Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
| Descritores: | INVENTÁRIO ROL DE TESTEMUNHAS ALTERAÇÃO RECLAMÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 06/04/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1- No incidente de reclamação contra a relação e bens em inventário, querendo as partes oferecer testemunhas, têm o ónus de apresentar o respetivo rol no requerimento e na oposição, sob pena de já não o poderem fazer posteriormente, por força do princípio de preclusão do direito. 2- Contanto que respeitado o comando do art.º 512º-A do Código de Processo Civil, ou seja, que tenha lugar “até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento”, nada obsta a que a parte requeira a substituição ou o aditamento ao rol de testemunhas regulamente apresentado no processo incidental que corre termos sob os art.ºs 302º a 304º do mesmo código. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Nos autos de processo especial de inventário para partilha de bens em casos especiais, em que é cabeça de casal A… e requerido M…, ali melhor identificados, veio este último, em dois requerimentos da mesma data, pedir a substituição e o aditamento de testemunhas ao rol que apresentara em incidente de reclamação de bens. Conhecendo do pedido, o tribunal proferiu a seguinte decisão: «Considerando o disposto no art.º 1344º, nº 2, do Código de Processo Civil, para o qual se remete no art.º 1349º, nº 3, do mesmo Código, indefere-se o requerido aditamento/substituição das testemunhas requerido pelas partes» [1]. Desta decisão recorreu o requerido M…, apresentando as seguintes conclusões: «1. Por requerimentos de 24/01/2013 com as referências citius 12253973 e 12254281 o recorrente requereu, respetivamente, a alteração e aditamento ao rol de testemunhas apresentado em sede de reclamação/impugnação contra a relação de bens apresentada. 2. Nos presentes autos de inventário e reclamação/impugnação contra a relação dos bens apresentada encontra-se designado o dia 08/04/2013 pelas 14h00 a data de audiência de inquirição de testemunhas arroladas, conforme despacho proferido em 26/12/2013 com a referência 7604876. 3. Sucede que por despacho proferido em 18/02/2013 com a referência citius 7735542 veio o tribunal a quo decidir que “considerando o disposto no art. 1344.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para o qual se remete no art. 1349.º, n.º 3 do mesmo Código, indefere-se o requerido aditamento/substituição de testemunhas requerido pelas partes” nomeadamente as realizadas em 24/01/2013 com as referências citius 12254281 e 12253973, a que o presente recurso se circunscreve. 4. Ora, “no processo de inventário, a reclamação/impugnação contra a relação de bens constitui um verdadeiro incidente do processado ao qual são aplicáveis não só as regras especialmente previstas para o inventário (arts. 1344 e 1349 do CPC) como também as disposições relativas aos incidentes de instância (art. 303.º e ss), assim como as previstas para o processo ordinário quando a situação em concreto não estiver prevenida no específico quadro normativo. Cf. art. 463.º, n.º 1 do CPC. 5. Com efeito, nada impede ou impossibilita que no processo de inventário, na reclamação e impugnação à relação de bens apresentada possa posteriormente haver alteração ou aditamento do rol, dentro dos condicionalismos previstos na lei processual, uma vez que há que aplicar ao processo de inventário e demais incidentes de instância, por analogia, as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas em ação declarativa prevenidas no art. 512.º-A do CPC, nos termos do art. 463.º, n.º 1 do CPC. Neste sentido vide AC TRE de 20/10/2011, alcançável em www.dgsi.pt. 6. Assim, deveria ter sido reconhecido ao aqui recorrente e ali requerido a faculdade de efetuar substituição de testemunhas bem como o seu aditamento, nos termos do art. 512.º-A, n.º 1 do CPC, preceito, este, aqui aplicável por analogia, sob pena de violação por omissão do referido normativo bem como da garantia constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º CRP). Vide acórdão citado. 7. Aliás quisesse o legislador excluir do âmbito do processo de inventário, bem como dos demais incidentes, a aplicação do art. 512.º A do CPC, isto é da possibilidade de substituição e aditamento de testemunhas certamente o teria dito expressamente, como o fez relativamente a outras prerrogativas excluídas. 8. Ademais, no caso em apreço, a alteração e aditamento do rol pelo requerido foi feita dentro do limite temporal previsto na aludida norma do 512.º-A do CPC, isto é, antes dos vintes dias que antecedem a realização da data de audiência de inquirição de testemunhas. 9. Pelo que ao terem sido indeferidos incorre o despacho recorrido em erro na interpretação e aplicação da norma constante dos artigos 303.º, 463.º, n.º 1, 512.º-A, 1344.º, n.º 2 e 1349.º, todos do CPC.». (sic) Termina no sentido de que seja revogada a decisão referida, substituindo-se por outra que admita a alteração e aditamento feito ao rol de testemunhas pelo recorrente, com as referências 12254281 e 12253973. Não foram oferecidas contra-alegações. II. As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do recorrente, acima transcritas (art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil [2])[3] . Está para decidir apenas se no incidente de reclamação contra a relação de bens, em processo de inventário, é admissível a substituição e o aditamento de testemunhas ao rol regularmente apresentado. * III. A reforma do Código de Processo Civil de 1995, aprovada pelo decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, que introduziu alterações significativas nesta matéria, designadamente no âmbito dos art.ºs 1348º e 1349º, considerou a afirmação como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação, procurando deles extrair consequências concretas, ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos. E, em matéria de instância e seus incidentes, houve reforma profunda que, quanto aos incidentes, ampliou a tramitação tipo, plasmada nos art.ºs 302º a 304º ao processamento de todo e qualquer incidente, que não apenas aos incidentes da instância nominados, tipificados e regulados pela lei de processo, no capítulo em questão (cf. preâmbulo daquele diploma). Aliás, já antes da referida reforma era aplicável aos incidentes do inventário o disposto nos referidos art.ºs 302º a 304º (cf. art.º 1334º). O que a reforma alterou com relevo para o caso foi o regime previsto nesses preceitos, no sentido de uma maior auto-responsabilização das partes. O art.º 1349º não diz qual é o momento próprio para a apresentação dos róis de testemunhas. Apelando de novo ao art.º 1334º, temos que é aplicável à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, o disposto nos artigos 302.° a 304.°. O art.º 302º também dispõe nesse sentido ao prever que «em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa observar-se-á, na falta de regulamentação especial, o que vai disposto nesta secção». Ora, o art.º 303º é expresso (nº 1): «No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova». Desde a redação introduzida aos art.ºs 1344 e 1349º (entre outros) pelo decreto-lei nº 227/94, de 8 de setembro, que a lei dispõe nesta matéria que as provas são indicadas com os requerimentos e respostas; desde longa data, portanto, suficiente para que as partes, pela simples leitura daquelas normas --- que são claras --- compreendam e assimilem esse ónus processual. Mas, voltando ao preâmbulo do decreto-lei nº nº 329-A/95, de 12 de dezembro, para além da marca da responsabilidade das partes, existe a da cooperação e da proibição da indefesa. Ali se afirma que «o incremento da tutela do direito de defesa implicará, …, a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos, sem prejuízo de se manter vigente o princípio da auto-responsabilidade das partes e sem que as soluções introduzidas venham contribuir, de modo significativo, para a quebra da celeridade processual». Visou-se tornar o processo «verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, …» em ordem à sua eficácia, com eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma. Como ressalta daquela nota preambular, em matéria de meios de prova, quis-se obter um compromisso que fosse simultaneamente de celeridade, eficácia e efectivo aproveitamento dos actos processuais, de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente, para o que contribuiu a maleabilização da prova testemunhal quanto ao seu oferecimento, mediante a possibilidade de alteração ou ampliação dos respectivos róis até datas muito próximas da efectiva realização da audiência final. Passou então a lei processual a prever, sob o art.º 512º-A, nº 1, desta feita pela redação do decreto-lei nº 180/96 de 25 de setembro --- a que não escaparam preocupações de celeridade processual ---, a possibilidade do rol de testemunhas ser «alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias». Como assinala o acórdão da Relação do Porto de 14.2.2006 [4], a propósito da reforma do Código de Processo Civil de 1995/96 [5], apesar da ideia matriz de se privilegiar o mérito sobre a forma, o certo é que há regras que se impõe cumprir no sentido de se privilegiar uma cultura de responsabilidade em detrimento de uma cultura laxista. E mais adiante, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2004, acrescenta que não deve agravar-se o factor da incerteza do tempo na definição do direito, nem introduzir-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça, acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do "deixar andar "ou do "erra que o Juiz corrige!”. Como assim, não se nos oferecem dúvidas de que, em matéria de apresentação das provas, continua a vigora o princípio da preclusão, devendo cada uma das partes, no incidente em causa, juntar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, sob pena de caducidade do direito. Cumprido aquele ónus processual, já não nos parece que a parte não possa, ainda em tempo oportuno, substituir ou aditar testemunhas ao rol (regularmente) apresentado, em ordem a uma efetiva concretização de alguns dos princípios acima enunciados, sem prejuízo relevante de outros. Se o pode fazer no processo ordinário e também, por via da aplicação do art.º 463º, nº 1, in fine, ao processo sumário e aos processos especiais, porventura até ao processo declarativo sumaríssimo (art.ºs 464º, 794º, nº1 e 795º, nº 2), nada de particular ou específico em matéria de incidentes permite a negação daquele direito. As razões que justificam a alteração ou o aditamento ao rol de testemunhas na generalidade das formas de processo encontram a mesma pertinência no processo incidental (uma testemunha que morre ou adoece e não pode deslocar-se a Juízo, outra que tem que viajar e a parte prefere substituí-la, outra ainda importante de que a parte não se lembrou antes do oferecimento do rol, ou que, entretanto, se mostrou conhecedora de factos de grande relevância para a decisão da causa, etc.). O princípio da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio impõe-se também na decisão incidental, onde se debatem questões muitas vezes de grande relevância e verdadeiramente condicionantes da justiça do caso no processo principal ou da decisão final, designadamente quando o incidente é processado nos próprios autos, como acontece no caso sub judice em que se pretende atingir, em última análise, uma partilha de bens igualitária e justa, de tal modo que as partes até poderão vir a ser remetidas para os meios comuns se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente a decisão incidental no inventário (art.ºs 1336º, nº 3 e 1350º, nº 1). Como defende Lopes do Rego, “por força do preceituado nos artigos 1335.º e 1336.º, a decisão incidental de quaisquer questões no inventário não tem que ser uma summaria cognitio, devendo o juiz decidir definitivamente – com o indispensável rigor e ponderação – quaisquer questões, salvo se a sua natureza e complexidade (atenta a necessidade de respeitar as garantias das partes) aconselhar a remessa dos interessados para os meios comuns ou a resolução meramente provisória da questão suscitada”. (sublinhado nosso)[6] . Reforçando esta ideia, lembramos ainda que, muito embora o requerimento de reclamação contra a relação de bens encontre na fase de exame do processo o momento próprio para a sua dedução (art.º 1348º, nº 1), nem por isso os interessados estão impedidos de reclamar em momento posterior (nº 6 do mesmo artigo), até ao trânsito em julgado da decisão homologatória da partilha, pese embora as perturbações que isso provoca no normal andamento do processo; o que denota bem a preocupação do legislador pela justeza da partilha, conferindo grande significação jurídica ao incidente da reclamação de bens no sentido de evitar partilhas não conformes à realidade, quer por se terem relacionado bens em excesso, quer para corrigir qualquer inexatidão na descrição dos bens relacionados que possa influir na partilha. Com todo o respeito devido, parece-nos redutivo afirmar, como se afirma no acórdão da Relação do Porto de 24 de maio de 2007 [7] que as regras gerais aplicáveis dos incidentes da instância --- art.ºs 302º a 304º --- são auto-suficientes, sendo apenas derrogáveis pelas regras específicas dos concretos incidentes previstos no capítulo III Código de Processo Civil. Já numa perspetiva mais plausível, no acórdão da Relação de Lisboa de 29 de junho de 2006 [8], consignou-se o entendimento de que há que aplicar aos incidentes da instância, por analogia, as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas em acção declarativa prevenidas nos artigos 512º-A e 629º do Código de Processo Civil. Também na nossa ótica, contanto que respeitado o comando do art.º 512º-A, ou seja, que tenha lugar “até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento”, nada obsta a que a parte requeira a substituição ou o aditamento ao rol de testemunhas regulamente apresentado no processo incidental que corre termos sob os art.ºs 302º a 304º. Uma vez que existe aquela antecedência, com conhecimento à parte contrária e possibilidade desta, querendo, usar de igual faculdade, e passa a incumbir à parte interessada a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do adicionamento ou alteração do rol (nºs 1 e 2 daquele normativo processual), sem necessidade de serem notificadas pelo tribunal, não fica sequer prejudicada a proibição da indefesa, o contraditório ou mesmo, de modo significativo, a celeridade processual. A diligência de inquirição de testemunhas foi designada por despacho do dia 26.12.2012 para o dia 8.4.2013. Os requerimentos de substituição e de aditamento de testemunhas entraram em Juízo no dia 24.1.2013, muito tempo antes dos 20 dias que precedem imediatamente a data designada para a realização da diligência de prova em causa. Com efeito, nada obstava ao deferimento daqueles requerimentos, devendo o recurso proceder. * SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1- No incidente de reclamação contra a relação e bens em inventário, querendo as partes oferecer testemunhas, têm o ónus de apresentar o respetivo rol no requerimento e na oposição, sob pena de já não o poderem fazer posteriormente, por força do princípio de preclusão do direito. 2- Contanto que respeitado o comando do art.º 512º-A do Código de Processo Civil, ou seja, que tenha lugar “até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento”, nada obsta a que a parte requeira a substituição ou o aditamento ao rol de testemunhas regulamente apresentado no processo incidental que corre termos sob os art.ºs 302º a 304º do mesmo código. * IV. Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar o recurso de apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e admitem-se a substituição e o aditamento ao rol de testemunhas requeridos pelo recorrente. Custas pela apelada. * Guimarães, 4 de junho de 2013 Filipe Caroço António Santos Figueiredo de Almeida ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- [1] Foi ainda apresentado um pedido de retificação que o tribunal indeferiu. [2] Diploma a que pertencem as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [3] Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 103 e 113 e seg.s. [4] In www.dgsi.pt [5] Embora a propósito de não ter havido convite ao aperfeiçoamento findos os articulados, mas aqui também com interesse assinalável. [6] Comentários ao Código de Processo Civil”, volume II, 2.ª edição, ano 2004, na anotação IV ao art.º 1344.º, a págs. 262. [7] Proc. 0732629, in www.dgsi.pt, onde são citados dois acórdãos que não preveem para casos exatamente equiparáveis (citado também no despacho que indeferiu o pedido de retificação da decisão recorrida). [8] Proc. 556/2006-2, in www.dgsi.pt. Em sentido semelhante, pronunciou-se o acórdão da Relação de Évora de 20.10.2011, proc. 245/08.5TBELV-A.E1, encontrado na mesma base de dados e citado pelo recorrente nas suas alegações. |