Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
85/12.7TBFLG.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo e de um número significativo de contratos --- dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna --- é a de serem celebrados em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (o proponente, ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão; fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré-formuladas por outrem.
2 - Nesta noção, avultam três características essenciais na definição dos contratos de adesão em sentido estrito: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez.
3 - São contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou condições gerais previamente redigidas. Por isso, a aludida predisposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, hoc sensu, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas.
4 - O aderente limita-se a aceitar o texto que a outra parte contratual lhe oferece, sem qualquer possibilidade de alteração. Por isso, o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado.
5 - Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes.
6 - Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na aceção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.
7 - Nesta perspectiva, e por um argumento de maioria de razão, não é a natureza negociável de um ou outro aspeto da relação contratual que pode afastar a aplicabilidade do regime de proteção a outro clausulado estabelecido para a mesma relação em termos que não sejam alteráveis pelo destinatário.
8 - Daí que para a apreciação da validade de uma única cláusula do conteúdo contratual à luz da disciplina das CCG não seja indispensável a constatação da existência de um contrato de adesão propriamente dito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO:
J.. intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra a .. Companhia de Seguros SPA pedindo que o tribunal condene a ré a pagar a quantia de € 20.730,47, acrescida de juros vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
A fundamentar este pedido alegou que acordou com a ré um contrato de seguro que, entre outras coisas, previa o pagamento de uma determinada quantia em caso de furto na casa do autor.
Acontece que a casa do autor foi furtada tendo desaparecido bens, que figuravam como parte do recheio da habitação, no valor de € 23.295,00. Uma vez que o valor do seguro para os casos de furto, era de € 61.999,56 o autor tem direito a receber a quantia relativa aos bens furtados com um limite correspondente a 30% do valor global do seguro.
Citada a ré contestou dizendo em síntese que no que concerne ao contrato em causa estava em vigor uma proposta de seguro, que junta aos autos, que previa como valor máximo para os furtos € 5000,00, com as devidas actualizações
Seguindo este argumento da ré, o autor tem direito a receber a quantia de € 5006,10, aplicando-se a regra proporcional prevista no artigo 14º, n.º 1 das condições gerais da apólice de seguro.
O segundo argumento é o de que, ainda que se considere que o valor global do seguro em causa é de € 61.999,56, sempre o autor apenas teria direito a receber a quantia de € 6998,50. Isto porque se deve aplicar ao caso concreto a norma prevista no artigo 13º, ponto 1.3 das condições gerais, que impõe que em caso de furto o tomador tem apenas direito a receber 30% do valor dos bens furtados.
Foi proferido despacho saneador- que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantêm – organizada matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído processo e realizada a audiência.
O Tribunal proferiu decisão sobre a matéria de facto sem reclamações.
No final foi proferida a seguinte decisão
"Em face de todo o exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente:
a) Condena a Ré a pagar ao autor a quantia de € 18.559,87 (dezoito mil quinhentos e cinquenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos, à taxa legal de juros civis, nos termos peticionados; e
b) Absolve a Ré dos restantes pedidos formulados.
c) Custas pelo Autor e pela Ré, na proporção do decaimento, que se fixa em 10% para o Autor e 90% para a Ré.
Registe e notifique".
Inconformada a ré veio interpor recurso da sentença no qual apresenta as seguintes conclusões:
I) A parte do contrato de seguro aqui em apreço, a das respectivas condições particulares, não poderá considerar-se sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais, não tendo resultado de um mero contrato de adesão, estando, pois, como esteve, na livre disponibilidade das partes, não só quanto à sua celebração, como também no que se refere ao seu clausulado, de acordo com o princípio da liberdade contratual. Ao assim considerar, o tribunal recorrido fez, desde logo, uma errada aplicação do previsto naquele citado diploma legal, designadamente, do preceituado no art.º 11º nº 2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que norteou toda a interpretação por parte do tribunal a quo do contrato de seguro objecto dos autos.
II) A apólice de seguro em apreço era titulada pelas respectivas condições gerais, especiais e particulares e pela respectiva proposta de seguro tendo por objecto seguro o edifício e o respectivo conteúdo ou recheio, sendo que este conteúdo incluía o conteúdo genérico e o conteúdo especial.
III) Nas «condições particulares» da apólice em apreço previu-se, para garantia dos conteúdos (genérico e especial) o capital seguro de € 60.000,00, sendo que na «proposta de seguro» que levou à emissão da mesma apólice, o apelado indicou, para garantia do conteúdo genérico o capital seguro de € 55.000,00, e para garantia do conteúdo especial, o capital seguro de € 5.000,00 (actualizado para € 5.166,63), proposta que foi aceite pela apelante e que deu origem ao contrato em apreço.
IV) O valor dos bens seguros (valor em risco) pelo conteúdo especial era o de € 23.295,00, e o valor do capital seguro (valor seguro) para os mesmos bens era o de € 5.166,63, pelo que, aquele valor era, pois, muito superior a este último.
V) Impõe-se, como tal, a aplicação aqui da regra proporcional prevista no artº 14º/1 das «condições gerais» da apólice de seguro e no artº 134º do RJCS.
VI) Com a aplicação desta regra a indemnização a pagar pela apelante ao apelado pela cobertura do conteúdo especial em causa é, portanto, a de € 5.006,10 e não o montante a que foi aquela condenada a pagar ao apelado.
VII) O contrato de seguro em apreço é um seguro de danos e de coisas, pelo que, em face do disposto nos artºs 123º e seguintes do RJCS, o valor total do conteúdo seguro a que se refere o primeiro parágrafo do citado ponto 1.3. do artº 13º das «condições gerais» da apólice é o valor em risco, ou seja, é o valor dos bens seguros à data do sinistro.
VIII) Compete ao tomador do seguro indicar o capital seguro (cf. artº 13º das «condições gerais») no caso do conteúdo especial e porque aquela obrigação, em relação a ele, não foi cumprida, esse prejuízo fica limitado a 30% do seu valor, sendo esta a interpretação a dar ao citado artº 13º/1.3 das «condições gerais» da apólice.
IX) Os bens descritos no ponto 9 da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido da petição integravam o conteúdo especial coberto pela apólice em apreço, sendo que o valor deles ascendia a € 23.295,00, como tal, por força do citado ponto 1.3. do artº 13º das «condições gerais» da apólice, o limite de indemnização a receber pelo autor não poderá, pois, exceder os € 6.988,50 (€ 23.295,00 x 30%), valor que, na hipótese aqui em apreço, deverá ser, no máximo, atribuído ao apelado.
X) Por tudo o exposto, fez o tribunal a quo uma errada aplicação do disposto nas condições gerais e particulares do contrato de seguro em causa, bem como dos artigos artº 128º, 130º, 131º e 134º, todos do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, devendo, pelos motivos expostos, ser a sua decisão alterada conforme atrás concluído.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, alterando-se a sentença recorrida conforme atrás concluído, com o que se fará
O autor contra alegou apresentando recurso subordinado com as seguintes conclusões
1ª - A douta sentença de fls. , não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, pelo que enferma da nulidade da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
2ª – A douta sentença recorrida ( na parte decisória) não se pronunciou sobre o valor relativo à perda dos objetos de conteúdo genérico apurados no ponto 11 da fundamentação de facto da sentença e que são indemnizáveis no contexto dos valores correspondente aos restantes 70% do capital seguro, ou seja, do conteúdo genérico.
3ª - Somando os diversos valores apurados nos pontos 11 e 12 da fundamentação de facto, verifica-se que o valor dos bens do conteúdo genérico é de 1.614,00€, valor que corresponde ao apurado pela ré, acrescido de 150,00€ do PC e-escolas.
4ª - Por outro lado, a sentença contem outra omissão, pois não decide sobre a indemnização relativa aos danos no edifício seguro, apesar de no ponto 13 da fundamentação de facto ter ficado apurado que, em consequência do furto, o edifício sofreu danos na portada da janela da cozinha, no montante de 516,00€.
5ª - Esta verba relativa à portada da janela da cozinha está coberta pelo capital de 250,000,00€ de cobertura do edifício.
6ª - Se não tivessem ocorrido estas omissões na sentença recorrida, o total da indemnização arbitrada ao autor seria de 20.729,87€, a saber:
d) 18.559,87€ pela perda de objectos do conteúdo especial ( ouro);
e) 1.614,00€ pela perda dos objectos do conteúdo genérico;
f) 516,00€ pelos danos causados no edifício ( portada da janela da cozinha).
7ª – Devem suprir-se a invocada nulidade e corrigir-se a sentença no sentido da apelada companhia de seguros ser condenada, para além da indemnização de 18.5559,87€ já arbitrada, a pagar ao apelante a quantia de 1.614,00€ a titulo de indemnização pela perda do objectos do conteúdo genérico e a quantia de 516,00€ pelos danos causados na portada da janela do edifício seguro.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, alterando-se a sentença recorrida conforme o alegado na conclusão 7ª, condenando-se a apelada na totalidade das custas, com o que se fará JUSTIÇA!
A ré contra alegou pugnado pela improcedência do recurso subordinado.
Determinada a baixa dos autos para se dar cumprimento ao disposto no artº 670º do CPC quanto à nulidade invocada foi mantida a decisão proferida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Versando o recurso unicamente sobre matéria de Direito --- as parte não põem em causa a matéria de facto dada como provada ou não provada pelo tribunal a quo e considerada na sentença recorrida --- este tribunal tê-la-á como assente.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações.
Assim, as questões a decidir traduzem-se em saber se:
. o contrato celebrado entre A. e R. configura ou não um contrato de adesão
. interpretação de clausulas do contrato
. a sentença é nula por omissão de pronúncia

FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Factos considerados provados na decisão recorrida
1- O autor é dono do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão e andar, sito na Rua .., Felgueiras, inscrito na matriz predial urbana sob o número...
2- O autor vive em permanência na casa referida em 1.
3- O autor pagou o prémio de seguro relativo ao contrato descrito infra, em 23 de Julho de 2009.
4- O contrato de seguro descrito infra foi celebrado pelo prazo de um ano e seguintes e teve o seu início em 31.07.2009.
5- O texto do contrato de seguro não foi sujeito a qualquer alteração posterior e mantêm-se actualmente em vigor.
6- Inicialmente o capital seguro foi € 250.000,00 para o edifício e € 60.000,00 para o conteúdo.
7- No período compreendido entre as 9 horas do dia 16 de Setembro de 2011 e as 18 horas do dia 18 de Setembro de 2011, desconhecidos apropriaram-se do interior do prédio do autor, descrito em 1., tendo para o efeito estroncado, arrombado e partido o fechado da janela de acesso à cozinha, retirando depois, bens em ouro, produtos, artigos e causado danos.
8- O autor apresentou queixa no Tribunal Judicial de Felgueiras tendo o competente inquérito sido arquivado.
9- No circunstancialismo de tempo, lugar e modo descritos anteriormente, foram retirados da residência do autor, os seguintes objectos em ouro:
- 1 anel de curso, no valor de € 500,00;
- 1 anel de noivado, cujo valor a Ré apurou em €900,00;
- 1 anel de 25 anos de casada, cujo valor a Ré apurou em €1.400,00;
- 15 anéis variados, cujo valor por peça a Ré apurou em €200,00, no global em € 3.000,00;
- 1 par de brincos 25 anos casada, cujo valor a Ré apurou em €1.000,00;
- 4 pares de brincos, cujo valor global a Ré apurou em €1.200,00;
- 4 livras, cujo valor a Ré apurou em €1.000,00;
- 4 fios com crucifixo, cujo valor global a Ré apurou em €1.200,00;
- 5 fios com fantasias, cujo valor por peça a Ré apurou em €900,00 e no global em € 4.500,00;
- 1 fio antigo com várias voltas, cujo valor a Ré apurou em €1.450,00
- 10 pulseiras, cujo valor global a Ré apurou em €2.400,00;
- 6 pulseiras com bolas, cujo valor global a Ré apurou em €2.400,00;
- 3 broches, cujo valor a Ré apurou em €900,00;
- botões de punho, cujo valor a Ré apurou em €250,00;
- 1 relógio Mont Blanc, cujo valor a Ré apurou em €1.195,00.
10- Os valores apurados pela Ré dos descritos objectos em ouro foram comunicados ao A. por correio electrónico.
11- Foram também retirados da residência do A. os seguintes objectos do conteúdo genérico:
- 1 relógio Longines, no valor apurado pela Ré de €480,00;
- 1 relógio Gucci, no valor apurado pela Ré de €340,00;
- 1 relógio Eletta, no valor apurado pela Ré de €95,00;
- 1 PC Toshiba NB250-10Q, no valor apurado pela Ré de €279;00;
-1 PC Toshiba E-Escola, no valor apurado pela Ré de €150,00;
12- O PC E-Escolas é um portátil de 15 polegadas, sendo que actualmente o PC Toshiba de 15 polegadas mais barato do mercado custa pelo menos €300,00.
13- Em consequência do furto, o edifício sofreu danos na portada da janela da cozinha.
13- Para reparação da portada a Ré aceitou pagar a verba de € 420,00, acrescida de IVA no montante de €96,60, ou seja, o montante de €516,60.
14- A ré propôs ao autor uma indemnização de € 5.006,10 a título de compensação pela perda dos bens do conteúdo especial.
15- A Ré fundamentou a sua posição no facto de na proposta de seguro, datada de 31 de Julho de 2009, constar o valor de € 5.000,00 para conteúdo especial genérico.
16- A apólice nº 0314 10082535 000 que titula o contrato foi emitida automaticamente, também em 21/7/2009, com base nos elementos da proposta de seguro junta aos autos a fls. 16 e seguintes.
17- O A. optou por não discriminar e valorizar peça a peça e/ou colecção a colecção os bens do conteúdo especial.
18- À data do sinistro o valor total do conteúdo seguro aposto no contrato, era de 61.999,56 euros (valor actualizado).
19- A reparação da portada da janela da cozinha teve um custo de € 516,60.
20- Entre as partes foi acordado um negócio jurídico denominado “.. Casa” constante de fls. 16 a 66, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que contêm os seguintes dizeres:
“Condições particulares: apólice 0314 10082535000
Emissão 21-07-2009.
Tomador do seguro: J..
Morada: Rua .., Felgueiras.
Prazo… um ano e seguintes.
Objecto seguro: Edifício e conteúdo.
Local dos bens: Rua .., Felgueiras.
(…)
Habitação permanente: Sim.
Garantias
Edifício
Cobertura base… capitais 250.000,00
Conteúdos
Cobertura base… capitais 60.000,00
Totais… 310.000,00
(…)
Condições/cláusulas especiais
Nos termos do ponto 1.3 do artigo 13º das condições gerais da apólice, fica convencionado que, quando não exista valorização e discriminação dos bens abrangidos pelo conteúdo especial, a indemnização máxima será de 30% do valor total do seguro para o conteúdo, com o limite de € 1500,00 por cada objecto.
Do âmbito da garantia de responsabilidade civil familiar ficam excluídos os animais perigosos ou potencialmente perigosos (…).
*
.. Casa condições gerais da apólice
Artigo 3º - Riscos cobertos
b.3 Furto e roubo
Garante os danos sofridos pelos bens seguros devido a destruição, perda ou deterioração em consequência de furto qualificado ou roubo, tentado ou consumado, apenas quando se verificar uma das seguintes situações:
(…)
. os autores do crime penetrarem no estabelecimento por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
(…)
Artigo 13º - Capital seguro
1.3 Conteúdo especial
Quando o segurado não discriminar e valorizar estes bens (peça a peça e/ou colecção a colecção), em caso de sinistro o limite da indemnização para este efeito é de 30% do valor total do conteúdo seguro, no seu conjunto e no máximo de 1496,40 € por objecto, salvo convenção em contrário expressa nas condições particulares. Caso exceda essa percentagem, haverá lugar à aplicação da regra proporcional nos termos do artigo 3º destas condições gerais.
Entende-se por valor de substituição em novo o custo de aquisição do objecto seguro no momento do sinistro sem qualquer dedução relativa ao seu uso e estado de conservação.
Artigo 14º - Insuficiência ou excesso de capital
Salvo convenção em contrário expressa nas condições particulares, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao valor dos bens seguros, determinado nos termos do artigo anterior, o tomador de seguro ou o segurado responderá pela parte proporcional dos prejuízos, como se fosse segurador do excedente, excepto se se verificar a situação prevista no ponto 10. do artigo 15º. Sendo, pelo contrário, tal quantia superior, o seguro só é válido até à concorrência do custo de reconstrução ou ao valor matricial no caso de edifícios para expropriação ou demolição, ou até à concorrência do valor dos bens, nos termos do artigo anterior.
Artigo 15º Actualização automática de capital
1. Salvo convenção em contrário, expressa nas condições particulares, fica acordado que, em obediência ao que decorre da própria lei, o capital seguro pelo presente contrato, constante das condições particulares, relativamente a conteúdos e edifícios, será automaticamente actualizado, em cada vencimento anual, de acordo com as variações do índice respectivo (IRH- índice de recheio, IE índice de edifício e IRHE – índice de recheio e edifício) publicado trimestralmente pelo instituto de seguros de Portugal.
20- Em sede extrajudicial, a ré avaliou os bens indicados pelo autor.
21- Tal avaliação foi feita com base nas declarações do autor, sem a exibição de qualquer documento.

Dos autos, fls. 97-98, consta um documento intitulado “.. Casa, Proposta de Seguro”, sem se encontrar assinado no respectivo local e com os seguintes dizeres:
“Objecto seguro
Edifício ou fracção
Capitais € 250.000,00
Conteúdo normal da habitação
(Custo de substituição em novo dos bens)
Genérico € 55.000,00.
Sub-Total (Conteúdo normal) € 55.000,00.
Conteúdo especial da habitação
Conteúdo especial genérico (valor unitário – 1500 eur) … € 5.000,00.
(…)”.

De Direito
Descritos os factos, debrucemo-nos sobre o thema decidendum do recurso.
Na origem do litígio dos autos/recurso está um contrato de seguro – é absolutamente pacífica – celebrada entre autor e ré.
Ora o contrato de seguro é “o contrato aleatório por via do qual uma das partes (o segurador) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer”- Pedro Romano Martinez , Direito dos Seguros-Apontamentos 2006 pág 52.
As partes, ao celebrarem o contrato, assumem que, em consequência de circunstâncias fortuitas, uma delas possa ganhar e outra possa perder, não podendo estas reagir contra o desequilíbrio patrimonial do contrato (ao contrário do que sucede nos contratos cumulativos), porquanto “os negócios aleatórios são negócios de risco (…), e o risco desse desequilíbrio é voluntária e conscientemente assumido, como próprio do contrato” – Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2007 , 4ª edição pp 449.Assim, o contrato de seguro, em face da ausência de definição legal, tem-se como o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição do tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto – José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999 pp 94.
Era um contrato formal sendo actualmente a forma escrita apenas um requisito ad probationem, bilateral ou sinalagmático (dele resultam obrigações para ambas as partes, visto a prestação da seguradora consistir na suportação do risco, por contrapartida do recebimento do prémio), oneroso (dele resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspetivo sacrifício patrimonial), aleatório (a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto) e de execução continuada (a sua execução prolonga-se pela vida do contrato, facto que determina, designadamente, a eficácia "ex nunc" da resolução).
Sendo o contrato de seguro um contrato de boa-fé, impõe-se que as partes implicadas na sua formação – tomador, segurador e segurado – revelem mutuamente todas as circunstâncias que possam afetar o risco, previamente à celebração do contrato.
Num contrato de seguro facultativo são as partes que, nos termos do art.º 405° do Código Civil, fixam a livremente o conteúdo do contrato, dentro dos limites da lei, maxime, definindo o âmbito das garantias, a amplitude da cobertura do seguro, bem como dos riscos cobertos.
Uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo e de um número significativo de contratos --- dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna --- é a de serem celebrados em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (o proponente, ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão; fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré-formuladas por outrem.
Nesta noção, avultam três características essenciais na definição dos contratos de adesão em sentido estrito: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez.
São contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou condições gerais previamente redigidas. Por isso, a aludida predisposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, hoc sensu, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral , Tomo I pp 415 a 417.
O aderente limita-se a aceitar o texto que a outra parte contratual lhe oferece, sem qualquer possibilidade de alteração. Por isso, o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado.
Esta asserção reconduz-nos ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro - alterado pelo Dec lei 220/95 de 31de Agosto com declaração de rectificação nº 114-B/95 de 31 de Agosto, dEc Lei nº 249/99 de 07 de Junho edec Lei nº 323/2001 de 17 de Dezembro que vamos designar por RJCCG.
Ninguém duvida de que o contrato de seguro em causa, não foi negociado pelas partes, sendo constituído por um clausulado a que a A. se limitou a aderir por via da mera subscrição. De facto , a simples análise do contrato escrito junto aos autos inculca a ideia em face da sua extensão e conteúdo, da predefinição do seu clausulado geral, onde se inserem as cláusulas que agora diretamente se discutem no âmbito da questão da interpretação que constitui objeto da apelação.
Diz a ré que a parte do contrato de seguro aqui em apreço, a das respectivas condições particulares, não poderá considerar-se sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais, não tendo resultado de um mero contrato de adesão, estando, pois, como esteve, na livre disponibilidade das partes, não só quanto à sua celebração, como também no que se refere ao seu clausulado, de acordo com o princípio da liberdade contratual.
Antes de mais, cumpre referir que esta questão não foi colocada na primeira instância e por tal objecto de apreciação e decisão, logo não poderá ser objeto de apreciação por este Tribunal chamado a intervir apenas para apreciar decisões já tomadas.
Todavia, sempre incumbia á ré a alegação e prova de que qualquer cláusula contratual de cujo conteúdo pretenda prevalecer-se resultou de negociação prévia entre as partes (art.º 1º, nº 3, do RJCCG). Ónus este que a ré não teve.
Acresce dizer que, uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes.
Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na acepção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.
Como salienta Araújo de Barros in Clausulas contratuais Gerais, Coimbra, Editora 1ª edição pp 33-34. “do que se trata é de cláusulas e não de contratos”, “pelo que todos os contratos, à excepção dos expressamente excluídos no art.º 3º do DL nº 446/85, estão (e não estão) a priori abrangidos pela disciplina daquele diploma”.
Nesta perspectiva, e por um argumento de maioria de razão, não é a natureza negociável de um ou outro aspecto da relação contratual que pode afastar a aplicabilidade do regime de protecção a outro clausulado estabelecido para a mesma relação em termos que não sejam alteráveis pelo destinatário.
Daí que para a apreciação da validade de uma única cláusula do conteúdo contratual à luz da disciplina das CCG não seja indispensável a constatação da existência de um contrato de adesão propriamente dito.
Todavia, sempre se dirá que a característica da inserção em formulário ou num modelo pré-elaborado e impresso do conjunto das cláusulas determinantes da vontade negocial das partes leva naturalmente a que o intérprete presuma a sua não negociabilidade, devendo essa configuração levar à qualificação do contrato como de adesão.
O contrato invocado pela A. nos presentes autos não escapa a este perfil: basta atentar na extensão e detalhe do seu convencionado, discriminando e positivando um vasto leque de condições gerais, precedendo as denominadas condições particulares - sendo de notar que nem sequer foram preenchidos espaços deixados em banco com os elementos individualizadores do contrato antes até aqui nesta parte do contrato já está tudo preenchido em igual impressão - para logo se perceber que estamos perante conteúdo contratual resultante de cláusulas pré-elaboradas pela ré., ora apelante.
É verdade que, via de regra, sem o destinatário o invocar – uma vez que as referidas “predisposição unilateral” e “generalidade” raramente se podem dar como demonstradas a partir do documento/invólucro contratual – será difícil ao tribunal concluir pela qualificação dum contrato como de adesão individualizado.
Todavia, insiste-se, perante um documento/invólucro contratual tão típico, em termos de detalhe, do que normalmente é um contrato de adesão individualizado formado a partir de ccg e sendo todo esse detalhe designado/intitulado de “Condições Gerais” – incutindo claramente a ideia de serem as condições que a ré/apelante tem a iniciativa de propor à multiplicidade de contraentes potenciais e de haver uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual – é forçoso concluir pela qualificação do contrato sub judice como de adesão individualizado; em que a ré/predisponente não deu ao autor/destinatário grande possibilidade/oportunidade de influenciar o projecto/conteúdo de clausulado, a não ser em aspectos de pormenor, que não incidiram/modificaram o essencial do clausulado previamente elaborado/apresentado.
São-lhe pois aplicáveis as especialidades do DL 446/85, de 25-10, com as alterações já enunciadas, nos termos referidos pela Sra Juiz Julgadora.
Prosseguindo
A R. seguradora pretende valer-se de determinada norma do contrato para considerar que a sua obrigação de indemnizar é inferior à fixada na sentença, por sua vez o autor pretende o contrário.
É, portanto, uma questão de interpretação do contrato de seguro em causa mais concretamente, sob a epígrafe “Agravamento do risco, Capital seguro; Insuficiência ou excesso de capital, actualização automática do capital e coexistência de contratos ”das Condições Gerais da Apólice, art 1.3 ponto 1.3 que reza assim:
“ Conteúdo Especial
Quando o Segurado não discriminar e valorizar estes bens, ( peça a peça e/ou colecção a colecção) , em caso de sinistro o limite de indemnização para este efeito é de 30% do valor total do conteúdo seguro, no seu conjunto e no máximo de 1496,40 euros por objecto, salvo convenção em contrário expresso nas condições particulares. Caso exceda essa percentagem, haverá lugar à aplicação da regra proporcional nos termos do artº 3 destas condições gerais.
Entende-se por valor de substituição em novo o custo de aquisição do objecto seguro no momento do sinistro sem qualquer dedução relativa ao uso e estado de conservação".
Na perspetiva da apelante, da leitura da norma exposta, resulta "A apólice de seguro em apreço era titulada pelas respectivas condições gerais, especiais e particulares e pela respectiva proposta de seguro tendo por objecto seguro o edifício e o respectivo conteúdo ou recheio, sendo que este conteúdo incluía o conteúdo genérico e o conteúdo especial.
Nas «condições particulares» da apólice em apreço previu-se, para garantia dos conteúdos (genérico e especial) o capital seguro de € 60.000,00, sendo que na «proposta de seguro» que levou à emissão da mesma apólice, o apelado indicou, para garantia do conteúdo genérico o capital seguro de € 55.000,00, e para garantia do conteúdo especial, o capital seguro de € 5.000,00 (actualizado para € 5.166,63), proposta que foi aceite pela apelante e que deu origem ao contrato em apreço.
O valor dos bens seguros (valor em risco) pelo conteúdo especial era o de € 23.295,00, e o valor do capital seguro (valor seguro) para os mesmos bens era o de € 5.166,63, pelo que, aquele valor era, pois, muito superior a este último.
Impõe-se, como tal, a aplicação aqui da regra proporcional prevista no artº 14º/1 das «condições gerais» da apólice de seguro e no artº 134º do RJCS.
Com a aplicação desta regra a indemnização a pagar pela apelante ao apelado pela cobertura do conteúdo especial em causa é, portanto, a de € 5.006,10 e não o montante a que foi aquela condenada a pagar ao apelado.
O contrato de seguro em apreço é um seguro de danos e de coisas, pelo que, em face do disposto nos artºs 123º e seguintes do RJCS, o valor total do conteúdo seguro a que se refere o primeiro parágrafo do citado ponto 1.3. do artº 13º das «condições gerais» da apólice é o valor em risco, ou seja, é o valor dos bens seguros à data do sinistro.
Compete ao tomador do seguro indicar o capital seguro (cf. artº 13º das «condições gerais») no caso do conteúdo especial e porque aquela obrigação, em relação a ele, não foi cumprida, esse prejuízo fica limitado a 30% do seu valor, sendo esta a interpretação a dar ao citado artº 13º/1.3 das «condições gerais» da apólice.
Os bens descritos no ponto 9 da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido da petição integravam o conteúdo especial coberto pela apólice em apreço, sendo que o valor deles ascendia a € 23.295,00, como tal, por força do citado ponto 1.3. do artº 13º das «condições gerais» da apólice, o limite de indemnização a receber pelo autor não poderá, pois, exceder os € 6.988,50 (€ 23.295,00 x 30%), valor que, na hipótese aqui em apreço, deverá ser, no máximo, atribuído ao apelado"
Já a sentença, em consonância –em parte com a posição que o autor deixou nos autos, entende que as regras de interpretação aplicáveis impõem o entendimento de que o contrato prevê o ressarcimento dos prejuízos tendo em linha de conta o valor dos bens furtados, estipulando-se como limite máximo de tal indemnização 1500,00 euros por artigo e 30% do valor global do seguro previsto para o conteúdo , ou seja, no caso concreto 30% de 61 999,56 euros,
E entende bem; vejamos porquê.
Em primeiro lugar cumpre referir que a factualidade descrita nas conclusões III a VI e reportada a uma pretensa e existente apólice de seguro junta aos autos a fls 97e 98 alegada pela ré na sua contestação nos arts 16 a 20 da contestação não se provou. Antes quanto a tal factualidade apenas se provou o seguinte: Artigos 16º a 20º- Provado apenas que dos autos , fls 97-98 consta um documento intitulado “ .. Casa, Proposta de Seguro”, sem se encontrar assinado no respectivo local com os seguintes dizeres …
Ou seja, apenas se prova a existência do documento e não que seja esta a proposta de seguro que foi acordada com o autor e que serviu de base ás declarações que constam da apólice deste contrato, dele fazendo parte integrante.
A ser assim como é, não é possível retirar as ilações que a ré retira do conteúdo de tal documento nos termos que constam das ditas conclusões, sobretudo a conclusão de que houve valorização e discriminação dos bens abrangidos pelo conteúdo especial não sendo de aplicar o previstos no ponto 1.3 do art.º 13 das condições da apólice.
Cumpre nesta altura referir que, se verifica que a redação do art.º 16 dos factos provados não está correcta.
De facto, do estudo feito nos autos concluímos que, esta factualidade pretende ser a transcrição do alegado pelo autor no art.º 33 da p.i factualidade esta admitida por acordo das partes, nos termos que constam da acta de fls 135.
A esta conclusão também chegamos porque, se verifica que o documento a que se faz referência no art.º 16 não se intitula nem se trata da proposta de seguro mas é a apólice. Depois na versão da ré a existir proposta de seguro a mesma constará do documento que juntou a fls 97 e 98 e supra referenciado, factualidade esta não provada nos termos já mencionado.
Também no art.º 11 falta a referência ao relógio Calvin Klein no valor de 120,00 identificado no doc nº 6 junto aos autos (fls 77) como sendo objecto furtado e que a ré avaliou admitindo como furtado. Entende-se que, essa falta é devida a lapso manifesto quer da petição quer da sentença pois quer na petição inicial quer na fundamentação da matéria de facto remete-se para os documentos juntos aos autos como comprovativos dos bens furtados.
Acresce que, o valor descrito na petição inicial como sendo o total destes bens furtados corresponde ao somatório indicado pela ré no documento junto com o nº6 no qual se incluiu o relógio Calvin Klein no valor de 120.00 euros. Depois não se considera não provado que este relógio não tenha sido furtado.
Sendo assim, ao abrigo do disposto no art.º 662 nº1do NCPC/anterior 712º a redacção de tais artigos deve ser a seguinte:
Artº 16º
A apólice nº 0314 100825 000 que titula o contrato foi emitida automaticamente também em 21,07,2009 com base nos elementos da proposta de seguro registados informaticamente.
E a do artº 11
Foram também retirados da residência do A. os seguintes objectos do conteúdo genérico:
- 1 relógio Longines, no valor apurado pela Ré de €480,00;
- 1 relógio Gucci, no valor apurado pela Ré de €340,00;
- 1 relógio Eletta, no valor apurado pela Ré de €95,00;
- 1 relógio Calvin Klein no valor apurado pela ré de 120.00
- 1 PC Toshiba NB250-10Q, no valor apurado pela Ré de €279;00;
-1 PC Toshiba E-Escola, no valor apurado pela Ré de €150,00;
Segue-se por fim apreciar a questão da interpretação do documento que constitui a apólice do contrato com as suas condições particulares e gerais.
Documento este que formaliza o contrato de seguro nos termos exigidos pelo art.º 32 nº2 da Lei do Seguro.
Como escreve Pedro Martinez e outros no livro “ Lei do Contrato de Seguro Anotada, edição 2009 da Almedina pp 170 e 171 "Continua assim a ser exigida a forma escrita para o contrato de seguro, mas apenas para efeitos de prova, sabendo-se que a redução a escrito visa em geral, proporcionar ás partes oportunidade de reflectir sobre o seu conteúdo, contribuir para a certeza do teor das clausulas contratuais e, quando seja o caso, facilitar o seu conhecimento por terceiros; a redução a escrito é particularmente importante quanto á precisa definição das garantias e funcionamento do contrato.
A lei designa expressamente por apólice de seguro ( nº2) a formalização do contrato, isto é, todo o conteúdo do acordado pelas partes ( art.º 37 nº1) …
A entrega da apólice que constitui simultaneamente um direito do tomador do seguro continua a ser um importante elemento de consolidação do contrato devendo além de outros elementos ser assinada pelo segurador …"
Por sua vez e afastando a possibilidade da ré invocar o teor do documento que juntou a fls 97 e 98 temos o disposto no art.º 34 nº3 da citada Lei que preceitua o seguinte “ Entregue a apólice de seguro não são oponíveis pelo segurador cláusulas que dela não constem, sem prejuízo do regime do erro negocial.
Passando pois à interpretação do citado documento, é conhecida a regra legal essencial na interpretação dos contratos: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art.º 236º, nº 1, do Código Civil). É generalizadamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objetivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art.º 237º, também do Código Civil).
Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 238º, nº 1, do Código Civil).
Também em matéria de interpretação, que aqui nos interessa especialmente, o contrato de seguro não se afasta das regras gerais do direito civil, previstas nos citados art.º 236º e 237º.
No regime jurídico contratual português impera a regra da autonomia da vontade, permitindo-se às partes que fixem livremente o conteúdo dos contratos que celebrem, dentro dos limites da lei (art.º 397º e 405º do Código Civil). A esta regra não escapa o contrato de seguro, tal é a interpretação dos arts 11º e sgs da citada Lei do Seguro.
O declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objeto, vale dizer ao “âmbito do contrato” nas suas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos” adotando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que claramente se apresentem em tal conteúdo” - Ac STJ de 08.03.2012 proc 2187/08.5 VLSBL1.S1 im www.dgsi.pt e José Vasques, Contrato de seguro pp 350 e 355.
Numa interessante síntese, Ferrer Correia- Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Juridico pp 201 , defende que o declarante responde “pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela”.
Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2 do citado art.º 236º).
Entre as circunstâncias atendíveis, deve levar-se em conta, nomeadamente, as precedentes relações entre declarante e declaratário sobre o assunto objeto da declaração, as negociações prévias, a envolvência do conjunto negocial em que, porventura, ela esteja inserida, os interesses em jogo, os usos da prática em matéria terminológica, e o modo como, posteriormente, foi dada execução ao negócio, a finalidade prosseguida pelo declarante, os usos e os hábitos do declarante e a conduta das partes após a conclusão do negócio – Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil 3ª edª 450/1.
Como resultado final da interpretação deve sempre prevalecer o sentido objetivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, mas supondo-o uma pessoa razoável (e não mais do que isso).- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol II pág 312.
Situando-se fora do âmbito dos seguros obrigatórios e reduzido a escrito, não se coloca qualquer questão relativa à validade e eficácia do clausulado do contrato aqui em causa, enquanto regido pela liberdade de fixação dos riscos e do âmbito das respetivas coberturas pelas partes, dentro dos limites permitidos pela lei.
Como observámos, a cláusula cuja interpretação se debate, faz parte das cláusulas contratuais gerais. Daí que a sua interpretação não se baste pelas referidas normas do Código Civil, havendo que ponderar ainda as regras especiais previstas no RJCCG, mais concretamente nos seus art.ºs 10 º e 11º. Como refere Menezes Leitão Direito ds Obrigações, Volume I 7ªedição, Coimbra, Almedina, 2008 pp 36 e 37. “a interpretação e integração das s cláusulas contratuais gerais é sujeita a regras especiais, desfavoráveis a quem as predispõe, já que embora lhes sejam aplicáveis as regras gerais relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, a lei determina que a sua interpretação e integração tem de ocorrer no contexto de cada contrato singular em que se incluam (…), o qual pode alterar o objectivo de quem procedeu à sua preparação. Por outro lado, para a interpretação das cláusulas contratuais gerais é irrelevante a intenção do seu predisponente, já que o seu conteúdo é determinado com base no critério do contraente indeterminado que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real (…)”.
Em situações de ambiguidade, as cláusulas gerais têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. E, na dúvida, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (citado art.º 11º).
Quando se trata de interpretar cláusulas contratuais duvidosas relativas a condições gerais da apólice, tem-se entendido que deve prevalecer a sua interpretação restritiva, impondo-se o princípio do in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem por serem cláusulas típicas de contrato de adesão, merecendo o aderente proteção especial. Efetivamente, no seguimento da convocação e aplicação dos princípios da boa-fé (art.º 227º, nº 1 e 762º, nº 2, do Código Civil) e da confiança, a lei responsabiliza o declarante pelo sentido da sua declaração, fazendo-o responder pelo sentido que a outra parte teve de considerar querido ao captar as intenções daquele, ou seja, pela aparência da sua (do declarante) vontade. Uma cláusula ambígua, é uma cláusula obscura, duvidosa, polémica quanto ao seu sentido interpretativo.
Remetemos aqui, de novo, para o ponto 1.3 da cláusula 13 das Condições Gerais da Apólice, acima transcrita, e consideramos a sua redação clara.
De facto tal ponto da clausula reporta-se ao conteúdo especial e determina que Quando o Segurado não discriminar e valorizar estes bens, ( peça a peça e/ou colecção a colecção) , em caso de sinistro o limite de indemnização para este efeito é de 30% do valor total do conteúdo seguro, no seu conjunto e no máximo de 1496,40 euros por objecto, salvo convenção em contrário expresso nas condições particulares
Qualquer pessoa indeterminada que proceda á leitura desta clausula e considerando o documento que formaliza este contrato que é apólice outra conclusão não pode chegar nem deve que não seja que, a seguinte
Se quanto ao conteúdo especial o tomador não descriminar e valorizar os bens que o compõem em caso de sinistro o limite de indemnização desses bens é de 30% do valor total do conteúdo seguro no seu conjunto, - é esta a redacção da que consta da cláusula o qual no caso em apreço corresponde a 30% de 61.999,56 euros, uma vez que não foi acordado um valor total para o conteúdo especial e outro para o genérico mas antes se acordou apenas um valor total dos conteúdos.
E perante a redação desta clausula jamais o aderente normal, leigo em matéria de seguros, prevê que a seguradora no caso de ele não ter descriminado os bens vai assumir o risco apenas em 30% do valor em risco ou seja o valor dos bens seguros á data do sinistro. É que esta estipulação não consta da cláusula, antes refere o valor total do conteúdo seguro no seu conjunto.
Se o valor total do conteúdo seguro for inferior ao valor dos bens corre o risco estipulado.
Se for superior, como ocorre no caso em apreço, o valor a pagar será 30% do valor do conteúdo mas sempre com limitação do concreto valor dos bens, nos termos estipulados na cláusula 14 das condições gerais deste contrato.
Caso assim não fosse e vinga-se a redação pretendida pela ré concluímos que a cláusula 14 das condições gerais seria completamente desnecessária.
A sua existência reforça a nossa interpretação e também nos permite concluir que não existem nem se verificam os receios expostos pela recorrente nas suas alegações, antes estão salvaguardados na cláusula 14 que estipula o seguinte
“Salvo convenção em contrário expressa nas condições particulares se o capital seguro pelo presente contrato for, na data inferior ao valor dos bens seguros, determinado nos termos do artigo anterior (entende-se por valor de substituição em novo o custo de aquisição do objecto seguro no momento do sinistro sem qualquer dedução relativa ao seu uso e conservação) o Tomador do Seguro ou o Segurado responderá pela parte proporcional dos prejuízos como se fosse Segurador do excedente , excepto …. Sendo, pelo contrário tal quantia superior, o seguro só é válido até à concorrência do custo de reconstrução ou ao valor matricial … ou até à concorrência do valor dos bens, nos termos do artigo anterior.
Mas reportando-se o dito ponto aos bens de conteúdo especial e à indemnização dos mesmos, cremos que tem razão o autor quando pede o pagamento dos valores apurados reportados aos danos de conteúdo genérico e do edifício, uma vez apurados, conforme ocorreu nestes autos e abrangidos pelo contrato de seguro.
A ser assim os valores a pagar pela ré aos autos são os seguintes
18 559,87 Euros pela perda de objectos de conteúdo especial ( art.º 9 dos factos provados constantes sentença)
1.644,00 Euros pela perda dos objectos de conteúdo genérico ( arts 12º e 12º dos mesmos factos provados)
516,60 Euros pelos danos causados no edifício acrescidas dos juros nos termos pedidos ( art.º 13 da sentença), no valor global de 20 690,47 euros e não no somatório que consta da conclusão 6 que está errado.
Porém a não consideração destes valores pelo tribunal recorrido, não enquadra o apontado vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes erro de julgamento.
De facto o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - Acs. do STJ de 26.09.95, CJ, STJ, III, pág. 22 e de 16.01.96, CJ, STJ, III, pág. 43.. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (art. 668 nº 1 d), 1ª parte).
Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º segmento da norma).
Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº 2 do art. 660 do CPC, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite delas conhecer oficiosamente).
Ora, basta atentar nos pedidos de tutela judiciária que o autor formulou, na causa de pedir em que os fez assentar, na decisão final proferida pelo tribunal a quo e na fundamentação que precedeu essa parte dispositiva, para facilmente se concluir não ter incorrido aquele tribunal na invocada nulidade ou noutras.
Ainda a propósito da invocada nulidade, cumpre salientar o entendimento do Prof. Alberto dos Reis resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias , á partida plausíveis de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido; por um lado , através da prova foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação , interpretação e aplicação das normas jurídicas ( art. 664º do CPC) e, uma vez motivamente tomada determinada orientação as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito não têm que ser separadamente analisadas. in “Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 141

Síntese conclusiva
Uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo e de um número significativo de contratos --- dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna --- é a de serem celebrados em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (o proponente, ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão; fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré-formuladas por outrem.
Nesta noção, avultam três características essenciais na definição dos contratos de adesão em sentido estrito: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez.
São contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou condições gerais previamente redigidas. Por isso, a aludida predisposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, hoc sensu, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas.
O aderente limita-se a aceitar o texto que a outra parte contratual lhe oferece, sem qualquer possibilidade de alteração. Por isso, o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado.
Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes.
Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na aceção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.
Nesta perspectiva, e por um argumento de maioria de razão, não é a natureza negociável de um ou outro aspeto da relação contratual que pode afastar a aplicabilidade do regime de proteção a outro clausulado estabelecido para a mesma relação em termos que não sejam alteráveis pelo destinatário.
Daí que para a apreciação da validade de uma única cláusula do conteúdo contratual à luz da disciplina das CCG não seja indispensável a constatação da existência de um contrato de adesão propriamente dito.

DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se improcedente por não provado o recurso principal e procedente o recurso subordinado e em consequência condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de 20.690,47 euros (vinte mil seiscentos e noventa euros e quarenta e sete cêntimos) acrescida dos juros nos termos fixados na decisão recorrida
Custas na totalidade a pagar pela ré.
Notifique
Guimarães, 15 de Outubro de 2013
Purificação Carvalho
Rosa Tching
Espinheira Baltar