Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4877/13.1TBBRG.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CASO JULGADO
REVOGAÇÃO DO ACTO EXPROPRIATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. “ O caso julgado material forma-se mediante uma sentença de mérito, isto é, mediante sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos” – A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, vol. III, pg. 96.
II. Tendo-se realizado a revogação do acto expropriativo com fundamento na invalidade do acto revogado, a revogação tem eficácia rectroactiva nos termos dos artº 138º, 141º a 144º e 145º-nº 2 do Código de Processo Administrativo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

U…, S.A., e, B…, S.A., interessados nos autos de Expropriação Litigiosa, nº 4877/13.1TBBRG, do 3º juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, em que é Expropriante o Município de Braga e Expropriados U…, S.A., e outros, vieram interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 13/11/2013, que declarou nulos e de nenhum efeito os actos processuais praticados nos autos de Expropriação em curso, em função da revogação do acto administrativo determinante da expropriação, com o seguinte teor:
Por todo o exposto, declarando nulos e de nenhum efeito os atos processuais praticados nos presentes autos, em função da revogação do ato administrativo determinante da expropriação, decide-se:
a) Restituir à expropriada U…, SA a propriedade e posse dos prédios descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga, sob os n.ºs 1458, 1844 e 2651, todos da freguesia de Braga (S. Vítor);
b) Determinar o cancelamento das inscrições de aquisição efetuadas a favor do MUNICÍPIO DE BRAGA, lavradas com base na Ap n.º 2413, de 30 de Julho de 2013, incidentes sobre os prédios descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga, sob os n.ºs 1458, 1844 e 2651, todos da freguesia de Braga (S. Vítor);
c) Determinar o cancelamento das inscrições de cancelamento efetuadas com base na Ap. n.º 2413, de 30 de Julho de 2013, incidentes sobre os prédios descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga, sob os n.ºs 1458, 1844 e 2651, todos da freguesia de Braga (S. Vítor), por forma a manter em vigor as seguintes inscrições canceladas:
Prédio descrito sob o n.º 1458:
a) Hipoteca voluntária resultante da Ap. n.º 14, de 2008/11/19;
b) Hipoteca voluntária resultante da Ap. n.º 367, de 2011/05/06;
c) Penhora resultante da Ap. n.º 85, de 2012/08/29, e;
d) Aquisição resultante da Ap. n.º 66, de 2013/04/30
Prédio descrito sob o n.º 1844:
a) Hipoteca voluntária resultante da Ap. n.º 2028, de 2010/03/19;
b) Hipoteca voluntária resultante da Ap. n.º 367, de 2011/05/06;
c) Aquisição resultante da Ap. n.º 67, de 2013/04/30
Prédio descrito sob o n.º 2651:
a) Hipoteca voluntária resultante da Ap. n.º 09, de 2008/10/07;
b) Hipoteca voluntária resultante da Ap. n.º 367, de 2011/05/06;
c) Aquisição resultante da Ap. n.º 67, de 2013/04/30
d) Restituir ao MUNICÍPIO DE BRAGA as quantias monetárias que se acham depositadas nos autos (indemnização e respetiva atualização), cujos depósitos autónomos se encontram a fls. 15, 17, 19 e 568;
e) Declarar extinta a presente instância expropriativa, por inutilidade superveniente da mesma (artigo 277.º, al. e), do CPC), e;
f) Condenar o MUNICÍPIO DE BRAGA nas custas processuais a que deu causa (artigo 536.º, n.º 3, do CPC).

Os recursos foram recebidos como recursos de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo, nos termos dos artº 627º, 629º, 631º, 644º-n1-alínea.a) e 2-alínea.f), 645º-nº1-alínea.a) e 647º-nº3-alínea.e), todos do NCPC.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:

A) Recurso de Apelação de U…, S.A.
I- A recorrente interpõe recurso de apelação de despacho do juiz a quo de 13/11/2013, recurso este com efeito suspensivo nos termos do art. 647°, n.º 3, al. e) CPC, uma vez que entre outras prescrições determinou o referido despacho o cancelamento de inscrições de cancelamento dos prédios em questão nos presentes autos.
