Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
121/16.8T8CBT.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: DESPACHO SANEADOR
TEMAS DA PROVA
FACTOS PROVADOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Pedida a reapreciação da prova deve o Tribunal da Relação apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo de cognição não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto; por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento .

II. A enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique.

III. No limite, pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo legal em causa, o que implica que o juiz e os mandatários das partes atentem nisso

IV.Se houver factos essenciais atinentes à causa de pedir ou às excepções aduzidas já plenamente provados por documentos dotados de força probatória plena ou por confissão, a correspondente matéria não pode nem deve , por inutilidade ser objecto dos temas de prova, e , daí , embora a lei o não diga expressamente , entende-se que tais factos já considerados provados devem ser elencados no despacho saneador, pro forma a evitar que as partes, por cautela e receio, na audiência final inquiram sobre eles prova testemunhal, sem qualquer resultado útil”.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

A presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum foi intentada por João, com domicílio profissional na Rua Dr. …, em Celorico de Basto contra a Companhia de Seguros X, S.A, com sede na Avenida …, em Lisboa, peticionando a condenação da ré no pagamento das quantias de € 28.130,34, a título de danos patrimoniais emergentes de acidente de viação, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 4% ao ano, contados desde a citação a até efetivo e integral pagamento.

A fundamentar o seu pedido alega, em suma, o autor, que no dia 09 de Outubro de 2015, pelas 19h30, na Rua Dr. …, Celorico de Basto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes, o veículo automóvel de marca Citroen C4, com a matrícula IP, propriedade de Pedro, e três bicicletas, propriedade do Autor.

Segundo o autor, as 3 bicicletas encontravam-se encostadas à traseira da carrinha do Autor imobilizadas, prontas a serem carregadas para a carrinha do Autor, a qual estava devidamente estacionada e igualmente imobilizada num dos lugares de estacionamento sitos na Rua em frente à loja daquele, sita na Rua Dr. …, em Celorico de Basto.

Sucede que, o IP, que estava paralelamente estacionado junto da carrinha do Autor, ao fazer a manobra de marcha – atrás para sair do estacionamento, virou para a direita com a traseira e embateu nas bicicletas, abalroando-as.
Refere, pois, o autor que a colisão deveu-se à imperícia e à conduta desatenta do condutor do IP, o qual iniciou a manobra de saída do estacionamento, sem se ter assegurado de que o fazia em segurança.

O condutor do IP, segurado na Ré, assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, juntamente com o Autor, subscreveu a respetiva «declaração amigável de acidente automóvel», que entregaram à Ré.

Em virtude do referido embate, as três bicicletas sofreram avultadíssimos danos em toda a sua extensão, ficando absolutamente impedidas de circular.

Citada a ré contestou, nos termos de fls. 26 a 35, cujo teor se dá por reproduzido, defendendo-se por impugnação, colocando em crise a matéria de facto alegada pelo autor quanto à propriedade das bicicletas, a verificação do acidente e, consequentemente, a dinâmica daquele e as consequências do acidente na esfera patrimonial do autor.

Refere, em suma, que não é crível a descrição da dinâmica do embate comunicada e consignada na declaração amigável celebrada entre o autor e o condutor do veículo IP seguro na ré, razão pela qual decidiu efetuar averiguações para aferir da verificação do acidente e da sua dinâmica.

Das várias averiguações que refere ter efetuado, conclui que o acidente não teve lugar, nem teve as consequências reclamadas, pela inverosimilhança da dinâmica do acidente descrita e dos danos verificados nas bicicletas, que no seu entender não são compatíveis com o acidente descrito pelo autor, tudo nos moldes que fundamenta no seu articulado.

Mais refere que o autor participou recentemente dois alegados furtos de bicicletas à seguradora Y, mais precisamente:

- um sinistro alegadamente consistente no furto de várias bicicletas e outros objetos da sua loja, alegadamente ocorrido em Março de 2012, no valor de 27.000,00€,
- à mesma seguradora um furto de material/bicicletas da Loja, alegadamente ocorrido em Junho de 2012, no valor de 7.000,00€.

Mais participou o autor à W Seguros a alegada ocorrência de um sinistro envolvendo três bicicletas de que disse ser dono (uma KTM Myroon Master 2014, uma KTM Scarp Elite 2014 e uma KTM Myroon Prestige 2012), ocorrido no dia 25/10/2015, em Arco de Baúlhe, colocadas sobre um expositor no exterior do edifício da escola …, no âmbito de um evento designado como AB, sendo que nesse local estaria estacionado o veículo com a matrícula VC, conduzido por um tal de Manuel que, quando o dito Manuel efetuava uma manobra de marcha-atrás derrubou e calcou as ditas três bicicletas, que estavam paradas e encostadas, causando-lhe danos.

De tudo quanto alega, conclui a ré que o sinistro descrito na PI, ou não ocorreu, ou não é mais do que uma montagem destinada a criar a aparência de um acidente que, na verdade, não existiu.

Sem prescindir, refere e alega que depois de lhe ter sido participado o sinistro, a ré procedeu a uma avaliação dos danos ostentados pelas bicicletas em causa.
Neste âmbito, o próprio autor apresentou os orçamentos que junta com a sua petição inicial, pelo que não aceita que o custo da reparação das bicicletas ascenda ao alegado pelo autor.
Mais refere a ré que, aquando da avaliação dos danos ostentados pelas bicicletas constou que o valor de reparação indicado pelo autor era, quanto à maioria das bicicletas, superior ao seu valor comercial.
Além disso, depois de rigorosa análise e escrutínio dos orçamentos apresentados pelo autor, foi constatado que eram excessivos, facto que o próprio autor admitiu.
Assim, a reparação de todos os estragos sofridos e ostentados pela bicicleta Cipollini RB1000 após o alegado sinistro custaria 10.500,00€, com todos os encargos legais.
A reparação de todos os estragos sofridos e ostentados pela bicicleta KTM Revelator Elite Di2 após o alegado sinistro custaria 5.150,00€, com todos os encargos legais.
E a reparação de todos os estragos sofridos e ostentados pela bicicleta KTM Scrap 29 Prestige após o alegado sinistro custaria 4.800,00€, com todos os encargos legais-

Pelos valores acima indicados era possível repor as bicicletas em bom estado de conservação e nas condições em que, alegadamente, estariam antes do acidente, o que o autor, expressamente, reconheceu, conforme atas de avaliação de prejuízos que a ré junta com a contestação.

Conclui a ré pugnando pela improcedência da ação.

Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferidos os despachos saneador e de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, datados de 10 de Janeiro de 2017, de fls. 93 a 97.
Os autos seguiram a tramitação devida e finda a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a presente ação, por não provada e, em consequência, absolvo a ré “Seguradora U., SA” do pedido formulado nos presentes autos pelo autor João Com custas pelo autor, nos termos do preceituado no artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil

Inconformado com a sentença reagiu o autor apelando a esta instância, formulando as seguintes conclusões a rematar a motivação de recurso: (transcrição):

A. O Autor não se conforma com a decisão quanto à matéria de facto (alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h) da matéria de facto não provada) o que se reflecte na aplicação da lei e na decisão final da causa.
B. O Tribunal recorrido não se convenceu de que o acidente de viação tenha ocorrido, não tendo o Autor logrado provar que era o proprietário das bicicletas.
C. Ora, a Ré nunca impugna o facto de as bicicletas serem propriedade do Autor, apenas referindo que “instado a apresentar algum documento que comprovasse ser dono dessas bicicletas e a sua antiguidade, o A não o fez” (artigo 99º da Contestação).
D. A notificação do Autor para juntar aos autos as facturas que titulam a aquisição das bicicletas destinava-se a prova de que eram usadas (artigo 93º), com vista à impugnação dos danos sofridos e do seu valor.
E. O facto de as bicicletas pertencerem ao Autor não foi impugnado pela Ré nem se encontra em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, pelo que está aceite (ex. vi artigos 573º e 574º do Código de Processo Civil).
F. Aliás, a Ré outorgou com o Autor três actas de liquidação dos prejuízos que incluiu directamente no texto da sua Contestação (artigos 141º a 153º e documentos 9, 10 e 11), acordo que fez aceitando a propriedade das bicicletas sendo que impugnar a propriedade das bicicletas seria contradizer-se insanavelmente.
G. No despacho saneador o Tribunal a quo também reconheceu explicitamente a propriedade das bicicletas, onde definiu estar carenciado de prova: “2. Saber quais os danos materiais verificados nas bicicletas identificadas nos artigos 15.º, 17.º e 19.º da petição inicial, propriedade do Autor e resultantes do acidente mencionado em 1., e qual o montante necessário para reparação dos referidos danos”.
H. O despacho saneador não foi impugnado, e criou nas partes a legítima convicção de que a propriedade das bicicletas não estava em discussão, por ter o Tribunal determinado que esses bens eram propriedade do Autor.
I. Ao introduzir essa questão na douta sentença, em directa contradição com o que decidira anteriormente, o douto Tribunal violou o princípio que proíbe decisões surpresa, ferindo as legítimas expectativas das partes, o artigo 410º do Código de Processo Civil, e os princípios da estabilidade da instância e da protecção da confiança das partes.
J. Violou também o disposto nos artigos 408º, nº1, 874º e 879º, alínea a) do Código Civil, olvidando que a propriedade se transfere por mero efeito do contrato, não dependendo da contraprestação (pagamento) para a sua translação e que a compra e venda de bens móveis não está sujeita a forma.
K. Ademais o Autor juntou facturas aos autos, emitidas pelo vendedor das bicicletas e cujas inscrições são da exclusiva responsabilidade deste, e que provam a aquisição das bicicletas.
L. Uma vez que o artigo 608º, nº 2 do Código de Processo Civil prevê que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, é nula a sentença na parte em que conheceu da propriedade das bicicletas (artigo 615º, nº 1, alínea d) do mesmo Código).
M. Nenhuma das divergências que levaram o Tribunal a não se convencer do acidente diz respeito ao sinistro em si, nem é relevante o suficiente para desacreditar as declarações prestadas perante o Tribunal.
N. O Autor prestou depoimento e declarações de parte, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início 00:00:01 a 00:53:11, (por referência à acta da audiência de discussão e julgamento do dia 19 de Outubro de 2017.
O. Desfazendo uma das alegadas contradições que lhe apontou a douta sentença recorrida, o Recorrente contou a partir do minuto 03:00 estava “dentro da.… da, pronto, estava no meu, no meu espaço de trabalho, no meu local de trabalho da empresa, final da tarde – sei que foi ali 7h30, 8h00 – pronto, estava a carregar umas bicicletas que no dia seguinte íamos ter um passeio...”.
P. Ou seja, o Autor nunca afirmou que estava junto da carrinha quando chegou a testemunha Pedro, referindo sempre que estava no processo de retirar as três bicicletas da loja para as carregar na carrinha da empresa, sem nunca se situar num ponto exacto (por exemplo, também 03:44 a 03:51 e 04:06 a 04:15).
Q. Identificou a localização da carrinha e o local (03:51 a 03:58), (04:00 a 04:05) e (04:15 a 04:45), onde Pedro estacionou a viatura (08:55 a 09:05), a disposição das bicicletas (05:12 a 06:00), a manobra efectuada (08:13 a 08:51), e o preenchimento da declaração amigável, esclarecendo que não sentiram necessidade de chamar a GNR ao local porque não havia feridos (09:24 a 10:15).
R. A partir do minuto 18:54 repetiu a localização dos veículos e das bicicletas, a manobra do IP, por referências às fotografias juntas com a Contestação, esclarecendo que as bicicletas estavam em sentido contrário ao representado, com a roda traseira encostada à carrinha e tudo o mais ultrapassando o perímetro da mesma (20:10 a 21:53).
S. Descreveu a posição do carro e das bicicletas após o sinistro (10:50 a 11:03), (11:46 a 11:53) e (12:23 a 12:35), identificou-as e aos danos (11:19 a 11:42) e (13:00 a 14:10), os seus valores de aquisição (15:02 a15:37), os orçamentos de reparação (16:55), e estado de conservação (51:06 a 52:04).
T. A espontaneidade das suas respostas, a fluidez do seu discurso, as expressões utilizadas, o tom, a elevação e as inflexões na voz, perfeitamente audíveis na gravação do seu depoimento, demonstram que o Autor relatou os factos de forma clara, objectiva, séria e, portanto, credível.
U. Pedro respondeu à matéria dos autos e a indicada, encontrando-se as mesmas gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início 00:00:01 a 00:53:11, por referência à acta supra identificada.
V. Referiu a sua relação com o Autor (01:14 a 01:40) e (01:53 a 02:04), e descreveu o acidente (04:28 a 05:05), (31:42 a 31:45), (32:04 a 32:20), e o que observou após (32:47 a 32:55), (33:14), (33:36 a 33:49) e (51:34 a 51:45).
W. Aludiu à posição dos veículos (05:05 a 05:28), (17:05 a 17:08), (17:20 a 17:25), (39:00 a 39:37), (19:01 a 19:05) e (19:14 a 19:33).
X. Referiu que não viu as bicicletas quando estacionou (19:35 a 19:55), que saiu da loja distraído entrando no carro (06:00 a 06:26), (21:00 a 21:10), (22:08 a 22:27), (46:54), (24:10 a 24:16), (48:02 a 48:10) e(48:46 a 49:13), não vendo nem as bicicletas (24:27 a 24:36), nem a carrinha (25:27 a 25:43) e (28:20 e 29:25), calculando que as bicicletas estivessem encostadas à carrinha e que ultrapassassem o seu perímetro, pois só assim se justifica ter-lhes embatido (07:53 a 08:50).
Y. Não se apercebeu do barulho ao embater nas bicicletas e destas a caírem e rasparem no solo (06:37 a 07:03) e (50:28 a 50:51), mas que ficaram emaranhadas no chão (10:25 a 11:35) e que percebeu que estavam seriamente danificadas (11:40 a 11:53).
Z. Assumiu imediatamente a responsabilidade (11:57 a 12:15), (35:04 a 35:15), (35:24 a 36:00), preenchendo a declaração amigável (12:18 a 13:52 e 52:42 a 53:01), e porque se deu como culpado não viu necessidade de chamar a GNR (40:54 a 41:40).
AA. A testemunha Pedro depôs de forma objectiva, séria, segura, detalhada, coerente e descomprometida, com base no conhecimento pessoal e directo dos factos.
BB. Assumiu de forma corajosa as suas falhas numa acção desastrada e desastrosa, reconhecendo a sua responsabilidade.
CC. Não existem contradições insanáveis internas ou externas, entre o depoimento do Autor e da testemunha. No que concerne “contradição mais gritante” da douta sentença, há que notar que o Autor nunca afirma estar no exterior da loja, mas sempre que estava no processo de retirar três bicicletas da loja para a carrinha, o que é compatível com a afirmação da testemunha de que ele se encontrava no interior da loja.
DD. No que concerne “contradição mais gritante” da douta sentença, há que notar que o Autor nunca afirma estar no exterior da loja, mas sempre que estava no processo de retirar três bicicletas da loja para a carrinha, o que é compatível com a afirmação da testemunha de que ele se encontrava no interior da loja.
EE. Para além disso, a testemunha disse que circulou pelos diversos cantos da loja, desconhecendo se o Autor saiu ou entrou na loja no período em que esteve no seu interior (21:30 a 21:40 e 30:50 a 31:17).
FF. A discrepância sobre se a testemunha comprou ou não alguma coisa pode ser explicável por lapso de memória ou porque havia pelo menos outra pessoa naquele local a comprar produtos, conforme relatou a testemunha.
GG. Tais contradições não logram afastar o facto de as bicicletas se encontrarem encostadas à carrinha do Autor no momento em que o senhor Pedro fez a sua manobra de marcha-atrás e as abalroou, pisando-as em seguida com o pneu traseiro do lado direito da sua viatura.H
HH. São demasiado pequenos os pecados que o Tribunal a quo atribui às declarações supra mencionadas, em face da concordância em tudo o resto e dos danos documentados nas fotografias juntas pela Ré.
II. Nenhuma das testemunhas da Ré assistiu ao sinistro, pelo que o seu conhecimento quanto ao sucedido limita-se a conjecturas e suposições.
JJ. Carlos fez a averiguação do sinistro junto do Autor e tem o seu depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início: 00:00:01 a 00:12:55 e 00:00:01 a 00:21:46.
KK. Laborou em erro quanto aos danos porque pressupôs que o carro passou por cima das três bicicletas (01:36 a 02:08, da 2ª parte), pelo que não colhe a sua asserção de que os danos não são compatíveis com o sinistro, tanto mais que não justificou a sua opinião com argumentos racionais (09:18 a 09:34 da 1ª parte).
LL. Mostrou-se renitente em aceitar o seu erro ou outras hipóteses que não a sua, sempre desconsiderando os danos, com uma atitude hostil face ao Autor (04:18 a 04:36, da 2ª parte), (07:56 a 08:12, da 2ª parte), (15:54 a 19:34 da 2ª parte) e (10:55 a 11:08, da 1º parte).
MM. A testemunha não mencionou a sua razão de ciência para justificar o conhecimento que alegava ter, algo que a lei exige e que determina a credibilidade ou não de um testemunho
NN. Idêntico foi o testemunho de E. M., gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início: 00:00:01 a 00:52:47.
OO. Acompanhou Carlos numa visita à oficina do Autor (06:50 a 07:00) sendo esse o único conhecimento directo e pessoal dos factos (52:30 a 52:41), pois não falou com o segurado (36:49 a 37:00), não viu a carrinha do Autor (39:40 a 39:50), nem fez reconstituição (41:20 a 41:30).
PP. Assim, nessa parte o seu testemunho não pode ser considerado, uma vez que a valoração desse depoimento viola o disposto no artigo 516º, nº 1 do Código de Processo Civil.
QQ. A testemunha não depôs com precisão, foi marcadamente hostil face ao Autor, e apresentou-se exaltado, irritado, mas sempre disponível a falar de factos que não conhecia directamente e a afirmar que não os compreendia.
RR. No entanto, assume que “o veículo também podia ter impactado as bicicletas” (37:45 a 37:48).
SS. António, com depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início: 00:00:01 a 00:09:56, confirmou a avaliação dos danos das bicicletas, conforme as actas juntas aos autos pela Ré com a Contestação (01:55 a 02:45), cujos valores resultaram de acordo com o Autor e não da sua própria contabilização dos danos (08:50).
TT. P. J. (depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início: 00:00:01 a 00:07:45) confirmou que os valores das actas foram obtidos após análise dos orçamentos, das bicicletas e em acordo com o proprietário (02:26 a 02:35), com vista a solucionar o problema (04:38), (04:50 a 05:00), (05:20 a 05:25) e (05:37 a 05:42).
UU. Perante o Tribunal esteve Manuel, cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início: 00:00:01 a 00:10:19, que falou de forma objectiva, séria, segura, detalhada, coerente e descomprometida, confirmando o outro sinistro.
VV. A Meritíssima Juíza não podia só estranhar esse outro acidente sem ponderar se o depoimento da testemunha se lhe afigurou credível ou não, sob pena de vício de incorrecta valoração da prova.
WW. Os mesmos meios probatórios e as fotografias juntas aos autos permitem afirmar que as bicicletas se danificaram, no valor dos orçamentos do Autor, por ser esse o valor que se adequa à reposição das bicicletas no estado em que se encontrava antes de serem danificadas pelo veículo IP.
XX. Deste modo, porque a prova existente nos autos o exige, deveria ter sido dado como provado que:

12). No dia 09 de Outubro de 2015, pelas 19h30, na Rua Dr. …, Celorico de Basto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes, o veículo automóvel de marca Citroen C4, com a matrícula IP, e três bicicletas, propriedade do Autor, com as seguintes marcas: CHIPOLLINI CARBON MONOCOQUE TECNOLOGIC, KTM SCARP PRESTIGE SUSP /TOTAL E KTM SCARP PRESTIGE SUSP /TOTAL
13). As 3 indicadas bicicletas encontravam-se encostadas à traseira da carrinha do Autor imobilizadas, prontas a serem carregadas para a carrinha do Autor, a qual estava devidamente estacionada e igualmente imobilizada num dos lugares de estacionamento sitos na Rua em frente à loja daquele, sita na Rua Dr. …, em Celorico de Basto.
14). O veículo IP, que estava paralelamente estacionado junto da carrinha do Autor, ao fazer a manobra de marcha – atrás para sair do estacionamento, virou para a direita com a traseira e embateu nas bicicletas, abalroando-as.
15). A colisão deveu-se à imperícia e à conduta desatenta do condutor do IP, o qual iniciou a manobra de saída do estacionamento, sem se ter assegurado de que o fazia em segurança.
16). Em virtude do referido embate, as três bicicletas sofreram estragos em toda a sua extensão, ficando impedidas de circular.
17). A bicicleta CHIPOLLINI CARBON MONOCOQUE TECNOLOGIC RB 1000 sofreu os seguintes danos:- QUADRO CHIPOLLINI CARBON MONOCOQUE TECNOLOGIC RB 1000; - FORQUETA CARBON UD; - GUIADOR PRO LOGIC INTEGRADO;- FITA DE GUIADOR;- JOGO PEDALEIRO CAMPAGNOLO CARBON SUPER RECORD;- RODA TRAS BORON – DEX LCM FULL CARBON;- MUDANCA TRAS CENTAUR CARBON;- SELIM FIZIK THUNDRA;- JOGO PEDAIS SHIMANO ULTEGRA CARBON;- RODA FRENTE ADRISPORT CARBON UD – M38MM;- MUDANÇA MEIO CAMPAGNOLO RECORD;- CICLOCOMPUTADOR PRO SCIO W;- JOGO MANETES CAMPAGNOLO RECORD CARBON, cuja reparação se fixa nos 14.033,82€.
18) A bicicleta KTM SCARP PRESTIGE SUSP /TOTAL sofreu os seguintes danos: - QUADRO KTM SCARP PRESTIGE SUSP/ TOTAL;- FORQUETA SUSPENSÃO FRENTE FOX TERRALOGIC / BREN;- HASTE GUIADOR RITCHEY WCS; - JOGO RODAS MAVIC CROSSMAX SLR; - DESVIADOR TRAS XT R;- SELIM SELLE ITALIA SL R;- PAR PUNHOS RITCHEY; - KIT TRAVÕES XT;- JOGO PEDAIS SHIMANO XT;- AMORTECEDOR TRAS FOX FACTORY 34 CTD;- JOGO PEDALEIRO SHIMANO XT C/MOVIMENTO QUADRO KTM REVELATOR ELITE; - FORQUETA CARBON UD;-GUIADOR KTM PRIME;- KIT SHIMANO ULTEGRA DI1; - SELIM SELLE ITALIA SL R;- JOGO RODAS SUPERSPEED TUB / FULL CARBON SUPERSPEED UD; - FITA DE GUIADOR KTM, cuja reparação se fixa na quantia de €6.682,98.
20) Entre o Autor e a Ré foi redigido um documento denominado “ACTA DE AVALIAÇÃO DE PREJUÍZOS”, datado de 24 de Novembro de 2015, onde fizeram constar que “... fica estabelecido, de comum acordo, que os prejuízos ocasionados Na bicicleta KTM Revelator Elite Di2 em consequência do acidente ocorrido no dia 09-10-2015, em Celorico de Basto, cifram em Cinco mil, cento e cinquenta euros (€5 150,00) ...”.
21) Entre o Autor e a Ré foi redigido um documento denominado “ACTA DE AVALIAÇÃO DE PREJUÍZOS”, datado de 24 de Novembro de 2015, onde fizeram constar que “... fica estabelecido, de comum acordo, que os prejuízos ocasionados Na bicicleta Cipollin RB 1000 em consequência do acidente ocorrido no dia 09-10-2015, em Celorico de Basto, cifram em Dez mil e quinhentos euros (€10 500,00) ...”.
22) Entre o Autor e a Ré foi redigido um documento denominado “ACTA DE AVALIAÇÃO DE PREJUÍZOS”, datado de 24 de Novembro de 2015, onde fizeram constar que “... fica estabelecido, de comum acordo, que os prejuízos ocasionados Na bicicleta KTM Scarp 29 Prestige em consequência do acidente ocorrido no dia 09-10-2015, em Celorico de Basto, cifram em Quatro mil, e oitocentos euros (€4 800,00) ...”.
YY. A questão a resolver está bem definida e compõe-se da eventual responsabilidade civil da Ré em indemnizar o Autor dos danos patrimoniais emergentes do sinistro.
zz. O regime da responsabilidade civil por factos ilícitos também não merece crítica.
AAA. Procedendo o recurso quanto à matéria de facto, fica provada a ocorrência de um acidente de viação no qual foram intervenientes, o veículo automóvel de marca Citroen C4, com a matrícula IP, e três bicicletas, propriedade do Autor, quando o veículo IP, que estava paralelamente estacionado junto da carrinha do Autor, ao fazer a manobra de marcha–atrás para sair do estacionamento, virou para a direita com a traseira e embateu nas bicicletas, abalroando-as.
BBB.Ocorreu um facto, do qual resultaram danos que não teriam ocorrido se não fosse essa acção.
CCC. A conduta do condutor do veículo IP violou o direito de propriedade do Autor.
DDD. A colisão deveu-se à imperícia e conduta desatenta do condutor do IP, que violou o disposto no artigo 12º, nº 1 do Código da Estrada ao iniciar a marcha sem se certificar de que o poderia fazer sem causar, como causou, efetivamente, qualquer acidente.
EEE.Ao conduzir o veículo de forma descuidada e desatenta, sem tomar as devidas precauções para evitar acidentes, quando estava em condições de o fazer, o condutor do IP agiu com culpa, tornando-se responsável pela reparação dos danos adveniente da sua conduta.
FFF. Em virtude do contrato de seguro provado, celebrado entre o condutor do veículo IP e a Ré, através do qual este havia transferido a responsabilidade civil pelos danos causados pela viatura a terceiros, a esta é chamada a responder, encontrando-se obrigada a indemnizar o Autor.
GGG. Estabelece o artigo 562º do Código Civil que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve constituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga reparação”, e o artigo 566º, nº 1 que “A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
HHH. Sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o responsável, terá de recorrer-se à reconstituição por equivalente, que consiste no pagamento de uma indemnização em dinheiro, que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a situação patrimonial que o lesado teria se não existissem danos, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 2 do Código Civil.
III. Quanto ao valor da indemnização equivale ao valor da reparação das três bicicletas, ou seja, €28 130,34 que corresponde à soma do valor da reparação de cada uma delas individualmente (€14 033,82 + 7 413,54 + €6 682,98).
JJJ. Ao Recorrente assiste o direito ao pagamento de juros de mora vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 805º, nºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil e 804º a 806º, nº 1 do Código Civil.

Termos pelos quais deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se na totalidade a douta sentença recorrida em favor de uma decisão que dê ao autor/recorrente a integral procedência da acção.

A ré contra-alega e apresenta ampliação do objecto do processo terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões:

I.A Ré pôs em causa, desde o início da acção, a questão da titularidade pelo A do direto de propriedade sobre as bicicletas pretensamente danificadas, facto que foi impugnado no artigo 1º da contestação, expressamente referenciado no artigo 80º da PI e cujo apuramento – ainda que em sede de contraprova – justificou o pedido de realização de diligências de prova (cf. alínea h) do requerimento probatório da contestação)

II- O A não provou ser dono das bicicletas, sendo insuficientes os elementos de prova que invoca, nomeadamente os doc. 9, 10 e 11 juntos com a contestação, que correspondem a meras ata de avaliação de prejuízos elaboradas a título condicional, e as faturas de fls. 117, 118 e 118v, apenas apresentadas já em sede judicial (apesar de solicitadas ao A na fase de averiguação) e cujas referências não permitem correlacionar as bicicletas, ou peças, nelas mencionadas com as bicicletas pretensamente danificadas;

III-O apuramento da propriedade sobre esses bens constituía tema da prova (cf. ponto 2 dos temas da prova) e, de todo modo, ainda que assim não fosse disso nunca resultaria considerar-se assente um facto impugnado pela Ré.

IV-Competia ao tribunal pronunciar-se sobre a questão da propriedade das bicicletas, pelo que não ocorre qualquer nulidade da sentença ao não dar como provada essa matéria e disso retirar as devidas consequências;

V-Não estando provado que o A era, sequer, dono das bicicletas alegadamente danificadas no pretenso acidente, mostra-se inútil o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso, já que, em face da causa de pedir, não se terá por provado um dos requisitos da responsabilidade civil, que é a existência de dano, pelo que se impõe, desde logo, a confirmação da douta sentença que absolveu a Ré do pedido

VI-O Tribunal fundamentou de forma exaustiva a decisão sobre a matéria de facto, sem qualquer erro que ponha em causa a lógica do percurso intelectual trilhado pelo julgador, pelo que se impõe a confirmação da decisão sobre a matéria de facto;

VII-A presença das bicicletas e do IP no local do alegado acidente no dia e hora da sua ocorrência não foi confirmada por qualquer elemento objectivo e fiável, já que não foi chamado ao local qualquer agente da autoridade (como o A confirmou no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 19/10/2017, entre as 10h13m54 e as 11h07m06s, nas passagens dos minutos 10m10s a 10m18s), nem obtida uma única fotografia que retratasse a ocorrência do sinistro, o que suscita, desde logo, elevada estranheza atendendo ao tipo de evento em causa e aos valores alegadamente envolvidos.
VIII-Ouvido o A João sobre os momentos que antecederam o pretenso acidente, declarou nas passagens dos minutos 02m53s a 6m03s, que estava no exterior quando viu o Pedro a entrar na sua loja e que quando este chegou as bicicletas já estavam encostadas à carrinha.

IX- Já a testemunha Pedro no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 19/10/2017, entre as 11h28m21s e as 12hm22m50s, nas passagens dos minutos 16m33s a 17m21s e 18m53s a 20m19s, disse coisa inteiramente distinta, afirmando ter encontrado o A dentro da loja e não ter visto quaisquer bicicletas junto da carrinha do demandante, apesar de ter estacionado imediatamente ao lado dela

X-Não estamos aqui perante um mero pormenor, já que, dizendo ambos que o carro do Pedro foi estacionado imediatamente ao lado da carrinha (passagens dos minutos 8m53s a 8m58s do depoimento do demandante e passagens dos minutos 17m03s a 17m21s do depoimento do Pedro) esta divergência deixa por explicar, por um lado, porque é que o A diz ter visto o Pedro já a entrar na loja quando teria, afinal, estacionado o carro ao seu lado, e como é que o Pedro não viu as bicicletas, e, já agora, o próprio demandante, se aquelas e este estavam junto ao carro parado ao seu lado.

XI-As divergências entre estes depoimentos prosseguiram ainda no que toca à indicação do propósito da ida do Pedro ao local do pretendo acidente, afirmando o A, nas passagens dos minutos 5m50s e seguintes do seu depoimento, que lhe vendeu um canhão de chaves mais “uma quantidade de coisas”, mas dizendo o Pedro que nada comprou (cf. passagens dos minutos 46m36s a 46m42s do seu depoimento);

XII-Estas contradições impedem o Tribunal de dar credibilidade a qualquer um desses depoimentos, nem sequer se percebendo qual duas “versões” do pretenso acidente poderiam ter ocorrido, já que se anulam reciprocamente.

XIII-A versão do A é a de que, aquando da chegada do Pedro ao local, encontravam-se encostadas à traseira de uma carrinha, junto da qual o IP foi estacionado, três bicicletas com uma dimensão de cerca de 1,5 a 2 metros de largura, estando as mesmas colocadas imediatamente à frente da sua loja, do outro lado da rua (cf. depoimento do demandante nas passagens dos minutos 4m47s, 6m16s, 8m53s a 9m14s)

XIV-A testemunha Pedro disse também ter estacionado o seu carro junto à carrinha do A, tendo virado à esquerda para estacionar também à esquerda daquele outro veículo (cf. passagens dos minutos 17m03s a 17m21s e 36m51 a 37m34s do seu depoimento)

XV-Das fotografias do local do pretenso acidente juntas pela Ré com a sua contestação
Doc 2 – decorre que não existem obstáculos que perturbem a visibilidade na zona de estacionamento ou que impedissem o Pedro de avistar as bicicletas, se estivessem no local;

XVI-Neste contexto não é, salvo o devido respeito, minimamente crível que, se as bicicletas se encontrassem de facto no local, o Pedro não as tivesse visto (se é que também esteve lá), em quatro momentos distintos: quando se aproximou da carrinha ao volante do seu carro, quando virou à esquerda para o colocar junto à carrinha – manobra que terá momentaneamente colocado o seu veiculo voltado para a traseira dessa carrinha e que impunha que a tivesse visto até para nela não colidir, a menos que tivesse estacionado longe dela, o que torna ainda mais inverosímil a ocorrência do acidente – quando saiu do carro, já que passaria imediatamente ao lado delas e, finalmente, quando saiu da loja e atravessou a estrada, voltado, precisamente, para a traseira da carrinha

XVII-Também ficou por explicar porque motivo o Pedro afirma ter abalroado as bicicletas, quando reconhece que o carro que conduzia dispunha de sensores de aproximação traseiros, o qual até admite que terão sido acionados, mas não o levaram a parar o carro (cf. passagens dos minutos 8m49s a 9m18s do seu depoimento)

XVIII- Portanto, desafia a lógica a afirmação da testemunha Pedro de que não viu as bicicletas, nem que seja nos instantes antes de voltar a entrar no seu carro e, com isso, desaparece a credibilidade do seu depoimento.

XIX-Ninguém acredita que o A deixasse abandonadas em plena via pública e ainda por cima numa altura em que já anoitecia, três bicicletas que afirma serem “topos de gama” (cf. passagens dos minutos 15m45s a 16m08s do depoimento do demandante), cujo valor diz ser superior a 28.000,00€.

XX- De notar que A refere que interrompeu as operações de colocação das bicicletas na carrinha para atender o Pedro (cf. passagens dos minutos 5m05s a 6m10s e 8,07s a 8m13 do depoimento do demandante), dizendo este que esteve na loja para cima de meia-hora e quase uma hora (cf. depoimento do Pedro nas passagens dos minutos 31m06s a 31m15s), o que ainda menos permite acreditar que esse abandono tenha ocorrido.

XXI-Aliás, instado a explicar porque deixou tão “valiosos” objectos abandonados na via pública, o A comparou essa situação à exposição habitual que mantem no exterior, mas junto à porta do seu estabelecimento (cf. passagens dos minutos 16m13s a 16m24s) o que não é, nem de perto, nem de longe, a mesma coisa que deixar três bicicletas à noite, do outro lado da rua, enquanto atende clientes

XXII-Assim, compreende-se que o Tribunal não se tenha convencido de que estivessem lá no local quaisquer bicicletas e, portanto, que não tenha ocorrido qualquer acidente, sendo este mais um elemento que milita no sentido da decisão proferida quanto à matéria de facto.

XXIII- No seu depoimento gravado a testemunha Pedro reconheceu que as bicicletas não estariam tombadas no solo antes de iniciar a manobra de marcha-atrás, já que isso, certamente, teria chamado a sua atenção, admitindo, portanto, como única hipótese que tenha sido o próprio carro a derrubá-las (cf. passagens dos minutos 49m44s a 50m04s)

XXIV- Disse ainda ter passado por cima de uma das suas rodas (que disse pensar ser a da frente), o que sucedeu depois de ter sentido uma primeira resistência, que o fez insistir até calcar a bicicleta, sem que tenha ouvido qualquer ruído (cf. passagens dos minutos 4m24s a 4m34s do seu depoimento).

XXV-Se assim tivesse ocorrido, o carro teria, num primeiro momento, embatido nas bicicletas, o que teria provocado ruído (note-se que o próprio A, nas passagens dos minutos 9m15s a 9m20s do seu depoimento refere ter ouvido um barulho do outro lado da rua e no interior da loja) e até oscilações do carro, as quais, associadas ao facto, reconhecido pelo Pedro, de o apito dos sensores ter sido acionado, tê-lo-iam feito parar ao invés de calcar as bicicletas.

XXVI- Um qualquer condutor, depois de ter feito tombar as bicicletas e, pelo menos, depois de sentir alguma resistência à sua progressão, teria imediatamente suspendido a sua marcha para se aperceber das razões que impediam a sua marcha, o que o Pedro diz não ter feito (cf. passagens dos minutos 48m47s do seu depoimento).

XXVII- Do mesmo passo, da colisão do carro nas bicicletas teriam, forçosamente, de resultar danos no próprio veículo, de cuja existência, de resto, o Pedro se esforçou por tentar convencer o Tribunal (cf. passagens dos minutos 41m40s a 43m18s do seu depoimento), os quais não existiam, como se vê das fotografias que a Ré juntou como Doc 3 com a sua contestação e resulta do depoimento da testemunha Carlos, gravadas no sistema H@bilus no dia 19/10/2018, entre as 14h52m12s e as 15h13m59s, nas passagens dos minutos 10m55s a 11m06s do primeiro ficheiro de gravação e 1m49s a 2m19s do segundo)

XXVIII- A crer nos depoimentos do A (passagens dos minutos 5m16s, 8m07s a 8m13s, 19m37s a 19m46s, 20m30s a 20m39s e 21m15 a 21m22s) e do Pedro (passagens dos minutos 32m32s a 33m19s) o carro terá passado sobre uma das suas rodas das bicicletas, que teriam ficado para além dos limites laterais da carrinha à qual estariam encostadas

XXIX- Ora, desde logo, fruto do impacto do carro nas rodas salientes das bicicletas, estas seriam impulsionadas apenas desse lado e rodariam, por se tratarem de objetos com um comprimento de entre 1,7 e 2 metros (cf. Depoimento da testemunha E. M., gravado no sistema H@bilus no dia 19/10/2017, entre as 15h14m49s e as 16h07m37s, nas passagens dos minutos 5m41 e seguintes), nos mesmos termos que rodaria uma porta que é empurrada e está fixa num lado, afastando-se da trajectóra do carro e torando impossível o acidente.

XXX-Mas, por outro lado, se tivesse sido esse o mecanismo da colisão, os danos das bicicletas seriam totalmente diferentes;

XXXI- As bicicletas em questão, como se vê das fotografias que a Ré juntou com a sua contestação (Doc 5), não apresentavam danos compatíveis com o acidente descrito, estando ausente, nomeadamente, os inevitáveis sinais de esmagamento (quer na roda calcada, quer nas peças metálicas de que eram compostas) que teriam sido provocados pela passagem de um carro com uma tonelada sobre parte delas;

XXXII- Teria ainda de existir um corredor de danos (no trajecto da roda que as teria pisado)

XXXIII- E nunca poderiam existir danos em zonas tão dispersas (nalguns casos zonas quebradas em locais situados nos antípodas da bicicleta) e em zonas inacessíveis (como riscos em zonas interiores do chassis), como os que se verificavam

XXXIV- No que toca aos danos que as bicicletas apresentavam, a testemunha E. M. descreveu detalhadamente em que consistiam, ao mesmo tempo que lhe eram exibidas as fotografias constantes dos autos, tendo esclarecido, nomeadamente nas passagens dos minutos 13m20s e seguintes, 14m37s e seguintes, 17m31s a 21m41s, 24m42s a 27m22s, 42m11s a 43m36s, 44m13s a 44m37s, 51m10s a 52m09s do seu acima identificado depoimento, que os mesmos não eram compatíveis com a dinâmica do sinistro, não só pela sua dispersão, como também por não existirem sinais de esmagamento que teriam, forçosamente, de ocorrer.

XXXV- Também a testemunha Carlos, no seu já acima identificado depoimento, esclareceu, também, que o A nunca fez qualquer prova de ser dono das bicicletas, não tendo apresentado factura que comprovasse a sua aquisição, esclarecendo ainda quais eram os danos das bicicletas e porque motivo não eram compatíveis com a dinâmica do acidente em discussão, como se colhe das passagens dos minutos 8m52 a 9m55s do primeiro ficheiro da sua gravação e das passagens dos minutos 3m41s a 4m36s, 6m05s a 6m26s, 6m53s a 6m56s, 7m25s a 9m50s, 10m28s a 12m41s 15m55s a 16m43s, 17m28s a 19m54, 20m24s a 24m40s do segundo Ficheiro de gravação, no sistema H@bilus no dia 19/10/201714h52m12s e as 15h13m59s.

XXXVI- Ora, perante todos estes elementos de prova, nunca poderia o Tribunal ter formado a sua convicção no sentido de que este acidente ocorreu e que dele resultara danos para as bicicletas.

XXXVII- Para se decidir nesse sentido milita ainda o facto de o A, apenas 16 dias depois da alegada ocorrência deste evento, ter participado a uma outra seguradora um acidente em tudo igual, acontecimento estatisticamente improvável, como referiu a testemunha E. M. (depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 19/10/2017, entre as 15h14m49 e as 16h07m37s,) perito de automóveis desde 1982, o qual referiu ter já averiguado milhares de sinistros e ter 150 peritos sob sua supervisão, referindo a improbabilidade estatística desta sucessão de acontecimentos, como se vê das passagens dos minutos 15m26s a 15m43s do seu depoimento)

XXXVIII- De referir que nenhum dos argumentos que o A esgrime para tentar uma melhor” interpretação dos depoimentos prestados no julgamento persuade a considerar-se que o acidente ocorreu.

XXXIX- As contradições dos depoimentos e sua absoluta incompatibilidade com as regras da experiência e o senso comum não lhes traz, ao contrário do que defende o A, maior credibilidade

XL-O argumento de que o tempo pode ter atraiçoado as testemunhas, além de não explicar as incongruências nos danos e na dinâmica, não é um argumento válido se tivermos em conta que o acidente ocorreu, segundo se afirma, há cerca de 2 anos e o A e testemunha Pedro revelaram pormenores que dificilmente seriam compatíveis com lapsos de memória (cf. passagem dos minutos 48m47s do depoimento do Pedro).

XLI-As divergências e discrepâncias incidiram sobre aspectos relevantíssimos para o reconhecimento da credibilidade dos depoentes;

XLII-E é por isso que a ideia que perpassou ao longo de todo o julgamento foi a de que se tratava de uma história “mal contada”, pouco crível e em nada sustentada pelo senso comum e, muito menos, por elementos objectivos que lhe dessem credibilidade.

XLIII- Assim, nada impunha que tivesse sido dado como provados os factos dos pontos a) a d) da matéria considerada não provada, devendo ser confirmada a decisão proferida quanto aos mesmos.

XLIV- E não se tendo provado a ocorrência de acidente, tão pouco pode ser dado como provado que as bicicletas sofreram danos em consequência daquele evento, impondo-se a confirmação da decisão proferida quanto aos factos dos pontos e) a h) da matéria de facto dada como provada.

XLV-Confirmando-se a decisão proferida quanto à matéria de facto, impunha-se, pelas razões expressas na fundamentação da douta sentença, a absolvição da Ré do pedido.

XLVI- mesmo que se considerasse provada a ocorrência do acidente desfecho que, com todo o respeito, temos muitas dificuldades em encarar – não ficou devidamente demonstrado que as bicicletas, em consequência desse pretenso evento, tenham sofrido os danos alegados pelo A e, muito menos, que o custo da sua reparação ascendesse aos valores alegados.

XLVII- A maioria dos danos que as bicicletas apresentavam depois do acidente não eram compatíveis com a sua dinâmica – nem mesmo a que o A quer ver provada nesta ação – como resulta das fotografias que se juntaram como Doc 5 com a contestação e dos depoimentos das testemunhas E. M. (passagens dos minutos 13m20s e seguintes, 14m37s e seguintes, 17m31s a 21m41s, 24m42s a 27m22s, 42m11s a 43m36s, 44m13s a 44m37s, 51m10s a 52m09s) e Carlos, (passagens dos minutos 8m52 a 9m55s do primeiro ficheiro da sua gravação e das passagens dos minutos 3m41s a 4m36s, 6m05s a 6m26s, 7m25s a 9m50s, 10m28s a 12m41s 15m55s a 16m43s, 17m28s a 19m54, 20m24s a 24m40s do segundo Ficheiro de gravação, no sistema H@bilus no dia 19/10/201714h52m12s e as 15h13m59s)

XLVIII- Ademais, quer das fotografias das bicicletas que a Ré juntou com a sua contestação- Doc 5- , quer do depoimento das testemunhas Carlos e E. M. decorre que aqueles objectos apresentavam videntes sinais de desgaste, nomeadamente no selim da bicicleta Cipollini, no selim e no revestimento do manípulo ou voltante da bicicleta KTM revelator elite (cf. ainda depoimentos da Testemunha Carlos, aos minutos 7m43s a 8m42s, e da testemunha E. M., mais precisamente nas passagens dos minutos 17m37s das suas declarações e 45m51s.

XLIX- O único elemento de prova que o A apresenta quanto ao alegado custo da reparação das bicicletas são orçamentos que o próprio elaborou, prontamente impugnados pela Ré e não fiáveis.

L-Tais documentos estão, de resto, em contradição com outros documentos que o próprio demandante subscreveu, nomeadamente os que foram juntos pela Ré como Doc 9, 10 e 11 juntos com a contestação, nos quais o demandante reconheceu que os danos que as bicicletas apresentavam ascendiam a não mais de 5.150,00€ para a bicicleta KTM Revelator Elite D12, 10.500,00€ para a bicicleta Cipollini e 4.800,00€ para a bicicleta KTM Scrap 29.

LI- Esta questão foi abordada pela testemunha António, no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 19/10/2017, entre as 16h21m20s e as 16h31m18s, tendo o mesmo referido, nas passagens dos minutos 1m43s a 3m32s e 4m22s a 5m30s e 6m32 a 7m26, tendo a mesma declarado que, a título meramente condicional e sempre dependente da posição que a Ré viesse a assumir, procedeu à avaliação dos danos ostentados pelas bicicletas, o que fez em conjunto com o A.

LII-Mais declarou que o demandante aceitou que o custo da reparação dos estragos ostentados por cada uma das bicicletas não seria superior ao mencionado nas respectivas actas de avaliação (juntas a estes autos como Doc 9, 10 e 11 com a contestação).

LIII-Ora, perante os documentos juntos com a contestação como Docs 9 a 11 e o depoimento da testemunha António, sempre se imporia que, a entender-se que se provou que as bicicletas sofreram danos em consequência do pretenso acidente, fosse dado como provado, apenas, quanto aos factos das alíneas f), g) e h) que a reparação dos estragos apresentados pela bicicleta KTM Revelator Elite D12 custava 5.150,00€ para, os da bicicleta Cipollini 10.500,00€ e os da bicicleta KTM Scrap 29 e 4.800,00€.

LIV-Em face do exposto e caso se venha dar como provada a ocorrência do alegado acidente, nunca poderia ser reconhecido ao A o direito a reclamar o montante que peticiona, mas sim, quando muito, os ditos valores de bicicleta KTM Revelator Elite D12 custava 5.150,00€ para, os da bicicleta Cipollini 10.500,00€ e os da bicicleta KTM Scrap 29 e 4.800,00€.

Ampliação do objecto do processo

LV-O Tribunal não se pronunciou sobre os factos alegados pela Ré nos artigos 89º a 93º 147º, 148º, 150º, 151º, 153º e 154º, o que determina a nulidade da douta sentença, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1, alínea d) do CPC, nulidade essa que se invoca, mas apenas a título subsidiário, para a hipótese de se considerar provados, no todo, ou em parte, os factos dados como não provados nas alíneas a) a e), ou seja, para a hipótese de o Tribunal de recurso se ver na necessidade de proceder à avaliação de danos.

LVI-E, nesse caso, impõe-se que seja ordenada a prolação de nova decisão que supra esta deficiência, o que, no enquadramento que já se fez, se requer.

LVII-Ainda que se entenda que estes factos acima mencionados foram julgados e dados como não provados, a Ré impugna a decisão proferida quanto aos factos dos pontos 89º a 93º, 147º e 148º, 150º e 151º e 153º e 154º da contestação que apresentou.

LVIII- No que toca aos factos dos pontos 89º a 93º da contestação da Ré, resulta das fotografias das bicicletas que a Ré juntou com a sua contestação – Doc 5 -, e do depoimento das testemunhas Carlos e E. M. que aqueles objectos apresentavam videntes sinais de desgaste, nomeadamente no selim da bicicleta Cipollini, no selim e no revestimento do manípulo ou voltante da bicicleta KTM revelator elite.

LIX-Esses factos podem ser constatados quer nas fotografias que constituem o Doc 5 junto com a contestação, quer nos depoimentos da Testemunha Carlos (aos minutos 7m43s a 8m42s) e da testemunha E. M., mais precisamente nas passagens dos minutos 17m37s das suas declarações e 45m51s.

LX-Portanto, com base nestes elementos de prova, impunha-se que tivessem sido dados como provados, na sua totalidade, os factos dos pontos 89º a 93º da contestação da Ré.

LXI- Quanto aos factos dos pontos 147º, 148º, 150º, 151º, 153º e 154º, a sua prova decorre, sem margem, para qualquer dúvida, dos documentos juntos com a contestação da Ré como Docs 9, 10 e 11, onde consta o texto da ata de avaliação de prejuízos assinada pelo A e pelo perito da Ré, não tendo o demandante posto em causa a autoria ou o teor desses documentos.

LXII-Ademais, a testemunha António, no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 19/10/2017, entre as 16h21m20s e as 16h31m18s confirmou o teor desses documentos e ainda que os valores deles constantes foram aceites pelo A, que os subscreveu, como se vê das passagens dos minutos 1m43s a 3m32s do seu depoimento

LXIII- Como tal, com base nestes elementos de prova, sempre se imporia que fossem dados como provados os factos dos pontos 147º, 148º, 150º, 151º, 153º e 154º da contestação da Ré, nos exactos termos em que foram alegados.

LXIV- E, sendo estes factos dados como provados, impõe-se a decisão que vier a ser proferida os tenha em consideração, o que se requer, decorrendo deles uma redução do valor que, eventualmente, seria devido ao demandante, caso se viesse a considerar que sofreu danos em resultado do pretenso evento que esteve em discussão nesta acção

LXV-A douta sentença sob censura não violou qualquer norma legal.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença sob censura, sem prejuízo de a titulo subsidiário, serem conhecidas as questões que a recorrida suscita em sede de ampliação do objecto do recurso com as consequências legais e sempre como impuser Justiça.


O recurso de apelação interposto por João, e bem assim o recurso subordinado com pedido de ampliação interposto por “Seguradoras U., SA”, foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, em conformidade com o disposto nos artigos 629.º, 631.º, 633.º, 636.º, 637.º, 638.º, 639.º, 641.º, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As questões a resolver, partindo das conclusões formuladas pelo recurso principal e subordinado como impõem os artºs. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do C.P.Civ, serão as seguintes:

- Nulidade da sentença:
- Erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
- Erro na aplicação do direito, como consequência da pugnada alteração da decisão da matéria de facto;

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS Factos:

Na decisão recorrida foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1.O proprietário do veículo de matrícula IP, Pedro havia transferido a responsabilidade civil por danos causados pela aludida viatura a terceiros, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º …5, para a ré.

2.O condutor do IP, segurado na ré, assumiu a responsabilidade pela ocorrência de um sinistro e, juntamente com o autor, subscreveu a «declaração amigável de acidente automóvel», que entregaram à ré, junta aos autos a fls. 42, e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, de onde resulta, designadamente do segmento 4 de “descrição pormenorizada do acidente”, o seguinte: “estava estacionado ao lado da carrinha da loja de bicicletas e não reparei nas bicicletas que estavam encostadas à traseira do lado esquerdo da carrinha. Ao recuar embati com a traseira direita do meu veículo nas bicicletas, atirando-as ao chão e passei-lhes com a roda de trás direita por cima”.

3.O autor participou à W Seguros a ocorrência de um sinistro envolvendo três bicicletas de que disse ser dono (uma KTM Myroon Master 2014, uma KTM Scarp Elite 2014 e uma KTM Myroon Prestige 2012), ocorrido no dia 25/10/2015, em Arco de Baúlhe, colocadas sobre um expositor no exterior do edifício da escola …, no âmbito de um evento designado como AB, sendo que nesse local estava estacionado o veículo com a matrícula VC, conduzido por Manuel que, quando efetuava uma manobra de marcha atrás, derrubou e calcou as ditas três bicicletas, que estavam paradas e encostadas, causando-lhes estragos.
*
Factos não provados:

a). No dia 09 de Outubro de 2015, pelas 19h30, na Rua Dr. …, Celorico de Basto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes, o veículo automóvel de marca Citroen C4, com a matrícula IP, e três bicicletas, propriedade do Autor, com as seguintes marcas:

CHIPOLLINI CARBON MONOCOQUE TECNOLOGIC, KTM SCARP PRESTIGE SUSP /TOTAL E KTM SCARP PRESTIGE SUSP /TOTAL
b). As 3 indicadas bicicletas encontravam-se encostadas à traseira da carrinha do Autor imobilizadas, prontas a serem carregadas para a carrinha do Autor, a qual estava devidamente estacionada e igualmente imobilizada num dos lugares de estacionamento sitos na Rua em frente à loja daquele, sita na Rua Dr. …, em Celorico de Basto.
c). O veículo IP, que estava paralelamente estacionado junto da carrinha do Autor, ao fazer a manobra de marcha – atrás para sair do estacionamento, virou para a direita com a traseira e embateu nas bicicletas, abalroando-as.
d). A colisão deveu-se à imperícia e à conduta desatenta do condutor do IP, o qual iniciou a manobra de saída do estacionamento, sem se ter assegurado de que o fazia em segurança.
e). Em virtude do referido embate, as três bicicletas sofreram estragos em toda a sua extensão, ficando impedidas de circular.
f). A bicicleta CHIPOLLINI CARBON MONOCOQUE TECNOLOGIC RB 1000 sofreu os seguintes danos:

-QUADRO CHIPOLLINI CARBON MONOCOQUE TECNOLOGIC RB 1000;
- FORQUETA CARBON UD;
- GUIADOR PRO LOGIC INTEGRADO;
- FITA DE GUIADOR;
- JOGO PEDALEIRO CAMPAGNOLO CARBON SUPER RECORD;
- RODA TRAS BORON – DEX LCM FULL CARBON;
- MUDANCA TRAS CENTAUR CARBON;
- SELIM FIZIK THUNDRA;
- JOGO PEDAIS SHIMANO ULTEGRA CARBON;
- RODA FRENTE ADRISPORT CARBON UD – M38MM;
- MUDANÇA MEIO CAMPAGNOLO RECORD;
- CICLOCOMPUTADOR PRO SCIO W;
-JOGO MANETES CAMPAGNOLO RECORD CARBON, cuja reparação se fixa nos 14.033,82€.
g) A bicicleta KTM SCARP PRESTIGE SUSP /TOTAL sofreu os seguintes danos:

- QUADRO KTM SCARP PRESTIGE SUSP/ TOTAL;
- FORQUETA SUSPENSÃO FRENTE FOX TERRALOGIC / BREN;
- HASTE GUIADOR RITCHEY WCS;
- JOGO RODAS MAVIC CROSSMAX SLR;
- DESVIADOR TRAS XT R;
- SELIM SELLE ITALIA SL R;
- PAR PUNHOS RITCHEY;
- KIT TRAVÕES XT;
- JOGO PEDAIS SHIMANO XT;
- AMORTECEDOR TRAS FOX FACTORY 34 CTD;
- JOGO PEDALEIRO SHIMANO XT C/MOVIMENTO INTEGRADO, cuja reparação se fixa na quantia de 7.413,54€.
h) A bicicleta KTM REVELATOR ELITE sofreu os seguintes danos

- QUADRO KTM REVELATOR ELITE;
- FORQUETA CARBON UD;
- GUIADOR KTM PRIME;
- KIT SHIMANO ULTEGRA DI1;
- SELIM SELLE ITALIA SL R;
- JOGO RODAS SUPERSPEED TUB / FULL CARBON SUPERSPEED UD;
- FITA DE GUIADOR KTM, cuja reparação se fixa na quantia de €6.682,98*

Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes ou outros, acessórios, em virtude dos mesmos serem conclusivos, de direito, estarem em contradição com a factualidade apurada, bem assim por não assumirem qualquer relevância para a decisão da causa.
****
O Direito:

A) VÍCIOS DA SENTENÇA

Nulidade da sentença

O recorrente aponta à sentença a nulidade prevista na alínea d) do artº 615º do CPC.

Vejamos.

No despacho que admitiu o recurso, o juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a nulidade da sentença, nos termos do art. 617º/1 CPC.

Atenta a simplicidade das questões suscitadas e face aos elementos que constam dos autos, não se mostra indispensável ordenar a baixa dos autos para a apreciação das nulidades, nos termos do art. 617º/5 CPC, passando-se a conhecer desde já das mesmas.
**
Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil.
O recorrente visa imputar à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.
A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.

Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.

As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.

Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.

E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.

Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

Maia refere ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão

Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
No caso em apreciação, invoca o apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo conheceu de factos que não poderia conhecer porque a questão da propriedade das bicicletas não era controvertida sendo que no despacho saneador o tribunal a quo também reconheceu explicitamente a propriedade das bicicletas

Como resulta do que acima ficou dito, questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.

Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.

Ora, na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos que entendeu terem sido alegados e que considerou provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial, não se vislumbrando que haja conhecido de questões que não poderia conhecer ou de objecto diverso do pedido.

Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento.

E, no caso em apreciação, infere-se da alegação de recurso que o recorrente discorda da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada, maxime, da não prova da propriedade enunciada na alínea a) dos F.N.P por entender que o mesmo não integra os Temas da Prova, para além de que se trata de matéria não contestada pela ré.

O aludido vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação da apelante.
****
B) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Dissente o Apelante/Autor da decisão da matéria de facto nos termos descritos nas conclusões supra transcritas.
Apreciando

Introdutoriamente cumpre ressaltar a clareza da fundamentação da decisão de facto, que se estende de fls. 48 a 492 na qual a Meritíssima Juiz faz uma análise fiel dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento - pelo autor e testemunhas- e aprecia-os individualizadamente, explicando as razões do seu convencimento quanto à credibilidade que lhe mereceram proporcionando um acompanhamento muito próximo do iter decisório percorrido.

Revisitados os depoimentos e acompanhando as afirmações que foram sendo produzidas com a visualização das fotografias e demais documentos existentes aos autos impõe-se, aderir in totum à valoração do Tribunal a quo.

Decisão esta na qual não se divisam contradições, incongruências, indevida concessão de relevo excessivo ou diminuição do relevo legal relativamente a meios probatórios.

Considerando a relevância que o recorrente pretende que seja dada às declarações do autor importa mencionar que as declarações de parte devem suscitar uma ponderação cuidadosa, pois não se pode olvidar que provêm de alguém interessado no desfecho da causa e parcial, impondo-se a sua consideração à luz das demais provas produzidas, com vista à sua corroboração ou infirmação (1) ainda que, como é evidente, não seja o número de testemunhas que corroborem a versão trazida por uma das partes que se revela decisivo de “per si”, sendo antes necessário sindicar a bondade desses depoimentos que sufragaram tal narrativa, quer ao nível intrínseco, quer à luz dos demais meios de prova trazidos ao processo.

No caso concreto as declarações do autor viram a sua valência probatória ficar fragilizada pela circunstância de ele não ter visto o embate como relatou por se encontrar dentro da loja que explorava a atender um cliente tendo relatado o antes do embate e o após do embate.

Mas o relato destas realidades – o antes e após o embate e suas consequências - que fez não coincidem com o que ouvimos relatar pela testemunha Pedro, condutor do veículo IP segurado na ré e que assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro e, juntamente com o autor, subscreveu a respectiva declaração amigável, que entregaram à ré, conforme foi dado como assente no ponto 2 dos factos provados.

Como bem anota a decisão recorrida desde logo, a contradição a salientar resulta da circunstância de, na versão do autor, este se encontrar a carregar as bicicletas e tê-las deixado encostadas à sua carrinha para ir atender o Pedro – condutor do IP - que tinha chegado à loja. Já segundo este Pedro, chegou à loja com um colega e estacionou o seu veículo ao lado da carrinha do autor, que já lá estava estacionada, e foi para a loja onde o autor se encontrava a atender clientes, não tendo visto quaisquer bicicletas.

Por outro lado, o autor referiu que atendeu o Pedro que comprou um canhão de chaves e depois de pagar saiu da loja. Este Pedro referiu que nada comprou naquele dia.
Outra contradição a salientar reporta-se à existência no local e localização das bicicletas em questão bem como ao possível embate e danos.

De efeito, diz o autor que o senhor (Pedro) pagou-me as coisas. Quando acabou de pagar toca-lhe o telemóvel e o senhor sai pela loja fora. Sai pela loja fora e vai em direcção ao carro. Quando eu estou dentro da loja, não é, só ouço um barulho, bruuum. Foi o senhor, quando faz marcha-atrás, com um Citroen C4, passou-me por cima das bicicletas na traseira. Levou-as com a traseira, não é. Passou por cima delas. Foi o que aconteceu. o senhor Pedro veio para trás com o carro e as bicicletas estavam, não é, por baixo do carro, a seguir ao para-choques, ali entre as rodas e o para-choques porque o carro “arrastou e prensou-as. Aquilo os danos estavam com umas ligeiras raspadelas, não é. Foi de ser arrastadas. Caírem ao chão e serem arrastadas. E estavam partidas: na roda, na... eh pá, tinham ali uns danos, não é, no quadro. O quadro é fibra de carbono, aquilo são quadros pensados para quando a gente está sentado em cima das bicicletas tem rigidez, quando são...
Completou dizendo que os danos foram “rodas, parte dos guiadores, quadros
A testemunha Pedro relatou que não se recorda da marca da carrinha do autor. Sabe que estacionou ao lado de uma carrinha. Não a viu de portas abertas nem vi bicicletas junto da carrinha quando estacionei. Se lá estivessem eu teria reparado. Levava comigo um colega. Quando estacionei ele conseguiu abrir a porta do carro e sair.
Quando voltei para o carro não vi as bicicletas junto da carrinha. Tinha intenção de ligar à minha mulher que estava grávida a dizer que não ia demorar.
Entrei no carro. Liguei o carro com o rádio ligado, meto marcha atrás, sinto o carro a prender, volto a forçar e volta a prender e então saí do carro e vi as bicicletas. Pelo menos pisei as rodas da frente de uma das bicicletas. As outras não garanto que as tenha apanhado. Elas ficaram empilhadas umas em cima das outras. Estavam bastante empenadas e danificadas, com correntes soltas fios expostos e tortas. Não me lembro de ver nenhuma partida.
As bicicletas estariam erguidas antes do embate. Tiveram de tombar. Não ouvi barulho delas a cair.
Mais referiu que o seu veículo tem sensores de marcha atrás, que não recorda ter ouvido tocar naquelas circunstâncias. Seguidamente, segundo referiu, assumiu a culpa pela produção do acidente e fez com o autor a declaração amigável.

Por outro lado as testemunhas Carlos, (perito averiguador que presta serviços para a ré há cerca de 20 anos e que apenas conhece o autor da averiguação que fez relacionada com o sinistro em discussão nos presentes autos) e E. M. (chefe de peritos averiguadores que trabalha para a ré desde 1982 e que conheceu o autor no exercício das suas funções e a propósito da participação do sinistro em apreço nos autos) de forma clara e pormenorizada explicaram que analisaram as bicicletas em apreço nos autos e que os estragos que as mesmas apresentavam, retratadas nas fotografias juntas aos autos a fls. 47 a 63 v captadas pela testemunha Carlos não eram compatíveis com a dinâmica do acidente descrita pelo autor e pelo condutor do IP.

De forma clara e veemente disse a testemunha E. M. que com toda experiência que tenho, 30 anos de investigação em bicicletas ou motas não consigo imaginar este sinistro ainda que colocando vários cenários não consigo perceber este sinistro.

Esclareceu também a testemunha Carlos que analisou o veículo da testemunha Pedro e que o veículo não apresentava qualquer estrago que indiciasse a verificação do aludido sinistro

Após esta prova (2) sublinha o Tribunal recorrido e muito bem que as apontadas contradições, (…)) de que demos conta, não nos permitem tomar como credíveis as declarações do autor e o depoimento da testemunha Pedro e deixa-nos muitas e sérias dúvidas de sobre a ocorrência do sinistro, o que seria o bastante para termos por não demonstrada a factualidade supra descrita.

Todavia, para além das indicadas contradições, não podemos deixar de anotar que a dinâmica do acidente descrita pela testemunha Pedro desafia as regras da lógica e da experiência comum.

Nos termos do disposto no art.º 346.º do C.C., salvo se se estiver perante a prova legal plena, a parte contrária àquela sobre a qual recai o ónus da prova pode opor contraprova a respeito dos mesmos factos, tornando-os duvidosos. Conseguindo-o, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.

Este princípio ficou ainda plasmado no art.º 414.º do C.P.C., que acrescenta a dúvida sobre a repartição do ónus da prova.
Face à impossibilidade de conciliar as duas versões opostas justifica-se a aplicação daquele princípio, e, consequentemente, julgar não provados os factos referidos pelo Apelante.

Impõe-se, pois, confirmar a decisão de facto nos seus precisos termos por estar em total coerência com a prova produzida e, por consequência, manter igualmente inalterada a douta decisão de mérito, recusando-se provimento à pretensão recursiva do Apelante.
Acresce dizer que o recorrente/autor não aponta em concreto qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar o depoimento de parte do autor e da testemunha Pedro que avalia de um certo modo – diferente do que tribunal efectuou e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração das respostas de acordo com a sua versão.

Na essência, o recorrente limita-se a fazer a sua própria apreciação da prova, em sentido diferente daquele que foi sufragado pela Senhora Juiz do Tribunal a quo, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador for­mou sobre cada um desses depoimentos.

Nessa parte entra no âmago da livre apreciação da prova por parte do tribunal recorrido, estipulada no art.655º do CPC, que não cabe a este tribunal de recurso sindicar.

Sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º NCPC atente-se na pertinência do noticiado pelo Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 198/2004 (DR. II, de 2.6.2004, págs. 8545 e s.), embora formulada com referência ao processo penal, mas transponível para o processo civil, segundo o qual:

(…)
«O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógica-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva (...).
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz (melhor) perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

(...).
É pela imediação, também chamada "princípio subjectivo", que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção».

No que à propriedade das bicicletas se reporta e alegada violação do princípio que proíbe decisões surpresa, ferindo as legítimas expectativas das partes, o artigo 410º do Código de Processo Civil, e os princípios da estabilidade da instância e da protecção da confiança das partes também o autor não tem razão.

A Ré pôs em causa, desde o início da acção, a questão da titularidade pelo autor do direito de propriedade sobre as bicicletas pretensamente danificadas expressamente referenciado no artigo 2º da PI facto que foi impugnado no artigo 1º da contestação, e cujo apuramento – ainda que em sede de contra-prova – justificou o pedido de realização de diligências de prova (cf. alínea h) do requerimento probatório da contestação). (3)
Por contestado o apuramento da propriedade sobre esses bens constituía tema da prova (cf. ponto 2 dos temas da prova).

Relativamente a esta questão cumpre referir que a instrução da causa tem, nos termos do disposto no artigo 410, do C.P.C., por objecto os “temas da prova enunciados”, sendo que, em sede de actividade probatória, é estabelecido que a testemunha depõe sobre a “matéria dos temas da prova”, exigindo-se que o faça com precisão e com a indicação da razão da ciência e de quaisquer outras circunstâncias que justifiquem o conhecimento, conforme o disposto no artigo 516º, co mesmo diploma.

Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova, cumpre dizer, desde já, que o método a empregar é fluído, não sendo susceptível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e mesmo à base instrutória.

Não obstante a eliminação efectuada pela Lei 41/2013 do despacho a fixar os factos assentes e a base instrutória, a instrução continua a ter, como não podia deixar de ser, por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituam, impeçam, modifiquem ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados.

A enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique - conforme defende Paulo José Reis Alves Pimenta - Os temas da prova (19/04/2013), acessível no sítio do Centro dos Estudos Judiciários, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil.

No limite, pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo legal em causa, o que implica que o juiz e os mandatários das partes atentem nisso

Por isso, a “prova continuará a incidir sobre os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (…), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais”. Cf. Lebre de Freitas, in Sobre o novo Código de Processo Civil – Uma visão de fora, pág. 19,in http://cegep.iscad.pt/images/stories, fazendo-se, como se deixou dito, “uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, devendo a decisão “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais”- Cf. Lebre de Freitas, ob cit., pg. 19.

Por outro lado, se houver factos essenciais atinentes à causa de pedir ou às excepções aduzidas já plenamente provados por documentos dotados de força probatória plena ou por confissão, a correspondente matéria não pode nem deve , por inutilidade ser objecto dos temas de prova, e , daí , embora a lei o não diga expressamente , entende-se que tais factos já considerados provados devem ser elencados no despacho saneador, pro forma a evitar que as partes, por cautela e receio, na audiência final inquiram sobre eles prova testemunhal, sem qualquer resultado útil.

É dentro deste entendimento dos temas da prova como um suporte de trabalho para o julgamento, estabelecendo as linhas mestras da discussão, que consideramos que a questão da propriedade das bicicletas se encontra enunciada como no ponto 2 dos temas de prova.

E que assim é bem sabe o recorrente pois esta questão foi objecto de prova aquando da audiência de julgamento.

Ouvimos o autor responder a questões colocadas pela Sra. Juiz sobre este tema.

Também esta questão foi colocada à testemunha Carlos que há pergunta se lhe foram fornecidas as facturas das bicicletas? respondeu que: não apesar de ter sido tal pedido formulado mais do que uma vez, quer por esta testemunhas quer pelo seu supervisor- a testemunha E. M..

Também a testemunha E. M. referiu que foram pedidas as faturas de aquisição e o senhor João não foi capaz de fornecer em tempo útil, nunca forneceu pelo menos eu não tenho conhecimento que tenha fornecido, faturas. Depois emendou a mão durante a conversa e disse que seriam bicicletas de demonstração - que não seriam propriamente dela, da CB, seriam emprestadas. Eu achei estranho, quer dizer...se eu tenho bicicletas minhas tenho que ter uma fatura da compra, se tenho bicicletas à consignação tenho que ter uma fatura, uma nora de consignação e o senhor João nunca foi capaz de provar sequer que as bicicletas eram dele. Eu não sei de quem são as bicicletas. Há 3 bicicletas, elas não estão sujeitas a matricula e até à data e das diligencias que eu fiz e o senhor Carlos acabou também por complementar, penso que nunca chegou à X, atualmente seguradoras U., nenhum documento que prove que as bicicletas são do titular.

Nesta altura não sei de quem são pertença as bicicletas.

Aponta ainda o recorrente como fundamento do seu pedido determinados documentos que estão juntos ao processo alegando que o seu conteúdo foi menosprezado pelo Tribunal- as faturas de fls 117, 118 e 118v e a acta de avaliação de prejuízos elaboradas a título condicional.

Trata-se, efectivamente, de documentos de prova livre, não formal ou vinculada (como acontece com a prova plena), pelo que não aceite a factualidade a que os mesmos se reportam a sua simples análise, desacompanhada de outra prova, não impõe de modo irrefutável a demonstração de factos diversos dos que foram dados como provados ou a modificação da matéria tida como não provada.
Analisadas as ditas facturas juntas pelo autor em sede de instrução da causa concorda-se com o afirmado pela recorrida nas suas contra-alegações.

Também se constata que nos documentos em questão não constam referências que permitam, sequer, correlacionar as bicicletas aí mencionados com as que o A disse terem ficado danificadas.
Deles não consta os números de série das bicicletas aí mencionadas, algumas das referências são genéricas (como “quadro Cipollinni”) e os próprios valores constantes dessas facturas não têm correspondência com os alegados pelo A.
O A tão pouco demonstra ter pago as quantias mencionadas nesses documentos, sendo importante notar que numa dessas facturas refere-se que se tratam de “bicicletas de amostra apenas para exposição – protótipos não possíveis para venda” - Factura FA FA14/7372 junta a fls. 117v dos autos.
Nesses documentos não consta a menção às componentes que o A diz ter montado nas bicicletas, nem juntou qualquer outro meio de prova que ateste a aquisição daqueles e sua montagem nestas.

Por sua vez os documentos 9, 10 e 11 juntos com a contestação não correspondem a meio idóneo de demonstração da propriedade sobre as bicicletas tendo sido elaborados nessa parte apenas no pressuposto meramente declarado pelo autor tendo em vista apenas uma avaliação dos danos, sendo que o perito indicado pela ré que subscreveu esses documentos foi mandatado apenas para avaliar os danos (4) como confirmou no seu depoimento a testemunha António ( só faço avaliação dos danos) , e não para reconhecer direitos como o de propriedade.

Pelo que o conjunto dos referidos documentos em si mesmo, sem a sua conexão ou reforço por outras provas, revela-se insuficiente para formar a convicção do tribunal no sentido de que correspondem à prova da propriedade das bicicletas. É certo que a compra e venda de bens móveis não está sujeita a forma, e nem sequer a decisão recorrida a exige, porque antes desta questão - que é jurídica - falta provar a factualidade que demonstre a existência do negócio ou acto que tenha transferido a propriedade dos bens em causa para o recorrente.
Considerando o supra exposto, nada mais resta do que julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida cuja fundamentação jurídica se considera correcta.
*
Mérito da Causa

Da nova fundamentação de direito (conhecimento prejudicado)

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, por parte do recorrente, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex. vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.
***

Recurso Subordinado (conhecimento prejudicado)

Prejudicada fica também a apreciação do pedido de ampliação do recurso apresentado apenas a título subsidiário, para a hipótese de se considerar provados, no todo, ou em parte, os factos dados como não provados nas alíneas a) a e), ou seja, para a hipótese de o Tribunal de recurso se ver na necessidade de proceder à avaliação de danos.

Improcede, pois, o recurso com custas a pagar pelo recorrente (artº 527º do CPC) que ficou vencido na (s) sua pretensão (ões) (artº 527º nº1 e 2 do CPC).
*
IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Guimarães, 24 de Maio de 2018
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)


(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)


1. Cf. os Ac. do Trib. da Rel. do Porto de 15/09/2014, rel. António José Ramos, proc. n.º 216/11.4TUBRG.P1, de 20/11/2014, rel. Pedro Martins, proc. n.º 1878/11.8TBPFR.P2, de 17/12/2014, rel. Pedro Martins, proc. n.º 2952/12.9TBVCD.P1 e de 17/12/2014, rel. Pinto dos Santos, proc. n.º 8184/11.6TBMAI.P1 in www.dgsi.pt.
2. Da qual ao contrário do afirmado pelo recorrente não coincidem o depoimento do autor e da testemunha Rui Queirós no referente à localização do autor antes do sinistro; à disposição dos objectos no local, na saída da loja da testemunha, na ocorrência do sinistro, na danificação das bicicletas.
3. Requer a notificação do A. Para juntar as facturas que titulam a aquisição que diz ter feito das bicicletas mencionadas no artº 2º, 3º, 15º, 17 e 19º da p.i para contra prova dos factos aí alegados mais precisamente a propriedade das bicicletas e prova do que se alega no artigo 93 da contestação ( ou seja, que as bicicletas era usadas).
4. Como de forma clara e correcta refere a recorrida.