Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1146/15.6T8VRL.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR
RATIFICAÇÃO
FORMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O art.º 452º do CC permite, que, ao celebrar o contrato, uma das partes reserve o direito de nomear um terceiro, que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.

II - A nomeação efectua-se mediante declaração por escrito do adquirente ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato, sendo tal declaração de nomeação acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste (art.º 453º do CC).

III - O art.º 454º do CC, dispondo sobre a forma da ratificação, estabelece que a mesma deve constar de documento escrito, mas se o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, necessita a ratificação de revestir igual forma.

IV - Assim, tendo o contrato sido celebrado por escritura pública e inexistindo procuração anterior à sua celebração, a ratificação, por integrar, na parte subjectiva, um contrato já concluído, deveria revestir igual forma, isto é, escritura pública, não bastando documento particular autenticado, quer porque, ao tempo da sua celebração e da ratificação, o contrato exigia forma mais solene para a sua validade, quer porque, mesmo que a ratificação tivesse ocorrido posteriormente a 2008, em que tal exigência de forma não se colocava para o contrato, essa tinha sido a forma adoptada para o contrato e a ratificação tem de revestir igual forma (nº 2 do art.º 454º do CC).

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES



SUMÁRIO:

I - O art.º 452º do CC permite, que, ao celebrar o contrato, uma das partes reserve o direito de nomear um terceiro, que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.

II - A nomeação efectua-se mediante declaração por escrito do adquirente ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato, sendo tal declaração de nomeação acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste (art.º 453º do CC).

III - O art.º 454º do CC, dispondo sobre a forma da ratificação, estabelece que a mesma deve constar de documento escrito, mas se o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, necessita a ratificação de revestir igual forma.

IV - Assim, tendo o contrato sido celebrado por escritura pública e inexistindo procuração anterior à sua celebração, a ratificação, por integrar, na parte subjectiva, um contrato já concluído, deveria revestir igual forma, isto é, escritura pública, não bastando documento particular autenticado, quer porque, ao tempo da sua celebração e da ratificação, o contrato exigia forma mais solene para a sua validade, quer porque, mesmo que a ratificação tivesse ocorrido posteriormente a 2008, em que tal exigência de forma não se colocava para o contrato, essa tinha sido a forma adoptada para o contrato e a ratificação tem de revestir igual forma (nº 2 do art.º 454º do CC).

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I – RELATÓRIO

S instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M, pedindo que se declare que é proprietária do prédio urbano, sito na união de freguesias de Adoufe e Vilarinho da Samardã, concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial no n.º …, condenando-se a ré a reconhecê-lo.

Para tanto, alegou, em súmula, que em 19/04/2006 foi outorgada escritura pública no Cartório Notarial de Lamego, na qual F interveio na dupla qualidade de representante voluntário de A e de gerente da sociedade G, tendo declarado vender, em nome da sua representada A, quatro imóveis, entre os quais o indicado prédio urbano, à sociedade que também representava, pelo preço global de €35.000,00, já recebido, tendo, em nome desta última entidade, declarado aceitar a venda nos termos exarados e, bem ainda, que, por esse acto, a adquirente reservava o direito de nomear uma terceira pessoa, que adquirisse os direitos e assumisse as obrigações para ela advenientes do contrato de compra e venda, convencionando-se para tal nomeação o prazo de cinquenta anos, a contar de 01/05/2006, sendo estes factos inscritos no registo em 11/04/2006.

Em 05/08/2006 a sociedade G, declarou ter comunicado a Aa nomeação da autora para ocupar o lugar de compradora no contrato de compra e venda outorgado em 19/04/2006, ratificando a autora essa nomeação em 11/02/2007, embora tais factos somente tenham sido levados a registo em 29/06/2015.

No processo executivo que corre termos na Secção de Execução de Chaves, sob o n.º 571/08.3TBVRL, instaurado, entre outras, contra a sociedade G, foi vendido à ré o prédio descrito sob o n.º …, embora se trate de uma alienação de uma coisa alheia, uma vez que, desde a outorga da ratificação, a autora é proprietária desse imóvel, tendo em 05/06/2015 sido lavrado no processo executivo termo de protesto.

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A ré contestou (cfr. fls. 109-112) excepcionando a sua ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, alegando que deveriam ter sido demandadas M e a Fazenda Nacional, por terem interesse idêntico ao da ré na demanda. Defendeu-se também por impugnação e alegou estar de boa fé na aquisição que realizou no processo executivo, concluindo pela improcedência da acção.

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Proferiu-se despacho saneador, em que se decidiu da validade da instância e do processado, julgando-se improcedente a excepção da ilegitimidade passiva.

Fixou-se o valor da causa em €5.000.01 (cinco mil euros e um cêntimo).

Entendendo-se que os autos continham já todos os elementos fácticos necessários à apreciação do mérito da causa, proferiu-se sentença em que se decidiu:

«a) Julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados a fls. 15 pela autora S absolvendo-se de tais pretensões a ré M;
b) Condenar a autora S no pagamento das custas da acção – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.»


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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1ª Oportunamente, a aqui recorrente intentou, como autora, contra, como ré, a aqui recorrida, M, a ação judicial, onde foi interposto o presente recurso, visando a autora, com tal ação judicial, que fosse declarado ser ela a proprietária do imóvel, mais bem identificado no artigo 3.º, da petição inicial de tal ação, e a condenação da ré, a reconhecer tal direito de propriedade da autora (vide a peça processual com a referência , do dia 06 de junho de 2015, correspondente à referência , desse mesmo dia 06 de Junho de 2015, do histórico de atos processuais deste processo no sistema Citius).
2ª Fundamentou a autora a sua pretensão, essencialmente, em ter ela autora adquirido a propriedade de tal imóvel, por ter sido nomeada, nos termos dos artigos 452.º a 456.º, todos do CC, para ocupar o lugar de compradora desse imóvel, na escritura de compra e venda do mesmo imóvel, celebrada, no dia 19 de abril de 2016, no Cartório Notarial de Lamego (vide a peça processual com a referência , do 1 dia 06 de junho de 2015, correspondente à referência , desse mesmo dia 06 de junho de 2015, do histórico de atos processuais deste processo no sistema Citius, e os documentos números 1 e 3, juntos com a petição inicial).
3ª Contrato de compra e vendaesse que a autora ratificou, conforme previsto nos artigos 453.º e 454.º, ambos do CC, no dia 11 de fevereiro de 2007, e através de documento particular autenticado, nessa data lavrado (vide o documento que, com o número 4, foi junto pela autora com a petição inicial da ação em questão).
4ª Documento esse que, ao contrário do pretendido e decidido, na mui douta sentença sob crítica, é, adiante-se desde já, perfeitamente válido, pois que obedece aos requisitos de forma, exigidos pelo artigo 454.º, do CC.
5ª E isto, na interpretação do número 2, desse artigo 454.º, do CC, segundo a qual, a ratificação, a que tal norma legal alude, não necessita, para ser válida, de revestir uma forma igual à forma do contrato ratificando, bastando que ela ratificação revista uma forma, cuja força probatória seja igual à força probatória da forma que o contrato assumiu, ou seja, igual à força probatória do próprio contrato.
6ª E isto, ainda que o contrato tenha sido celebrado por meio de documento de maior força probatória do que a de um mero documento escrito, nomeadamente, 1 como no caso subiudicio sucedeu, por escritura notarial pública, que é um documento autêntico (artigos 363.º-1 e 2, do CC e 35.º-1 e 2, do CN), tendo pois o contrato neste recurso em causa a força probatória plena, constante do artigo 371.º-1, do CC, enquanto que um mero documento escrito tem apenas a força probatória, que é inferior, a que alude o artigo 376.º, do CC, o que convola a aplicação do número 2, do artigo 454.º, do CC, bastando contudo, no nosso caso, para respeitar tal artigo 454.º-2, do CC, que a ratificação tivesse uma forma, cuja força probatória fosse igual à dos documentos autênticos, rectius à das escrituras notariais públicas, não sendo necessário que a forma da ratificação fosse igual à da escritura notarial pública ratificanda.
7ª O que sucedeu, pois que a ratificação em causa, celebrada que foi por documento particular autenticado (vide o documento número 4, junto com a petição inicial), muito embora possa até ter uma forma diferente da da escritura ratificanda, tem, por força do artigo 377.º, do CC, a mesma força probatória dela.
8ª Interpretação do artigo 454.º, do CC esta, que é perfeitamente aceitável, sob o ponto de vista legal, nomeadamente tendo em conta as regras interpretativas constantes do artigo 9.º, do CC, cujo número 1, nos diz que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas antes reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, e as condições específicas do tempo em que ela lei é aplicada.
9ª Efetivamente, em primeiro lugar, o elemento teleológico, isto é, a ratio, do artigo 454.º, do CC, que consiste, nomeadamente, em razões de segurança jurídica, designadamente a nível da prova, bem como na devida ponderação das partes que se vinculam, e na publicidade do ato, fica totalmente satisfeito se a ratificação assumir uma forma que tenha a mesma força probatória que tem o contrato, ou seja, no caso que estamos a analisar, se a ratificação assumir, como assumiu, a forma de documento particular autenticado, cuja força probatória é igual à força probatória da escritura notarial pública, que é um documento autêntico, que foi a forma que assumiu o contrato ratificando, pois que esses dois tipos de documentos têm, nos termos do artigo 377.º, do CC, a mesma força probatória, que é a força probatória plena, a que alude o número 1, do artigo 371.º, do CC.
10ª Depois, e em segundo lugar, a unidade do sistema jurídico, a que o artigo 9.º-1, do CC, faz também apelo, aponta igualmente no sentido da tese que estamos a defender, na medida em que a ratificação da representação sem poderes, em tudo similar à ratificação pelo nomeado do contrato para pessoa a nomear, basta-se, e desde sempre se bastou, com o documento particular autenticado, ainda que o contrato a ratificar tenha sido celebrado por escritura notarial pública (artigos 262.º-1 e 2 e 268.º-1, ambos do CC e 116.º, do CN).
11ª Pelo que qualquer discrepância entre as duas ratificações atrás referidas, ou seja, por um lado, aquela a que alude o artigo 268.º, do CC, e, por outro lado, a constante do artigo 454.º, do mesmo compêndio legal substantivo, buliria com a unidade do sistema jurídico, violando-a, o que o artigo 9.º, do CC, afasta.
12ª Finalmente, e em terceiro lugar, também se chega a similar conclusão, tomando em linha de conta, como o mesmo artigo 9.º, do CC, preconiza, as circunstâncias em que a lei, no caso, o Código Civil, e o artigo 454.º, dele, foi elaborado, e entrou em vigor, o que ocorreu, na sua generalidade, no dia 01 de Janeiro de 1968 (artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de Novembro de 1966), e as condições específicas do tempo em que nos é dado viver, em que a lei, rectius, esse artigo 454.º, do CC, está a ser aplicada, tudo impondo uma interpretação atualista, ou ab rogante, de tal artigo 454.º, do CC, cuja redação se tem mantido inalterada desde a versão inicial dele.
13ª O que resulta de, a compra e venda de imóveis ter, até 01 de janeiro de 2009, para ser válida, que ser celebrada por escritura notarial pública, com exceção, a partir do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de julho, de haver disposição legal em contrário (artigo 875.º, do CC, na redação dele que esteve em vigor até 01 de janeiro de 2009), passando, a partir daí, a poder também ser levada a cabo através de documento particular autenticado (artigo 875.º, do CC, na redaçãoatual dele, ou seja, na redacção constante do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de julho, e resulta também do artigo 22.º, do mesmo Decreto-Lei n.º 116/2008, artigos 4.º e 22º esses que, nos termos do artigo 36.º-3-a) e f), do mesmo Decreto- Lei n.º 116/2008, entraram em vigor precisamente no dia 01 de janeiro de 2009).
14ª Pelo que, se a compra e venda de imóveis pode agora, e já há vários anos, ser feita por documento particular autenticado, também, a pari, ou mesmo a fortirori, pode também ser feita, através de documento particular autenticado, a ratificação, a que alude o artigo 454.º, do CC.
15ª Compreender-se-ia pois mal, ou não se compreenderia mesmo até, e designadamente pelos três motivos atrás referidos, que a ratificação em causa não pudesse ser feita, como foi, através de documento particular autenticado (vide o documento número 4, junto com a petição inicial).
16ª Acrescendo ainda que o artigo 454.º, do CC, comporta, inclusivamente sob o ponto de vista literal, a interpretação dele que atrás ficou feita e referida, interpretação essa que não contraria pois a ideia, contida nos números 1 e 2, do artigo 9.º, do CC, e segundo a qual o elemento literal, sendo, como é, o ponto de partida de toda a interpretação jurídica, é também o ponto de chegada dela.
17ª Encontrando a interpretação do artigo 454.º, do CC que se desenvolveu, acolhimento, embora de uma forma não unânime, na doutrina , e também nos dois únicos pareceres da Direção Geral dos Registos e Notariado/Instituto dos Registos 1 e do Notariado IP, que, sobre o tema, são conhecidos da recorrente.
18ª Motivos pelos quais, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno ou mínimo até que seja, para com o Brilhante Magistrado de 1ª instância que a proferiu, até porque, e como é por demais sabido, aliquandodormitatHomerus, deverá ser anulada (artigo 639.º-1, do CPC 2013) a mui douta sentença sob recurso, por ela ter violado, como violou, o artigo 454.º, do CC, com a interpretação que de tal artigo atrás ficou feita.
19ª Interpretação essa de acordo com a qual, repita-se, em jeito de conclusão, ou resumo, das próprias conclusões, a ratificação em causa não tinha que assumir uma forma igual à do contrato ratificando, mas apenas uma forma, cuja força probatória fosse igual à força probatória de tal contrato ratificando.
20ª O que, repita-se também, sucedeu, pois que o contrato ratificando foi celebrado por escritura notarial pública (vide o documento número 1 anexo à petição inicial), e a ratificação por documento particular autenticado (vide o documento número 4 junto com a petição inicial), sendo certo que, muito embora as escrituras notariais públicas, e os documentos particulares autenticados, possam até ter, eventualmente, 1 pois que a recorrente não tem isso por totalmente líquido, uma forma diferente, têm contudo os dois a mesma força probatória, que é, em ambos os casos, a força probatória plena, a que se refere o número 1, do artigo 371.º, do CC (artigos 363.º-2-3 e 371.º, ambos do CC e 35.º-2-3, do CN).
21ª Prolatando-se, em substituição da douta sentença anulada, não menos douto acórdão, que considere a ação em questão total e completamente procedente, satisfazendo in totum os pedidos dela constantes.
Assim decidindo, como, temos disso a mais firme certeza, não poderá, nem irá, deixar e suceder, farão V. Exas., Exmos. Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, a mais justa justiça, que aliás soem sempre fazer, pelo que a isso nos têm, e de uma forma sistemática, habituado

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos mesmos termos em que fora na 1ª instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art.º 608º nº2 do CPC).

As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.


III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factualidade assente:

1. No dia 19/04/2006, foi outorgada escritura pública no Cartório Notarial de Lamego, denominada “compra e venda”, na qual interveio F, nas qualidades de representante voluntário de A e de gerente da sociedade G.

2. (…) sendo declarado por F, em representação de A, vender à sociedade por si também representada, os prédios urbanos infra identificados, sitos na extinta freguesia de Adoufe, concelho de Vila Real, pelo valor global de € 35.000,00, já recebido:

Quota ….Artigo da antiga matriz predial urbana de Adoufe … Valor atribuído
3/4 ……………………………857.º(€) …………………………………5.000,00
2/3 ……………………………858.º ……………………………………5.000,00
1……………………………… 860.º …………………………………….5.000,00
1 ……………………………….861.º …………………………………..20.000,00

3. (…) sendo também declarado por F, em representação da sociedade G, aceitar a compra nos termos exarados.

4. (…) sendo ainda declarado por F que por aquela escritura reserva para a sua representada compradora o direito de nomear uma terceira pessoa, que adquira os direitos e assuma as obrigações para ela advenientes do contrato de compra e venda, convencionando-se entre a vendedora e a compradora, para tal nomeação, um prazo de cinquenta anos, a contar do dia 01/05/2006, nos termos dos artigos 452.º e 456.º do Código Civil.

5. Relativamente ao prédio urbano sito na união de freguesias de Adoufe e Vilarinho da Samardã, concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo 1192.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de Adoufe sob o artigo 860.º), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2733, em 03/02/2016 constam inscritos no registo os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa:

– aquisição do direito de propriedade a favor da sociedade G, por compra a A, sujeita a cláusula de contrato para pessoa a nomear, no prazo de 50 anos, a contar de 01/05/2006, mediante a apresentação n.º 4, de 11/04/2006;
– penhora, para garantia do crédito exequendo no montante de € 23.281,35 e demais custas processuais, realizada no âmbito do processo de execução n.º 571/08.3TBVRL, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, actualmente a correr termos na Secção de Execução de Chaves, instaurado por M, contra, além do mais, a sociedade G, mediante a apresentação n.º 3779, de 20/10/2010;
– penhora, para garantia do crédito exequendo no montante de € 16.853,01 e demais custas processuais, realizada no âmbito do processo de execução n.º 5002/10.6TBMAI, do extinto Juízo de Execução da Maia, instaurado por …, contra a sociedade G, mediante a apresentação n.º …, de 02/11/2010;
– penhora, para garantia do crédito exequendo no montante de € 4.472,25 e demais custas processuais, realizada no âmbito do processo de execução n.º …, do extinto 2.º Juízo de Execução de Lisboa, instaurado por M, contra a sociedade G, mediante a apresentação n.º …, de 27/04/2011;
– penhora, para garantia do crédito exequendo no montante de € 7.760,35 e demais custas processuais, realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º …, instaurado pela Fazenda Nacional contra a sociedade G, mediante a apresentação n.º …, de 18/05/2012;
– recusa do pedido de rectificação do registo correspondente à apresentação n.º …, de 20/10/2010, efectuado através da apresentação n.º …de 02/06/2015;
– recusa do pedido de do registo correspondente à apresentação n.º …, de 29/06/2015.

6. Mediante declaração, datada de 05/08/2006, subscrita por F, na qualidade de gerente, a sociedade G, manifestou ter comunicado a Aa nomeação da autora para ocupar o lugar de compradora no negócio indicado em 1.

7. Mediante declaração datada de 11/02/2007, subscrita por F, na qualidade de gerente, a autora manifestou ratificar a escritura pública indicada em 1, aceitando assumir a posição de adquirente no negócio jurídico.

8. Em 11/02/2007 o Sr. Advogado Fernando Teixeira de Sá procedeu à autenticação do documento identificado em 7.

9. Em 05/08/2006 o Sr. Advogado Fernando Teixeira de Sá procedeu ao reconhecimento da assinatura aposta por F no documento identificado em 6.

10. Mediante a apresentação n.º 1102, de 29/06/2015, a autora pretendia ver inscrita no registo a nomeação aludida em 6.

11. A decisão de recusa de feitura do pedido de registo correspondente à apresentação n.º 1102, de 29/06/2015, transitou em julgado.

12. Mediante a apresentação n.º 488 de 02/06/2015, a autora pretendia ver alterada a qualificação do registo correspondente à apresentação n.º 3779, de 20/10/2010, no sentido de este passar a constar como provisório por dúvidas.

13. Resulta do registo comercial que a autora possui como objecto social a exploração agrícola de terrenos próprios ou arrendados, bem como o comércio dos respectivos produtos e ainda a aquisição e exploração de bens móveis e imóveis, rústicos ou urbanos, de acções ou quotas de capital, respectivamente anónimas e por quotas de responsabilidade limitada e o exercício de quaisquer cargos civis em sociedades civis ou comerciais.

14. Resulta do registo comercial que a sociedade G, possui como objecto social a compra e venda de automóveis e respectivos acessórios e reparação dos mesmos.

15. Em 14/03/2008 a sociedade M instaurou acção executiva contra as sociedades G, …. e…, para pagamento da quantia de € 23.281,35, que actualmente corre termos sob o n.º …, na Secção de Execução de Chaves.

16. Nos autos indicados em 15:

– Em 20/10/2010, foi penhorado o imóvel identificado em 5;
– Em 05/06/2015 teve lugar a abertura de propostas em carta fechada, relativamente ao imóvel referenciado em 5, sendo aceite a proposta apresentada pela ré, no montante de € 15.005,00, o qual foi depositado à ordem do processo executivo em 26/06/2015;
– Em 05/06/2015 a autora lavrou termo de protesto, quanto ao imóvel aludido em 5, invocando a propriedade do bem;
– Em 11/05/2013, no apenso C), foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, sendo graduados, quanto ao produto da venda do imóvel identificado em 5, o crédito exequendo, seguido do crédito reclamado por C, seguindo-se o crédito reclamado pela M.


IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

A autora pretende ver reconhecido o seu invocado direito de propriedade sobre um prédio urbano, sito na união de freguesias de Adoufe e Vilarinho da Samardã, concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial no n.º ….

O direito de propriedade sobre tal prédio encontra-se inscrito no registo predial a favor de e G e foi penhorado nos autos de execução, a correr termos sob o n.º …, que a sociedade M, move a G.

Na data em que se procedeu à abertura de propostas em carta fechada, com vista à venda judicial do mencionado processo, a autora lavrou termo de protesto nos autos, tendo tempestivamente instaurado a presente acção de reivindicação.

A autora funda o seu direito no facto da executada G ter adquirido tal prédio com a possibilidade de nomear terceiro para ocupar a sua posição jurídica no contrato, tendo oportunamente nomeado a autora para tal efeito (5.8.2006), nomeação que foi comunicada à vendedora e, posteriormente, em 11.2.2007, ratificada pela autora, por documento particular autenticado por advogado, tudo como melhor conta dos factos provados sob os nºs 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 9.

Na sentença em crise entendeu-se que a declaração de nomeação da autora se mostra ineficaz, por inobservância da forma legalmente imposta para a ratificação.

É contra este entendimento que se insurge a ora apelante, defendendo que a ratificação em causa, efectuada através de documento particular autenticado, preenche in totum os requisitos exigidos pela lei, maxime pelo artigo 454.º do CC.

O art.º 452º do CC permite, que, ao celebrar o contrato, uma das partes reserve o direito de nomear um terceiro, que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.

Definindo-se conceptualmente o contrato para pessoa a nomear, como aquele em que “uma das partes se reserve a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última”( Antunes Varela, “Das obrigações em Geral, 6ª edição, vol. I, pag. 395”).

Para tanto exige-se que o contraente, no presente caso a adquirente, emita declaração por escrito ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato, sendo tal declaração de nomeação acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste (art.º 453º do CC).

Por seu turno o art.º 454º do CC, dispondo sobre a forma da ratificação, estabelece que a mesma deve constar de documento escrito, mas se o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, necessita a ratificação de revestir igual forma.

No caso em apreço o contrato de compra e venda foi celebrado em 19.4.2006, por escritura pública, forma exigida pelo art.º 874º do CC na redacção então vigente, pois só com a alteração introduzida pelo art.º 22º do Dec. Lei 116/2008, passou a ser admitida a celebração de tal negócio por documento particular autenticado.

A norma do art.º 454º do CC é clara no sentido de que, se o negócio foi celebrado por escritura pública, a ratificação necessitava de revestir igual forma, não suscitando a mesma dúvidas que careçam de especial exegese interpretativa.

De tal forma assim é, que Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 1982, dedicaram a esta artigo apenas quatro linhas, onde escrevem: “Tal como na nomeação, exige-se que a ratificação seja feita por escrito. Se o negócio foi celebrado por outra forma, a ratificação tem de obedecer às mesmas formalidades; solução que vale tanto no caso de forma legal como no da forma voluntária”.

Neste mesmo sentido escreve o brilhante causídico que subscreve as alegações do presente recurso, na sua dissertação de mestrado publicada em http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13389/1/Tese%20completa.pdf:

– «Também a ratificação do nomeado deve constar, como exigência mínima, ainda que o contrato tenha sido verbal, similarmente ao que sucede com a declaração de nomeação, e igualmente por razões de segurança jurídica, de documento escrito, não podendo nunca haver ratificações meramente verbais (art. 454.º-1). Se, porém, o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória do que aquela que tem o simples documento escrito (força probatória esta que é a prevista no art. 376.º), terá a ratificação (mas não a declaração de nomeação) de revestir igual forma (art. 452.º-2). Ou seja, a ratificação terá, nesse caso, de ter uma forma igual àquela que, seja por força da lei (forma legal), seja por vontade das partes (forma convencional), tem o contrato, não cumprindo, na minha opinião, esta exigência legal, a ratificação que tenha uma forma diferente, e menos solene, do que a forma que tem o contrato, ainda que tal forma diferente da ratificação tenha a mesma força probatória que tem o contrato. (sublinhado e realce nosso).

Acrescentando o mesmo autor, na nota 79, que R. Bastos [1988], p. 248, ns. aoart. 454.º), “diz-nos que a equiparação de formas entre o contrato e a ratificação, resulta da ratificação integrar, na parte subjectiva, um contrato já concluído, tendo pois a ratificação que ter a mesma forma do contrato, o que já não sucede com a declaração de nomeação”. Apodando de “contra legem” o entendimento de Meneses Cordeiro [António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, Tomo II, Coimbra, Almedina, 2010, p. 594)] e do Instituto de Registo e Notariado (1996 - Pareceres IRN), que vai no sentido de apenas exigir que a ratificação tenha uma forma, cuja força probatória seja a mesma que tem o contrato e não forçosamente a forma a que obedeceu o contrato (ver nota 80 da citada dissertação). Entendimento em que agora se estribam os apelantes

Ora, no caso em apreço, quer a nomeação quer a ratificação constam de documento particular autenticado por advogado em 5.8.2006 e 11.2.2007, respectivamente.

O Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março veio introduzir no ordenamento jurídico mecanismos de simplificação na certificação de actos, admitindo formas alternativas de atribuição de valor probatório a documentos, concedendo aos advogados e aos solicitadores competência para certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais, que lhes sejam apresentados para esse fim e ainda proceder à extracção de fotocópias dos originais, que lhes sejam apresentados para certificação, adquirindo essas fotocópias o valor probatório dos originais – cf. n.ºs 1, 2, 3 e 5 do artigo 1º.

Posteriormente, e ainda com o objectivo de introduzir formas alternativas de atribuição de valor probatório aos documentos, foi publicado o Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30 de Agosto, o qual veio permitir aos advogados e aos solicitadores fazer reconhecimentos com menções especiais, por semelhança e ainda certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos

Finalmente o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, atribuiu aos advogados e aos solicitadores competência para poderem fazer reconhecimentos de quaisquer espécies, simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, bem como, para a autenticação de documentos particulares, acrescentando o n.º 2 do artigo 38º que os actos efectuados nestes termos conferem aos documentos a mesma força probatória, que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

O art.º 377º do CC estabelece que “os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto”.

Podemos conceder, face aos diplomas atrás citados, que o disposto no art.º 377º se estende aos documentos particulares autenticados por advogado.

No entanto, na data em que foram emitidas as declarações de nomeação e de ratificação e efectuada a respectiva certificação por advogado, para a celebração do contrato de compra e venda de imóveis ainda era exigida escritura pública.

Assim, tendo sido o contrato celebrado por escritura pública, a ratificação por integrar, na parte subjectiva, um contrato já concluído, deveria revestir igual forma, isto é, escritura pública, não bastando documento particular autenticado, quer porque ao tempo (2007) o contrato exigia forma mais solene para a sua validade, quer porque, mesmo que tivesse ocorrido posteriormente a 2008, em que tal exigência de forma não se colocava para o contrato, essa tinha sido a forma adoptada para o contrato e a ratificação tem de revestir igual forma (nº 2 do art.º 454º do CC).

Pelo exposto não acolhemos as doutas conclusões da apelante, antes aderindo ao entendimento seguido na sentença, que assim confirmamos.


V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Guimarães, 23-02-2017

Eva Dulcínea Rebelo Almeida



António Beça Pereira



Maria Amália Santos