II - O despacho a quo é juridicamente inexistente por violação frontal do disposto no art. 613º CPC ao volver a decidir sobra a causa quando já se havia esgotado o poder jurisdicional do juiz quando à matéria da causa.
III - Isto porque em 22/01/2013, e no âmbito de um processo expropriativo urgente, o Tribunal adjudicou à entidade expropriante a propriedade das parcelas de terreno no mesmo identificadas e em causa nos autos, para os termos e efeitos dos arts. 51°, n.° 5 e 6 do Código das Expropriações (CE).
IV - Despacho este transitado em julgado, uma vez que contra o mesmo não foi deduzido ou admitido recurso algum - art. 628º CPC.
V - Pelo que face à imposição de entrega imediata aos interessados da indemnização acordada ou determinada pelo Tribunal prevista no art. 52°, n.ºs 2 e 3 CE encontra-se o cumprimento dos direitos do recorrente a ser postergado, nomeadamente, a entrega da indemnização cujo direito se encontra consolidado na sua esfera jurídica.
VI - Esta consequência havia sido defendida já, pasme-se, pelo próprio Tribunal a quo em despacho de 14/10/2013 n.º de referência no sistema 12533386, que proclamava, e citamos:
VII - Com efeito, através de despacho proferido no dia 22 de Julho de 2013, adjudicou-se ao MUNICÍPIO DE BRAGA a propriedade das parcelas de terreno ai melhor identificadas (fls. 206/207 – ref.ª 12270493, sendo certo que, com a prolação do mesmo, esgotou-se o poder Jurisdicional sobre a questão (art. 613º CPC) e, ademais, encontrando-se tal despacho transitado em julgado, o mesmo tornou-se inalterável.
(.,,)
Aqui chegados, torna-se manifesto que, ante o cenário descrito, não há como negar à expropriada e aos demais interessados o direito a receberem a justa indemnização que se acha depositada nos autos (…) [n]ão queda para proferir nestes autos qualquer decisão que constitua, modifique ou extinga direitos.
VIII - Uma vez transcurso o prazo de recurso de decisão arbitral ou judicial (dentro do qual pode também ser requerida a expropriação total), mais nada há a fazer no processo de expropriação que não seja a entrega imediata e material da indemnização já depositada juntos aos autos, direito esse que para alguns autores autorizados Já havia surgido com a própria Declaração de Utilidade Pública,
IX - Conforme opinião unânime de todos os processualistas citados nas presentes alegações e do próprio Tribunal a quo e : com o despacho de 22/07/2013 esgotou-se o poder jurisdicional do juiz sobre a questão, não podendo ser o despacho recorrido produzido por inexistência de poder declarativo de direito do juiz - daí a sua inexistência jurídica,
X - Fora da previsão da lei processual, estava vedado ao Tribunal Judicial de Braga voltar a tomar qualquer decisão respeitante à causa - ou seja, à expropriação das parcelas em causa nos autos e devidamente determinada.
XI - O despacho em recurso não é uma rectificação de erros materiais por omissão de nome de partes, distribuição da custas, erros de escrita ou cálculo, inexatidões devidas ou outra qualquer omissão ou lapso manifesto, não se preenchendo aqui a previsão do art. 614°CPC.
XII - Também não lá o suprimento de qualquer nulidade prevista no art. 615º CPC.
XIII - Também não configura uma reforma de sentença ou despacho, mas sim uma nova decisão.
XIV - Não se tendo verificado qualquer pressuposto para nova pronúncia do juiz a quo sobre a questão dos autos, estava-lhe vedado proferir o despacho a quo, que é verdadeiramente fulminado de inexistência jurídica, devendo ser ordenado e de imediato o seu desentranhamento dos autos e a reposição dos efeitos jurídicos previamente determinados pelos despachos de 22/7/2013 e 14/10/2013.
XV - Por outro lado, o despacho datado de 22/07/2013 que adjudica à entidade expropriante a propriedade das parcelas de terreno no mesmo identificadas e em questão nos presentes autos é um despacho transitado em julgado material e formalmente.
