Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
26/13.4TBVCT-D.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
HONORÁRIOS
MANDATÁRIO
CUSTAS DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Podendo as partes contratar que, em caso de cobrança coerciva do crédito, as despesas com o advogado da exequente ficam a cargo do devedor e do avalista executados, documentando esse acordo em cláusula do contrato pelo qual celebraram um mútuo, tal documento vale, em princípio, como título executivo também relativamente à obrigação de pagamento de honorários ali constituída.
2. Quando os honorários do advogado do exequente abrangem, além do mais, o trabalho por ele prestado no processo de execução, só o termo deste permite tornar exigível e líquida a prestação. Só no final da execução é possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar.
3. Porém, naquelas condições e no âmbito de aplicação do art.º 46º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro, aquele documento contratual particular e não autenticado não vale como título executivo relativamente à cobrança de honorários, por o seu montante não estar determinado nem ser determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
4. Não obstante, já por via da aplicação do art.º 447º-D, nº 1 e nº 2, al. d), do Código de Processo Civil revogado e atualmente nos termos do art.º 533º, nºs 1 e 2, al. d) e do art.º 25º do Regulamento das Custas Processuais, a parte vencedora tem direito a compensação pela despesa com honorários com o seu advogado, como custas de parte, a suportar dentro dos limites e condições ali previstos, pela parte vencida a final.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, em que é exequente C…, CRL e são executados A…, LDA e J…, ali melhor identificados, na sequência de depósito no valor de € 59.691,59, efetuado pelo executado M… para pagamento das quantias em dívida, designadamente a quantia exequenda, custas e demais encargos, veio a exequente, por requerimento de 27 de maio de 2013, alegar que nesses encargos se incluem as “despesas extrajudiciais” que ela suportou com a instauração da execução, tal como consta expressamente da 2.ª parte da alínea a) da cláusula oitava do contrato de empréstimo junto como doc. n.º 2 ao requerimento executivo e foi invocado no requerimento executivo.
Pelo mesmo requerimento, aponta a exequente os serviços que lhe foram prestados pelo seu ilustre mandatário, referindo que os seus honorários lhe devem ser pagos no âmbito do processo, a final, pelo valor de € 2.950,00, acrescido de I.V.A., a fixar pelo tribunal e, depois, notificada a solicitadora da execução para elaborar a nota de liquidação do empréstimo a que se referem os pontos 11.° a 20.° do requerimento executivo.
Por despacho de 20.9.2013, o tribunal tomou a seguinte decisão sobre o assunto:
«Julga-se improcedente o pedido de fixação de honorários, por falta de título executivo, já que compulsado o respectivo contrato (cf. fls. 18 e ss), do mesmo não consta a estipulação e muito menos a assunção de qualquer obrigação nesse sentido, por parte do co-executado M….
Notifique.»
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Inconformada com a decisão, a exequente interpôs recurso de apelação, alegando com as seguintes CONCLUSÕES:
«As razões anteriores permitem concluir deste modo:
1.. Consta expressamente do título executivo (contrato de empréstimo em conta corrente n.º 51003798037), a obrigação do executado M… pagar as despesas judiciais e extrajudiciais que a recorrente viesse a fazer para assegurar ou obter o pagamento do seu crédito
- cf. al. a) do ponto 8. Da cláusula QUINTA desse contrato
2.. Nessas despesas extrajudiciais incluem-se necessariamente os honorários devidos ao mandatário da recorrente pela instauração da execução, uma vez que representam um custo que a recorrente se viu forçada a suportar para recuperar o seu crédito
- vd. n.º 1 arte.° 45.° e n.º 2 arte.° 457.° Código de Processo Civil e Ac. TRG de 21.09.2006» (sic)
Propugna, assim, a recorrente no sentido da revogação da decisão recorrida, deliberando-se a fixação dos honorários reclamados no requerimento de 27 de maio.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que é do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil).
Assim, impõe-se-nos apreciar e decidir apenas a seguinte questão: deverá a liquidação das quantias em dívida na execução incluir os honorários do mandatário da exequente, em função do que consta do título executivo e do requerimento inicial da execução ou com qualquer outro fundamento?
III.
Para além do que consta do relatório, relevam para o efeito os seguintes factos, emergentes do processo:
1. A execução foi instaurada em janeiro de 2013.
2. A exequente deu à execução um contrato que as partes denominaram de “empréstimo em conta corrente com aval e hipoteca”, datado de 13 de março de 2003 e que o executado M… subscreveu na qualidade de avalista de um empréstimo concedido pela aqui exequente à 1ª executada (sociedade) para utilização em conta corrente.
3. No respetivo documento, as partes atribuíram força executiva ao contrato e declararam que o mesmo se rege pelas cláusulas 1ª a 10ª que dali constam.
4. Da cláusula 5ª, ponto 8, al. a), consta o seguinte, ipsis verbis: “A mutuária e os avalistas também se obrigam ao seguinte:
a) A pagar os impostos, as comissões e os encargos relativos a este contrato, à Conta Corrente, à livrança, às garantias e registos, bem como as despesas, judiciais ou extrajudiciais, que a Caixa Agrícola faça para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos”.
5. No ponto 19., al. i) do requerimento inicial da execução, a apelante fez constar: “A exequente pode assim exigir dos executados os seguintes valores:

i) os honorários do seu mandatário a fixar no final do processo”.
6. Por requerimento de 27.5.2013, a exequente apresentou nos autos nota justificativa de honorários, discriminando os serviços prestados pelo seu advogado e pedindo a atribuição da quantia de € 2.950,00, acrescida de I.V.A.
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Apreciação da questão do recurso
Num primeiro momento, a questão a decidir passa por saber se há título executivo para a cobrança de honorários a favor do ilustre mandatário da exequente.
Um dos pressupostos específicos da ação executiva, fundamental é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo. Sem este pressuposto, formal pela sua natureza, inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à ação executiva, ou seja, à realização coativa de uma determinada prestação (ou do seu equivalente). Tal título há de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar. Por constituir a base da execução, pelo título se determina, além do mais [1] o seu objeto como parte dos limites da ação executiva --- cf., na lei, o art.º 45º do Código de Processo Civil [2].
Nenhuma ação executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação [3].
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, a par de requisitos formais ou extrínsecos de exequibilidade, relacionados com o título executivo enquanto documento conferente de um grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva, existem requisitos, ditos intrínsecos, materiais ou substanciais, que também condicionam a exequibilidade do direito, inviabilizando, na sua falta, a satisfação coativa da obrigação. Tal ocorre, por exemplo, quando a prestação não seja certa, exigível e líquida ou ainda quando ocorre ato extintivo ou modificativo da obrigação. A falta, não suprida, de qualquer destas condições materiais da prestação --- tal como a ausência de outros requisitos do mesmo género --- obsta à exequibilidade e constitui até fundamento legal de oposição à execução, nos termos do art.º 814º, nº 1, al. e) e 816º do citado Código de Processo Civil, como meio processual próprio e adequado de discussão e decisão.
Pelo contrato que serve de título à execução, o avalista executado obrigou-se inclusivamente a pagar “as despesas, judiciais ou extrajudiciais, que a C… faça para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos”.
Dentro dos limites da lei, as partes são livres de estabelecer nos contratos as cláusulas que lhes aprouver (princípio da liberdade contratual; art.º 405º do Código Civil).
Não oferece a menor dúvida a cláusula em apreço. Fixada ela entre as partes, a obrigatoriedade de constituição de mandatário forense para recorrer a Juízo no processo executivo (art.º 60º do Código de Processo Civil) e aí defender o seu interesse, os honorários do mandatário não podem deixar de se considerar abrangidos nas despesas judiciais e extrajudiciais que a exequente teve de fazer para segurança e cobrança do seu crédito. O advogado constituído pela exequente desenvolveu trabalho no que concerne à análise das questões jurídicas suscitadas e também no que respeita aos atos processuais a que houve lugar com vista à realização do crédito e esse serviço tem de ser remunerado. Assim não seria se tivesse havido pagamento voluntário pela devedora ou pelos avalistas [4].
O acordo firmado entre as partes quanto ao pagamento daquelas despesas constitui, aliás, uma manifestação do princípio da responsabilidade. Tendo as pessoas direito à sua liberdade pessoal, nos limites do dever de respeitar a liberdade individual dos outros e da solidariedade social, devem ser chamadas a responder pelo exercício que fazem dessa liberdade, pelas consequências dos seus atos e comportamentos. Legislativamente, tal princípio encontra-se consagrado nos artigos 483º e 798º do Código Civil, segundo os quais quem viola ilicitamente os direito ou interesses alheios ou incumpre as suas obrigações fica obrigado a indemnizar pelos prejuízos causados, consistindo essa indemnização na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (arte.º 562º do Código Civil). É, assim, compreensível que, se alguém tem necessidade de recorrer aos tribunais para obter tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses e lhe vê concedida razão, tem direito a ser indemnizado também pelos encargos que o recurso ao processo lhe ocasionou, que são, ainda, prejuízos que lhe advieram em função da conduta de terceiro violadora do direito ou interesse cuja tutela se visou com a ação.[5] É, pois, compreensível e até natural que as partes documentem o direito à reparação de despesas judiciais e extrajudiciais causadas à parte vencedora pela parte vencida, com vista à sua cobrança, se necessário, coerciva, em execução, nelas se devendo considerar abrangidos os honorários do mandatário, seja ele advogado ou solicitador.
Como se refere no acórdão da Relação de Évora de 7.12.2012 [6], há casos especiais em que a lei prevê o pagamento de indemnização autónoma, a título de honorários, sendo eles os de má-fé e de inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da ação (art.ºs 457.º e 662.º n.º 3, do Código de Processo Civil) para além da obrigação poder ser objeto de convenção entre as partes.
Assim, ao menos naquelas situações, designadamente quando o exequente se apresenta munido de documento com valor de título executivo relativamente aos honorários do mandatário, poderá o mesmo, em princípio, servir de base à execução para sua cobrança coerciva.
No caso, o documento é particular e não foi elaborado nem autenticado por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.
O art.º 46º, nº 1, do Código de Processo Civil [7], prevê taxativamente os títulos executivos, sendo que o documento aqui em causa, de natureza particular, enquadra-se na respetiva al. c): “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;”.
Mas no que respeita aos honorários do advogado, pese embora desde logo, no requerimento inicial, a exequente manifeste intenção de obter também o seu pagamento por via da execução, a mesma relegou para final a respetiva liquidação, conforme nota que apresentou pelo valor de € 2.950,00, acrescido de I.V.A. Compreende-se, visto que só depois de finda a execução os honorários poderão ser fixados e tornados certos face ao tempo despendido pelo advogado com a execução, às dificuldades do processo, à importância e urgência dos serviços prestados, às responsabilidades por ele assumidas, aos resultados obtidos e aos demais usos profissionais, em conformidade com o que estipula o art.º 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados [8]. Como a ação executiva pressupõe o incumprimento da obrigação, este não resulta do próprio título quando a prestação é, perante este, incerta, inexigível ou, em certos casos, ilíquida. Há então que a tornar certa, exigível ou líquida, sem o que a execução não pode prosseguir (art.º 802º do Código de Processo Civil).
É certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou por individualizar).
A obrigação é líquida quando tem por objeto uma prestação cujo quantitativo está apurado.
A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art.º 777º, nº 1, Código Civil, de simples interpelação ao devedor.
O art.º 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, não tem aplicação na ação executiva, por contrariar a regra especial contida no citado 802º.[9] As diligências destinadas a tornar certa, exigível ou líquida a obrigação revestem a natureza de verdadeiros preliminares da execução.
Uma vez que os honorários em causa abrangem, além do mais, o trabalho prestado pelo advogado no processo de execução, só o termo deste permite tornar exigível e líquida a prestação. Só no final da execução é possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar, no caso o avalista executado.
De acordo com a jurisprudência conhecida [10], o caminho a prosseguir é proceder, por analogia de situações, de modo semelhante ao estabelecido no art.º 457º, nº 2 [11], do Código de Processo Civil, para a liquidação de honorários a considerar dentro da indemnização por litigância de má fé.
Mas a questão mantém-se: valerá o contrato junto com o requerimento inicial como título executivo para cobrança dos referidos honorários?
Atenta a data de interposição da execução (janeiro de 2013) é aplicável a redação da al. c) do art.º 46º do Código de Processo Civil introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro, na definição dos documentos particulares assinados pelo devedor, com valor de título executivo [12].
Sendo manifesto que a obrigação de pagar despesas judiciais e extrajudiciais configura a constituição de obrigações pecuniárias, nos termos daquela al. c) do nº 1 do art.º 46º, o documento que prevê o seu pagamento só pode valer como título executivo quanto a elas se o seu montante ali estiver determinado ou seja determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. Esta última exigência (de acordo com as cláusulas dele constantes) constitui uma inovação relativamente à redação anterior dessa mesma norma legal (introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro), sendo que anteriormente àquela revisão, a dita al. c) se bastava com montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de março) e na e revisão dada pelo Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, menos exigente, para que o documento valesse como título executivo bastava mesmo que, a este nível, o montante estivesse determinado ou fosse determinável nos termos do artigo 805º.[13]
Quer isto significar que a redação aplicável ao caso restringe o âmbito de validade dos documentos particulares enquanto títulos executivos, impedindo a sua exequibilidade quando deles conste a obrigação de pagamento de quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
Como refere Lebre de Freitas [14], “quando, porém, a liquidação da obrigação exigiria o procedimento incidental do art.º 805º, nº 4, a acção executiva não é admitida, por falta de título”. No mesmo sentido, refere Fernando Amâncio Ferreira [15] que “caso a obrigação seja ilíquida e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, a acção executiva não pode fundar-se em título particular”.
Este entendimento não é mais nem menos do que o que consta inequivocamente expresso na referida norma do art.º 46º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil.
A exequente não indicou nem poderia ter indicado na petição inicial a quantia total a que tem direito pela despesa com honorários, e tal montante, como vimos, depende de fatores aleatórios, variáveis e discutíveis, mesmo entre as partes, em ordem à sua determinação e fixação. Logo, a liquidação daquele valor não depende de mero cálculo aritmético, nem das cláusulas contratuais documentadas consta a forma da sua determinação. Por conseguinte, o contrato que serve de base à execução --- documento particular não autenticado --- não é, retius, não pode ser, título executivo para cobrança das despesas judiciais e extrajudiciais nele previstas.
Em todo o caso, é aplicável o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pela Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro (cf. respetivo art.º 8º).
Já o anterior Código de Processo Civil (redação conferida pelo Decreto-lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro que também aprovou o Regulamento das Custas Processuais), no seu art.º 447º-D, sob a epígrafe “custas de parte”, dispunha que “as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais” (nº 1). O subsequente nº 2, al. d), dispõe que estão compreendidos nas custas, além do mais, “os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas”; e o nº 3 determina que tal quantia deve ser objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual deverão constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.
Este regime tem absoluta correspondência no atual art.º 533º, nºs 1, 2, al. d) e 3, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.
Na vigência do Código das Custas Judiciais, com base nos art.ºs 32º, nº 1, al. g) e 33º, era dominante a jurisprudência que entendia que as custas de parte não integravam qualquer quantia título de honorários (a favor da parte vencedora) e que só haveria lugar àquela indemnização autónoma nos casos excecionais expressamente previstos na lei: má-fé (art.º 457º do CPC) e de inexigibilidade da obrigação (art.º 662º, nº 3, do CPC). [16] Naquela posição, valia então a procuradoria como compensação da mesma parte por despesas, incluindo honorários com o seu mandatário.
Defendia-se já, numa posição minoritária, que era um imperativo constitucional reparar a parte vencedora pelas despesas que a parte vencida lhe acarretou com a instauração do processo, incluindo os honorários de mandatário (despesas que a parte é obrigada a fazer para a condução do processo, afora as remunerações (honorários) dos seus advogados ou solicitadores e as despesas pessoais das próprias partes. Para o efeito, afastando a natureza excecional das normas reguladoras da indemnização por litigância de má fé (art.º 457º) e da inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da ação em que o autor, não sendo contestada a existência da obrigação, é condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu (art.º 662º), defendeu-se a atribuição da compensação por honorários, se necessário, com posterior liquidação, nos termos do art.º 661º, nº 2, do Código de Processo Civil [17].
Sobretudo na posição dominante, entendia-se que, visando as custas de parte o reembolso à parte vencedora do que ela teve de despender com o impulso do processo em juízo, salvo os honorários a mandatários, ainda que previstos em título executivo que os ponha a cargo do devedor, jamais lograria alcançar, por via da conta final do processo, a compensação global por todas as despesas judiciais e extra judiciais suportadas [18].
Defendeu-se então a doutrina do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28.3.1930, segundo o qual “salvo acordo em contrário, na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas, não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras”.
Com a vigência do citado art.º 447º-D do Código de Processo Civil e do atual art.º 533º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, atrás referidos, e a correspetiva aplicação do art.º 25º do Regulamento das Custas Processuais, ao caso aplicável, os honorários de mandatário passam a integrar, em alguma medida, as custas de parte, devendo as partes que tenham direito a elas remeter para tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, no caso de execução, até cinco dias após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, a respetiva nota discriminativa e justificativa (nº 1 daquele art.º 25º), dela devendo constar a “indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º”.
Verifica-se assim que, por força da lei, a exequente tem direito a ver incluída nas custas de parte uma quantia relativa honorários do seu advogado, independentemente do título executivo não abranger a possibilidade de os executar [19], o que impõe a revogação do despacho recorrido, a substituir por outra decisão que os fixe com base em nota justificativa e segundo o critério legal estabelecido no art.º 25º, nºs 1, 2 e 3, do Regulamento das Custas Processuais.
A presente apelação subiu em separado e não está esta Relação na posse de todo o conjunto de pressupostos legais que condicionam a fixação dos honorários, quer em função do tempo ou momento processual, quer para a respetiva liquidação, designadamente os valores das taxas de justiça pagas pelas duas partes (cf. art.º 26º, nº 3, al. c), do Regulamento das Custas Processuais).
Com efeito, revogando a decisão recorrida, há que determinar que a 1ª instância, em momento oportuno, fixe os honorários a que a exequente tem direito como custas de parte, nos termos do art.º 447º-D, nºs 1 e 2, al. d), do Código de Processo Civil revogado ou do art.º 533º, nºs 1 e 2, al. d) do atual Código de Processo Civil, e 25º, nºs 1 e 2, al. d) e 26º, nº 3, al. c), do Regulamento das Custas Processuais.
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SUMÁRIO:
1. Podendo as partes contratar que, em caso de cobrança coerciva do crédito, as despesas com o advogado da exequente ficam a cargo do devedor e do avalista executados, documentando esse acordo em cláusula do contrato pelo qual celebraram um mútuo, tal documento vale, em princípio, como título executivo também relativamente à obrigação de pagamento de honorários ali constituída.
2. Quando os honorários do advogado do exequente abrangem, além do mais, o trabalho por ele prestado no processo de execução, só o termo deste permite tornar exigível e líquida a prestação. Só no final da execução é possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar.
3. Porém, naquelas condições e no âmbito de aplicação do art.º 46º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro, aquele documento contratual particular e não autenticado não vale como título executivo relativamente à cobrança de honorários, por o seu montante não estar determinado nem ser determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
4. Não obstante, já por via da aplicação do art.º 447º-D, nº 1 e nº 2, al. d), do Código de Processo Civil revogado e atualmente nos termos do art.º 533º, nºs 1 e 2, al. d) e do art.º 25º do Regulamento das Custas Processuais, a parte vencedora tem direito a compensação pela despesa com honorários com o seu advogado, como custas de parte, a suportar dentro dos limites e condições ali previstos, pela parte vencida a final.
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IV.
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo a 1ª instância --- reunidos que estejam os elementos processuais necessários --- proferir nova decisão que fixe honorários de mandatário a favor da exequente, a título de custas de parte, ao abrigo art.º 447º-D, nºs 1 e 2, al. d), do Código de Processo Civil (atual art.º 533º, nºs 1 e 2, al. d) do novo Código de Processo Civil) e 25º, nºs 1 e 2, al. d) e 26º, nº 3, al. c), do Regulamento das Custas Processuais.
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Custas da apelação pelo recorrido.
Guimarães, 30 de janeiro de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] O tipo de acção e a legitimidade das partes.
[2] Em vigor na data da instauração da execução (Decreto-lei nº 44129 de 28 de dezembro de 1961, com alterações sucessivas).
[3] Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, p. 35, nota 2, citando BRUNS-PETERS, ZVR München, 1987, p. 20; BROX-WALKER, ZVR Kõln, 1990., pág. 31.
[4] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8.4.1997, proc. 96A656 e de 6.5.1998, proc. 98A246 e Acórdão da Relação do Porto de 30.9.1997, proc. 9720320, in www.dgsi.pt.
[5] Cf. voto de vencido proferido no acórdão da Relação de Lisboa de 21.11.2006, proc. 7390/2006-1, in www.dgsi.pt.
[6] Proc. 2561/07.4TBFAR-R.E1, in www.dgsi.pt.
[7] Em vigor à data da instauração da execução.
[8] Aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro.
[9] Cf. acórdão da Relação do Porto de 8.1.1996, Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág.
[10] Citado acórdão de 8.1.1996 e, mais recentemente, o acórdão da Relação do Porto de 1.3.2011, proc. 101/07.4TBMGD-B.P1, in www.dgsi.pt, citando outros arestos mais antigos e Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 222.
[11] “Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.”
[12] Já acima transcrevemos a norma.
[13] Antes da revisão de 1995, o montante da quantia pecuniária que constituía a obrigação de pagamento tinha mesmo que estar determinado no título. Então a liquidação da obrigação nunca poderia ter lugar na ação executiva quando esta se baseasse em título particular.
[14] A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, Coimbra, 5ª edição, pág. 58.
[15] Curso de Processo de Execução, 2010, 13ª edição, pág. 39, nota 57
[16] Acórdão da Relação do Porto de 9.6.1997, proc. 9750448, acórdãos da Relação de Lisboa 28.5.1982, proc. 0020529, de 8.10.1992, proc. 0044346, de 21.11.2006, proc. 7390/2006-1, acórdão da Relação de Évora de 7.12.2012, proc. 2561/07.4TBFAR-R.E1, in www.dgsi.pt.
[17] Cf. voto de vencido proferido no citado acórdão de 21.11.2006.
[18] Acórdão da Relação de Lisboa de 13.10.2005, proc. 7210/2005-6, in www.dgsi.pt.
[19] Não fica, por isso, a exequente impossibilitada de vir a obter a condenação dos devedores noutro processo pela parte de honorários que neste não sejam pagos e a que, comprovadamente, tenha direito.