Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
312/10.5TTBGC.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
RECLAMAÇÃO DA CONTA
DEPÓSITO CONDICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: No âmbito de aplicação do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, não há lugar ao depósito do valor da nota como requisito de apreciação da reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de parte.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

C…, CRL interpôs recurso do despacho que não admitiu as reclamações às notas justificativas de custas de parte.
Pede que seja proferido novo despacho que venha admitir e conhecer da resposta (reclamação) apresentada pela Ré/Recorrente à nota de custas de parte elaborada pelo Autor.
Alega, vindo, depois a concluir como segue:
1) Após transação celebrada e homologada por sentença, foram apresentadas notas discriminativas e justificativas de custas: pelo Autor à Ré/Recorrente no valor total de 11.598,76€ e pela Ré/Recorrente ao Autor no valor total de 3.423,68€.
2) A Recorrente/Ré, ao abrigo do princípio do contraditório, apresentou resposta à nota discriminativa e justificativa de custas de parte elaborada pelo Autor.
3) Resposta (da Recorrente/Ré) que o Tribunal recorrido considerou, no seu despacho proferido a 02/09/2014, ser uma reclamação à nota de custas de parte (do Autor) e, por não se encontrar comprovado nos Autos o depósito da totalidade do valor da nota (11.598,76€), não admitiu a reclamação formulada, não a apreciando. É deste despacho que se recorre.
4) In casu - atendendo à data da apresentação das notas de custas de parte e de resposta da Recorrente/Ré à nota do Autor e ao princípio «tempus regit actum» - aplica-se: o Antigo Código de Processo Civil (o Novo CPC entrou em vigor a 1/09/2913), o Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, e a Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, na redação dada pela Portaria n.º82/2012, de 29/03.
II – DA VIOLAÇÃO PELA PORTARIA N.º419-A/2009, DE 17/04 DO DECRETO-LEI N.º 34/2008 DE 26/02 E DA LEI N.º26/2007, DE 23 DE JULHO (A Portaria viola a Lei de Autorização que lhe subjaz e o Decreto-lei)
5) A Lei de Autorização Legislativa da Assembleia da República n.º 26/2007, de 23 de Julho, autorizou o Governo a aprovar um Regulamento das Custas Processuais e o seu artigo 2.º, n.º1, al. a) estabelece o sentido e extensão dessa autorização legislativa: «reunir em um só diploma todas as normas procedimentais relativas à responsabilidade por custas processuais, integrando as custas cobradas em processos judiciais (…) (negrito e sublinhado nosso)
6) Os regulamentos e as portarias só podem estatuir na medida em que a lei lho consinta, ou seja, dentro dos limites por ela marcados e não valem em tudo aquilo que contrariar a lei que executam ou a cuja sombra nascem.
7) O Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02- RCP) previu a emanação de portaria apenas para as seguintes matérias específicas e nos seguintes artigos: ▪ resolução alternativa de litígios (art. 4.º, n.º7 do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02); ▪ entrega de peças processuais por meios eletrónicos (artigo 22.º, n.º5);▪ mecanismos alternativos de implementação de benefícios ou imposição de sanções (22.º, n.º10); ▪ elaboração e processamento da conta de custas (29.º, n.º5)▪ meios informáticos para processamento da conta de custas (30.º, n.º3) ▪ formas de pagamento de custas judiciais (32.º, n.º8).
8) É publicada a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril - a cuja emanação subjaz, conforme consta do último parágrafo do seu preâmbulo, o disposto nos artigos 4.º, n.º7; 22.º, n.ºs 5 e 10; 29.º, n.º5; 30.º, n.º3; 32.º, n.º8 e 20.º do Decreto-Lei n.º 34/2008 - que «regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e penalidades».
9) O RCP não previu a emanação de portaria para regular qualquer elemento ou procedimento em relação a custas de parte – Vide os seus artigos 25.º («nota justificativa») e 26.º («regime»), do seu Capítulo IV «Custas de Parte», que constituem o regime procedimental das custas de parte.
10) Não podendo, consequentemente, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril estabelecer qualquer regime procedimental referente a tal matéria e, tendo-o feito nos seus artigos 30.º a 33.º, violou: o RCP (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02); a Lei de Autorização n.º 26/2007, de 23 de Julho; o princípio da hierarquia das normas e os artigos 3.º, n.º3; 112.º, n.ºs 2, 5 e 6; 198.º, n.º1, 165.º, n.º1, al. b) da Constituição da República Portuguesa.
11) Assim, deve conceder-se provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na parte em que não conheceu a resposta apresentada pela Recorrente (à nota de custas de parte do Autor) por aplicar o artigo 33.º, n.º 2 da Portaria n.º 419-A/2009, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29/03, que padece – tal como as constantes dos artigos 30.º a 33.º da mesma portaria – de ilegalidade e de inconstitucionalidade, por violar o princípio da hierarquia das leis, da primariedade e da precedência de lei (vício de violação de lei), devendo ser afastada a sua aplicação in casu (e aplicando-se as normas de hierarquia superior constantes do RCP e da Lei n.º 26/2007, de 23 de Julho).
III - CASO ASSIM NÃO SEJA ENTENDIDO:
III.I- DA RESPOSTA APRESENTADA PELA RÉ AO PEDIDO DE CUSTAS DE PARTE ELABORADO PELA AUTORA – não sujeição da mesma a qualquer condição (designadamente, a depósito de qualquer quantia)
Sucede que:
12) O RCP e a Portaria n.º419-A/2009 impõem que a parte que tenha direito a custas de parte remeta, simultaneamente, para o Tribunal e para a parte vencida a nota de custas de parte – artigo 25.º, n.º1 do Regulamento das Custas Processuais.
13) Nota de custas de parte que consubstancia um pedido de pagamento de determinada quantia, sujeito a requisitos e limites formais e substanciais (previstos nos artigos 25.º, n.º2; 26.º, n.ºs 3, 4 e 5 do RCP e 447.º-D, n.ºs 1, 2 e 3; 448.º; 447.º-C e 451.º do Código de Processo Civil e do RCP e 447.º-D do Código de Processo Civil), contendo uma «causa de pedir» (a discriminação, justificação, qualificação e quantificação dos valores a esse título peticionados).
14) Pedido (de custas de parte) ao qual a parte vencida pode responder e exercer o contraditório - tal como no presente caso aconteceu e exerceu - ao abrigo dos princípios do contraditório (art. 3.º, n.º3, do Cód. de Proc. Civil) e da igualdade das partes (art. 3.º-A do Cód. de Proc. Civil)
15) Pedido de custas de parte do Autor e resposta ao mesmo apresentada pela Recorrente que o Tribunal de 1.ª Instância devia e podia ter analisado e conhecido, tomando decisão sobre os mesmos, em respeito e cumprimento pelos princípios da legalidade, do contraditório e da igualdade das partes, e sob pena de, não o fazendo, violar, como violou, tais princípios.
16) Não estando a exposição ou resposta da ré à nota de custas de parte apresentada pela autora sujeita a qualquer tipo de condição, devendo, como tal, ser conhecida e decidida.
IV – SEM PRESCINDIR: DO ELEMENTO TELEOLÓGICO E DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO REGULAMENTO DAS CUSTAS JUDICIAIS – ARTIGO 9.º DO CÓDIGO CIVIL
IV.I - DA OBRIGATORIEDADE DE ENVIO DA NOTA DE CUSTAS DE PARTE PARA A PARTE VENCIDA E PARA O TRIBUNAL E DO CONHECIMENTO OFICIOSO DO TRIBUNAL DOS MONTANTES PAGOS A TÍTULO DE TAXAS DE JUSTIÇA E DE ENCARGOS NO PROCESSO (E DO INERENTE CONTROLO/FISCALIZAÇÃO QUE O MESMO DEVE REALIZAR À NOTA DE CUSTAS DE PARTE)
17) Nos termos do disposto no/na (sublinhado nosso):
▪ artigo 3.º do Regulamento das Custas Processuais: «As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte»;
▪ artigo 26.º, n.º1, 1.ª parte do RCP: «as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas»;
▪ n.ºs 3, 4 e 5 do seu artigo 26.º, há limites quantitativos e qualitativos às custas que uma parte pode exigir à outra;
▪ n.º 3 do artigo 26.º do RCP: «a parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte.»;
▪ artigo 447.º, n.º4 do Código de Processo Civil (Antigo), «as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais»;
▪ primeira parte do n.º1 do artigo 447.º-D do Código de Processo Civil (Antigo), «as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais»;
▪ artigo 24.º, n.º2 do RCP : «No final, os encargos são imputados na conta de custas da parte ou partes que foram nelas condenadas, na proporção da condenação»;
▪ artigo 25.º, n.º1 do RCP, as partes que tenham direito a custas de parte têm de remeter, até cinco dias após o trânsito em julgado, a respetiva nota discriminativa e justificativa, para o tribunal e para a parte vencida.
18) Da leitura, análise e interpretação dos artigos supra referidos resulta que a exigência da remessa da nota de custas de parte simultaneamente para o Tribunal e para a parte vencida (artigo 25.º, n.º1 do RCP) é feita para que o próprio Tribunal fiscalize e verifique da conformidade dos valores constantes da nota com as disposições do Regulamento das Custas Processuais e do Código de Processo Civil que lhe são aplicáveis e com os valores referentes a taxas de justiça pagas e encargos do processo, que são do seu conhecimento oficioso.
19) Caso contrário, apenas previa o envio da nota de custas de parte à parte vencida sem mais ou, quanto muito, além da remessa à parte vencida, previa que a parte vencedora informasse apenas os autos que tinha apresentado a nota de custas à parte vencida, não tendo de a juntar.
20) In casu, o Tribunal recorrido não realizou a notificação às partes da totalidade dos montantes pagos a título de taxas de justiça e de encargos – art. 31.º n.º1 da Portaria n.º 419-A/2009 – mas impunha-se que, sendo conhecedor de tais montantes, aferisse da conformidade dos valores constantes da nota de custas de parte com aqueles, o que também não fez, em violação dos artigos já referidos.
IV.II - DA APLICAÇÃO À RESPOSTA (RECLAMAÇÃO) APRESENTADA À NOTA DE CUSTAS DE PARTE DO REGIME PREVISTO PARA A (PRIMEIRA) RECLAMAÇÃO APRESENTADA À CONTA DE CUSTAS
21) O RCP estabelece regras procedimentais quanto à conta de custas (Vide Capítulo I - «Conta de Custas» - do Título III) e regras procedimentais quanto às custas de parte (artigos 25.º e 26.º).
22) Cada ato inerente ao controlo, apuramento e pagamento de qualquer das parcelas (taxa de justiça, encargos e custas de parte) que integram as custas processuais constitui um ato da conta de custas, em sentido amplo.
23) À conta de custas podem ser apresentadas duas reclamações: a primeira (para «reforma da conta de custas») sem qualquer condição, ou seja, sem o depósito de qualquer valor (art. 31.º, n.º2 do RCP) e a segunda condicionada ao depósito das custas em dívida (art. 31.º, n.º5 do RCP).
24) O RCP não prevê qualquer restrição ou condicionalismo:
▪ ao exercício do contraditório ou à apresentação de resposta/reclamação à nota de custas de parte (art. 25.º e 26.º RCP);
▪ à primeira reclamação apresentada à conta de custas (artigo 31.º, n.º2 RCP) - situação que é mais delicada e relevante por o credor ser o Estado e por corresponder a quantias relacionadas com o financiamento da justiça a que se acedeu e que exigia, quiçá, um regime mais gravoso.
25) E, consequentemente, está vedado à Portaria n-º 419-A/2009:
▪ distinguir e tornar mais onerosa – porque o RCP não o faz - a reclamação ou o exercício do contraditório relativa à nota de custas de parte (exigindo o depósito da totalidade da quantia peticionada na referida nota e independentemente do valor peticionado);
▪ impor tal restrição ou condicionalismo ao direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, sob pena de violar tal direito bem como o princípio constitucional da hierarquia das leis, da preeminência ou superioridade dos atos legislativos – artigos 20.º e 112.º, n.ºs 2, 5, 6 e 7 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
26) Fundamentos pelos quais se deve aplicar à reclamação à nota de custas de parte o mesmo regime da reclamação à conta de custas.
IV.III – DA EXIGÊNCIA EXCESSIVA, NO PRESENTE CASO, DA OBRIGAÇÃO DE DEPÓSITO DA TOTALIDADE DO VALOR DA NOTA DE CUSTAS DE PARTE COMO CONDIÇÃO DE RECEBIMENTO E DE CONHECIMENTO DA RESPOSTA/ RECLAMAÇÃO À NOTA DE CUSTAS DE PARTE
27) A imposição pela Portaria nº 419-A/2009 do depósito da totalidade do valor constante na nota de custas de parte - como requisito para o Tribunal conhecer da resposta (reclamação) apresentada pela parte contrária a tal nota e aferir da conformidade da nota de custas de parte com o constante na lei - não se harmoniza com o «espírito» ou linhas de orientação constantes dos preâmbulos do RCP e da Portaria referida.
28) Depósito da totalidade do valor da nota de custas de parte que o próprio RCP não prevê.
29) Depósito da totalidade das custas de parte que é incompreensível para a recorrente atendendo:
▪ à disparidade abismal de valores apresentados nas notas de custa de parte do Autor (11.598,76€) e da Recorrente (3.423,68€),
▪ ao facto de o valor total da nota de custas de parte apresentada pela Autor à Recorrente ascender a 11.598,76€, sendo que 8.000,00€ destes 11.598,76€ corresponde a parecer académico solicitado e junto aos autos por livre iniciativa do autor (e não oficiosamente pelo Tribunal) e que só à mesma favorecia (como é normal) não sendo tal quantia (8.000,00€) elegível a título de encargos nem, consequentemente, exigível a título de custas de parte.
30) Carácter manifestamente desproporcional, excessivo e oneroso - da exigência do depósito da totalidade das custas de parte (11.598,76€) - que viola o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade – art. 18.º, n.º2 da CRP – e que inibe, em abstrato e no caso concreto, o acesso que a parte e qualquer cidadão comum deve ter ao juiz e ao tribunal, em violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva - artigo 20.º da CRP.
31) Podendo, no limite, acontecer que a parte totalmente vencida na ação remeta para a parte vencedora uma nota de custas de parte com o valor de um milhão de euros e, caso a parte vencida ao exercer o contraditório ou reclamar não deposite ou não comprove o seu depósito, o Tribunal não conhece da reclamação, nem verifica se a nota de custas de parte apresentada se harmoniza ou não com as normas legais aplicáveis e com os montantes pagos a título de taxa de justiça e de encargos, que são do seu conhecimento oficioso.
32) Estão previstos limites qualitativos e quantitativos às custas de parte - no RCP e no Código de Processo Civil – para que o custeamento do processo corra efetivamente por conta de quem lhe deu causa e para impedir o enriquecimento ou locupletamento de qualquer das partes do processo à custa da outra.
33) Podendo tais normas – que estipulam limites qualitativos e quantitativos – ficar, na prática, sem âmbito de aplicação ao se exigir, como se exige, o depósito da totalidade das custas de parte para reclamar da desconformidade das mesmas com as disposições legais que as preveem.
34) O fundamento essencial da resposta/reclamação apresentada pela ré/recorrente assenta no facto de o autor incluir na nota de custas de parte o valor de 8.000,00€ referente a um parecer académico que o próprio Autor, por sua livre iniciativa, solicitou e juntou aos autos, não constituindo tal valor encargo do processo (nem custa de parte), nem a reclamação expediente dilatório.
Acresce que:
35) apesar de estar previsto que a decisão quanto à reclamação à nota de custas de parte é proferida no prazo de dez dias (artigo 33.º, n.º1 da Portaria 419-A/2009), a verdade é que no presente caso o despacho do qual se recorre foi proferido e notificado à Ré/Recorrente cerca de um ano e nove meses depois da apresentação de resposta/reclamação à nota de custas de parte.
36) Se os 11.598,76€ tivessem sido depositados, tinha permanecido nos cofres do estado pelo menos durante esse período de tempo (cerca de 1 ano e nove meses), sem garantia da sua devolução atempada e justa.
37) Tal depósito de 11.598,76€ não se justificava porquanto, na prática - subtraindo os montantes inclusos nos itens 1, 5, 6 e 7 da nota de custas de parte elaborada pelo Autor, por não serem elegíveis como custas de parte, ficava a nota reduzida a 3.348,92€ – os montantes devidos pela ré (3.423,68€) e pela autora (3.348,92€), a título de custas de parte, quase se anulavam reciprocamente.
38) A atitude antijurídica do autor (que exige o pagamento de 11.598,76€ de custas de parte, e nelas incluiu valores exorbitantes – designadamente o parecer académico de 8.000,00€ - que não constituem encargos do processo e que não são elegíveis como custas de parte) ia ser premiada ao exigir-se da ré/recorrente um ónus severo de depósito prévio daquele valor como condição de reconhecimento de que as quantias insertas nos itens 1, 5, 6 (despesas administrativas e de deslocação) e 7 (parecer académico) da nota de custas de parte da autora não eram devidas – em sentido semelhante veja-se a parte final do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com data de 19/02/2014, processo n.º 269/10.2TAMTS-B.P1.
39) Assim, fez o Tribunal recorrido errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos:
▪ 3.º, 24.º, n.º2, 25.º, 26.º, 31.º, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 (RCP);
▪ 3.º, n.º3; 18.º, n.º2; 20.º, n.ºs 1, 4 e 5; 112.º, n.ºs 2, 5, 6 e 7 da Constituição da República Portuguesa;
▪ 2.º da Lei n.º 26/2007, de 23/07;
▪ 3.º, n.º3; 3.º-A; 447.º, n.º4; 447.º- D; 448.º; 447.º-C e 451.º do Código de Processo Civil
▪ 9.º do Código Civil;
▪ 31.º da Portaria n.º 419-A/2009.
40) Devendo ser proferido novo despacho que venha admitir e conhecer da resposta (reclamação) apresentada pela Ré/Recorrente à nota de custas de parte elaborada pelo Autor.

Não foram proferidas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO optou por não emitir parecer.
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É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“Vieram o A. e a R. juntar aos autos a respetiva nota de custas de parte enviada à contraparte.
Sob o título de resposta à nota de custas de parte, veio a R. reclamar da referida nota, alegando que algumas das despesas nela incluídas não se incluem no conceito de custas de parte e outras não se encontram corretamente discriminadas em função da condenação em custas (fls. 562). E de reclamação se trata efetivamente, pois que a R. questiona a natureza das quantias discriminadas na nota e a sua conformidade com a condenação em custas.
A tal resposta/reclamação respondeu o A., pugnando pela sua improcedência e pela correção da nota de custas de parte que apresentou (fls. 576).
Por sua vez, veio também o A. reclamar da nota de custas de parte que lhe foi apresentada pela R., sob alegação de que a mesma é extemporânea e não lhe é exigível o pagamento por ter ocorrido prescrição (fls. 566).
A tal respondeu a R., pugnando pela tempestividade da apresentação da sua nota de custas de parte (fls. 584).
Nos termos do disposto no art. 33° nºs 1 e 2 da Portaria 419-A/2009 de 17/04, na redação dada pela Portaria n° 82/2012 de 29/03, as partes podem reclamar da nota justificativa de custas de parte, mas a reclamação sujeita o reclamante ao depósito da totalidade do valor da nota. Ora, nem a R., nem o A. comprovaram nos autos o depósito da totalidade do valor da nota de custas de parte que reciprocamente receberam da contraparte. Fica, assim, inviabilizada a apreciação das respetivas reclamações.
Pelo exposto, não se admitem as reclamações às notas justificativas de custas de parte reciprocamente formuladas pela R. e pelo A.”
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Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- deve ser admitida a reclamação apresentada pela Ré/Recorrente à nota de custas de parte elaborada pelo Autor?
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ANÁLISE JURÍDICA:
Em 12/12/2012 as partes puseram termo à causa mediante transação em cuja homologação se consignou a aplicabilidade da Lei 7/2012 de 13/02.
Em causa nos autos está o Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, e a Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, na redação dada pela Portaria n.º82/2012, de 29/03. Muito concretamente o que se dispõe no Artº 33º/2 da Portaria 419A/2009, a saber, a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.
Foi esta a norma invocada no despacho recorrido como fundamento para não admitir a reclamação da ora Recrte. à nota justificativa de custas de parte apresentada pelo A..
Alega a Recrte. que, tendo sido publicada a Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, a mesma emana, conforme consta do último parágrafo do seu preâmbulo, do disposto nos artigos 4.º, n.º7; 22.º, n.ºs 5 e 10; 29.º, n.º5; 30.º, n.º3; 32.º, n.º8 e 20.º do Decreto-Lei n.º 34/2008 e «regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e penalidades». O RCP não previu a emanação de portaria para regular qualquer elemento ou procedimento em relação a custas de parte – Vide os seus artigos 25.º («nota justificativa») e 26.º («regime»), do seu Capítulo IV «Custas de Parte», que constituem o regime procedimental das custas de parte. Não podendo, consequentemente, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril estabelecer qualquer regime procedimental referente a tal matéria e, tendo-o feito nos seus artigos 30.º a 33.º, violou: o RCP (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02); a Lei de Autorização n.º 26/2007, de 23 de Julho; o princípio da hierarquia das normas e os artigos 3.º, n.º3; 112.º, n.ºs 2, 5 e 6; 198.º, n.º1, 165.º, n.º1, al. b) da Constituição da República Portuguesa.
Afigura-se-nos que assiste razão à Recrte..
O Artº 533º/1 do CPC (que corresponde ao anterior Artº 447ºD) dispõe que as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais. Decorre do nº 3 que as quantias que compreendem as custas de parte são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.
Por seu turno, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades.
Na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março procedeu-se a uma compatibilização com as inovações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro.
Nessa medida, e por força do disposto no Artº 30º/1 as custas de parte não se incluem na conta de custas, uma vez que as mesmas passaram a ser reclamadas diretamente entre as partes, servindo para o efeito a referida nota discriminativa e justificativa.
Ou seja, a conta do processo tem agora como objetivo discriminar o que cada uma das partes devia ter pago ao longo do processo e aquilo que efetivamente pagou, apurando o saldo dessa relação, sendo as partes que têm de fazer conta àquilo que pagaram, àquilo que de acordo com as condenações em custas deveriam ter suportado e, por aplicação da medida da responsabilidade fixada nessas decisões, calcular o valor a cujo reembolso pela parte contrária têm direito, reclamando esse reembolso diretamente à parte contrária.
O Artº 25.º do Regulamento das Custas Processuais, na versão aplicável aos autos (e na inicial), determina que até cinco dias após o trânsito em julgado... as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa.
Do Artº 26.º decorre que as custas de parte se integram no âmbito da condenação judicial por custas, sendo pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora.
Daqui não emerge, efetivamente, qualquer procedimento ou qualquer dependência de regulamentação.
Salvador da Costa disso mesmo nos dá conta quando, no Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado (2ª ed., Almedina) escreve que “O Regulamento, ao invés do revogado Código das Custas Judiciais, não prevê a reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de parte” (pg. 320), vindo, contudo, a Portaria 419A/2009 a estabelecer o direito de reclamação da mencionada nota justificativa.
Ora, sendo a Portaria um ato regulamentar e legitimando-se a mesma no disposto nos Artº 4º/7, 22º/5 e 10, 29º/5, 30º/3, 32º/8 e 20º do Regulamento das Custas Processuais, não podemos senão sufragar o entendimento de que a mesma inovou ao criar o procedimento consignado no Artº 33º.
Na verdade, e tal como alegado, as portarias são regulamentos ministeriais, ou seja, atos normativos emanados do Governo no âmbito da sua atividade administrativa, pelo que o Direito criado pelos mesmos não possui o mesmo valor que o estatuído na lei ou no decreto-lei. O regulamento ou portaria só pode estatuir na medida em que a lei lho consinta, ou seja, dentro dos limites por ela marcados.
Nessa medida, concordamos com a Recrte. quando alega que não pode, em consequência, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril estabelecer qualquer regime procedimental referente a tal matéria e, tendo-o feito nos seus artigos 30.º a 33.º, violou: o RCP (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02) e o princípio da hierarquia das normas.
Que conclusão retirar relativamente ao processo?
Que não há lugar a reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de partes?
Ou, admitir tal reclamação, por força do princípio geral do contraditório, subjacente a todo o processo na ordem jurídica nacional e internacional em que nos integramos?
Parece ser esta a opção que mais se coaduna com o espírito do sistema.
E, assim, admitir-se-á a reclamação sem dependência de qualquer depósito.
Nessa medida, reclamando-se a prolação de novo despacho que venha admitir e conhecer da resposta (reclamação) apresentada pela Ré/Recorrente à nota de custas de parte elaborada pelo Autor, procede a apelação.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar (na parte afetada) o despacho recorrido, ordenando a prossecução do incidente.
Custas pela Recrte.
Notifique.
Manuela Bento Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga