou contra-alegações que constam dos autos a fls. 396 a 399, e nas quais, ambos, se pronunciam pelo indeferimento do recurso.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

II - Nos termos do disposto nos artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do artigo 660º do mesmo código.
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A questão a decidir é a de saber se se deve proceder a nova partilha nos autos.
Conforme resulta dos autos, na Conferência de Interessados realizada em 11 de Novembro de 2009, procedeu-se, para além do mais, à licitação dos bens constantes da respectiva relação.
Estava pendente um recurso nesta Relação que visava saber se o montante de € 4.027,24 respeitante a um seguro do ramo vida efectuado pelo inventariado fazia ou não parte do acervo hereditário.
Deste modo, quando ocorreu a Conferência de Interessados, o recorrente sabia que aquela verba, que o mesmo resgatou, poderia, como foi, ser considerada pertencente ao acervo hereditário.

Após a decisão desta Relação, a Conferência de Interessados, na qual foi proferido o despacho recorrido, e que se realizou em 11 de Maio de 2010, destinou-se exclusivamente à partilha desta verba.
Dispõe o artigo 1385º do Código de Processo Civil que, tendo de proceder-se a nova partilha por efeito da decisão de recurso ou da causa, o inventário só é reformado na parte estritamente necessária para que a decisão seja cumprida.
Por sua vez, o artigo 1386º do mesmo código dispõe que a partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
Assim, e para que se proceda à emenda basta que tenha havido um erro de facto que se consubstancie num erro na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
E como se refere no acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2004, disponível na internet em www.dgsi.pt “tem-se entendido maioritariamente que o erro do primeiro tipo (erro de facto na descrição ou qualificação dos bens) não carece, para fundamentar emenda da partilha, de revestir as características que o tomariam relevante como erro-vício da vontade: essencialidade ou causalidade, propriedade e escusabilidade ou desculpabilidade.
Basta que exista o erro, o qual opera por si, sem necessidade de outros requisitos, gerais e especiais. Assim, Ac. do STJ, de 12/01/73, BMJ, 223-181, da Relação de Coimbra, 28/02/79, CJ, ano IV, tomo l, 69, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II (1980-82), 372, nota 1197, Lopes Cardoso, Partilhas judiciais, vol. ll, 548-549; e em sentido próximo, Relação de Coimbra de 11/03/80 e de 15/06/94, em CJ, ano V, t, II, 20 e BMJ, 438-566, respectivamente.
Tão só se exigirá que o erro seja "objectivo ou material", não bastando o erro subjectivo ou pessoal, conforme anotava Elias da Costa no seu "Pequeno Guia do Processo de Inventário" (1979, p. 68)”.
Ora, quanto à referida verba (capital segurado) não se pode falar em qualquer erro de qualificação ou descrição da verba, nem erro que possa ter viciado a vontade do recorrente, uma vez que estava em discussão se a mesma pertencia ou não à herança, estando o despacho proferido sobre tal questão em recurso, o que o recorrente bem sabia.
Quanto às demais verbas licitadas ou adjudicadas na Conferência, não se verifica qualquer erro.
Por outro lado, e como resulta do citado artigo 1386º para que se proceda à emenda da partilha, nesses termos (como incidente do inventário) é necessário que se verifique o acordo de todos os interessados.
Com efeito, os interessados que se julguem prejudicados com a partilha só têm ao seu alcance, para além do recurso extraordinário de revisão, três meios: a) a emenda da partilha por acordo de todos os interessados; b) na falta de acordo, a acção de emenda da partilha nos termos do disposto no artigo 1387º, e c) acção para anulação da partilha judicial, nos termos do disposto no artigo 1388º, ambos do Código de Processo Civil.
Deste modo, e como se referiu no despacho recorrido, não se verificava qualquer fundamento legal para o requerido pelo recorrente, nem aquele despacho violou o disposto nos artigos 1386º e 1387º do Código de Processo Civil.
Deve assim, improceder o recurso.
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III - Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar provimento ao agravo, bem como em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Guimarães, 29 de Setembro de 2011
Conceição Bucho
Antero Veiga
Raquel Rego