XVI - O fundamento do instituto do caso julgado é o de evitar colocar o Tribunal na situação de se contradizer, em termos práticos e não meramente teóricos ou lógicos, decisão anterior proferida por outro Tribunal ou pelo mesmo, a bem da dignidade do juiz a quo, da Justiça e do ideal do Estado de Direito - vejam-se as passagens e os autores citados.
XVII - O despacho de 22/7/2013 definiu de forma definitiva, constituindo caso julgado dentro e fora do processo respectivo, o direito dos expropriados a receber a indemnização pela expropriação derivado da adjudicação da propriedade das parcelas de terreno em questão ao Município.
XVIII - Deste despacho jamais foi interposto qualquer recurso ou ainda um recurso de revisão (art.s. 696º e seguintes CPC), sendo o mesmo inatacável e irreversível juridicamente.
XIX - Ou seja, e encerrando, a decisão de 22/7/2013 é, pelo exposto, inatacável e irreversível, seja por força do esgotamento do poder jurisdicional do juiz a quo, seja por força da operação do instituto do caso julgado.
XX - Com o despacho de 22/7/2013 operou-se a transferência da propriedade sobre o bem expropriado a favor do respectivo beneficiário, efeito jurídico consolidado.
XXI - A declaração de adjudicação tem força translativa de propriedade e consequentemente de direito à atribuição da correspondente de direito à atribuição correspondente indemnização.
XXII - Qualquer questão solevada sobre acto administrativo de declaração de utilidade pública é absolutamente alheia ao Tribunal Judicial Civil e não pode por este ser conhecida, jurisprudência aliás firmada pelo Tribunal de Conflitos, no seu Acórdão com n. o de processo 022/12, de 23/01/2013.
XXIII - Ou seja, a decisão em recurso não era admissível processualmente nem em termos de competência Jurisdicional
XIV - Por outro lado, e subsidiariamente, o poder revogatório da Administração não é absoluto, tendo que salvaguardar os efeitos já protegidos no caso do particular estar de boa fé.
XV - Os efeitos já consolidados do acto administrativo levam a que tenha sido adjudicada a posse dos prédios ao Município expropriante e a que a indemnização devida pela expropriação do mesmo seja já propriedade dos expropriados independentemente de estar depositada à sua ordem no Tribunal: os expropriados já foram indemnizados pela expropriação que ocorreu, não podendo esta indemnização ser-lhes retirada em obediência à sua boa-fé.
XVI - A revogação do acto inválido, ainda que retroactiva, não abrange todos os seus efeitos, designadamente os já produzidos.
XVII - Nem aos actos nulos tal extensão de poderes é permitida no tocante a actos consequentes de actos anulados ou revogados, se houver contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente – é o regime do art. 133º, n. ° 2, st. l) do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
XVIII - Se não são actos nulos actos consequentes de actos anteriormente anulados ou revogados, também a decisão de adjudicação de propriedade ao expropriante, por ainda mais prementes argumentos de maioria de razão, não pode ser dada sem efeito.
XXIX - Caso se entenda que do despacho em recurso não cabe recurso de apelação, o expropriado requer a convolação do presente recurso de alegação em requerimento de reforma de sentença, com os fundamentos até ao presente alegados, uma vez que o despacho é nulo nos termos do disposto nos arts. 613º, n.º 3 e 615°, n." 1, al d) CPC, ao pronunciar-se o juiz sobre questões de que não podia tomar conhecimento.


B) Recurso de Apelação de B…, S.A.
2.1.- Em 22.07.2013, foi proferido despacho que adjudicou à entidade expropriante (o Município de Braga) a propriedade dos bens imóveis identificados nos autos.
2.2.- De facto, nesse mesmo despacho, aludiu-se, além do mais, à circunstância de a entidade expropriante ter procedido ao depósito dos valores correspondentes às indemnizações e concluiu-se como a seguir se transcreve: “…Assim, nos termos do disposto no artº 51º, nº 5, do C.Exp., adjudico à expropriante a propriedade das parcelas de terreno acima identificadas.
Notifique (todos os interessados) – artº 51º, nº 5, do C.Exp –e cumpra o disposto no artº 51º, nº 6, do mesmo diploma…”.
2.3.- Com a notificação de tal despacho, foram ainda os interpelados notificados da faculdade de recorrer, nos termos do art. 52º do C. Exp., recurso esse que haveria de ser interposto no prazo de 20 dias.
2.4.- Todos (entidade expropriante, expropriada e credores com garantia real) foram notificados e nenhum deles interpôs recurso.
2.5.- Assim sendo, a decisão de adjudicação transitou em julgado.
2.6.- Sucederam-se, então, diversas tentativas processuais, protagonizadas por diversos intervenientes, de obstar ao pagamento das compensações devidas derivadas da expropriação.
2.7.- Essas tentativas foram sempre rejeitadas pelo Mmº Juiz a quo, o qual, por decisão de 11.10.2013, declarou que, com a prolação do despacho de adjudicação (de 22.07.2013), se esgotou o poder jurisdicional do tribunal e que, tendo tal despacho transitado em julgado, o mesmo se tornou inalterável.
2.8.- Nessa conformidade, constituindo a expropriação por utilidade pública, relativamente à entidade expropriante, uma causa originária de aquisição de propriedade, a partir do despacho de 22.07.2013, a propriedade dos imóveis transferiu-se para a entidade expropriante e as verbas depositadas passaram a pertencer à expropriada e aos credores com garantia real, neles se incluindo o ora recorrente.
2.9.- Por isso é que o Mmº Juiz a quo ditou, no despacho de 11.10.2013:
“Destarte, tendo sido proferido o despacho de adjudicação da propriedade das parcelas expropriadas e mostrando-se o mesmo transitado em julgado, não só se consumou a expropriação [no sentido de que se extinguiu o direito de propriedade e os direitos reais de garantia, respetivamente, da expropriada e dos interessados, sobre os bens expropriados], como, ademais, tornou-se a expropriada titular da contrapartida monetária depositada nos autos que, justamente, constitui a indemnização pela expropriação de que foi objeto, sem prejuízo de se acautelarem os direitos dos credores hipotecários sobre tal montante [cfr. art.º 692.º, n.º 3, do CC]”.
2.10.- Mais acrescentou que “…torna-se manifesto que, ante o cenário descrito, não há como negar à expropriada e aos demais interessados o direito a receberem a justa indemnização que se acha depositada nos autos”.
2.11.- E que “…mostrando-se, por um lado, proferido e transitado em julgado o despacho de adjudicação da propriedade dos bens ao MUNICÍPIO DE BRAGA e comunicada essa adjudicação à Conservatória do Registo Predial e, já por outro, não tendo sido interposto qualquer recurso da decisão arbitral (ou formulado qualquer pedido de expropriação total), não queda para proferir nestes autos qualquer decisão que constitua, modifique ou extinga direitos…
2.12.- Aliás, o Mmº Juiz a quo ainda “sugeriu” à entidade expropriante que “… no contexto dos processos e/ou procedimentos tendentes à anulação ou revogação das deliberações que decidiram a expropriação [e nos quais, evidentemente, a aqui expropriada e demais interessados terão de ser envolvidos], reclamar destes a justa indemnização recebida por efeito de uma expropriação, assente em ato administrativo anulado ou revogado, por este ser, justamente, um dos efeitos decorrentes da declaração da anulação dessas deliberações [289.º, do CC] e um dos efeitos repristinatórios da revogação do ato [art.º 146.º, do CPA]”.
2.13.- Numa manifestação de total incoerência com o que assim decidiu em Outubro de 2013, em Novembro seguinte, o Mmº Juiz a quo decidiu de forma completamente contrária e até antagónica.
2.14.- Ao contrário do que decidira ao longo do processo, a propósito do esgotamento do poder jurisdicional, da eficácia do caso julgado e da atitude processual a tomar (no futuro) pelo Município de Braga, o Mmº Juiz a quo inverteu todo o seu raciocínio e decidiu, em 13.11.2013, que:
-Afinal não estava esgotado o seu poder jurisdicional (na medida em que, apesar do trânsito em julgado, decidiu de forma pura e simplesmente contrária);
-O caso julgado não tem o mais pequeno valor jurídico-processual;
-A atitude processual que o Município de Braga devia tomar não era a que ele (Mmº Juiz) preconizara, outrossim aquela que, entretanto, tomou, revogando o acto administrativo de expropriação, e que tal revogação tem um efeito plenamente anulatório, declarando nulos e de nenhum efeito todos os actos processuais praticados nos autos e declarando extinta a presente instância expropriativa por inutilidade superveniente da lide.
2.15.- Ora, a decisão de que se recorre é, de facto, juridicamente inexistente, inexistência que, expressamente, se invoca, na medida em que o Juiz, após ter proferido o despacho/sentença de 22.07.2013 viu imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. o art. 613º.1 do CPC).
2.16. - Ou seja, quanto ao mérito da causa, a sentença só pode ser alterada em sede de recurso, não podendo o mesmo juiz dar o dito e o não dito sobre a mesma questão nuclear (isto sem embargo das excepcionais situações previstas nos arts. 614º, 615º e 616º do CPC).
2.17.- A jurisprudência e a doutrina são unanimemente contra o que ocorreu nos presentes autos, sendo absolutamente indiscutível que estava vedado ao tribunal a quo alterar a decisão já tomada em 22 de Julho de 2013.
2.18.- Pretende-se, por via deste recurso, que o Tribunal da Relação declare a inexistência jurídica (a invalidade) do despacho de 13.11.2013 e, consequentemente, inexistentes (e inválidos) juridicamente também os efeitos do mesmo.
2.19.- Por outro lado, ao ter decidido como decidiu em Novembro p.p., após o trânsito em julgado do despacho/sentença de 22.07.2013, o Mmº Juiz a quo, ofendeu frontalmente o caso julgado, porque julgou de forma completamente diferente algo que já havia julgado antes e que já havia transitado em julgado.
2.20.- O Mmº Juiz a quo contradisse uma sua decisão anterior e é precisamente também para evitar essa contradição que existe a figura do caso julgado.


Foram proferidas contra – alegações.
Os recursos foram admitidos neste Tribunal da Relação na espécie e efeito fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões dos recursos de apelação deduzidos, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:
- excepção de caso julgado: pressupostos.
- com o despacho de 22/07/2013 esgotou-se o poder jurisdicional do juiz sobre a questão, não podendo ser o despacho recorrido produzido por inexistência de poder declarativo de direito do juiz ?
- a revogação do acto inválido, ainda que retroactiva, não abrange todos os seus efeitos, designadamente os já produzidos ?


FUNDAMENTAÇÂO (de facto e de direito):
Nos termos do disposto no artº 619º do CPC :
“Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artº 580º e 581º e seguintes(…)”.
No tocante aos efeitos e extensão do caso julgado material, e tal como determina o artº 621º do Código de Processo Civil “ A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”
“ O caso julgado material forma-se mediante uma sentença de mérito, isto é, mediante sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos” – A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, vol. III, pg. 96.
Referindo-se à sentença, no tocante aos seus efeitos, após transitada em julgado, diz M. Andrade, Noções, fls.285 – “ Ela tem autoridade – faz lei – para qualquer processo futuro, mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo”.
“A razão da força e autoridade do caso julgado é a necessidade da certeza do direito, da segurança nas relações jurídicas. Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo beneficio, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse beneficio, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior (…).
È essa necessidade de segurança que faz admitir o principio da irrevogabilidade do caso julgado (…)” – A. Reis, CPC Anotado, Volume III, 4ª edição, fls.94.
Acresce, que, os efeitos do caso julgado reportam-se à própria decisão e não aos respectivos fundamentos (entre muitos outros, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 23/2/78, in BMJ 274/191; de 22/3/78, in BMJ 235/158; de 21/7/72, in BMJ 219/158; Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, pg, 317 e sgs.; A. Varela, ob. Citada, pg.692 e sgs. ; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1/10/96, sumariado, in www.dgsi.pt.
(… ) a força de caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta “ A. Varela, obra citada, pg. 693 e sgs.
Do exposto decorre, desde logo, inexistir violação de caso julgado, material ou formal, nos termos da decisão recorrida e relativamente à decisão proferida nos autos pelo Mº Juiz “ a quo “ por despacho de 11 de Outubro de 2013 (ref.ª 12511893), nos termos da qual se indeferiram os pedidos de suspensão dos presentes autos, com fundamentos manifestamente contrários ao que veio a expor na decisão em apreciação.
Relativamente à decisão proferida nos autos em 22.07.2013 e que nos termos do disposto no artº 51º - nº 5, do Código das Expropriações, adjudicou à entidade expropriante (o Município de Braga), a propriedade das parcelas de terreno identificadas nos autos, a mesma não está abrangida por efeitos de caso julgado material, nos termos das disposições acima assinaladas, na medida em que não conhece nem decide de mérito da causa, não se tratando de decisão sobre a relação material controvertida, revestindo tão só efeitos de caso julgado formal nos termos do artº 620º do Código de Processo Civil, com exclusivos efeitos processuais no processo em que é proferida, tratando-se de regular os termos legalmente prescritos do processo de expropriação litigiosa, decorrente da declaração de utilidade pública da expropriação, o que pressupõe a prévia existência de acto administrativo de expropriação, válido;
tendo por exclusiva finalidade o processo de expropriação litigiosa, no qual é proferida a decisão de adjudicação à entidade expropriante da propriedade e posse do terreno expropriado nos termos do artº 51º - nº 5, do Código das Expropriações, fixar o valor da indemnização – Código das Expropriações- Capítulo II, artº 38º e sgs.;
e, sendo a notificação a realizar, prevista no artº 51º-nº5, parte final, do Código das Expropriações, referente à faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52º, do citado código, ou seja, o recurso da decisão arbitral.
Nos termos do artº 1º do C. Expropriações, os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização, sendo esta pressuposto de legitimidade da expropriação, com garantia constitucional nos termos do art.º 62º da C.R.P., dispondo tal preceito constitucional que “ a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.”
Dispõe o art.º 23º-n.º1, do citado diploma legal, que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
A expropriação por utilidade pública traduz-se, assim, na “relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a este pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória “ (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, III vol., pg. 1020).
No caso dos autos, tratando-se de acto administrativo de expropriação da iniciativa da administração local autárquica, da competência da respectiva Assembleia Municipal, nos termos do artº 14º-nº2 do Código das Expropriações, veio esta a deliberar revogar o acto por deliberação de 22 de Outubro de 2013, nos termos do artº 141º do Código de Processo Administrativo e no uso da competência prevista no artº 35º-nº3 da Lei nº 75/2013, de 12/9, revogando a deliberação de expropriação que baseou os presentes autos com efeito rectroactivo.
Sendo questão essencial em discussão, suscitada pelos apelantes, se os eventuais efeitos revogatórios de tal deliberação não podem verificar-se por ofenderem caso julgado material formado pela decisão proferida nos autos em 22.07.2013 nos termos do disposto no artº 51º - nº 5 do Código das Expropriações, a resposta é negativa, nos termos acima expostos, valendo os comandos decorrentes das disposições legais dos artº 138º, 141º a 144º e 145º-nº 2 do Código de Processo Administrativo, nos termos dos quais, revogado o acto administrativo inválido, pela entidade e formalismo competente, a eficácia da revogação, a eficácia da revogação apenas produz efeitos para o futuro, salvo, nomeadamente, quando a revogação se fundamente na invalidade do acto revogado; tendo, ainda, o autor da revogação, no próprio acto, lhe atribuído tal efeito, como veio a verificar-se no caso dos autos (v. certidão de fls.617 e sgs.); in casu não relevando tal decisão discricionária do autor por não verificação da previsibilidade do nº 3 – alíneas. do artº 145 citado.
Não nos cabendo, no caso sub judice, avaliar a validade do acto de revogação do acto expropriativo, poderá afirmar-se, como referem Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, e André Salgado de Matos, in “Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2ª edição, pgs. 188 e sgs., “ A revogação de actos administrativos fundamenta-se no poder genérico de autocontrolo da Administração Pública, sendo os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público os fundamentos últimos do instituto da revogação dos actos administrativos. (…); tendo sempre efeitos rectroactivos a revogação com fundamento na invalidade do acto revogado, ex lege, (artº 145º-nº2 do C.P.A.), ou seja, destrói os efeitos ilegais do acto a partir do momento em que se produziram“.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência dos recursos de apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, em julgar improcedentes os recursos de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 6 de março de 2014
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho