Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
34040.11.0YPRT.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I . A doutrina do artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares, admitindo alguns autores que a aplicação, nestes casos, dos princípios contidos no artº 380º, que se refere ao valor probatório dos registos e outros escritos onde habitualmente se toma nota de pagamentos.
II. Os livros de escrituração comercial podem fazer prova a favor do seu autor segundo um regime de presunções e contra-presunções estabelecido no citado artº 44º do CCom.
III. Aos extractos de conta-corrente da ré/recorrente embora se possam ter como assentos lavrados em livros de escrituração comercial (cfr. artº 31º do CCom) também não é possível aplicar o regime probatório do artº 44º do CCom porque se desconhece se estão ou não regularmente arrumados, o que é essencial para definir a aplicação daquele regime, como decorre do citado artº 44º.
IV. Os documentos em causa são assim escritos não assinados, aos quais também não se aplica o regime dos art. 380º e 381º, uma vez que não se encontram nela registados quaisquer pagamentos nem quaisquer notas que favoreçam a exoneração da ré/recorrente.
V. São, por isso, documentos particulares simples que não têm os requisitos legais para que lhe seja atribuída força probatória plena nos termos do artº 376º, pelo que , é a sua força probatória livremente apreciada pelo tribunal (artº 366º).
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

“S…”, com domicílio na …, requereu injunção contra «C…
pedindo a notificação da Requerida para lhe pagar € 11.821,32, alegando a existência de um contrato de prestação de serviços.
A Requerida deduziu oposição alegando já ter liquidado a pretensa dívida objecto da execução.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal
formalismo.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi condenada a requerida «C a pagar a quantia de 10 000,00 (dez mil euros), quantia esta a acrescer de juros à taxa de 9,50% até 1 de Julho de 2009 e 8,00%, contados desde 29 de Dezembro de 2008 sempre até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com o assim decidido, recorreu a ré para esta Relação, encerrando o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões (transcrição):
A) A aqui Recorrente foi condenada no pagamento da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), quantia acrescida de juros à taxa de 9,50% até à data de 1 de Julho de 2009 e 8,00%, contados desde 1 de Julho de 2009, sempre até efectivo e integral pagamento, não podendo a Recorrente concordar, pelo que apresenta o presente Recurso
B) Para prova desse pagamento, juntou aos autos cópias do extracto contabilístico da conta corrente existente entre ambas as entidades a 30 de Setembro de 2008, bem como carta de circularização do Revisor Oficial de Contas referente a 2008
C) Desses documentos é possível aferir que a factura n.º 301/2008 foi liquidada no próprio dia em que foi apresentada, ficando bem patente, na conta corrente, a entrada da factura e a saída do dinheiro para o seu pagamento no mesmo dia.
D) Do outro documento junto, uma vez que ambas são sociedades anónimas e ambas se encontram sujeitas a fiscalização por Revisor Oficial de Contas, resulta também o mesmo pagamento, dado que as contas foram devidamente certificadas, quer no ano de 2008, quer de 2009 e de 2010444.
E) A certificação legal de contas por Revisor Oficial é legalmente imposta devendo tal certificação ser valorizada e valorada, sendo que as contas de uma determinada sociedade anónima só podem ser certificadas se se provar que tudo está devidamente legal e que, se débitos ou créditos existirem estes têm que ser devidamente comprovados.
F) A relação entre as partes, como se comprovou, não passava pela troca dos documentos em papel, tal como não dos recibos, mas do acompanhamento contínuo da relação e do acerto mensal das contas.
G) Que eram alvo dos adequados registos contabilísticos, em obediência ao prescrito no Código Comercial e adequadas regras de contabilidade, fazendo prova bastante das respectivas relações entre os comerciantes, conforme previsto no artigo 44.º do Código Comercial.
H) Perante a presunção probatória estipulada pela contabilidade comercial, teria de ser a Requerente a fazer efectiva prova de que o valor não havia sido pago, contrariando os respectivos registos contabilísticos certificados
No entanto, e acrescentando
I) Entende o Meritíssimo Juiz “a quo” que nos encontramos perante “a discussão do cumprimento de contrato de empreitada, que a lei qualifica como aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço – art. 1207.º do C. Civil – e que regula nos artigos 1208.º e seguintes,
do mesmo diploma legal.”
J) Conforme se afere da leitura da Oposição apresentada, o contrato de empreitada celebrado entre as partes ascendia a € 13.170.000,00 (treze milhões, cento e setenta mil euros),
K) dúvidas existem de que estejamos perante um contrato de empreitada, e que seja este que se encontra em apreço nos presentes autos
L) Conforme, facilmente, se afere da leitura do Procedimento de Injunção que deu inicio a este pleito, encontramos perante uma prestação de serviços acessória ao contrato de empreitada,
M) Não faz essa prestação de serviços parte integrante do dito contrato.
N) Não podendo, desta forma, ser aceite a fundamentação de direito invocada na Douta sentença proferida “a quo”.
O) Não nos encontramos perante um contrato de empreitada, mas sim perante uma simples e singela prestação de serviços,
P) A fundamentação de Direito da sentença baseia-se toda ela na existência do dito contrato de empreitada,
Q) Não existe incumprimento do contrato de empreitada,
R) A Recorrente nunca entrou em mora no cumprimento daquele contrato,
S) E, bem assim, aquela dívida não existe, devendo a Recorrente ser absolvida do pedido.
Mais,
T) Encontra-se plasmado no número 2, artigo 659.º do Código de Processo Civil: “Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
U) Acrescentando o número 1, do artigo 158.º do mesmo diploma legal: “ As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”
V) Entendemos que a sentença se encontra fundamentada, no entanto não podemos entender que a mesma se encontra devidamente fundamentada.
W) Caso inexista tal fundamentação, verifica-se uma nulidade da sentença, conforme prescrita na alínea b), do número 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
X) Face a tudo o que vem sendo exposto, deve considerar-se que a dívida se encontra integralmente liquidada e que, a assim não ser considerado, existe uma manifesta contradição na fundamentação da sentença,
Y) Inexistindo, desta forma, fundamentação para a condenação da Recorrente.

A recorrida contra alegou apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento que recorrente não liquidou os trabalhos correspondentes à factura dos autos e incumbia a esta provar o pagamento, o que não sucedeu.
II. A justificação de que, devido a uma relação comercial ampla, em virtude de um contrato de empreitada de cerca de 13.170.000,00€ as partes mantinham uma conta corrente de facturação e pagamentos, de valores mais elevados, e de que nesse foi nesse âmbito que tal foi paga, não tem os efeitos que a recorrente pretende.
III. A Recorrente invoca a seu favor o regime previsto no art. 44.º C. Comercial e a força probatória especial que aí se atribui, força probatória que não teria sido considerada e, a nosso ver, bem, pois não se alegaram factos suficientes para que tal norma se aplique ao presente caso.
IV. Conforme, o acórdão do STJ de 28.11-2002, in dgsi “ (…), a escrituração comercial, mesmo regularmente arrumada, não goza, em caso algum, de força probatória plena, o que também emerge do que se dispõe no art. 380.º C. Civil (cfr. F. OLAVO, "D.to Comercial", I,
366).. Enquanto presunção, impende sobre a parte que dela pretende beneficiar, ou seja, beneficiar da prova do facto presumido, alegar e provar o facto que lhe serve de base”. Cabia à recorrente, e não à recorrida, provar que a sua conta corrente seria a correcta e, não a da recorrida, o que não aconteceu. ou seja era a recorrente que teria de provar que pagou,
V. O documento junto – uma carta da recorrida à recorrente – pedindo para enviar aos Revisores Oficiais de contas, o valor do saldo devedor, para efeitos de demonstração financeira de exercício de 2008, não significa que a recorrida considerou que o valor estava pago, pois a resposta a esse documento é enviada directamente para os revisores oficiais de contas e não para a recorrida, de que dele não tem conhecimento. Depois, como aliás consta do referido documento, tal procedimento trata-se de um mero controlo, ou seja, sem efeito vinculativo, pois os Revisores podem ou não ter apreciado essa informação, pois a mesma pode não ter sido objecto de amostragem.
VI. Cabe ao prestador do serviço provar que prestou o serviço e à outra parte que pagou a retribuição pelo serviço prestado.
VII. Resulta provado que os trabalhos foram executados.
VIII. Mas, não resulta provado que a recorrente pagou os trabalhos.
IX. Era aos recorrentes que cabia fazer a prova de que a dívida se tinha extinguido pelo pagamento e exigir quitação do credor (art.ºs 342.º e 787.º, n.º 1, do CC).
X. Sempre que se realizavam pagamentos, no âmbito das relações entre as partes, foram enviados os respectivos recibos de quitação. Tal não aconteceu com a factura dos autos pois a mesma não foi paga.
XI. Os serviços e trabalhos executados e referidos na factura dada a injunção, não tem relação directa, nem acessória com a empreitada de edifícios de habitação “Guerra Junqueiro”. Pois, tratou-se de trabalhos de remoção de entulhos e limpeza executados no edifício junto à Alfândega do Porto.
XII. Ao contrário do que parece querer alegar a recorrente, o tribunal “a quo” não teve em consideração esse contrato “Do edifício Guerra Junqueiro”, para se fundamentar, considerou foi que, se estava também perante, no presente caso, de contrato de empreitada.
XIII. O contrato de empreitada não deixa de ser uma modalidade do contrato de prestação de serviços (art.º 1155.º do CC), em que uma das partes obriga-se em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço (art.º 1207.º do CC).
XIV. A obra, ou serviço foi feito, pelo que, a recorrida tem direito ao pagamento do preço.


II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da decisão
- mérito da acção

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos

- A requerente no âmbito da sua actividade comercial de construção civil efectuou trabalhos de remoção de entulhos e limpeza no edifício junto à Alfândega do Porto, propriedade da requerida.
- Por conta desses serviços foi emitida em 30.09.2008 a factura n.º A 301/2008, no valor de 10.000,00 (dez mil euros), vencida em 29.12.2008, a qual foi remetida para a requerida que a recebeu, sem qualquer objecção desta, nem dos trabalhos prestados.
- Por conta de tais serviços, nada a requerida pagou apesar de instada a fazê-lo.
- Requerente e Requerida tinham uma relação comercial ampla, na medida em que a Requerente era a empresa de construção civil que tinha a seu cargo contrato de empreitada de construção de um complexo de edifícios de luxo na cidade do Porto, no valor de 13.170.000.
- Em função desse contrato de empreitada que estava em execução, mantinham contacorrente de facturação e pagamentos, inclusive, como se compreende, de valores bem mais elevados.
- a Requerente, enquanto sociedade anónima legalmente sujeita a fiscalização por Revisor Oficial de Contas, solicitou para efeitos de certificação legal de contas, informação dos saldos de conta corrente entre ambas as entidades, precisamente com referência a 30 de Setembro.
- Tendo a resposta sido enviada não só nesse ano específico de 2008 e como as tarefas de circularização (a circularização, ou confirmação externa, é uma processo de auditoria no âmbito de uma revisão/auditoria às demonstrações financeiras) se repetiu nos anos de 2009 e 2010 e nunca foram postos em causa os valores contabilísticos entre ambas as partes.

B)- O DIREITO
Apreciando a nulidade invocada, começamos por dizer que na exegese do disposto no artº 668º nº1 al.b) C.P.Civ. (falta de fundamentação), de há muito se vem entendendo que a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso por todos, Teixeira de Sousa, Estudos, pg.222 .
Todavia, só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão.
Ao aludir-se a “ausência de qualquer fundamentação” quer referir-se a falta absoluta de fundamentação, a qual porém pode reportar-se seja apenas aos fundamentos de facto, seja apenas aos fundamentos de direito.
Torna-se necessário que o juiz “não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão” cf. Varela, Bezerra e S. e Nora, Manual, §222. .
A apelante fundamenta a nulidade dizendo que … Conforme, facilmente, se afere da leitura do Procedimento de Injunção que deu inicio a este pleito, encontramos perante uma prestação de serviços acessória ao contrato de empreitada,
Não faz essa prestação de serviços parte integrante do dito contrato.
Não podendo, desta forma, ser aceite a fundamentação de direito invocada na Douta sentença proferida “a quo”.
Não nos encontramos perante um contrato de empreitada, mas sim perante uma simples e singela prestação de serviços,
A fundamentação de Direito da sentença baseia-se toda ela na existência do dito contrato de empreitada,
Não existe incumprimento do contrato de empreitada,
A Recorrente nunca entrou em mora no cumprimento daquele contrato,
E, bem assim, aquela dívida não existe, devendo a Recorrente ser absolvida do pedido.
Mais,
Encontra-se plasmado no número 2, artigo 659.º do Código de Processo Civil: “Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Acrescentando o número 1, do artigo 158.º do mesmo diploma legal: “ As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”
Entendemos que a sentença se encontra fundamentada, no entanto não podemos entender que a mesma se encontra devidamente fundamentada.
Todavia, da análise da fundamentação da decisão de facto e de direito de fls. 42 a 45 revela-se à saciedade o contrário do que vem alegado pelo Apelante – não apenas a decisão recorrida menciona aquilo que, no entender da Mmª Juiz “a quo”, releva para efeitos de convicção do Tribunal, como até, utilizando uma técnica louvável, não evita a expressa menção das provas que não lograram convencer o Tribunal, explicitando claramente a razão pelas quais não convenceram (referimo-nos designadamente aos documentos, “conta corrente e carta para o contabilista juntos aos autos).
Pode a apelante não concordar com a fundamentação das respostas à matéria de facto – o caminho a seguir deveria ser então, somente, o de pugnar pela alteração da matéria de facto fixada em 1ª instância, posto que a decisão do tribunal da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nas situações descritas no art. 712º nº1 als.a), b) e c) C.P.Civ. e que o dito art. 712º C.P.Civ. assume agora, ao contrário do que sucedia antes da reforma de 95, como regra a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância neste sentido, cf. A. Geraldes, Temas da Reforma, II/248.
.
Não existe, desta forma, a nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida.
Existirá, todavia, a possibilidade de alteração da matéria de facto fixada em 1ª instância?
Ponto será que nos encontremos perante as situações descritas no artº 712º nº1 als.a) (se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida), b) (se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas) e c) (se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou) do C.P.Civ.
Afasta-se, desde logo, a situação prevista na al. c) do nº1 do artº712º C.P.Civ., porque a Recorrente não apresentou documento novo superveniente que, por si só, fosse suficiente para destruir a prova em que assentou a decisão recorrida.
Afasta-se igualmente a 2.ª parte da al.a) porque embora existindo gravação dos depoimentos prestados, não foi impugnada a matéria de facto nos termos exigidos pelo art. 685-B nº 2do CPC, pelo que, arredada fica, por essa forma, a possibilidade de reapreciação da decisão e alteração da mesma, com base nos depoimentos das testemunhas.
Por outro lado, para que esta instância pudesse alterar a matéria de facto com base no disposto no art. 712º nº1 al.a) 1ª parte C.P.Civ., seria preciso que se encontrasse perante os mesmos elementos de prova com que se confrontou o Tribunal da 1.ª instância.
É o que sucede quando a prova produzida assenta apenas em documentos, depoimentos escritos (v. g., testemunhas inquiridas por carta e que tenham sido reduzidos a escrito, por impossibilidade de gravação), ou relatórios periciais. Só em quadro como estes, é que o Tribunal da Relação está perante os mesmos elementos probatórios que estiveram presentes no Tribunal da 1.ª instância (cf. A. Geraldes, op. cit., pág. 252).
Não é essa a hipótese dos autos, uma vez que foram inquiridas testemunhas.
Resta apreciar se não nos encontramos perante a situação prevista na al.b) porque, sobre tais pontos da matéria de facto postos pelo recurso, existissem nos autos elementos probatórios com força probatória plena, no plano documental (artºs 371º nº1, 376º nº1 e 377º C.Civ.), confissão judicial escrita desfavorável ao confitente (artºs 352º e 358º nº1 C.Civ.), ou acordo das partes que impusessem decisão diversa da que foi acolhida pela 1.ª instância.
Em causa encontram-se “contas correntes” e uma carta da recorrente à recorrida a pedir a informação do saldo devedor desta para efeitos de entrega ao revisor de contas para auditoria/revisão financeira.
Apreciando
No artº 273º do CC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem - estabelecem-se os requisitos dos documentos particulares: estes devem ser assinados pelo seu autor ou por outrem a seu rogo (nº 1), admitindo-se, em certos casos, a substituição da assinatura por simples reprodução mecânica (nº 2).
Só os documentos particulares que satisfaçam os requisitos previstos naquele normativo podem ter força probatória formal nos termos previstos nos artºs 374º a 376º.
A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular, consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe terem sido atribuídos, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras (artº 374º, nº 1).
Os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos do normativo anterior, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artº 376º, nº 1). Já os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão (nº 2 do mesmo normativo).
Como refere Vaz Serra BMJ 111º-155 e 161, a assinatura é requisito essencial do verdadeiro e próprio documento particular. A assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento.
Os documentos que não tenham os requisitos legais - o que, tratando-se de documentos particulares, repetimos, são os que não contenham a assinatura do seu autor - não podem fazer prova plena nem quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nem quanto aos factos contidos nas mesmas, nos termos do citado artº 376º.
Aqueles documentos são assim livremente apreciados pelo tribunal, de acordo com o princípio geral ínsito no artº 366º, cuja doutrina vale para todo o tipo de documentos Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado vol ! 3 ª edição pp 323
A lei atribui, no entanto, eficácia probatória plena a alguns documentos particulares que não é costume assinar.
É o caso dos registos e outros escritos em que alguém habitualmente toma nota de pagamentos que lhe são efectuados (artº 380º), das notas escritas pelo credor em documentos em seu poder ou em poder do devedor (artº 381º) e dos livros de escrituração comercial (artº 44º do CCom).
Entende-se que a doutrina do artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares, admitindo alguns autores que a aplicação, nestes casos, dos princípios contidos no artº 380º, que se refere ao valor probatório dos registos e outros escritos onde habitualmente se toma nota de pagamentos Sobre esta matéria ver <Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares 2ª edição pp 129.
Os livros de escrituração comercial podem fazer prova a favor do seu autor segundo um regime de presunções e contra-presunções estabelecido no citado artº 44º do CCom.
Os documentos em causa nos autos são cópia de extractos de conta-corrente da ré/recorrente.
Aos extractos de conta-corrente da ré/recorrente embora se possam ter como assentos lavrados em livros de escrituração comercial (cfr. artº 31º do CCom) também não é possível aplicar o regime probatório do artº 44º do CCom porque se desconhece se estão ou não regularmente arrumados, o que é essencial para definir a aplicação daquele regime, como decorre do citado artº 44º.
Os documentos em causa são assim escritos não assinados, aos quais também não se aplica o regime dos artº 380º e 381º, uma vez que não se encontram nela registados quaisquer pagamentos nem quaisquer notas que favoreçam a exoneração da ré/recorrente..
São, por isso, documentos particulares simples que não têm os requisitos legais para que lhe seja atribuída força probatória plena nos termos do artº 376º.
Tratando-se de documentos escritos sem os requisitos legais, é a sua força probatória livremente apreciada pelo tribunal (artº 366º).
Não estava, pois, o Mº Juiz a quo impedido de atender a tais documentos como meios de prova, apreciando-os segundo a sua livre convicção em conjugação com a prova testemunhal produzida nos autos e as regras da experiência (artº 366º C.Civ. cf. J. Alberto dos Reis, Anotado, IV-452 e A. Varela, J. M. Bezerra e S. e Nora, Manual, §169-b)– e se as regras da experiência ensinam que podem tratar-se de provas inferenciais fidedignas de factos em julgamento em tribunal, ensinam também que podem incorporar um mau ajuizamento ou uma deficiente escrita das partes, seja em sentido ideológico, seja em sentido meramente material.
No âmbito dos documentos apresentados em juízo, conjugados como foram com o depoimento testemunhal, o Tribunal deveria ter decidido, como decidiu, manifestando a sua prudente convicção (artº 655º nº1 C.P.Civ.), não tendo descurado o dever de analisar criticamente as provas produzidas e de especificar os fundamentos decisivos para a sua convicção, conforme o disposto no artº 653º nº2 C.P.Civ. ut Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 244).
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No referente á carta da recorrente para a requerida a pedir a demonstração financeira do exercício de 2008, concorda-se com a apreciação efectuada na decisão recorrida e nas contra alegações, de que é pouco relevante pois a resposta da recorrida terá sido enviada ao revisor oficial de contas, trata-se de mero controlo sem efeito vinculativo e os revisores de contas podem não ter apreciado essa informação pois a mesma pode não ter sido objecto de a mostragem. E acrescentamos que a recorrente não provou que a informação do saldo constante da conta corrente foi aprovada.

Por fim quanto à invocada contradição da fundamentação de direito não a encontramos na sentença recorrida, pois sendo o contrato de empreitada uma modalidade do contrato de prestação de serviços e considerando os factos apurados cremos correcto enquadramento jurídico constante da sentença.
Por tal acervo de razões, encontra-se também votado ao insucesso o recurso interposto

Resumindo a fundamentação:
I . A doutrina do artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares, admitindo alguns autores que a aplicação, nestes casos, dos princípios contidos no artº 380º, que se refere ao valor probatório dos registos e outros escritos onde habitualmente se toma nota de pagamentos.
II. Os livros de escrituração comercial podem fazer prova a favor do seu autor segundo um regime de presunções e contra-presunções estabelecido no citado artº 44º do CCom.
III. Aos extractos de conta-corrente da ré/recorrente embora se possam ter como assentos lavrados em livros de escrituração comercial (cfr. artº 31º do CCom) também não é possível aplicar o regime probatório do artº 44º do CCom porque se desconhece se estão ou não regularmente arrumados, o que é essencial para definir a aplicação daquele regime, como decorre do citado artº 44º.
IV. Os documentos em causa são assim escritos não assinados, aos quais também não se aplica o regime dos art. 380º e 381º, uma vez que não se encontram nela registados quaisquer pagamentos nem quaisquer notas que favoreçam a exoneração da ré/recorrente.
V. São, por isso, documentos particulares simples que não têm os requisitos legais para que lhe seja atribuída força probatória plena nos termos do artº 376º, pelo que , é a sua força probatória livremente apreciada pelo tribunal (artº 366º).

IV-DECISÃO
Em face do exposto decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Notifique e dn
Guimarães, 06/12/2011