Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1450/14.0TJVNF-B.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO LABORAL
DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
DÍVIDAS DA INSOLVENTE
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ERRO NO MEIO PROCESSUAL
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A remissão do artigo 347º do CT para as normas reguladoras do despedimento colectivo serve apenas e só o propósito de prever que a compensação pela cessação do contrato de trabalho devida ao trabalhador cujo contrato caduca, é calculada nos termos do artigo 366º do CT, isto é, como se de um despedimento colectivo se tivesse tratado, não se podendo, assim, olhar-se para a remissão que o artigo 347º, do CT, faz para as normas reguladoras do despedimento colectivo no sentido de terem de ser cumpridos todos os formalismos ali previstos, pois que, por um lado, o próprio artigo ressalva que essa remissão deve ser efectuada com as necessárias adaptações e, por outro lado, porque tal interpretação desrespeitaria toda a dinâmica e interesses que o processo de insolvência visa proteger, pelo que não terá sido esse o espírito do legislador ao dar a redacção actual ao tal preceito legal.

II - Não se exige assim a comunicação prévia da intenção de proceder ao despedimento.

III - A compensação pela cessação dos contratos de trabalho que caducaram em momento posterior à declaração da insolvência, deve ser considerada uma dívida da insolvência e não da massa, pois que a dívida emerge de uma relação que nasceu muito antes da declaração de insolvência e não constitui qualquer contrapartida de uma obrigação do trabalhador, motivo pelo qual não se subsume à previsão do artº 51º, nº 1, alínea e) do CIRE.

IV - Igualmente não se subsume à previsão das alíneas c) e d) do seu nº1, porque a compensação a atribuir não emerge dos actos de administração (alínea c), nem é uma dívida resultante da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (alínea d) tout court), embora resulte de uma actividade volitiva dele nesse sentido. A compensação emerge da cessação dos contratos de trabalho em virtude da sua caducidade pela cessação da actividade da insolvente e encerramento do estabelecimento da insolvente que decorre da situação de insolvência do devedor.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório

Por sentença de 09.07.2014 transitada em julgado, proferida no processo n.°1450/14.0TJVNF, foi decretada a insolvência de Fábrica de Malhas Filobranca, SA, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
Foram apreendidos para a massa insolvente vários bens móveis e ainda bens imóveis.
Findo o prazo supra referido, o Sr. Administrador da Insolvência veio juntar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.
Entre outros, vieram impugnar a lista apresentada, dentro do prazo fixado, os seguintes credores, ex trabalhadores da insolvente:

A
– Amélia … e … (outros 65)

Alegando a indevida exclusão de créditos, concluindo dever ser reconhecido o crédito dos Impugnantes conforme consta da sua reclamação de créditos, pois que, não tendo sido cumpridas as formalidades do despedimento colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 347.º, 3 e 359.º e ss, do Código do Trabalho, têm os Trabalhadores direito à indemnização de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 389.º, 1 e 391.º, 1, do C.T.
O Ex.mo Administrador respondeu à impugnação – fls. 733 a 738.

B
– Cristina …, igualmente ex trabalhadora da insolvente, veio requerer a substituição da reclamação de créditos, uma vez que face à extinção do seu contrato de trabalho, o seu crédito deixou de ser condicional passando a ser efectivo, bem como impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, concluindo que lhe assiste o direito a receber as correspondentes retribuições, que não foram pagas, no valor de € 1.849,43 (mil oitocentos e quarenta e nove euros e quarenta e três cêntimos) sendo:

a) € 312,18, férias não gozadas (2014);
b) € 1.419, 00, referente às férias vencidas em 01/01/2015;
c) € 118,25, referente ao subsídio de natal proporcional,
bem como, de harmonia com o art.° 391.° do Código do Trabalho, a quantia de € 31.927,50 (€ 709,50:30 d x 45 d x 30 meses), indemnização correspondente a 45 dias de retribuição de base por cada ano ou fracção de antiguidade pela ilicitude do despedimento,
- 1.77,75 € por falta de aviso prévio – art. 363.º, 1, d) do CT – e
- 429,45 € de horas de formação não prestadas,
devendo tais créditos ser considerados sobre a Massa Insolvente e não sobre a Insolvência ou, se sobre a Insolvência, dotado de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre os dois imóveis da Insolvente onde exerceu a sua actividade, em Riba d´Ave e Mogege.
O Ex.mo Administrador de Insolvência deduziu a oposição de fs. 739.
C
– Albertina … e outros 68, todos ex-trabalhadores de Fábrica de Malhas Filobranca, S.A. e Reclamantes no Processo de Insolvência em apreço, vieram, ao abrigo do disposto no artigo 130° do CIRE, impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, concluindo assim:

a) - o crédito do Credor/trabalhador Narciso deve ser qualificado como beneficiando de privilégio imobiliário especial previsto no artigo 377° do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27/08) artigo 333° do actual Código do Trabalho (aprovado pela Lei n° 7/2009) sobre os imóveis constituídos pelas unidades fabris da Insolvente em Portugal, mais concretamente sobre o prédio descrito na CRP de V. N. de Famalicão sob o n° 66 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 55, da freguesia de Riba de Ave e sobre o prédio descrito na CRP de V. N. de Famalicão sob o n° 77 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 88 da freguesia de Mogege.
b) - devem todos os impugnantes ver reconhecidos os seus créditos tal como foram reclamados, ou seja, que a sua antiguidade seja calculada em um mês (trinta dias) de retribuição e diuturnidades por cada ano completo de trabalho ou proporcionalmente em caso de fracção de ano, atento o seu ilícito despedimento, nos termos dos art. 389.º e 391.º do CT.
O Ex.mo Administrador da Insolvência deduziu a oposição constante de fs. 740/741.

D
Pedro …, na qualidade de credor reclamante nos autos em apreço, veio (fls. 687 a 697), ao abrigo do disposto no art. 130° do CIRE, veio apresentar impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, concluindo pedindo que seja:

a) Reconhecido o crédito do trabalhador da insolvente, sobre esta e a insolvência, no valor total de € 64.727,02, sendo:
- € 6.574,85, a título de diferenças salariais de Janeiro a Julho de 2014 (conforme reclamação de créditos apresentada); - € 1.466,60 a título de férias (2013) não gozadas (reconhecido pelo A.I);
- € 8.796,67 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pela cessação do contrato (reconhecido pelo A.I);
- € 47.893,90 a título de compensação pela cessação do contrato, nos termos invocados;
b) O qual deverá, nos termos do disposto no art. 333° ser classificado como privilegiado, gozando de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial sobre os imóveis que constituem a unidade fabril e empresarial da insolvente, designadamente sobre o prédio descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o n° 66 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 55 da freguesia de Riba de Ave e sobre o prédio descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o n° 77 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 88 da freguesia de Mogege.
O Sr. Administrador da Insolvência deduziu a oposição a fls. 742/743.

E
Maria Celeste … veio, a fls. 705/712, requerer a substituição da sua reclamação de créditos e impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, formulando o pedido de pagamento das seguintes quantias:
- € 1.421,95 por falta de pré-aviso de 75 dias, nos termos da alínea d) do n.° 1 do referido art.° 363 do C.T.
- €23.502,46 de indemnização por despedimento ilícito, nos termos dos art. 383.º e 391.º do C.T.;
- €567,69 por retribuição das férias referente ao trabalho prestado em 2013 e vencidas em 01/01/2014;
- €499,57 de subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 2013 e vencidas em 01/01/2014;
- €435,74 de férias proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de cessação do contrato de trabalho (2014);
- 435,74 € de subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de cessação do contrato de trabalho (2014),
- 429,13 € de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de cessação do contrato de trabalho, no montante global actual de 27.292.28 € (vinte e sete mil duzentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), com juros à taxa legal de 4% desde a data da cessação do seu contrato de trabalho, a classificar como crédito sobre a massa insolvente e não da Insolvência, ou, se sobre a Insolvência, reconhecido como gozando de privilégio mobiliário geral e do privilégio imobiliário especial, nos termos da lei.
O Ex.mo Administrador de Insolvência deduziu a oposição de fs. 744.
Foi proferido despacho-saneador (fls.746-757) no qual foi fixado o objecto do litígio e os temas da prova.
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Procedeu-se à realização da audiência.
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A reclamante Cristina …, desistiu do pedido, na parte respeitante ao pré-aviso.
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Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

a)Julga-se totalmente procedentes as impugnações deduzidas pelos trabalhadores Albertina … e outros, quanto aos montantes da indemnização pelo despedimento ilícito.
b) Julgo parcialmente procedentes as impugnações deduzidas pelos trabalhadores, no que concerne à indemnização por despedimento, Amélia …. E outros.
c) Julgar a impugnação apresentada pela trabalhadora Cristina …, parcialmente procedente no que concerne à indemnização por despedimento e na parte restante, totalmente procedente.
d) Julgar a impugnação apresentada pela trabalhadora Maria Celeste … improcedente quanto ao montante peticionado a título de falta de aviso prévio, parcialmente procedente no que concerne à indemnização por despedimento e totalmente procedente quanto aos demais.
e) Julgar a impugnação apresentada pelo trabalhador Narciso … totalmente procedente.
f) Julgar a impugnação apresentada pelo trabalhador Pedro ... … totalmente procedente. “

A massa insolvente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde concluiu do seguinte modo:

1. O presente recurso vem interposto da Sentença proferida no apenso de reclamação de créditos ao processo de insolvência da sociedade FÁBRICA DE MALHAS FILOBRANCA, S.A. (doravante, abreviadamente FILOBRANCA) que, pondo termo à causa, julgou total ou parcialmente procedentes as impugnações apresentadas por diversos credores (trabalhadores) à relação de créditos elaborada pelo Sr. AI nos termos do artigo 129º do CIRE.
2. A douta Sentença recorrida, para além de padecer de diversas nulidades, concreta e resumidamente: excesso de pronúncia, omissão de pronúncia, contradição insanável entre fundamentos e decisão, ambiguidade e ininteligibilidade, condenação em objecto diverso do pedido e erro de julgamento, dá ainda como provados factos que não o deveriam ser e, também como não provados factos que o deveriam estar, fazendo um incorrecto apuramento e uma imprópria qualificação dos factos relevantes para a boa decisão da causa, culminado numa indevida interpretação e aplicação das regras de direito às quais a matéria em causa nestes autos é efectivamente subsumível.
3. Dispõe o artigo 128º do CIRE, no seu nº 1, que: «Dentro do prazo fixado para o efeito na Sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento (…)» (negrito e sublinhado nossos),
4. Consagra ainda o mesmo preceito legal, no seu nº 3, que: «A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência (…)» (negrito e sublinhado nossos).
5. Resultando claramente do regime jurídico que prima facie regula a tramitação do processo de insolvência que o incidente de verificação de créditos previsto pelos artigos 128º e ss. do CIRE tem como exclusivo objecto a verificação de créditos (e do direito à separação e restituição de bens – in casu não aplicável) sobre a insolvência,
6. E não a decidir da alegada (in)existência de montantes devidos a qualquer (pretenso) credor da própria massa insolvente.
7. Pelo que, ao tomar posição e decidir que os montantes que designou como «da indemnização por despedimento ilícito» são «créditos sobre a massa insolvente», a Meritíssima Juíza da Primeira Instância - para além de ir além dos pedidos formulados pela maioria dos trabalhadores impugnantes (relembre-se que apenas as credoras Cristina (…) e Maria Celeste (…) vieram, indevidamente nesta sede, alterar as reclamações de créditos que apresentaram e requerer o reconhecimento dos seus créditos laborais como dívida da massa) - conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento (cfr. artigo 665º nº 1 d) do CPC), enfermando a Sentença recorrida de insanável nulidade (não só, mas também) por esta via, a qual sempre deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente qualquer valor peticionado nestes autos como dívida da massa insolvente.
8. Veja-se, neste sentido, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/06/2009, proferido no processo 269/07.0TYVNG-O.P1, da Relatora Maria Catarina, e ainda, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/06/2016, proferido no processo 1976/12.0TBFUN-D.L1-2, da Relatora Ondina Carmo Alves (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
9. Declarada a insolvência da sociedade FILOBRANCA e dentro do prazo previsto na Sentença para esse efeito, vieram todos os credores trabalhadores aqui impugnantes reclamar a verificação dos seus (alegados) créditos sobre a insolvência, por meio de requerimentos endereçados ao Sr. AI, tendo como fundamento os contratos de trabalho celebrados (todos eles) em data anterior à declaração de insolvência,
10. Reclamando, a título de indemnização ou compensação pela cessação do contrato (em abstracto e, para o que aqui importa, sem atender a valores concretos): uns (os requerentes nas impugnações identificadas nos pontos A., B. e E.) o montante correspondente a 45 dias por cada ano (ou fracção) de antiguidade, outros (os requerentes na impugnação identificada no ponto C.) o montante correspondente a 30 dias por cada ano (ou fracção) de antiguidade, e ainda, um outro dos impugnantes (o requerente na impugnação identificada no ponto D.) o montante calculado nos termos do artigo 5º da Lei 69/2013 de 30/08 (cfr. impugnações de fls. dos autos).
11. Apenas as credoras Cristina … (requerente da impugnação identificada no ponto B.) e Maria Celeste … (requerente da impugnação identificada no ponto E.) vieram posteriormente (indevidamente nesta sede, como já ficou demonstrado) alterar as reclamações de créditos que apresentaram e requerer o reconhecimento dos seus créditos laborais como dívida da massa.
12. Nenhum dos outros credores impugnantes (e requerentes das impugnações identificadas nos ponto A., C. e D.) peticionou a esse título (indemnização / compensação) qualquer valor como dívida da massa, mas como dívida da insolvência e com a natureza de créditos privilegiados (com privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis que constituíam a unidade fabril da FILOBRANCA em Riba de Ave e Mogege).
13. Sucede que, embora a Sentença recorrida, na sua parte dispositiva, julgue (parcial ou totalmente) procedentes as impugnações apresentadas e, portanto, levaria a supor que se limitou a conhecer dos pedidos formulados,
14. A verdade é que, na sua fundamentação, decide – sem que, aliás, se consiga sequer alcançar se em relação apenas aos credores requerentes da impugnação identificada no ponto C., ou se em relação a todos os impugnantes – que tais créditos laborais são uma dívida da massa insolvente (!)
15. Sem que, repita-se, aqueles impugnantes identificados no ponto C., e menos ainda os identificados nos pontos A. e D., tenham reclamado e/ou requerido em qualquer momento processual que os seus créditos laborais fossem reconhecidos como dívida da massa insolvente.
16. Dispõe o artigo 609º nº 1 do CPC que «A Sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.»
17. Estamos perante o princípio do pedido, segundo o qual o Tribunal se encontra vinculado, estando a sua acção delimitada pelos pedidos formulados pelas partes, não tendo este princípio basilar sido respeitado pelo Tribunal a quo – veja-se a este propósito o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2015, proferido no processo 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, do Relator Pinto de Almeida (disponível em www.dgsi.pt).
18. Pelo que, assim julgando, o Tribunal recorrido, por um lado, tomou uma posição sobre objecto diverso do pedido, pelo menos no que tange aos credores requerentes da impugnação identificada no ponto C. (cfr. artigo 665º nº 1 e) do CPC)
19. Por outro lado, não é possível à ora Recorrente alcançar se também o fez relativamente aos requerentes das impugnações identificadas nos pontos A. e D. (cfr. artigo 665º nº 1 c) do CPC) – e se o fez também quanto a estes, de igual forma não o poderia ter feito, uma vez que não foi por estes peticionado.
20. Circunstâncias que determinam que a Sentença recorrida padece (também) destas insanáveis nulidades, pois vai além do / dos pedido / pedidos formulado / formulados pelos credores.
21. Sendo completamente indecifrável sobre a quem se aplica tal entendimento – se a alguns, se a todos os impugnantes.
22. É que, admitindo a inexistência de qualquer recurso e que a Sentença recorrida transitava em julgado sem ser posta em causa, o Sr. AI e/ou qualquer outro interveniente processual (incluindo os credores) ficaria sem compreender como iriam ser pagos os créditos impugnados ali verificados:
todos como dívidas da massa? uns como dívidas da insolvência e outros como dívida da massa? E quais? os peticionados como dívidas da massa pagos como tal e os restantes como dívidas da insolvência?
23. Não é de todo possível responder a qualquer destas questões por recurso ao texto da Decisão de que ora se recorre, até porque (como se disse supra), o que o Tribunal a quo decide na fundamentação da Sentença entra em directa e inultrapassável contradição com a respectiva parte decisória.
24. A nossa doutrina e jurisprudência vão no mesmo sentido, designadamente Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, página 52), o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2002, proferido no processo 01P3821, do Relator Simas Santos, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2007, proferido no processo 4086/06, do Relator Santos Cabral (disponível em www.dgsi.pt e www.pgdlisboa.pt/jurel/stj, respectivamente).
25. Impondo-se então que a Sentença recorrida seja, também nesta parte, revogada e substituída por outra que conheça apenas de todos e de cada um dos exactos pedidos formulados pelos credores impugnantes, de forma clara, inequívoca e individualizada.
26. Por outro lado ainda, a Sentença ora recorrida, ao ser proferida no apenso de reclamação de créditos a um processo de insolvência, pondo assim termo à respectiva causa, é apelidada no CIRE de «Sentença de verificação e graduação dos créditos» (cfr. artigo 140º nº 1 daquele Código).
27. Pressupõe-se portanto que, para além de julgar quais os créditos que são devidos pela insolvente para serem pagos pelo produto da venda dos bens que foram apreendidos nos autos, tal Sentença gradue a ordem pela qual os mesmos devem ser pagos.
28. Resulta evidente do texto da Decisão aqui posta em crise que não foi elaborada qualquer graduação (nem geral nem especial) dos créditos que verificou, independentemente de não se concordar com os termos de tal verificação.
29. Padece tal Decisão, também por esta via, de (outra) nulidade, pois o Tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão que, nos termos da própria lei aplicável ao processo, deveria apreciar (cfr. artigo 665º nº 1 d) do CIRE) - nesse sentido, veja-se o Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/09/2014, proferido no processo 900/11.2TBCNT-B.C1, do Relator António Carvalho Martins.
30. Atente-se no disposto no nº 7 do artigo 136º do CIRE, devidamente vertido, aliás, no Despacho Saneador de fls.: «Se a verificação de algum dos créditos necessitar de produção de prova, a graduação de todos os créditos tem lugar na Sentença final».
31. Tendo sido este o caso dos presentes autos, não se compreende a completa omissão da Sentença recorrida quanto a esta matéria, cujo conhecimento se impunha ope legis e cuja ausência a torna nula, impondo a sua revogação e substituição por outra que gradue todos os créditos que já estão verificados e/ou que o venham a ser no seguimento do que infra melhor se exporá (ex vi actual artigo 665º nº 1 do CPC). – cfr. neste sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/01/2011, proferido no processo 825/08.9TBMGR-K.C1, do Relator Falcão de Magalhães (disponível em http://bdjur.almedina.net)
32. No que concerne à incorrecta decisão sobre a matéria de facto e consequente indevida aplicação do direito, sem prejuízo e não obstante tudo o que supra fica exposto, entende a Recorrente que a Decisão proferida, advém, com todo o devido respeito, de um manifesto lapso da meritíssima Juíza da 1ª Instância na interpretação da prova produzida e, por isso, no apuramento da matéria fáctica.
33. Partindo claramente de premissas erradas na análise dos factos, termina numa consequente indevida aplicação do direito.
34. Já em sede de Despacho Saneador, do qual a ora Recorrente oportunamente reclamou, foi aí trazido ao conhecimento do Tribunal a existência de diversas imprecisões, discrepâncias, contradições e lapsos na matéria de facto dada ali como assente.
35. Embora tal reclamação tenha sido indeferida por Despacho de fls. datado de 17/05/2016, foi-o com fundamento no seguinte: «porque apenas propõe alterações na redacção dos pontos indicados como temas da prova, e objecto do processo, e sendo certo que os mesmos não formam caso julgado».
36. Pelo que e nos termos do disposto no artigo 596º nº 3 do CPC, é então em sede do presente recurso que é possível à ora Recorrente colocar em causa o teor de tal Despacho, pugnando pelo deferimento da reclamação oportunamente apresentada.
37. Uma vez que a Sentença recorrida, após identificar as partes impugnantes e o objecto do litígio, continua elencando os factos que considera assentes relativamente a cada impugnação apresentada, que identifica com as letras A. a E., e ainda porque, quer a matéria de facto, quer a consequente aplicação do direito, que (sem prescindir do supra alegado no que concerne às nulidades da Sentença) são visadas com o presente Recurso se prendem (apenas) com as questões que o Tribunal a quo identificou como primeira e terceira questões a decidir (cfr. ponto D. da Sentença), utilizar-se-á de seguida a mesma sistematização para melhor compreensão da segunda parte do objecto do presente Recurso, dando integral cumprimento, no que concerne à impugnação da matéria de facto, ao disposto no artigo 640º do CPC.
1ª questão - (valor e natureza) da compensação devida aos trabalhadores (credores impugnantes) pela cessação do contrato
38. quanto à impugnação referida no ponto A., o Tribunal a quo deu como assentes factos que estão parcialmente repetidos e/ou em directa contradição entre si, concretamente parte dos factos 2. E 3. com os factos 6., 7. e 8.
39. Se é dado (e correctamente) como assente que «em sede de Assembleia de Credores realizada em 27/08/2014 (…) resultou deliberado o encerramento definitivo da empresa insolvente e o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo» (facto assente 6.) – tal como, aliás, resulta da respectiva Acta constante de fls. dos autos principais de insolvência,
40. E que, «daí emergiu a caducidade dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores da insolvente, à excepção daqueles trabalhadores cuja manutenção se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação» (facto assente 7.),
41. E ainda que, foi essa «cessação comunicada a tais trabalhadores através de comunicação escrita entregue e/ou enviada em 27/08/2014» (facto assente 8.),
42. Então não se compreende como dá como provado o facto descrito em 2., que acaba por ser uma repetição, ainda que incompleta dos factos 6. e 7.,
43. Bem como, a primeira parte do facto descrito em 3. (até «cessou o contrato de trabalho dos Reclamantes»), que é também uma repetição parcial dos factos 6., 7. e 8.,
44. Sendo ainda que, quanto à segunda parte do mesmo facto 3. - «sem qualquer aviso prévio, sem qualquer comunicação anterior e sem qualquer negociação com os impugnantes» - não só não se alcança a relevância desta matéria para a decisão da causa,
45. Uma vez que, a considerar-se provado como foi (e bem) o motivo e o contexto da cessação dos contratos de trabalho tal como descritos nos factos 5., 6., 7. e 8., aquele exacto ponto deixa de ter qualquer pertinência para a aplicação do Direito, como também e pela mesma razão, acaba por contradizer aqueles factos considerados correctamente, na perspectiva da ora Recorrente, como assentes,
46. Tanto mais que, da prova documental constante dos autos (nomeadamente o Relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e a Acta da Assembleia de Credores de 27/08/2016) e da depois produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente do depoimento prestado pelo Sr. AI gravado na aplicação Citius desde as 11:09 horas até às 11:26 horas (que supra se transcreveu), resulta evidente que: os trabalhadores conheciam bem antes da Assembleia de Credores que o seu contrato de trabalho iria cessar caso viesse a ser (como foi) ali deliberado o encerramento definitivo da empresa, os trabalhadores votaram favoravelmente esse encerramento e a consequente cessação dos seus contratos de trabalho.
47. Os factos 2. e 3. devem ser integralmente retirados do elenco de factos assentes.
48. quanto à impugnação referida no ponto B.: quanto ao facto assente 10., considerando que o Tribunal deu (e bem, reitera-se) como provado o que supra se refere quanto aos factos assentes 5., 6. e 7., o facto assente 10. deveria apresentar uma redacção diferente, no sentido de incluir o enquadramento da cessação dos contratos de trabalho no presente processo de insolvência, porquanto a impugnante aqui em causa (Cristina …) incluiu-se naqueles trabalhadores cuja colaboração se revelou, em determinado período de tempo, «necessária e indispensável à tramitação da liquidação» (vd. facto assente 7.).
49. Pelo que, o facto assente 10. deverá passar a ter a seguinte redacção: 10. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns dos contratos de trabalho cuja colaboração se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, nomeadamente com a reclamante Cristina …, o que no caso desta se verificou até 26/01/2015, sendo que esta trabalhadora tinha sido admitida ao serviço da insolvente em 12/03/1985.
50. No que concerne ao facto assente 11., pelas mesmas razões invocadas supra a propósito da incorrecta redacção do facto dado (indevidamente) como assente sob o nº 3, também aqui não deve constar a parte final deste facto assente 11., dele se retirando o seguinte segmento: «sem pré-aviso ou quaisquer outras comunicações, informações ou negociações»,
51. Porque irrelevante para a boa decisão da causa e porque contraditório com os demais factos correctamente dados como assentes, e ainda face à mesma prova documental (nomeadamente o Relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e a Acta da Assembleia de Credores de 27/08/2016) e à depois produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente do depoimento prestado pelo Sr. AI gravado na aplicação Citius desde as 11:09 horas até às 11:26 horas.
52. quanto à impugnação referida no ponto C.: quanto ao facto assente 21., considerando que o Tribunal dá como provado o que supra se refere quanto aos factos assentes 5., 6., 7. e 8., o facto assente 21. deveria apresentar uma redacção diferente, no sentido de incluir o enquadramento da cessação dos contratos de trabalho no presente processo de insolvência, concretamente: 21. Em sede de Assembleia de Credores realizada em 27/08/2014 resultou deliberado pelos credores, incluindo os aqui impugnantes, o encerramento definitivo da empresa insolvente e o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo, daí emergindo a caducidade dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores da insolvente, à excepção daqueles trabalhadores cuja manutenção se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, cessação que originou a entrega e/ou envio em 27/08/2014 de comunicação escrita incluindo o modelo 5044».
53. No que concerne ao facto assente 23., tendo em conta o que supra ficou explicitado, designadamente quanto à impugnação referida no ponto B., até para evitar a existência de repetições, contradições e/ou desigualdades entre os factos considerados provados quanto a cada uma das impugnações, desigualdade que sucederá inevitavelmente caso se fale num lado (facto 10.) em insolvente e noutro (facto 23.) em massa insolvente, e ainda porque a massa insolvente não celebrou qualquer contrato de trabalho (facto notório e/ou do conhecimento oficioso do Tribunal), este facto deverá ter a seguinte redacção: 23. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns dos contratos de trabalho cuja colaboração se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, o que no caso dos trabalhadores Narcisa … e António …. se verificou até 26/01/2015 e no caso da trabalhadora Maria Teresa … se verificou até 31/05/2015, datas em que, respectivamente, os seus contratos de trabalho cessaram, sendo que o trabalhador Narciso … continua ao serviço da insolvente.
54. Quanto ao facto assente 24., pelas mesmas razões invocadas supra a propósito da incorrecta redacção do facto dado (indevidamente) como assente sob o nº 3, também este facto 24. deve ser integralmente eliminado, porque irrelevante para a boa decisão da causa e porque contraditório com os demais factos correctamente dados como assentes, tudo ainda face à mesma prova documental (nomeadamente o Relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e a Acta da Assembleia de Credores de 27/08/2016) e à depois produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente do depoimento prestado pelo Sr. AI gravado na aplicação Citius desde as 11:09 horas até às 11:26 horas.
55. quanto à impugnação referida no ponto E.: o Tribunal a quo deu como assentes factos que estão parcialmente impugnados (cfr. resposta à impugnação do Sr. AI a esta impugnação, quanto à data da cessação do contrato), repetidos e/ou em directa contradição entre si, concretamente parte dos factos 63., 65. e 66. com os factos 6., 7. e 8.,
56. Porque, se é dado (e correctamente) como assente que «em sede de Assembleia de Credores realizada em 27/08/2014 (…) resultou deliberado o encerramento definitivo da empresa insolvente e o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo» (facto assente 6.),
57. E que, «daí emergiu a caducidade dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores da insolvente, à excepção daqueles trabalhadores cuja manutenção se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação» (facto assente 7.) – não sendo este o caso desta impugnante,
58. E ainda que, foi essa «cessação comunicada a tais trabalhadores através de comunicação escrita entregue e/ou enviada em 27/08/2014» (facto assente 8.),
59. Então os factos descritos em 63., 65. e 66., devem passar a ter as seguintes redacções, passando os factos descritos em 65. e 66., de forma a evitar repetições, a constar de um único facto: 63. A Reclamante, a partir de tal data de 01/05/1992 e até à data de 27/08/2014 (data da cessação do seu contrato de trabalho por caducidade resultante da deliberação de encerramento definitivo da insolvente tomada em assembleia de credores realizada nesse dia), exerceu ininterruptamente as funções e a categoria profissional de “Estampados” nas instalações / sede / armazém da Requerida sitos na Rua … Mogege, concelho de Vila Nova de Famalicão, por conta, a tempo inteiro, sob as ordens, autoridade, direcção, fiscalização, regras e orientação da Requerida. 65.
A reclamante manteve-se ao serviço da insolvente até 27/08/2014, data da cessação do seu contrato de trabalho por caducidade resultante da deliberação de encerramento definitivo da insolvente tomada em assembleia de credores realizada nesse dia.
60. Quanto aos factos 67., 68. e 69. devem ser integralmente retirados do elenco de factos provados, atenta a prova documental constante dos autos (nomeadamente o Relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e a Acta da Assembleia de Credores de 27/08/2016) e a depois produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente do depoimento prestado pelo Sr. AI gravado na aplicação Citius desde as 11:09 horas até às 11:26 horas, e ainda porque, para além da menção a uma data de cessação do contrato que não é a correcta, não têm relevância para a decisão da causa – já que foi considerado (e bem) como provado o motivo e o contexto da cessação dos contratos de trabalho tal como descritos nos factos 5., 6., 7., 8., 63. e 65. (estes dois últimos, com a nova redacção supra referida) – entrando em contradição com aqueles factos considerados correctamente como provados.
66. quanto à impugnação referida no ponto D.: os factos dados como provados sob os nºs 40. a 52. não podem ser considerados como tal, porquanto foram especificadamente impugnados com a apresentação pelo Sr. AI do Relatório do artigo 131º do CIRE, representando matéria integralmente não provada, devendo os mesmos ser eliminados, uma vez que, na resposta às impugnações apresentada pelo Sr. AI, este deixou impugnado, quer o teor da reclamação de créditos apresentada pelo credor Pedro R., quer a impugnação, impugnando ainda integralmente todos os factos e/ou documentos alegados e/ou juntos por este impugnante, alegando o Sr. AI factos completamente diferentes dos invocados por este trabalhador nas suas reclamação e impugnação, alguns dos quais correctamente dados como provados, tais como os factos 57., 58., 59. e 60.
62. Considerando que o Tribunal dá como provado o que supra se refere quanto aos factos provados 5., 6. e 7., o facto 28. deve passar a apresentar a seguinte redacção, no sentido de incluir o enquadramento da cessação dos contratos de trabalho no presente processo de insolvência, porquanto o impugnante aqui em causa (Pedro R.) incluiu-se naqueles trabalhadores cuja colaboração se revelou, em determinado período de tempo, «necessária e indispensável à tramitação da liquidação» (vd. facto provado 7.): 28. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns dos contratos de trabalho cuja colaboração se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, nomeadamente com o reclamante, o que no caso deste se verificou até 22/01/2015.
63. O facto provado 29. deverá ter a seguinte redacção: 29. Pelo que o ora impugnante se manteve a trabalhar, desempenhando as mesmas e exactas funções, tendo por base o mesmo local de trabalho e as mesmas e exactas condições.
64. Isto para evitar a existência de repetições, contradições e/ou desigualdades entre os factos considerados provados quanto a cada uma das impugnações - desigualdade que sucederá inevitavelmente caso se fale num lado (factos 10. e, com a redacção supra requerida, o facto 23.) em insolvente e noutro (facto 29.) em massa insolvente, e ainda porque a massa insolvente não celebrou qualquer contrato de trabalho, nem operou qualquer novação contratual (facto impugnado, notório e/ou do conhecimento oficioso do Tribunal), tudo ainda face à mesma prova documental (nomeadamente o Relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e a Acta da Assembleia de Credores de 27/08/2016) e à depois produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente do depoimento prestado pelo Sr. AI gravado na aplicação Citius desde as 11:09 horas até às 11:26 horas.
65. Quanto a todas estas impugnações - pontos A., B., C., D. e E.: os factos indevidamente dados como assentes quanto a estes quatro grupos de impugnantes e que discriminadamente supra se refutaram, eles não resultam da matéria provada, isto é, em momento algum do processo existiu prova, documental ou mesmo testemunhal, que permitisse ao Tribunal a quo concluir indevidamente pelo referido nos factos provados 2, 3, 10, 11, 23, 24, 28, 29, 40, 41 a 53, 63, 65, 66, 67, 68 e 69.
66. Existiu sim e já em sede de julgamento, o depoimento isento, imparcial e prestado no exercício de funções públicas do Sr. AI, que deveria ter sido valorado pelo Tribunal sobre esta matéria (gravado na aplicação Citius desde as 11:09 horas até às 11:26 horas), face ao qual, não só se impunha que a matéria de facto dada como provada fosse no sentido que supra se deixou exposto quanto a estas impugnações, como também, que o Tribunal a quo desse ainda como provado, acrescentando-o aos factos assentes, que: 72. Todos os trabalhadores impugnantes conheciam bem antes da Assembleia de Credores, face aos plenários consigo realizados pelo Sr. AI, que o seu contrato de trabalho iria cessar caso viesse a ser (como foi) ali deliberado o encerramento definitivo da empresa e votaram favoravelmente esse encerramento e a consequente cessação dos seus contratos de trabalho, que ocorreu por força do despacho judicial ali proferido que determinou o prosseguimento dos autos para liquidação.
67. A decisão que foi proferida assenta num erro de julgamento, decorrente do Tribunal recorrido ter considerado (para além de indevidamente discutir tal matéria nesta sede e, mais ainda, de o ter feito sem que fosse peticionado, não se alcançando relativamente a que credores – nulidades supra invocadas) que a cessação dos contratos de trabalho daqueles impugnantes configurou um despedimento ilícito e, por esse motivo, aqueles têm direito a uma indemnização calculada com base em 30 dias por cada ano (completo ou fracção) de antiguidade, sendo esta uma dívida da massa (!)
68. Isto porque, conforme resulta da matéria de facto dada (e bem) como provada, a cessação dos contratos de trabalho dos aqui Impugnantes - como, aliás, de todos os outros ex-trabalhadores da insolvente - resultou da deliberação tomada em sede de Assembleia de Credores na qual aqueles participaram e deram a sua anuência, e não de um acto de administração da massa e/ou de uma actuação do Sr. AI.
69. Os créditos laborais dos impugnantes, concretamente a compensação pela cessação dos contratos, não são subsumíveis ao disposto em qualquer das alíneas do artigo 51º do CIRE.
70. Os créditos laborais destes credores são, ao contrário do que é indevidamente julgado na douta Sentença recorrida, dívidas da insolvência e não dívidas da massa insolvente e já foram calculados e reconhecidos pelo Sr. AI na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129º do CIRE, nos mesmos termos dos créditos dos demais trabalhadores, todos de natureza privilegiada por força do disposto no artigo 333º, nº 1 do CT, incluindo a referida compensação pela cessação, que teve como base de cálculo o disposto artigo 5º da Lei 69/2013 de 30/08).
71. Nos termos do disposto no artigo 347º, nº 3 do CT, as formalidades a seguir para a cessação do contrato de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento neste contexto de processo de insolvência são as do despedimento colectivo, com as necessárias adaptações.
72. Com as necessárias adaptações, porque, desde logo, no âmbito de um processo de insolvência e tendo sido judicialmente determinada a liquidação da sociedade insolvente, como é o caso dos presentes autos, não tem qualquer utilidade ou sentido a fase negocial do processo de despedimento de colectivo, uma vez que o contexto de insolvência onde é imposta a liquidação da empresa não se compadece com medidas alternativas ao despedimento.
73. Pelo que, não fazendo qualquer sentido a fase das negociações, não fará igualmente sentido, pela mesma ordem de ideia, a aplicação do regime de aviso prévio para a cessação do contrato de trabalho consagrado no processo de despedimento colectivo.
74. Desta feita, a redacção actual do artigo 347º do CT é esclarecedora quando ao alcance meramente procedimental da remissão que faz para o regime do despedimento colectivo, porquanto a sua aplicabilidade é condicionada às necessárias adaptações que se deve fazer a esse mesmo regime, atendendo, claro está, às especificidades do processo de insolvência, o que vai ao encontro do entendimento sustentado de que o despedimento realizado no contexto de insolvência tem uma motivação específica.5 Nesse sentido se tem pronunciado Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4.ª Edição, Pág. 799.
75. Por isso, a remissão do artigo 347º do CT para as normas reguladoras do despedimento colectivo serve apenas e só o propósito de prever que a compensação pela cessação do contrato de trabalho devida ao trabalhador cujo contrato caduca após a declaração de insolvência é calculada nos termos do artigo 366º do CT, isto é, como se de um despedimento colectivo se tivesse tratado (que não o foi).
76. Não se pode olhar para a remissão que artigo 347º do CT faz para as normas reguladoras do despedimento colectivo no sentido de terem que ser cumpridos todos os formalismos ali previstos, por um lado, porque o próprio artigo ressalva que essa remissão deve ser efectuada com as necessárias adaptações e, por outro lado, porque tal interpretação desrespeitaria toda a dinâmica e interesses que o processo de insolvência visa proteger, pelo que não foi esse o espírito de legislador ao dar a redacção actual ao mencionado preceito legal.
77. Pretendendo o legislador com a redacção conferida a tal preceito legal (e novamente parafraseando a douta Sentença supra citada) «dar expressão a consequência da declaração da insolvência, a inevitável extinção dos contratos de trabalho decorrente da opção (dos credores) de liquidação da entidade patronal com vista à respectiva extinção, e o que constitui a regra e procedimento de um liquidatário zeloso e criterioso, salvo concretas situações que pontualmente justifiquem a manutenção dos contratos de trabalho.»
78. A aplicabilidade, a exigência e/ou o cumprimento dos formalismos constantes dos artigos 360º a 363º do CT não têm qualquer utilidade ou sentido no âmbito deste processo de insolvência, uma vez que, tendo sido judicialmente determinado o encerramento da empresa, não existem no caso em apreço medidas alternativas à cessação imediata dos contratos de trabalho.
79. Tal exigência seria inteiramente contraproducente com os interesses que um processo de insolvência visa proteger e salvaguardar e ainda com os deveres que impendem sobre o Administrador da Insolvência nessa sede, pois que este está legalmente impedido de agravar a situação financeira da empresa e, consequentemente, da Massa Insolvente, o que ocorreria caso se entendesse ser de cumprir a tramitação referida naqueles preceitos legais, já que, se assim fosse e nesse período, continuariam a vencer-se salários, impostos e contribuições, tudo em prejuízo de todos os credores da insolvente, incluindo os próprios trabalhadores.
80. «Nem outro procedimento seria de esperar/exigir de um administrador da insolvência actuando com a diligência que lhe é devida, sob pena de, sem qualquer proveito para a massa insolvente, agravar os respectivos encargos com retribuições a trabalhadores vencidas após a declaração da insolvência, com consequente diminuição dos rendimentos ou do produto da liquidação da massa para pagamento/satisfação dos créditos sobre a insolvência (pois que o objectivo primeiro do processo 5 Nesse sentido se tem pronunciado Maria do Rosário Palma Ramalho, op. cit..falimentar para liquidação é satisfazer dívidas e não gerar mais, a não ser as inevitáveis ou estritamente necessárias à prossecução da dita actividade de liquidação).»
81. Atendendo ao respeito pela deliberação tomada em sede de Assembleia de Credores, precedida de plenários do Sr. AI com os trabalhadores e por força do despacho judicial proferido naquela mesma diligência, e considerando ainda o supra descrito, a cessão dos contratos de trabalho dos aqui impugnantes foi lícita, porque legalmente admissível, quer quanto à forma, quer quanto à substância.
82. Quaisquer créditos laborais devidos pela sociedade insolvente aos seus ex-trabalhadores não decorrem ou emergem de trabalho prestado, não pago, após a data da Sentença de insolvência, mas sim da cessação de um contrato de trabalho celebrado muito antes da declaração de insolvência,
83. Integrando, por isso, o conceito de credores da insolvência - «Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente (…) cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência, são considerados credores da insolvência (…)» - cfr. artigo 47º nº 1 do CIRE (negrito e sublinhado nossos).
84. Neste sentido, vejam-se os seguintes doutos Arestos: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/07/2010 proferido no processo 562/09.7T2AVR-P.C1 (Relator: Barateiro Martins), Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/01/2016 proferido no processo 6034/13.8TBBRG-I.G1 (Relatora: Maria Purificação Carvalho), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/10/2015 proferido no processo 188/14.3T8VPV-C.L1-2 (Relatora: Ondina Carmo Alves), e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/07/2015 proferido no processo 72/12.5TBVRL-I.G1 (Relator: Manuel Bargado), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
85. Por todo o exposto se conclui que, ao contrário da Sentença recorrida, os valores das compensações devidas aos trabalhadores da empresa insolvente em virtude da cessação dos seus contratos de trabalho devem ser qualificados como dívidas da insolvência, munidos dos privilégios creditórios que os tutelam.
86. «Impressiona-nos ainda o facto da solução contrária poder conduzir a uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores despedidos em data anterior à declaração de insolvência, cujo crédito compensatório é dívida da insolvência, e os despedidos após a declaração da insolvência – que pode até ocorrer poucos dias depois - que vêm o crédito compensatório classificado como dívida da massa.»
87. Qualquer decisão em sentido contrário ao aqui defendido sempre redundaria na violação de um dos corolários basilares do Direito Insolvencial - o princípio par conditio creditorum – relativamente aos credores trabalhadores.
88. Entendimento contrário do ora defendido enferma de manifesta inconstitucionalidade, ou seja, a interpretação do disposto no artigo 347º do CT quando vai no sentido de considerar ilícito o despedimento formalizado pelo Administrador da Insolvência sem atender à tramitação prevista no Código do Trabalho para o despedimento colectivo, quando aquele o faz no seguimento de uma deliberação e/ou de um despacho judicial que determinam a liquidação e partilha do activo de uma empresa insolvente, é inconstitucional por violação dos princípios da confiança e segurança, proporcionalidade e igualdade previstos, respectivamente, nos artigos 2º, 18º nº 1 e 13º da Constituição da República Portuguesa.
89. Do mesmo modo e pelos mesmos motivos, padece de igual inconstitucionalidade a interpretação do artigo 51º do CIRE no sentido de que os créditos laborais vencidos após a declaração de insolvência do empregador mas resultantes da cessação do contrato de trabalho em virtude de deliberação e/ou decisão de liquidação e partilha do activo da insolvente são dívidas da massa.
90. Inconstitucionalidades que desde já se alegam para os devidos e legais efeitos.
91. Pelo que, deverá ser (também) nesta parte revogada a Sentença recorrida.
3ª questão - valor a considerar para efeitos de cálculo dos créditos do impugnante Pedro …
92. O Tribunal a quo considerou (erradamente) que a retribuição deste trabalhador era de 5.500,00 €, fundamentando essencialmente que, embora a ora insolvente e o trabalhador tivessem celebrado um contrato de trabalho no âmbito do qual fixaram a remuneração mensal ilíquida deste no montante de 4.060,00 €, as partes celebraram um documento particular denominado de “Compromissos” no âmbito do qual estabeleceram que o trabalhador receberia «para fazer face às despesas de deslocação, um montante líquido mensal, incluindo o proveniente da sua retribuição salarial líquida, de € 5500 (…), devendo para esse efeito ser atribuídas ajudas de custo ou outra forma de compensação para atingir esse montante»,
93. Mas, fazendo uma interpretação errada do teor do documento, considerou que a importância recebida a título de ajudas de custo integrava a retribuição.
94. Tal conclusão é manifestamente contraditória, e até oposta, à vontade das próprias partes expressamente vertida no contrato e no documento particular denominado de “Compromissos” supra mencionados, os quais não foram objecto de impugnação, e que portanto deveriam ter sido dado como assentes e provados nos seus exactos termos, o que não foram,
95. E emana de uma incorrecta interpretação pelo Tribunal a quo da prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que é elucidativa no que a este segmento da Sentença respeita, designadamente do depoimento da testemunha Belmiro … (cfr. gravação da aplicação Citius do dia 28/09/2016, das 12:19 horas até às 12:46 horas e das 14:46 até às 15:04 horas), donde resulta inequívoco que o salário/retribuição auferido pelo impugnante Pedro … era o que constava da sua folha de vencimento, ou seja, a retribuição ilíquida de 4.060,00€, a que corresponde a quantia líquida de 2.250,40 €, a qual era paga regularmente aquando dos demais trabalhadores.
96. E ainda do depoimento da testemunha João Carlos … (cfr. gravação da aplicação Citius do dia 26/10/2016, das 10:59 horas até às 11:21 horas), do qual resulta de forma inequívoca que existia um acordo entre a empresa insolvente e o impugnante, através do qual este receberia a quantia global mensal de 5.500 €, sendo que tal quantia era composta por salário e por ajudas de custo, nos exactos termos acordados pelas partes nos documentos formalizados pelas mesmas, ou seja, os já mencionados contrato de trabalho e documento particular denominado de “Compromissos”.
97. Esta testemunha é peremptória a explicar que o impugnante aqui em questão recebia o seu salário, e depois recebia ajudas de custo até perfazer o montante acordado de 5.500 €, sendo que o pagamento do seu salário era sempre o mesmo todos os meses, ou seja, os 4.060,00 € ilíquidos, e que, o pagamento do valor para além do montante do salário ilíquido, eram ajudas de custo para compensar o impugnante das despesas que teve com a sua deslocação para a Roménia.
98. Também do depoimento da testemunha Artur … (cfr. gravação na aplicação Citius de 26/10/2016, das 11:22 horas até às 11:42 horas) resultou um esclarecimento cabal do funcionamento e do enquadramento legal das ajudas de custo na empresa insolvente relativamente ao impugnante aqui em questão, decorrente da análise detalhada à contabilidade da FILOBRANCA e dos relatórios das finanças no âmbito de fiscalizações, concluindo aquela entidade fiscalizadora pela irregularidade daqueles pagamentos.
99. Desta feita a Sentença ora em crise padece de contradições (entre factos considerados como provados) e de erro de julgamento, porquanto as conclusões a que chega não encontram suporte ou fundamento na prova documental, nem na prova testemunhal.
100. Não tendo o Tribunal a quo efectuado uma correcta interpretação da prova produzida, não efectuou igualmente uma correcta aplicação do direito.
101. Consagra o artigo 258º nº 1 do CT que «considera-se retribuição a prestação que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.»
102. Assim, a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador, de onde resulta que a relação laboral é sinalagmática, encontrando-se, de um lado, a força de trabalho disponibilizada pelo trabalhador e, do outro, a prestação pecuniária devida pela entidade empregadora em virtude daquela disponibilização, definição que é unânime e indiscutível nas nossas doutrina e jurisprudência – veja-se, a título exemplificativo, o Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/01/2008 proferido no processo 7884/2007-4, Relator Ferreira Marques (disponível em www.dgsi.pt).
103. No caso concreto deste trabalhador, Pedro …, e se atentarmos ao seu contrato de trabalho, resulta da sua cláusula segunda que a «remuneração mensal ilíquida é de 4.060,00 € (quatro mil e sessenta euros), passiva de descontos legais.»
104. No que respeita ao pagamento de ajudas de custo, preceitua o artigo 260º nº 1 al. a) do CT que «não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, (…), salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.»
105. No caso concreto as partes foram expressas em fixar o que era retribuição (no contrato de trabalho) e o que era pago ao trabalhador a título de compensação de despesas de deslocação a serem pagas mediante ajudas de custo ou outra forma de compensação (no escrito particular denominado de “Compromissos”).
106. Da redacção do documento particular denominado de “Compromissos”, concretamente da sua cláusula primeira resulta ser inequívoco que as partes pretenderam excluir de forma expressa da retribuição o montante recebido pelo trabalhador por forma a este ser compensado das despesas de deslocação, porquanto definem o que é retribuição e o que é compensação.
107. Este facto resulta de documento junto aos autos, o qual não foi impugnado, pelo que, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a retribuição mensal ilíquida do trabalhador era de 4.060,00 € (e não de 5.500.00 € como consta dos factos provados da Sentença ora em crise sob os números 40 e 46) e o que recebia acima da sua retribuição mensal líquida eram ajudas de custo ou outras formas de compensação das despesas de deslocação, facto aliás que consta como provado na douta Sentença sob o número 60.
108. Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo no que a esta matéria específica respeita são contraditórios – vide factos considerados como provados na douta Sentença ora em crise sob os números 40, 46 e 60 –, não permitindo chegar à conclusão a que, erradamente, chegou.
109. No caso aqui em análise é manifesto que o pagamento das ajudas de custo ou outras formas de compensação se encontra expressamente individualizado e atinente a uma causa específica que resulta inequívoca no escrito particular denominado de “Compromissos”, no qual as partes tiveram o cuidado de o discriminar e individualizar.
110. Pelo que, não se pode aplicar aqui a presunção do artigo 258º nº 3 do CT, uma vez que foi demonstrado (mediante prova documental e testemunhal) que a prestação excedente da retribuição mensal líquida do trabalhador tem a natureza de ajudas de custo em virtude de ter uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, não revestindo natureza retributiva como decidido, erradamente, pelo Tribunal a quo.
111. Reitera-se, não está aqui em causa o pagamento de uma qualquer quantia recebida pelo trabalhador sob a “veste” de ajudas de custo, porquanto a quantia paga pela entidade empregadora a título de ajudas de custo foi efectuada de forma individualizável e perante uma causa específica perfeitamente determinada pelas partes, ou seja, «… para fazer face às despesas de deslocação.» - cfr. documento particular denominado de “Compromissos” junto aos autos,
112. Não tendo o impugnante em causa, que alegava a natureza retributiva de tal prestação pecuniária (o que não se concede), logrado produzir qualquer prova de que da importância recebida a esse título excedia a efectiva cobertura das despesas realizadas.
113. Neste sentido, o Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/04/2003, Relator Fernandes Silva, processo nº 3677/2002, disponível em www.dgsi.pt.
114. Pelo que, deverá a decisão do Tribunal a quo no que a este segmento concerne, ser revogada, e consequentemente, substituída por outra que considere a retribuição mensal ilíquida do trabalhador Pedro … no montante de 4.060,00 €, sendo as restantes atribuições patrimoniais que excedam tal retribuição consideradas ajudas de custo nos termos do escrito particular denominado de “Compromissos” celebrado entre as partes e, portanto, sem carácter retributivo, devendo ser esse o valor considerado para feitos de cálculo do montante total do crédito deste trabalhador.
Ao abrigo do disposto no artigo 646º nº 1 e nº 3 do CPC, a Recorrente requer que o presente recurso seja instruído com as seguintes peças do processo principal (autos de insolvência):
a) Relatório do Sr. AI a que alude o artigo 155º do CIRE (fls. dos autos principais) b) Acta da Assembleia de Credores de 27/08/2014 (fls. dos autos principais) Termos em que, bem como nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve, Ser concedido provimento ao presente Recurso interposto pela ora Recorrente e, consequentemente, ser a douta Sentença de primeira instância revogada e substituída por outra que, suprindo as nulidades supra elencadas e alterando a matéria de facto dada como provada nos termos oportunamente reclamados e/ou ora recorridos, julgue como verificados os créditos impugnados, nos termos (valores e natureza) das conclusões ora apresentadas.

A fls 1165 o credor Banco …, SA. veio aderir ao recurso interposto pela massa insolvente e a fls 1183 veio também a credora Hipoteca … SARL igualmente aderir ao recurso.
PEDRO … veio contra-alegar, e deduzir pedido de ampliação do objecto do recurso, terminando as suas alegações do seguinte modo:

Termos em que,

a) Ressalvada a alegada nulidade por falta de decisão quanto à verificação e graduação dos créditos,
b) deverá, quanto ao demais, improceder o recurso interposto pela Recorrente,
c) admitindo-se, a título subsidiário e em caso de procedência do mesmo, designadamente no que à impugnação apresentada pelo ora Recorrido quanto à matéria respeitante ao valor da retribuição mensal auferida pelo mesmo diz respeito, a ampliação do objecto do recurso;
d) mediante a qual se altere a decisão da matéria de facto no que ao ponto 60 dos factos provados diz respeito, matéria esta que, por se mostrar em contradição com a factualidade provada sob os pontos 47 a 52 e ainda, por total ausência de prova do aí plasmado, deverá ser julgada não provada;
e) devendo, quanto ao demais, a douta sentença recorrida ser confirmada,

A massa insolvente respondeu nos seguintes termos:

1. Dispõe o artigo 636º nº 2 do CPC que «Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, (…) impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.»
2. É ao abrigo desta norma legal que o Recorrido Pedro … vem requerer subsidiariamente que, em caso de procedência do recurso interposto pela Recorrente, «se altere a decisão da matéria de facto no que ao ponto 60 dos factos provados diz respeito, matéria esta que, por se mostrar em contradição com a factualidade provada sob os pontos 47 a 52 e ainda, por total ausência de prova do aí plasmado, deverá ser julgada não provada».
3. Sucede que e conforme poderá ser alcançado das alegações apresentadas pela Recorrente (cfr. conclusões 66. e ss.), em caso de procedência do recurso por esta apresentado (o que se espera) então o que sucederá será, precisamente ao contrário do que é agora requerido pelo Recorrido, (também) a eliminação dos pontos 47 a 52 da matéria de facto dada (neste caso, indevidamente) como provada - por se tratar de factos impugnados e integralmente não provados - e a manutenção do ponto 60, por se tratar do único que se encontra devidamente provado pelo documento denominado de “Compromissos” junto aos autos pelo próprio Requerido (cfr. conclusões 105. e ss. das mesmas alegações de recurso).
4. Esse mesmo ponto 60 é, aliás, confirmado pelos depoimentos das testemunhas Belmiro …, João … e Artur …, conforme se encontra devidamente exposto nas conclusões 95 e ss. das alegações da Recorrente,
5. Não tendo aqui aplicabilidade a presunção do artigo 258º nº 3 do Código do Trabalho, uma vez que foi demonstrado (mediante prova documental e testemunhal) que a prestação excedente da retribuição mensal líquida do trabalhador tem a natureza de ajudas de custo em virtude de ter uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, não revestindo natureza retributiva.
6. Pelo que, quer face ao teor das alegações de recurso tempestivamente apresentadas e em cuja integral procedência se acredita, quer ainda ao supra esclarecido, não poderá senão improceder o pedido de alteração da matéria de facto nos termos requeridos pelo Recorrido.

Termos em que, bem como nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao Recurso oportunamente interposto pela Recorrente e julgado improcedente o pedido de alteração da matéria de facto apresentado pelo Recorrido.

II – Objecto do recurso
Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

Do Recurso da massa insolvente:

. se ocorre erro no meio processual empregue pelas trabalhadoras Cristina … e Maria Celeste …;
. se a sentença recorrida é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão;
. se a sentença recorrida é nula por ambiguidade/obscuridade;
. se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia;
. se a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido;
. se a matéria de facto deve ser alterada ;
. se ocorre contradição entre os factos dados como provados nos pontos 40, 46 e 60 dos factos provados;
. se o despedimento dos trabalhadores é lícito, assistindo-lhes apenas direito a uma compensação calculada nos termos do artº 5º da Lei 69/2013, em vez de uma indemnização por antiguidade calculada entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção, nos termos do artº 391º, nº1 do CT;
. se a compensação/indemnização por despedimento e em função da antiguidade constitui crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente.
. a não se entender, analisar se a interpretação dos artigos 347º do CT e do artº 51º do CIRE efectuada na sentença recorrida é inconstitucional; e,
. se a retribuição auferida pelo trabalhador Pedro … é inferior ao montante considerado na sentença recorrida, por o excedente à quantia mensal ilíquida de 4.060,00 não poder ser considerado retribuição, mas sim ajudas de custo.

Ampliação do recurso efectuado pelo recorrido Pedro …

. se os factos dados como provados no ponto 60 deveriam ter sido considerados não provados.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS

A
1. No dia 09/07/2014 foi proferida sentença que declarou Insolvente a sociedade "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A.".
2. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, cessaram os contratos de trabalho à maioria dos trabalhadores/reclamantes e foram postos numa situação de desemprego.
3. E receberam um documento (mod. 5044) comunicando-lhes o seu despedimento e, consequentemente, cessou o contrato de trabalho dos Reclamantes, sem qualquer aviso prévio, sem qualquer comunicação anterior e sem qualquer negociação com os Impugnantes.
4. O Sr. Administrador de Insolvência invocou e aplicou, para o cálculo da indemnização, o artigo 5.° da Lei 69/2013 de 30/08.
5 - Declarada a insolvência da sociedade "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A." por sentença proferida em 09/07/2014, o Administrador da Insolvência apresentou o Relatório elaborado nos termos do artigo 155° do CIRE, do qual fez constar a sua proposta para o destino da empresa insolvente.
6 - Tal Relatório foi objecto de apreciação e votação em sede de Assembleia de Credores realizada em 27/08/2014, donde resultou deliberado o encerramento definitivo da empresa insolvente e o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo.
7 - Daí emergiu a caducidade dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores da insolvente, à excepção daqueles trabalhadores cuja manutenção se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação.
8 - Cessação comunicada a tais trabalhadores através de comunicação escrita entregue e/ou enviada em 27/08/2014.
B
9. Em 2014/07/09, foi declarada em estado de insolvência a sociedade "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A."
10. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns contratos de trabalho, nomeadamente com a reclamante Cristina …, a qual tinha sido admitida ao serviço da insolvente em 12.03.1985.
11. Só em 26/01/2015, o Sr. Administrador de Insolvência pôs termo ao contrato de trabalho que vinculava a Reclamante à Insolvente, invocando para o efeito"...extinção ou encerramento da empresa..." (cfr. doc. n.° 1), sem pré-aviso ou quaisquer outras comunicações, informações ou negociações.
12. Mesmo depois de declarada a insolvência, a Reclamante manteve-se ao serviço da insolvente até ao dia 26/01/2015, não lhe tendo sido pagas as correspondentes retribuições, no valor de € 1.849,43 (mil oitocentos e quarenta e nove euros e quarenta e três cêntimos) sendo:
a) € 312,18, férias não gozadas (2014);
b) € 1.419, 00, referente às férias vencidas em 01/01/2015;
c) € 118,25, referente ao subsídio de natal proporcional.
13. Estes valores foram reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, conforme carta e tabela por ele remetida – fs. 148 a 150 – e lista a fls. 9, credora n.º 63 – valores a que acresce a quantia de €19.609,59 de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
14. A insolvente não proporcionou à reclamante Cristina …, quaisquer horas de formação contínua desde 2000.
15. Não foram reconhecidos os créditos por despedimento colectivo ilícito (art. 391.º C.T.), de pré-aviso (art. 363.º CT) ou de horas de formação (art. 131.º e 134.º do C.T.), este no valor de € 429,45 correspondente a 35 horas por cada um dos três últimos anos, à razão de 4,09 € à hora, considerando que a Reclamante foi admitida ao serviço da Insolvente em 12.3.1985.

C
16. No tocante ao trabalhador Narciso … este foi admitido ao serviço da Insolvente em 02/01/1993, tendo executado o seu trabalho, maioritariamente, nas instalações de Riba de Ave, até 2006, data em que a pedido da administração da Insolvente foi chefiar a unidade romena da Insolvente.
17. Por força das funções que vinha exercendo, o trabalhador Narciso … reunia, com uma regularidade não concretamente apurada, nas instalações de Riba de Ave com a sua administração e alguns dos colegas que faziam parte dos quadros administrativos e financeiros.
18. Quer os imóveis constituídos pelas unidades fabris da insolvente em Portugal, mais concretamente, o prédio urbano descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o nº 66 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 55, da freguesia de Riba de Ave e o prédio descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o nº 77 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 88 da freguesia de …, quer o imóvel que é propriedade da unidade industrial romena, estavam todos afectos à actividade empresarial da insolvente, sendo que em todos eles, o trabalhador Narciso … prestou a sua actividade.
19. Os Requerentes são todos ex-trabalhadores e credores reclamantes nos presentes autos de Insolvência.
20. Em 09/07/2014 foram confrontados com a declaração de insolvência da "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A.",
21. E, posteriormente, em 27/08/2014, foi-lhes comunicada a cessação imediata dos respectivos contratos de trabalho,
22. Tendo sido colocados numa situação de desemprego involuntário.
23. Naquela data recepcionaram o modelo 5044 da Segurança Social, através do qual lhes foi comunicado o seu despedimento, com excepção da Maria Teresa … e Narciso … que continuam ao serviço da massa insolvente, sendo que os trabalhadores Narcisa … e António José … continuaram ao serviço da massa insolvente até ao passado dia 26/01/2015, data em que o Sr. Administrador em representação da massa prescindiu dos seus serviços.
24. Sem que, para o efeito e previamente, haja sido efectuado qualquer aviso prévio, tenha existido qualquer comunicação, invocados os motivos, quadro de pessoal, critérios para a selecção e o número de trabalhadores a despedir e método de cálculo de compensações a pagar.
25. Os Requerentes apresentaram as respectivas reclamações de créditos, peticionando tudo quanto entendiam ser-lhes devido a título de créditos e direitos salariais decorrentes da cessação dos respectivos contratos de trabalho,
26. Nomeadamente, indemnização devida pela ilicitude do despedimento, calculada em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
27. O Exmo. Senhor Administrador de Insolvência calculou os montantes peticionados a título de indemnização com base no artigo 5.° da Lei 69/2013, de 30/08.

D
28. O Senhor Administrador de insolvência, no uso dos poderes que lhe são conferidos, entendeu pela manutenção de alguns contratos de trabalho, entre os quais o de PEDRO ….
29. Pelo que o ora impugnante se manteve a trabalhar, agora ao serviço da massa insolvente, desempenhando as mesmas e exactas funções, tendo por base o mesmo local de trabalho e as mesmas e exactas condições, existentes com a insolvente;
30. Situação que se manteve até ao dia 22 de Janeiro de 2015, data em que cessou o seu contrato de trabalho.
31. Pedro … foi admitido ao serviço da insolvente em 30 de Maio de 2007, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado reduzido a escrito, que juntou.
32. Para, sob as ordens, direcção e fiscalização da insolvente, desempenhar as funções de Director, sob a categoria de Director Geral.
33. Mediante o horário de trabalho estipulado no contrato de trabalho celebrado.
34. Tendo como local de trabalho as instalações fabris da Filobranca Eastern Europe, SRL, sitas em …, na Roménia, pese embora continuasse a ser, trabalhador da insolvente.
35. A empresa de direito romeno foi criada para servir única e exclusivamente a insolvente, a sua actividade, ou seja, para potenciar e desenvolver a actividade da sua detentora.
36. Permitindo à insolvente servir melhor os seus clientes, com maiores quantidades, de forma mais flexível, mais barata e em prazos mais curtos.
37. Funcionando como um braço operacional, uma extensão da empresa detentora, estrategicamente localizado junto à Turquia, onde a insolvente ia buscar a grande maioria das matérias primas, ulteriormente trabalhadas na Roménia ou em Portugal, para servir encomendas, quase exclusivamente da empresa “mãe”.
38. Não obstante o seu local de trabalho habitual ser a Roménia, o trabalhador Pedro … era trabalhador da insolvente, desenvolvendo as suas funções no âmbito da actividade da sua unidade fabril e empresarial sedeada em Portugal.
39. O trabalhador Pedro … deslocava-se a Portugal sempre que necessário ou solicitado.
40. Acordando as partes contraentes que o ora reclamante Pedro … auferiria a quantia líquida mensal de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros mensais).
41. O contrato e respectivos compromissos assumidos entre a insolvente e o ora reclamante tiveram por base, entre outros, os seguintes pressupostos: a insolvente pretendia alguém com capacidade comercial, de liderança e conhecimentos de gestão adequados a orientar, acompanhar e desenvolver a unidade industrial de produção que a insolvente pretendia deter na Roménia, cargo ao qual o reclamante, engenheiro químico de formação, com experiência e conhecimento do mercado romeno, bem como da língua, se mostrou apto e disposto a desempenhar.
42. O que significava um compromisso de médio e longo prazo, levando a que a mulher e os dois filhos, então menores de 3 e 9 anos de idade, respectivamente, acompanhassem o ora impugnante. 43. Deixando, a primeira, o trabalho que desenvolvia em Portugal - a mulher do ora impugnante, engenheira química, estava a trabalhar numa empresa de referência em Portugal.
44. Tendo os filhos, designadamente o mais velho, que aprender outra língua e ingressar no ensino de um país totalmente desconhecido e diferente.
45. Ora, tal compromisso, que envolvia todo o agregado familiar, tinha, para o ora impugnante que ser devidamente remunerado, já que, para além do atrás exposto, implicava função de grande responsabilidade.
46. Assim, na mesma data e em aditamento ao contrato de trabalho, a insolvente e o ora impugnante celebraram o escrito particular denominado "COMPROMISSOS, no qual estipularam, em complemento ao contrato de trabalho celebrado, para além do mais, que o ora reclamante receberia da insolvente a quantia mensal líquida de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
47. Aí se prevendo ainda a estipulação de uma remuneração variável, de acordo com objectivos propostos.
48. Bem como que a insolvente assumiria os encargos com uma renda de casa até ao montante de € 1.500, mensais.
49. Bem como colocava à disposição do ora reclamante uma viatura automóvel, para uso total, suportando ainda as respectivas despesas de combustível, seguro e manutenção do veículo;
50. Beneficiando o ora reclamante, também por via de tal acordo, em cada ano de duração do contrato, de três viagens de ida e volta a Portugal custeadas pela sua entidade patronal.
51. Assim, e de acordo com os compromissos assinados entre as partes, não obstante a insolvente emitir recibos de vencimento ao ora reclamante em que aparecia apenas a retribuição base mensal de € 4.060,00,
52. e não obstante a forma e designação sob a qual era paga a quantia remanescente até atingir o valor líquido acordado de €5.500,00.
53. Até Julho de 2014, mês da declaração da insolvência, o ora reclamante auferia da depois insolvente, para além dos €4.060,00 brutos mencionados no recibo de vencimento como retribuição base, uma quantia regular, de periodicidade mensal, que, em 2014 era de €3.249,60, a qual, somada aos €2.250,40 líquidos do recibo de vencimento, perfazia o supra citado valor de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
54. O ora impugnante reclamou que lhe fosse reconhecida como retribuição base mensal o valor de € 7.309,60 (sete mil, trezentos e nove euros e sessenta cêntimos) e não os € 4.060,00 mencionados nos recibos de vencimento propriamente ditos – fs. 25, credor n.º 221;
55. O ora impugnante reclamou, não lhe tendo sido reconhecido o crédito sobre a insolvente e a insolvência respeitante às seguintes quantias, a título de diferenças salariais:
- € 3.249,60 - € 2.769,85 = € 479,75 (quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e cinco euros) líquidos, vencida em 31.01.2014 e respeitante à retribuição de Janeiro de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.501,80 = € 747,80 (setecentos e quarenta e sete euros e oitenta cêntimos) líquidos, vencida em 28.02.2014 e respeitante à retribuição de Fevereiro de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.769,85 = € 479,75 (quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos) líquidos, vencida em 31.03.2014 e respeitante à retribuição de Março de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.680,50 = € 569,10 (quinhentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos) líquidos, vencida em 30.04.2014 e respeitante à retribuição de Abril de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.769,85 = € 479,75 (quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos) líquidos, vencida em 31.05.2014 e respeitante à retribuição de Maio de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.680,50 = € 569,10 (quinhentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos) líquidos, vencida em 30.06.2014 e respeitante à retribuição de Junho de 2014;
- € 3.249,60 - 0 = € 3.249,60 (três mil, duzentos e quarenta e nove euros e sessenta cêntimos) líquidos, vencida em 31.07.2014 e respeitante à retribuição de Julho de 2014,
56. Num total de € 6.574,85 (seis mil, quinhentos e setenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
57. O Senhor Administrador justificou a sua decisão no facto de considerar que tais quantias não são retribuição.
58. Entre Agosto e Janeiro de 2015, a massa insolvente pagou ao ora Impugnante apenas as quantias líquidas apuradas com base no valor bruto de € 4.060,00.
59. O Impugnante Pedro … foi contratado pela insolvente para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar funções de Director Geral da Filobranca Eastern Europe, sita em Siret, na Roménia;
60. Posteriormente à outorga do contrato de trabalho, foi acordado entre a insolvente e o ora impugnante que seriam pagas a este ajudas de custo, para fazer face às despesas inerentes ao exercício das funções de Director Geral nas instalações da sociedade Filobranca Eastern Europe SRL sitas na Roménia, no montante mensal necessário a perfazer a quantia líquida total a receber de 5.500,00 Euros.

E
66. A Requerida ora Insolvente era uma Sociedade Anónima, tendo por objeto social e dedicando-se com carácter de regularidade e intuito lucrativo na indicada sede, à actividade de "Indústria e comercialização de malhas e outros produtos têxteis".
62. Maria Celeste … foi admitida nas instalações da Requerida a prestar trabalho ao serviço desta, mediante contrato de trabalho subordinado sem termo, celebrado entre ambos em 01-05-1992 para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Requerida.
63. A Reclamante, Maria Celeste …, a partir de tal data de 01-05-1992 e até à data de 01-09-2014 (data da "...extinção ou encerramento da empresa..." levada a efeito pelo Administrador de Insolvência, passou a exercer ininterruptamente as suas funções e categoria profissional de "Estampados" nas instalações/sede/armazém da Requerida sitos na Rua de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, por conta, a tempo inteiro, sob as ordens, autoridade, direcção, fiscalização, regras e orientação da Requerida.
64. A Reclamante, Maria Celeste … pelo exercício das suas funções de "Estampados" vinha auferindo o vencimento base mensal de 492.00 € (Quatrocentos e Noventa e Dois Euros), acrescido de um Subsídio de Alimentação no valor mensal de 76,78 € (Setenta e Seis Euros e Setenta e Oito Cêntimos) (3,49 € x 22 dias), perfazendo assim o salário mensal ilíquido no montante de 568,78 € (Quinhentos e Sessenta e Oito Euros e Setenta e Oito Cêntimos).
65. A reclamante, Maria Celeste …, mesmo depois de declarada a insolvência, manteve-se ao serviço da insolvente até ao dia 2014/09/01.
66. A reclamante, Maria Celeste …, foi despedida pelo Sr. Administrador de Insolvência no dia 2014/09/01.
67. Em 2014/09/01, aquando da entrega à ora reclamante da Declaração de Situação de Desemprego, invocando para o efeito "...extinção ou encerramento da empresa...", o Sr. Administrador de insolvência, pôs termo ao contrato de trabalho que vinculava a Reclamante à Insolvente, não tendo feito constar da mesma comunicação designadamente o seguinte:

a) Os motivos invocados para o despedimento coletivo;
b) O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa;
c) Os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir;
d) O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;
e) O período de tempo no decurso do qual se pretende efectuar o despedimento;
f) O método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366.° ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
68. O Sr. Administrador de insolvência, em 2014/09/01, aquando da entrega à ora reclamante da Declaração de Situação de Desemprego, invocando para o efeito "...extinção ou encerramento da empresa...", pôs termo ao contrato de trabalho que vinculava a Reclamante à Insolvente, sem observar em relação à ora Reclamante o prazo mínimo de aviso prévio de 75 dias, sendo certo que a ora Reclamante tinha uma antiguidade igual ou superior a 10 anos.
69. A Requerida/lnsolvente, volvida a referida data de 2014/09/01 (data da "...extinção ou encerramento da empresa..." levada a efeito pelo Administrador de Insolvência) e até à presente data, ainda não pagou à ora Reclamante as quantias agora pedidas.
70. Conforme carta remetida ao Ex.mo Mandatário da ora Reclamante – fls. 253 a 255 – o Ex.mo Administrador, partindo do salário base de 492,00 €, reconheceu-lhe os seguintes créditos:
- 266,50 € de férias não gozadas,
- 164,00 € de subsídio de Natal,
- 656,00 € de proporcionais pela cessação do contrato,
- 10.086,51 € de compensação, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto.
71. O Ex.mo Administrador não reconheceu os pedidos por falta de pré-aviso e por despedimento ilícito.
B.FACTOS NÃO PROVADOS
A. A participada romena possibilitava à insolvente o acesso a uma rede de subcontratação por toda a Roménia que, de outra forma, não teria acesso.
B. O trabalho prestado pelo trabalhador Pedro … e o produto da sua actividade, contribuiu para a manutenção e desenvolvimento da actividade da insolvente, evitando o aparecimento das dificuldades e ruptura económico-financeira.
C. A trabalhadora Maria Celeste … não gozou férias referentes ao trabalho prestado em 2013.

ERRO NO MEIO PROCESSUAL

Defende a apelante que ocorreu erro porque as impugnantes Cristina … e Maria Celeste … reclamaram os seus créditos com recurso ao processado regulado no artº 128º e ss do CIRE (diploma a que se referem todas as disposições legais que venham a ser citadas, sem indicação da fonte) que se destina apenas à reclamação de créditos sobre o insolvente quando, requereram a título principal a qualificação dos seus créditos como créditos sobre a massa.
Efectivamente a tramitação da reclamação de créditos regulada no artº 128º e seguintes, a processar por apenso, destina-se apenas à reclamação dos créditos sobre a insolvência como emerge do seu texto.
As dívidas sobre a massa não estão sujeitas ao processo de verificação e graduação de créditos, pelo que não têm de ser reclamadas, podendo os credores exigir o seu pagamento directamente ao administrador da insolvência que as deverá pagar na data do seu vencimento - artº 172º (cfr. se defende no Ac do TRL de 29.03.2012, proferido no proc. 9405/08, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser encontrados todos os acórdãos que venham a ser citados).
Consagrou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, de forma diferenciada, duas categorias de dívidas: as “dívidas da insolvência” - a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência - e as “dívidas da massa insolvente” - a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente.
Com efeito, o artigo 46º do CIRE, sob a epígrafe “Conceito de massa insolvente”, refere o seguinte:

1. A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
2. Os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta”.
E determina o artigo 47º do CIRE, sob a epígrafe “Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência” que:

1. Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2. Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhe sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3. São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4. Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:

a) «Garantidos» e «privilegiados» os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) «Subordinados» os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) «Comuns» os demais créditos”.
Por seu turno, prescreve o artigo 128º, nº 1, do CIRE, sob a epígrafe “Reclamação de créditos”: Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento (…).

Por outro lado, determina o artigo 51º do CIRE, sob a epígrafe “Dívidas da massa insolvente”:

1. Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:

a) As custas do processo de insolvência;
b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;
d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;
f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;
h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;
i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;
j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93º.
2. Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa.”
A respeito da distinção entre créditos sobre a massa insolvente e créditos sobre a insolvência, refere CATARINA SERRA, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, 3ªed., 30, que (…) “Distingue-se agora entre os «créditos sobre a massa insolvente» (ou «dívidas da massa insolvente») e «créditos sobre a insolvência» (ou «dívidas da insolvência») e, em conformidade com isso, entre «credores da massa» e «credores da insolvência». Os «créditos sobre a massa» são os créditos constituídos no decurso do processo (cfr. art. 51º, nºs. 1 e 2) e os «créditos sobre a insolvência» são os créditos cujo fundamento já existe à data da declaração de insolvência (cfr. art. 47º, nºs. 1 e 2). Dentro dos «créditos sobre a insolvência», distingue-se por seu turno, entre «créditos garantidos», «créditos privilegiados», «créditos subordinados» e «créditos comuns».”

Esta classificação e distinção legal assume particular importância, dado o regime diferenciado a que se encontra submetido o exercício destes direitos de crédito. É que, diferentemente do que sucede com os créditos sobre a insolvência, resulta do disposto nos artigos 46º e 172º que as dívidas da massa insolvente são pagas com precipuidade, o que significa que os créditos sobre a insolvência são preteridos no confronto com os créditos sobre a massa insolvente.
De acordo com o artº 90º os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do Código, durante a pendência do processo de insolvência, pelo que estão obrigados a reclamar o seu crédito, para obter a sua satisfação, nos termos do artigo 128º ou, desde que verificados os necessários requisitos, através de acção para verificação ulterior de créditos ou de outros direitos a que aludem os artigos 146º a 148º e que corre por apenso ao processo de insolvência, sendo certo que, em conformidade com o disposto no artigo 173º do mesmo diploma, o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado.
Por outro lado, estabelece o nº 1 do artigo 172º do CIRE que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo. E, nos termos do nº 3 do artigo 172º do CIRE, as dívidas da massa insolvente deverão ser pagas nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.
Se as dívidas da massa insolvente não forem pagas pelo administrador da insolvência, poderão ser objecto de acção declarativa ou executiva a instaurar, nos termos do artigo 89º nº 2 que estabelece que as acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.

Concluindo, o pagamento das dívidas sobre a massa insolvente não obedece às mesmas regras do pagamento das dívidas sobre a insolvência. Estas têm de ser reclamadas mediante recurso ao disposto no artº 128º e dentro do prazo fixado na sentença que decretou a insolvência. Os créditos sobre a sobre a massa não carecem de ser reclamadas e o administrador deverá proceder ao seu pagamento nas datas dos respectivos vencimentos, independentemente do estado em que se encontrar o processo de insolvência, a não ser que existam razões que justifiquem outro procedimento. Se não forem pagos, pode o prejudicado instaurar ação com vista a obter o seu pagamento (artº 89º, nº 2). Quem se arrogar titular de um crédito sobre a massa não preenche a previsão do artigo 128.º do CIRE e não deve reclamar o seu crédito nos termos de tal preceito, devendo antes aguardar que tal crédito, sobre a massa, lhe seja liquidado, com precipuidade, nos termos do artigo 172.º, nº 3, ou se tal não suceder, propor então a devida acção, por apenso ao processo de insolvência, nos termos do nº 2 do artigo 89º do mesmo diploma legal.

Ora, a forma de processo é o modo específico como o legislador definiu o modelo e os termos dos actos a praticar e dos trâmites a observar pelas partes e pelo tribunal com vista à aquisição adequada dos elementos de facto e de direito que permitem decidir uma determinada pretensão, podendo assim definir-se como a configuração da estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio.
Para saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, o caminho passa por determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial.

O elemento fundamental para determinar a forma do processo é o pedido. O processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor. Como referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288, “e como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial”. No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2004, onde se refere que «é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 14/11/94, in http://www.dgsi.pt/jstj00025880)». Complementarmente, nos casos em que tal se mostre necessário, pode atender-se à causa de pedir para apurar qual deve ser a forma do processo.

A forma do processo não depende da defesa que o réu venha a apresentar.

As trabalhadoras Cristina … e Maria Celeste … por requerimento juntos a fls 656 a 666 e fls 705 a 712, requereram a substituição das suas reclamações de crédito e expressamente requereram que lhes fosse reconhecido que as dívidas reclamadas são dívidas sobre a massa insolvente e só subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, então requereram que fossem consideradas como dívidas sobre a insolvência, gozando de privilégios imobiliários e mobiliários.
As trabalhadoras, ao reclamarem créditos sobre a massa e subsidiariamente créditos sobre a insolvência, utilizaram, quanto aqueles, um meio processual incorrecto, uma vez que, no apenso da reclamação de créditos só podem ser reclamados, reconhecidos e graduados os créditos sobre a insolvência e, em consequência, a solução imediata seria a de determinar que a reclamação sobre esses créditos não poderia ser considerada na reclamação de créditos, por não ser este o meio processual próprio, devendo, antes, ser apresentada ao Administrador da Insolvência para efeitos do artigo 172.º do CIRE, mas tal decisão só poderia ser feita até ao saneador.

O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193º e 196º) deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al. a) do CPC) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do CPC) – o que não é o caso dos autos que teve despacho saneador - e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do CPC), todos estes preceitos aplicáveis por força do disposto no artº 17º do CIRE).
Os requerimentos das referidas duas trabalhadoras são anteriores ao despacho saneador e não foi suscitado por qualquer das demais partes o invocado erro, nem o mesmo foi conhecido em sede do despacho saneador oficiosamente, pelo que neste momento processual vedado está conhecê-lo.

NULIDADE DA SENTENÇA POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO

Nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 665º do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A propósito desta nulidade diz José Lebre de Freitas(1) “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se”.
Embora a apelante se refira a esta nulidade, o que é certo em que em momento algum concretiza em que se fundamenta esta contradição. Na conclusão 23 remete para o que disse supra, mas nas conclusões anteriores não é feita qualquer referência a uma contradição entre os fundamentos e a decisão. Assim, improcede esta nulidade.

NULIDADE DA SENTENÇA POR OBSCURIDADE E AMBIGUIDADE

No domínio do CPC anterior ao aprovado pela Lei 41/2013 as partes tinham a faculdade de requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contivesse (artº 669º do CPC).

No actual CPC a ambiguidade ou obscuridade não dá direito a requerer pedido de esclarecimento, mas constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do artº 665º, nº 1, alínea c).
A sentença será obscura se toda ou parte dela for ininteligível e será ambígua se se apresentar total ou parcialmente com sentido dúbio (José Lebre de Freitas, obra citada, p.672).

Alega a apelante que a sentença é obscura e ambígua relativamente à qualificação dos créditos, desconhecendo se a caracterização dos créditos como dívidas de massa se aplica a todos os créditos dos impugnantes, se apenas aos credores identificados em C), sendo que apenas os credores impugnantes dos créditos identificados em B) e E) requereram o pagamento através da massa insolvente.

Decorre da fundamentação que a Mma Juiza qualificou todas as compensações reclamadas pelos credores identificados em A), B), E) e C), e que fixou em 30 dias por cada mês completo ou fracção de antiguidade, como dívidas da massa (página 1098 v a 1099 v) e qualificou todos os demais créditos reconhecidos pelo sr. AI relativamente ao trabalhador Narciso … (ter-se-á entender como excluído o crédito destinado a compensar/indemnizar o trabalhador pela cessação do contrato que já tinha sido considerado como crédito sobre a massa a fls 1098 v a 1099 v) como crédito sobre a insolvência, dotado de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial (fls 1103) e em conformidade julgou totalmente procedente ou improcedentes as reclamações, conforme o trabalhador tivesse pedido 30 dias (caso em que julgou a impugnação totalmente procedente) ou 45 dias de indemnização por cada ano ou fracção de antiguidade (caso em que jugou a impugnação parcialmente procedente). Relativamente ao trabalhador Pedro, atento que julgou totalmente procedente a sua impugnação, há que concluir que julgou todos os créditos impugnados como créditos sobre a insolvência, incluindo o crédito pela compensação pela cessação do contrato de trabalho, pois que foi deste modo que foi peticionado.
Relativamente aos créditos das trabalhadoras Cristina … e Maria Celeste …, a sentença não se pronuncia concretamente sobre os créditos por estas peticionados a título de férias não gozadas, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tendo apenas se pronunciado sobre o crédito pela cessação do contrato de trabalho (que qualificou como dívida da massa), sobre o crédito de horas reclamado pela credora Cristina (que qualificou como dívida da insolvência) e relativamente ao crédito a título de falta de aviso prévio, reclamado pela trabalhadora Maria Celeste (que não considerou devido). No entanto, como no final julga a suas impugnações como totalmente procedentes quanto à “parte restante” e quantos aos “demais” pedidos, entende-se que considerou estes créditos como devidos e como créditos sobre a massa, pois que foi nesses termos que foram peticionados.
A sentença não é efectivamente muito clara, mas não se situa também no polo oposto, da obscuridade e da ambiguidade, tendo de ser interpretada, à luz do artº 236º do CC.. Mas não sendo obscura nem ambígua, poderá, no entanto, enfermar de erro de julgamento, ao qualificar como créditos sobre a massa créditos sobre a insolvência, ou ao qualificar o crédito pela cessação do contrato de trabalho, de modo diferente, qualificando-o como crédito sobre a massa, relativamente aos trabalhadores identificados em A, B, C e D e como crédito sobre a insolvência, relativamente ao trabalhador identificado em D. Mas tal é questão diferente, a apreciar infra.

NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Defende a apelante massa insolvente que a sentença é nula por não ter procedido à graduação de créditos.
Nos casos em que não há impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, o tribunal homologa a lista de credores reconhecidos elaborados pelo administrador da insolvência e gradua os créditos (artº 130º, nº 3).
Sendo impugnada a lista, segue-se a tramitação prevista no artº 131º e seguintes e, realizada a audiência, o juiz profere sentença de verificação e graduação de créditos, nos 10 dias subsequentes (artº 140º, nº 1).
No caso em análise, a Mma. Juíza, como já se referiu, reconheceu os créditos dos trabalhadores Albertina … e outros e Amélia … e outros, Cristina … e Maria Celeste …, relativamente às indemnizações peticionadas a título de indemnização por despedimento ilícito, como créditos da massa insolvente, pelo que saindo tais créditos precípuos do produto da massa, não são objecto de graduação e reconheceu o crédito da trabalhadora Cristina … - crédito de horas – como crédito sobre a insolvência, reconheceu os créditos reclamados pelo trabalhador Pedro … como crédito sobre a insolvência e considerou que tanto estes créditos como o do trabalhador Narciso … gozavam de privilégio imobiliário especial nos termos do artº 331º, b do CT (tem de se entender que esta qualificação, relativamente a este trabalhador, se refere aos demais créditos reclamados pelo trabalhador que não a indemnização/compensação pela cessação, pois que esta, a Mma. Juíza qualificou-a também como crédito sobre a massa insolvente) e reconheceu ainda como crédito sobre a massa os créditos reclamados pela trabalhadora Maria Celeste e Cristina, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal.
Após, ordenou a notificação do sr. AI para juntar aos autos lista devidamente rectificada de acordo com o decidido e não procedeu à graduação dos diversos créditos.
No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada, de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 665º do CPC).
No âmbito do processo de insolvência, no uso dos poderes de direcção, inquisitório e de cooperação, o juiz do processo pode solicitar a colaboração do administrador da insolvência, designadamente, para que lhe forneça elementos que melhor o habilitem a graduar os créditos reclamados, nomeadamente, para lhe permitir decidir se um determinado crédito é ou não privilegiado.
No caso, no final da sentença a Mma. Juíza mandou notificar o sr. AI para juntar aos autos lista devidamente rectificada de acordo com a decisão proferida. E como referiu a Mma. Juíza a quo no despacho exarado no seguimento da baixa do processo para se pronunciar sobre as nulidades arguidas (artº 667º, nº 1 do CPC), não pretendeu o Tribunal não proceder à graduação, apenas relegou a mesma para momento subsequente, pois que face à procedência total/parcial das impugnações deduzidas (fls 1216), entendeu ser necessária a elaboração de nova lista.
A Mma. Juíza não procedeu à graduação por lapso, esquecimento ou por entender que não havia lugar à graduação de créditos. Entendeu ser pertinente atenta a complexidade dos autos a elaboração de nova lista, em conformidade com o decidido, para proceder posteriormente à graduação.
Temos por duvidosa que seja possível a cisão da sentença em dois momentos: num primeiro, decisão sobre as impugnações e num segundo momento, graduação dos créditos, face ao que dispõe o artº 140º, nº 1, posição que desde logo onera os credores e a massa insolvente, pois que, não concordando com a decisão quanto às impugnações e não concordando com a decisão quanto à graduação, terão de interpor dois recursos em vez de um só, como aconteceria se a decisão fosse unitária, com o acréscimo de custos daí decorrentes.
E atenta a consideração na sentença de que os créditos não reconhecidos dos trabalhadores que impugnaram a lista, com exceção do trabalhador Pedro … e da trabalhadora Cristina … quanto ao crédito de horas, são créditos sobre a massa insolvente, então estes créditos não seriam graduados, pelo que, se nos afigura não ser essencial, na economia da decisão recorrida, uma reformulação da lista apresentada para proceder à graduação dos créditos. Bastaria graduar, além dos créditos já reconhecidos na lista apresentada, o crédito de horas da trabalhadora Cristina …, no montante de 429,45 expressamente reconhecido como crédito sobre a insolvência (fls 1100 v) e os créditos reclamados pelo trabalhador Pedro ….
No entanto, não dispõe este Tribunal dos necessários elementos para proceder à graduação de créditos, desde logo porque desconhece quais os bens que foram apreendidos para a massa insolvente (artº 665º, nº 2 do CPC), mormente dos bens imóveis, elementos essenciais para proceder à graduação dos créditos dos trabalhadores que gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel ou imóveis onde desempenharam a sua actividade e dos credores garantidos por hipoteca que gozam de preferência de serem pagos pelo produto da venda dos imóveis hipotecados. Não se encontra junta aos autos de recurso nem a relação de bens nem os registos prediais de todos os imóveis que integram a massa insolvente, pelo que não é possível suprir assim a nulidade de omissão de pronúncia, com as consequências que em infra se irão referir.

NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA e NULIDADE DA SENTENÇA POR TER CONDENADO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO

Alega a apelante massa insolvente que a sentença é nula por excesso de pronúncia por se ter pronunciado sobre a questão das dívidas sobre a massa insolvente quando apenas foi pedido que conhecesse das dívidas sobre a insolvência relativamente a todos os credores impugnantes, com exceção dos créditos das trabalhadoras Cristina … e Maria Celeste … que expressamente suscitaram a questão por requerimento de fls708 e ss e 650 e ss, sendo também nula por condenação em objecto diferente do pedido ao caracterizar a indemnização por despedimento ilícito que considerou devida, como crédito sobre a massa insolvente.

Analisadas as impugnações, efectivamente e como já reiteradamente se referiu, apenas as trabalhadoras Cristina … (B) e Maria Celeste … (E) pediram que os créditos não reconhecidos pelo sr. Administrador da Insolvência, fossem reconhecidos como créditos sobre a massa insolvente.

O Tribunal está vinculado ao pedido formulado pelas partes, não podendo condenar nem em objecto diverso nem em quantidade superior à pedida (nº 1 do artº 666º do CPC).
Os limites reportam-se ao pedido global e não às várias parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos (entre outros, vide, acórdão de 01-07-2004 - Revista n.º 296/04; acórdão de 29-03-2007 - Revista n.º 3266/06; acórdão de 03-07-2008; acórdão de 17-06-2010 - Revista n.º 1433/04.9TBFAR.E1.S1; acórdão de 23-11-2010 - Revista n.º 456/06.8TBVGS.C1.S1)..
E igualmente apenas pode conhecer das questões suscitadas pelas partes, a não ser que sejam do conhecimento oficioso.
As regras referidas não impedem o Tribunal de proceder a uma diferente qualificação do pedido, pois que o juiz não está sujeito à alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 5º, nº 3CPC), desde que, se não verifique uma qualquer alteração do teor substantivo, antes tudo se situando ao nível da mera qualificação jurídica da situação em análise. A regra do nº 3 do artº 5º do CPC visa facultar ao juiz os meios necessários para produzir uma decisão de mérito que atinja, tanto quanto possível, o ideal da justiça material.
A nulidade prevista na alínea e) do nº 1 do artº 665º do CPC colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância da regra acolhida no nº 1, do artigo 609º do CPC. No fundo, o que releva é adequação que deve existir entre a sentença e o pedido, sendo este um princípio a que está sujeita a decisão de mérito.
A qualificação de uma determinada dívida como dívida da massa ou dívida da insolvência é uma questão que foi expressamente colocada ao tribunal pelas trabalhadoras Cristina e Maria Celeste. Na resposta às impugnações deduzidas nos termos do artº 131º, apresentada pelo sr. AI, expressamente se defende que os créditos laborais são todos créditos privilegiados, dotados de privilégios imobiliários e mobiliários (com exceção dos trabalhadores Narciso … e Pedro …), logo créditos sobre a insolvência e não sobre a massa, pelo que é manifesto que o tribunal tinha de se pronunciar sobre a natureza dos créditos. Aliás, a natureza das dívidas reclamadas constava expressamente como tema da prova.
No conhecimento das questões, o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes adoptaram, apenas aos factos essenciais, sendo que no âmbito do processo de insolvência, pode até conhecer de factos que não foram alegados pelas partes (artº 11º do CIRE e artº (artº 5º, nº 2 do CPC), pelo que não conheceu o tribunal de questão de que não podia conhecer.
No caso da reclamação de créditos, a diferente qualificação do crédito, não tem como efeito a improcedência da reclamação. Se o credor pede o reconhecimento de um crédito sobre a massa e o tribunal entende que ele é titular um crédito sobre a insolvência não deixará de o reconhecer e graduar, assim, como se o credor pede a qualificação de um crédito como privilegiado e o tribunal entender que é titular de um crédito comum, também não o deixará de graduar. No âmbito do processo de insolvência e seus apensos, em que o princípio inquisitório tem uma dimensão diferente, mais ampla, o tribunal tem de graduar os créditos, ainda que sejam graduados em sentido que não tenha sido pedido. Em obediência aos interesses que subjazem ao processo de insolvência, o princípio do pedido sofre limitações. Tanto assim é que ainda que um credor não tenha reclamado o seu crédito, o administrador pode reconhecê-lo, desde que os elementos da contabilidade lhe permitam o reconhecimento desse crédito ou os direitos de tais credores sejam por outra forma do seu conhecimento (artº 129º, nº 1), crédito esse que será também objecto de graduação.
O acórdão uniformizador de jurisprudência referido pela apelante (AUJ de 14.05.2015, proferido no processo 1520/04), não tem aplicação no caso dos autos. Tratava-se de decidir se o Tribunal poderia condenar em juros de mora, no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual.
Pelo que ao qualificar diversamente as dívidas reclamadas e ao decidir em conformidade, o Tribunal não cometeu qualquer nulidade.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DAS CONTRADIÇÕES DA MATÉRIA DE FACTO

A apelante dividiu a impugnação da matéria de facto em 5 partes, por reporte à divisão efectuada na sentença – letras A a E, terminologia que também adoptaremos.

A:
Considera a apelante que o Tribunal a quo deu como assentes factos que estão repetidos ou em directa contradição entre si, concretamente parte dos factos 2. e 3. com os factos 6., 7. e 8., devendo os factos referidos em 2 e 3 ser eliminados.
A repetição de factos em nada inquina a decisão recorrida, pelo que não se atenderá à impugnação com esse fundamento, repetida ao longo das conclusões, a propósito também de outros pontos da matéria de facto, assim como também não é motivo de impugnação da matéria de facto o ter-se dado como provados factos irrelevantes para a decisão.
Não se pode deixar de referir que a possibilidade de apreciação da matéria de facto em 2ª instância não tem por fim a repetição do julgamento in totum, mas sim rectificar pontos específicos da matéria de facto que possam ter sido incorrectamente julgados, motivo pelo qual a alteração terá por fundamento o erro de julgamento e não a repetição ou desnecessidade de determinados factos, o que é inócuo para a decisão.
Já a contradição entre factos, mesmo que o apelante não a suscite, deve o Tribunal da Relação conhecê-la, mesmo oficiosamente, suprindo a mesma se dispuser de todos os elementos ou, caso não disponha, anular o julgamento para que sejam eliminadas as contradições (artº 662º, nº 2, alínea c) do CPC).

Vejamos os factos:

2. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, cessaram os contratos de trabalho à maioria dos trabalhadores/reclamantes e foram postos numa situação de desemprego.
3. E receberam um documento (mod. 5044) comunicando-lhes o seu despedimento e, consequentemente, cessou o contrato de trabalho dos Reclamantes, sem qualquer aviso prévio, sem qualquer comunicação anterior e sem qualquer negociação com os Impugnantes.
6 - Tal Relatório (o elaborado nos termos do artº 155º do CIRE) foi objecto de apreciação e votação em sede de Assembleia de Credores realizada em 27/08/2014, donde resultou deliberado o encerramento definitivo da empresa insolvente e o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo.
7 - Daí emergiu a caducidade dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores da insolvente, à excepção daqueles trabalhadores cuja manutenção se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação.
8 - Cessação comunicada a tais trabalhadores através de comunicação escrita entregue e/ou enviada em 27/08/2014.
A apelante alega ainda que, relativamente ao facto 3, os factos constantes da parte final não podem ser dados como provados, com base no relatório junto aos autos a que alude o artº 155º do CIRE, na Acta da Assembleia de Credores de 27.08.2016 e no depoimento do sr. AI, Rui, que transcreve em parte, de onde resulta que os trabalhadores conheciam bem antes da Assembleia de Credores que o seu contrato de trabalho iria cessar, caso viesse a ser deliberado, como foi, o encerramento definitivo da empresa.
Ouvido o depoimento do sr. AI por este foi dito que o processo que conduziu após a declaração da insolvência foi um processo participado pelos trabalhadores. Houve vários plenários com a presença de todos os 155 trabalhadores da insolvente onde se discutia a possibilidade da insolvente continuar a laborar ou de cessar a sua actividade, pelo que os trabalhadores não desconheciam a possibilidade de cessação dos seus contratos.
Ora, do declarado por esta testemunha que se nos afigurou isento e não foi posto em causa, resulta com segurança que houve negociações com os trabalhadores. Já não se poderá do mesmo retirar que houve comunicação prévia da intenção de despedir ou comunicação nesse sentido. O que resulta do depoimento da testemunha é que a cessação dos contratos era uma possibilidade, mas daqui não se pode concluir que houve uma comunicação prévia da intenção de cessação dos contratos de trabalho, antes de 27/08/2014.

Assim, apenas se eliminará do ponto 3 a referência a “sem qualquer negociações com os impugnantes”.
Quanto ao demais reclamado, embora ocorra repetição de factos, não vislumbramos a existência de contradições, pelo que se mantém os pontos impugnados.
Mais deverá ser retirada do ponto 7 da matéria de facto a referência à caducidade dos contratos, por se tratar de uma questão de direito, substituindo-se a qualificação jurídica por cessação.

B:
Defende a apelante que a redação dos pontos 10 e 11 deveria ser diferente.
A redacção destes pontos é a seguinte:

.10. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns contratos de trabalho, nomeadamente com a reclamante Cristina …, a qual tinha sido admitida ao serviço da insolvente em 12.03.1985.
.11.Só em 26/01/2015, o sr. Administrador de Insolvência pôs termo ao contrato de trabalho que vinculava a Reclamante (Cristina …) à Insolvente, invocando para o efeito “…extinção ou encerramento da empresa” (cfr. doc. nº 1) sem pré-aviso ou quaisquer outras comunicações, informações ou negociações.
A apelante entende que a redação dos pontos 10 e 11 deveria ser a seguinte, sublinhando-se as alterações pretendidas:
10. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns contratos de trabalho cuja colaboração se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, nomeadamente com a reclamante Cristina …, o que no caso desta se verificou até 26.01.2015, sendo que esta trabalhadora tinha sido admitida ao serviço da insolvente em 12.03.1985.
.11.Só em 26/01/2015, o sr. Administrador de Insolvência pôs termo ao contrato de trabalho que vinculava a Reclamante (Cristina …) à Insolvente, invocando para o efeito “…extinção ou encerramento da empresa” (cfr. doc. nº 1), eliminando-se consequentemente a menção “sem pré-aviso ou quaisquer outras comunicações, informações ou negociações”.
Como já se referiu a impugnação da matéria de facto tem por fim a correcção de erros de julgamento. Qual foi o erro cometido pelo tribunal a quo no ponto 10? Não resulta da impugnação apresentada qualquer erro de julgamento. O que a apelante pretende é que sejam aditados mais factos ao ponto 10, sendo que os factos que pretende aditar já constam do ponto 7-2ª parte dos factos provados e do ponto 12-1ª parte, não lhe assistindo razão.
E relativamente ao ponto 11 também não vislumbramos qualquer erro de julgamento. Os factos constantes do ponto 3 reportam-se a factos ocorridos em 27/08 e do ponto 11 a factos ocorridos posteriormente, em 26/01/2015, razão pela qual, da alteração introduzida no ponto 3 não decorre igual alteração do ponto 11.
Há que ter presente que os presentes autos são complexos, sendo extensa a matéria de facto. Na fixação dos factos o tribunal pronunciou-se sobre cada um dos requerimentos dos credores que impugnaram a lista de créditos apresentada pelo sr. AI, o que acabou por conduzir à repetição de factos, por os mesmos factos terem sido alegados simultaneamente pelos vários credores.

C :
Pretende a apelante que o facto 21 tenha uma redação diferente, sem que de novo aponte um qualquer erro de julgamento. A alteração pretendida tem por fim, segundo a apelante, “incluir o enquadramento da cessação dos contratos de trabalho no presente processo de insolvência”. De qualquer modo, sempre se dirá, que os factos que pretende ver aditados ao ponto 21 já constam, quase na sua totalidade, dos factos provados nos pontos 2, 3, 6 e 7.
Reclama ainda a apelante a alteração do ponto 23 para evitar a existência de repetições, contradições e/ou desigualdades entre os factos considerados provados quanto a cada uma das impugnações e porque a massa insolvente não celebrou qualquer contrato de trabalho, o que constitui facto notório e/ou do conhecimento do tribunal.
O ponto 23 tem a seguinte redação: Naquela data recepcionaram o modelo 5044 da Segurança Social, através do qual lhes foi comunicado o seu despedimento, com exceção da Maria Teresa … e Narciso … que continuam ao serviço da massa insolvente, sendo que os trabalhadores Narcisa … e António José … continuaram ao serviço da massa insolvente até ao passado dia 26.01.2015, data em que o sr. Administrador em representação da massa prescindiu dos seus serviços.
A redação proposta pela apelante é a seguinte:
Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns dos contratos de trabalho cuja colaboração se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, o que no caso dos trabalhadores Narcisa … e António José … se verificou até 26/01/2015 e no caso da trabalhadora Maria Teresa … se verificou até 31/05/2015,datas em que, respectivamente, os seus contratos de trabalho cessaram, sendo que o trabalhador Narciso … continua ao serviço da insolvente.
Como se pode constatar pela mera comparação dos factos dados como provados no ponto 23 com a redação proposta pela apelante para esse ponto, o único erro que a apelante aponta é a indicação da massa insolvente como entidade empregadora, questão que não é puramente de facto.
No caso, a Mma Juíza, no elenco dos factos provados, ao referir-se aos contratos de trabalho que se mantiveram após a declaração de insolvência, fez constar por vezes, concretamente nos pontos 23 e 29, que os trabalhadores continuaram ao serviço da massa insolvente em vez de ao serviço da insolvente.
Como infra melhor aprofundaremos, declarada a insolvência os contratos de trabalho não cessam. Não há o surgimento de um novo contrato de trabalho com uma entidade empregadora diferente, mantendo-se os trabalhadores ao serviço da insolvente que passa a ser administrada pelo AI, a não ser que administração se mantenha no devedor (artº 81º, nº 1 e artº 224º, nº 1). A massa insolvente é o património do insolvente que com este não se confunde (artº 46º, nº 1).
Consequentemente, proceder-se-á à alteração do ponto 23, substituindo-se a expressão massa insolvente, por insolvente.
Quanto ao ponto 24, o qual no entender da apelante é irrelevante para a decisão da causa e contraditório com o ponto 3, como já deixámos dito, a irrelevância de um facto não constitui erro de julgamento. Quanto à contradição não vislumbramos qualquer contradição.
Defende ainda o apelante que o ponto 24 devia ser eliminado, face ao depoimento do sr. AI, ao relatório elaborado nos termos do artº 155º e ainda à Acta de Assembleia de Credores de 27/08/2014.
E ouvido o depoimento do sr. AI, do mesmo não resulta a incorrecção dos factos dados como provados no ponto 24, remetendo-se para o que se referiu a propósito do ponto 3. .

E:
Defende a apelante que o tribunal deu como assentes factos que estão parcialmente impugnados (cfr. resposta do AI à impugnação da reclamante Maria Celeste …) e que estão repetidos, estando ainda em contradição parte dos factos dos pontos 63, 65 e 66 com os factos constantes dos pontos 6, 7 e 8. Requer ainda que os factos constantes dos pontos 67, 68 e 69 sejam retirados do elenco dos factos provados porque contém como data da cessação uma data incorrecta e porque os factos não são relevantes para a decisão da causa.

Vejamos:
Na motivação da decisão de facto o tribunal autonomizou o caso dos trabalhadores Cristina …, Narciso … e Pedro …. Relativamente aos demais trabalhadores onde se insere a trabalhadora Maria Celeste, o tribunal motivou a decisão do seguinte modo: “A restante factualidade resultou assente por acordo bem como pelos documentos juntos aos autos por parte do sr. AI quer pelos trabalhadores impugnantes, como sejam, recibos de vencimento e contratos de trabalho”.
Efectivamente, tal como alude a apelante, o sr. AI não aceitou a alegação de que a reclamante Maria Celeste (trabalhadora a que se reporta o ponto E) tivesse exercido funções até 1.09.2014, alegando que o seu contrato cessou em 27.08.2014, data da assembleia onde foi deliberado prosseguir com a liquidação do activo da insolvente.
No entanto no despacho saneador foram dados como assentes tais factos no ponto 56 dos factos assentes e relativamente a esta trabalhadora, apenas foram levados aos temas da prova, os factos relativos ao gozo de férias relativo ao trabalho prestado em 2013.
A ora apelante reclamou do ponto 56 dos factos assentes, tendo aliás já nesse despacho suscitado parte das questões que suscitou neste recurso relativamente à matéria de facto e sobre o seu requerimento de fls 890 a 893 v, recaiu o seguinte despacho “Encontra-se já ultrapassada a questão relativa aos créditos nºs 39 e 40, conforme resulta do despacho anterior. No que respeita ao restante articulado, e porque apenas propõe alterações na redação dos pontos indicados como temas da prova, e objecto do processo, sendo certo que os mesmos não formam caso julgado, indefere-se a requerida reclamação.”
É sabido que o que é decidido no despacho saneador não faz caso julgado formal. E como resulta do que se referiu supra, os factos relativos à data da cessação do contrato de trabalho desta trabalhadora estavam controvertidos.
Do depoimento do sr. AI, ouvido a propósito de impugnações anteriores, resulta também que a maioria dos contratos de trabalho cessou em 27/08/2014 (onde se inclui o caso da trabalhadora Maria Celeste) e não em 1.09, exceto relativamente aos trabalhadores essenciais à liquidação (que o sr.AI referiu terem sido cerca de 7), cujos contratos se prolongaram para além de 1 de Setembro de 2014.
E o facto de no documento entregue para efeitos de obtenção de subsídio de desemprego à trabalhadora Maria Celeste, constar a data de 01/09/2014 (doc. de fls 713) não põe em causa o que foi dito pelo sr. Administrador da Insolvência. Como resulta da mera leitura do documento, não consta em qualquer local que a data da cessação do contrato foi 1.09.2014. A data aposta de 01.09.2014 no local em que foi aposta, corresponde à data em que a declaração foi emitida.
Ocorreu assim um erro do tribunal recorrido ao dar como provados factos impugnados, considerando que estavam admitidos por acordo, e com base na prova produzida, alteram-se os pontos 63, 65, 67, 68, retirando a menção a 1.09.2014, como data da cessação do contrato e elimina-se o ponto 66. A irrelevância na óptica da apelante dos factos constantes dos pontos 67, dos demais factos alegados no artº 68 e no artº 69 não configura qualquer erro de julgamento, e não se detectando qualquer erro, mantém-se inalterados estes artigos.
PONTO D – conclusões 66 a e conclusões 92 a 99 e 103º a 108º da apelante e ampliação do recurso – ponto 60
Alega a apelante na conclusão 66 que os factos dados como provados nos pontos 40 a 52 não podem ser dados como provados porque foram impugnados com a apresentação do relatório do artº 131º do CIRE e na resposta à impugnação deste trabalhador (conclusão 66).
Pugna também pela alteração da redação do ponto 28, de modo a que, em seu entender, inclua o enquadramento da cessação dos contratos de trabalho no processo de insolvência, sugerindo a seguinte redação: Na sequência da declaração da insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27.08.2014, a insolvente manteve alguns contratos de trabalho cuja colaboração de revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação, nomeadamente com o reclamante, o que no caso deste se verificou até 22.01.2015.
Ora, a data em que cessou o contrato de trabalho com o trabalhador Pedro … que se pretende aditar ao ponto 28 já consta do ponto 30. E a necessidade de manter alguns contratos de trabalho também já consta do ponto 7-2ª parte. Assim, além dos factos que a apelante pretende aditar já constarem dos factos provados, a apelante não aponta qualquer erro de julgamento que importe corrigir, nem qualquer vício que importe sanar, pelo que se mantém o ponto 28.
Posteriormente, nas conclusões 92 a 99 e 103º a 108º e depois de já se ter pronunciado sobre o direito, veio de novo a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto, impugnando a matéria de facto constante dos pontos 40 e 46, defendendo que estes factos deveriam ter sido considerados não provados e que estão em contradição com o ponto 60 da matéria de facto, fundamentando-se também no depoimento das testemunhas Belmiro …, João Carlos … e Artur …, para cujos depoimentos gravados e parcialmente transcritos remeteu e no documento junto aos autos denominado Compromissos.
A título subsidiário, para a hipótese de procedência do recurso, veio o apelado Pedro … ampliar o objecto do recurso, pedindo que sejam considerados não provados os factos constantes do ponto 60 na parte em que se refere que tal valor incluía “ajudas de custo, para fazer face às despesas inerentes ao exercício das funções de Director Geral nas instalações da sociedade Filobranca Esatern Europe SRL sitas na Roménia”, factos que, em seu entender, se encontram em contradição com a factualidade plasmada em 47 a 52, baseando-se no depoimento das testemunhas Belmiro …, Maria Pia … e João Carlos … e igualmente no documento intitulado “Compromissos” elaborado e subscrito na data da celebração do contrato de trabalho, em 30.05.2007, outorgado pelo trabalhador e pela agora insolvente.
Tal como refere a apelante, os factos relativos à retribuição mensal do trabalhador Pedro … não estavam assentes, pelo que foram erradamente incluídos nos factos assentes do despacho saneador.
No entanto, apesar de assentes, a Mma. Juíza acabou por permitir que fossem feitas às testemunhas perguntas relativos à retribuição deste trabalhador, tendo sido abordado, entre outros assuntos, o montante, a regularidade de pagamento e forma de pagamento. E a Mma Juiza na motivação da sentença faz referência à prova testemunhal em que baseou relativamente a estes factos, fazendo constar que se baseou nas declarações da testemunha Belmiro … para dar como provados os factos relativos a “como era efectuado o pagamento do salário” ao trabalhador Pedro.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos das testemunhas indicadas Belmiro …, João Carlos … e Rui Jorge … (a apelante indicou a testemunha Artur …, mas trata-se de lapso, como se pode constar, não só porque não prestou depoimento nenhuma testemunha com este nome, como no dia e hora e indicado quem prestou depoimento foi o sr. Administrador da insolvência, Rui) e da testemunha Maria Pia ….
Ora, ouvida a prova, não vislumbramos qualquer erro de julgamento.
Vejamos:
Em aditamento ao contrato de trabalho entre a insolvente e Pedro … foi celebrado um escrito particular, na mesma data em que foi celebrado o contrato escrito, denominado Compromissos, nos termos do qual estipularam que, em complemento ao contrato de trabalho celebrado, para além do mais, que o ora reclamante receberia da insolvente a quantia mensal líquida de euros 5.500.00 euros, aí se prevendo ainda a estipulação de uma remuneração variável, de acordo com objectivos propostos, bem como a insolvente assumiria os encargos com uma renda de casa até 1500 euros mensais e que colocava à disposição do trabalhador uma viatura automóvel, para uso total, suportando ainda as respectivas despesas de combustível, seguro e manutenção do veículo. Convencionaram ainda que o trabalhador beneficiaria ainda, em cada ano de duração do contrato, de três viagens de ida e volta a Portugal, custeadas pela ora insolvente.
Nos recibos de vencimento emitidos constava apenas a retribuição base de 4.060,00 euros.
Ora o documento subscrito entre as partes denominado de “Compromissos” é claro no sentido de ser paga ao trabalhador a quantia mensal líquida de 5.500,00 euros, a qual acrescia uma remuneração variável de acordo com os objectivos propostos e renda de casa.
As testemunhas Belmiro … que trabalhou para a insolvente perto de 40 anos, exercendo funções na parte financeira e João … que foi Director da insolvente, foram claros no sentido de que o trabalhador recebia o montante líquido constante do acordo denominado “Compromissos”, sendo que a diferença entre o que era pago documentado por recibo de ordenado e a quantia de 5.500,00 euros era paga a diversos títulos, ajudas de custo ou prémios, de acordo com as possibilidades conferidas pela lei fiscal e que existia uma conta corrente para controlar que os pagamentos parcelares feitos atingissem o valor acordado de 5.500,00 euros que era pago mensalmente. As testemunhas não referiram em momento algum que o montante relativo à diferença entre o montante líquido da quantia de 4.060,00 euros que constava do recibo de vencimento do trabalhador e a quantia líquida de 5.500,00 que o trabalhador recebia mensalmente, se destinasse a suportar as despesas que o trabalhador tinha de fazer por se encontrar deslocado, sendo que a insolvente lhe pagava ainda, para além desta importância, a renda da casa. O que resulta do depoimento destas duas testemunhas e que foi corroborado pelo sr. AI é que a designação de ajudas de custo foi a forma encontrada para pagar ao trabalhador determinada importância até completar os 5.500,00 acordados, sem a sujeitar a descontos para a Segurança Social e IRS, mas sem que se destinasse a suportar efectivamente quaisquer despesas do trabalhador. Como referiu o sr. AI, para explicar a razão pela qual não concordou com estes pagamentos e deixou de permitir o seu pagamento, a partir do momento em que assumiu as funções de administrador, os referidos pagamentos eram efectuados por fora, querendo com tal expressão significar que eram pagos sem que sobre eles incidissem os devidos descontos, descontos que deveriam ser feitos, caso a quantia paga constituísse remuneração.
O depoimento de Maria Pia … que foi administradora da insolvente nos últimos 10/11 anos antes da declaração da insolvência e que interveio directamente na contratação do trabalhador Pedro … acabou por não ser muito esclarecedor porque não lhe foram perguntados factos relativos à remuneração do trabalhador, mas não deixou de referir que a remuneração do trabalhador era de 5.500,00.
Assim, embora os factos alegados pelo credor Pedro …, relativamente ao montante do seu vencimento base, tivessem sido carreados indevidamente para os factos assentes, por terem sido impugnados pelo sr. AI, as testemunhas acabaram por depor sobre tais factos e dos seus depoimentos, conjugados com os documentos escritos não impugnados, resulta a correção do julgamento dos factos em causa, devendo ser eliminado o ponto 60 dos factos assentes que não tem fundamento na prova produzida e está em contradição com os factos 40, 51 a 53, mantendo-se estes e os factos constantes dos pontos 41 a 50, por não se verificar, quanto a estes, qualquer erro de julgamento.
Finalmente requereu ainda a apelante a alteração do 29, pelas razões já referidas a propósito do ponto 23, substituindo-se a expressão massa insolvente pela expressão insolvente, dando-se razão à apelante quanto ao ponto 29, pelas razões já referidas aquando da análise do ponto 23.

RELATIVAMENTE A TODAS AS IMPUGNAÇÕES – A, B, C, D e E

A apelante impugnou os pontos da matéria de facto sobre os quais já pronunciámos – conclusões 38 a 66 - e requereu ainda que fosse aditado à matéria de facto provada os seguintes factos, com base no depoimento do sr. AI prestado na audiência de discussão e julgamento de 28.09.2016:
“ Todos os trabalhadores impugnantes conheciam bem antes da Assembleia de Credores, face aos plenários realizados pelo sr. AI que o seu contrato de trabalho iria cessar caso viesse a ser (como foi) ali deliberado o encerramento definitivo da empresa e votaram favoravelmente esse encerramento e a consequente cessação dos seus contratos de trabalho, que ocorreu por força do despacho judicial ali proferido que determinou o prosseguimento dos autos para liquidação”.
Embora o princípio do inquisitório tenha no âmbito do processo de insolvência uma dimensão mais vasta de que no âmbito do Código do Processo Civil – artº 11º - podendo o juiz fundar a sua decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes, tendo este princípio também aplicação aos apensos da insolvência, como a reclamação de créditos (cfr. se defende no Ac. do STJ de 06.07.11, proc. 879/06), entendemos que esta consideração de factos não alegados deveria ter sido requerida na 1ª instância. Os recursos não são meios para apreciar questões novas que não foram suscitadas nos tribunais inferiores, a não ser que sejam questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Acresce que a apelante não invoca porque é que estes factos cuja inclusão requer são pertinentes para a discussão da causa.
A matéria de facto a considerar, em consequência das apreciações supra, é pois a seguinte:

FACTOS PROVADOS
A
1. No dia 09/07/2014 foi proferida sentença que declarou Insolvente a sociedade "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A.".
2. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, cessaram os contratos de trabalho à maioria dos trabalhadores/reclamantes e foram postos numa situação de desemprego.
3. E receberam um documento (mod. 5044) comunicando-lhes o seu despedimento e, consequentemente, cessou o contrato de trabalho dos Reclamantes, sem qualquer aviso prévio e sem qualquer comunicação anterior.
4. O Sr. Administrador de Insolvência invocou e aplicou, para o cálculo da indemnização, o artigo 5.° da Lei 69/2013 de 30/08.
5 - Declarada a insolvência da sociedade "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A." por sentença proferida em 09/07/2014, o Administrador da Insolvência apresentou o Relatório elaborado nos termos do artigo 155° do CIRE, do qual fez constar a sua proposta para o destino da empresa insolvente.
6 - Tal Relatório foi objecto de apreciação e votação em sede de Assembleia de Credores realizada em 27/08/2014, donde resultou deliberado o encerramento definitivo da empresa insolvente e o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo.
7 - Daí emergiu a cessação dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores da insolvente, à excepção daqueles trabalhadores cuja manutenção se revelava necessária e indispensável à tramitação da liquidação.
8 - Cessação comunicada a tais trabalhadores através de comunicação escrita entregue e/ou enviada em 27/08/2014.

B
9. Em 2014/07/09, foi declarada em estado de insolvência a sociedade "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A."
10. Na sequência da declaração de insolvência, na assembleia de credores realizada no dia 27/08/2014, a insolvente manteve alguns contratos de trabalho, nomeadamente com a reclamante Cristina …, a qual tinha sido admitida ao serviço da insolvente em 12.03.1985.
11. Só em 26/01/2015, o Sr. Administrador de Insolvência pôs termo ao contrato de trabalho que vinculava a Reclamante à Insolvente, invocando para o efeito"...extinção ou encerramento da empresa..." (cfr. doc. n.° 1), sem pré-aviso ou quaisquer outras comunicações, informações ou negociações.
12. Mesmo depois de declarada a insolvência, a Reclamante manteve-se ao serviço da insolvente até ao dia 26/01/2015, não lhe tendo sido pagas as correspondentes retribuições, no valor de € 1.849,43 (mil oitocentos e quarenta e nove euros e quarenta e três cêntimos) sendo:
a) € 312,18, férias não gozadas (2014);
b) € 1.419, 00, referente às férias vencidas em 01/01/2015;
c) € 118,25, referente ao subsídio de Natal proporcional.
13. Estes valores foram reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, conforme carta e tabela por ele remetida – fs. 148 a 150 – e lista a fls. 9, credora n.º 63 – valores a que acresce a quantia de €19.609,59 de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
14. A insolvente não proporcionou à reclamante Cristina …, quaisquer horas de formação contínua desde 2000.
15. Não foram reconhecidos os créditos por despedimento colectivo ilícito (art. 391.º C.T.), de pré-aviso (art. 363.º CT) ou de horas de formação (art. 131.º e 134.º do C.T.), este no valor de € 429,45 correspondente a 35 horas por cada um dos três últimos anos, à razão de 4,09 € à hora, considerando que a Reclamante foi admitida ao serviço da Insolvente em 12.3.1985.

C
16. No tocante ao trabalhador Narciso … este foi admitido ao serviço da Insolvente em 02/01/1993, tendo executado o seu trabalho, maioritariamente, nas instalações de Riba de Ave, até 2006, data em que a pedido da administração da Insolvente foi chefiar a unidade romena da Insolvente.
17. Por força das funções que vinha exercendo, o trabalhador Narciso … reunia, com uma regularidade não concretamente apurada, nas instalações de Riba de Ave com a sua administração e alguns dos colegas que faziam parte dos quadros administrativos e financeiros.
18. Quer os imóveis constituídos pelas unidades fabris da insolvente em Portugal, mais concretamente, o prédio urbano descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o nº 66 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 55, da freguesia de Riba de Ave e o prédio descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o nº 77 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 88 da freguesia de …, quer o imóvel que é propriedade da unidade industrial romena, estavam todos afectos à actividade empresarial da insolvente, sendo que em todos eles, o trabalhador Narciso … prestou a sua actividade.
19. Os Requerentes são todos ex-trabalhadores e credores reclamantes nos presentes autos de Insolvência.
20. Em 09/07/2014 foram confrontados com a declaração de insolvência da "Fábrica de Malhas Filobranca, S.A.",
21. E, posteriormente, em 27/08/2014, foi-lhes comunicada a cessação imediata dos respectivos contratos de trabalho,
22. Tendo sido colocados numa situação de desemprego involuntário.
23. Naquela data recepcionaram o modelo 5044 da Segurança Social, através do qual lhes foi comunicado o seu despedimento, com excepção da Maria Teresa … e Narciso … que continuam ao serviço da insolvente, sendo que os trabalhadores Narcisa … e António José … continuaram ao serviço da insolvente até ao passado dia 26/01/2015, data em que o Sr. Administrador, prescindiu dos seus serviços.
24. Sem que, para o efeito e previamente, haja sido efectuado qualquer aviso prévio, tenha existido qualquer comunicação, invocados os motivos, quadro de pessoal, critérios para a selecção e o número de trabalhadores a despedir e método de cálculo de compensações a pagar.
25. Os Requerentes apresentaram as respectivas reclamações de créditos, peticionando tudo quanto entendiam ser-lhes devido a título de créditos e direitos salariais decorrentes da cessação dos respectivos contratos de trabalho,
26. Nomeadamente, indemnização devida pela ilicitude do despedimento, calculada em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
27. O Exmo. Senhor Administrador de Insolvência calculou os montantes peticionados a título de indemnização com base no artigo 5.° da Lei 69/2013, de 30/08.

D
28. O Senhor Administrador de insolvência, no uso dos poderes que lhe são conferidos, entendeu pela manutenção de alguns contratos de trabalho, entre os quais o de PEDRO ….
29. Pelo que o ora impugnante se manteve a trabalhar, desempenhando as mesmas e exactas funções, tendo por base o mesmo local de trabalho e as mesmas e exactas condições, existentes com a insolvente;
30. Situação que se manteve até ao dia 22 de Janeiro de 2015, data em que cessou o seu contrato de trabalho.
31. Pedro … foi admitido ao serviço da insolvente em 30 de Maio de 2007, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado reduzido a escrito, que juntou.
32. Para, sob as ordens, direcção e fiscalização da insolvente, desempenhar as funções de Director, sob a categoria de Director Geral.
33. Mediante o horário de trabalho estipulado no contrato de trabalho celebrado.
34. Tendo como local de trabalho as instalações fabris da Filobranca Eastern Europe, SRL, sitas em …, na Roménia, pese embora continuasse a ser, trabalhador da insolvente.
35. A empresa de direito romeno foi criada para servir única e exclusivamente a insolvente, a sua actividade, ou seja, para potenciar e desenvolver a actividade da sua detentora.
36. Permitindo à insolvente servir melhor os seus clientes, com maiores quantidades, de forma mais flexível, mais barata e em prazos mais curtos.
37. Funcionando como um braço operacional, uma extensão da empresa detentora, estrategicamente localizado junto à Turquia, onde a insolvente ia buscar a grande maioria da matéria primas, ulteriormente trabalhadas na Roménia ou em Portugal, para servir encomendas, quase exclusivamente da empresa “mãe”.
38. Não obstante o seu local de trabalho habitual ser a Roménia, o trabalhador Pedro … era trabalhador da insolvente, desenvolvendo as suas funções no âmbito da actividade da sua unidade fabril e empresarial sedeada em Portugal.
39. O trabalhador Pedro … deslocava-se a Portugal sempre que necessário ou solicitado.
40. Acordando as partes contraentes que o ora reclamante Pedro … auferiria a quantia líquida mensal de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros mensais).
41. O contrato e respectivos compromissos assumidos entre a insolvente e o ora reclamante tiveram por base, entre outros, os seguintes pressupostos: a insolvente pretendia alguém com capacidade comercial, de liderança e conhecimentos de gestão adequados a orientar, acompanhar e desenvolver a unidade industrial de produção que a insolvente pretendia deter na Roménia, cargo ao qual o reclamante, engenheiro químico de formação, com experiência e conhecimento do mercado romeno, bem como da língua, se mostrou apto e disposto a desempenhar.
42. O que significava um compromisso de médio e longo prazo, levando a que a mulher e os dois filhos, então menores de 3 e 9 anos de idade, respectivamente, acompanhassem o ora impugnante. 43. Deixando, a primeira, o trabalho que desenvolvia em Portugal - a mulher do ora impugnante, engenheira química, estava a trabalhar numa empresa de referência em Portugal.
44. Tendo os filhos, designadamente o mais velho, que aprender outra língua e ingressar no ensino de um país totalmente desconhecido e diferente.
45. Ora, tal compromisso, que envolvia todo o agregado familiar, tinha, para o ora impugnante que ser devidamente remunerado, já que, para além do atrás exposto, implicava função de grande responsabilidade.
46. Assim, na mesma data e em aditamento ao contrato de trabalho, a insolvente e o ora impugnante celebraram o escrito particular denominado "COMPROMISSOS, no qual estipularam, em complemento ao contrato de trabalho celebrado, para além do mais, que o ora reclamante receberia da insolvente a quantia mensal líquida de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
47. Aí se prevendo ainda a estipulação de uma remuneração variável, de acordo com objectivos propostos.
48. Bem como que a insolvente assumiria os encargos com uma renda de casa até ao montante de € 1.500, mensais.
49. Bem como colocava à disposição do ora reclamante uma viatura automóvel, para uso total, suportando ainda as respectivas despesas de combustível, seguro e manutenção do veículo;
50. Beneficiando o ora reclamante, também por via de tal acordo, em cada ano de duração do contrato, de três viagens de ida e volta a Portugal custeadas pela sua entidade patronal.
51. Assim, e de acordo com os compromissos assinados entre as partes, não obstante a insolvente emitir recibos de vencimento ao ora reclamante em que aparecia apenas a retribuição base mensal de € 4.060,00,
52. e não obstante a forma e designação sob a qual era paga a quantia remanescente até atingir o valor líquido acordado de €5.500,00.
53. Até Julho de 2014, mês da declaração da insolvência, o ora reclamante auferia da depois insolvente, para além dos €4.060,00 € brutos mencionados no recibo de vencimento como retribuição base, uma quantia regular, de periodicidade mensal, que, em 2014 era de 3.249,60 €, a qual, somada aos 2.250,40 € líquidos do recibo de vencimento, perfazia o supra citado valor de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
54. O ora impugnante reclamou lhe fosse reconhecida como retribuição base mensal o valor de € 7.309,60 (sete mil, trezentos e nove euros e sessenta cêntimos) e não os € 4.060,00 mencionados nos recibos de vencimento propriamente ditos – fs. 25, credor n.º 221;
55. O ora impugnante reclamou, não lhe tendo sido reconhecido o crédito sobre a insolvente e a insolvência respeitante às seguintes quantias, a título de diferenças salariais:

- € 3.249,60 - € 2.769,85 = € 479,75 (quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e cinco euros) líquidos, vencida em 31.01.2014 e respeitante à retribuição de Janeiro de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.501,80 = € 747,80 (setecentos e quarenta e sete euros e oitenta cêntimos) líquidos, vencida em 28.02.2014 e respeitante à retribuição de Fevereiro de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.769,85 = € 479,75 (quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos) líquidos, vencida em 31.03.2014 e respeitante à retribuição de Março de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.680,50 = € 569,10 (quinhentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos) líquidos, vencida em 30.04.2014 e respeitante à retribuição de Abril de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.769,85 = € 479,75 (quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos) líquidos, vencida em 31.05.2014 e respeitante à retribuição de Maio de 2014;
- € 3.249,60 - € 2.680,50 = € 569,10 (quinhentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos) líquidos, vencida em 30.06.2014 e respeitante à retribuição de Junho de 2014;
- € 3.249,60 - 0 = € 3.249,60 (três mil, duzentos e quarenta e nove euros e sessenta cêntimos) líquidos, vencida em 31.07.2014 e respeitante à retribuição de Julho de 2014,
56. Num total de € 6.574,85 (seis mil, quinhentos e setenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
57. O Senhor Administrador justificou a sua decisão no facto de considerar que tais quantias não são retribuição.
58. Entre Agosto e Janeiro de 2015, a massa insolvente pagou ao ora Impugnante apenas as quantias líquidas apuradas com base no valor bruto de € 4.060,00.
59. O Impugnante Pedro … foi contratado pela insolvente para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar funções de Director Geral da Filobranca Eastern Europe, sita em Siret, na Roménia;
60. (eliminados dos factos provados)

E
66. A Requerida ora Insolvente era uma Sociedade Anónima, tendo por objeto social e dedicando-se com carácter de regularidade e intuito lucrativo na indicada sede, à actividade de "Industria e comercialização de malhas e outros produtos têxteis".
62. Maria Celeste … foi admitida nas instalações da Requerida a prestar trabalho ao serviço desta, mediante contrato de trabalho subordinado sem termo, celebrado entre ambos em 01-05-1992 para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Requerida.
63. A Reclamante, Maria Celeste …, a partir de tal data de 01-05-1992 e até à data do encerramento da empresa, levada a efeito pelo Administrador de Insolvência, passou a exercer ininterruptamente as suas funções e categoria profissional de "Estampados" nas instalações/sede/armazém da Requerida sitos na Rua …, concelho de Vila Nova de Famalicão, por conta, a tempo inteiro, sob as ordens, autoridade, direcção, fiscalização, regras e orientação da Requerida.
64. A Reclamante, Maria Celeste … pelo exercício das suas funções de "Estampados" vinha auferindo o vencimento base mensal de 492.00 € (Quatrocentos e Noventa e Dois Euros), acrescido de um Subsídio de Alimentação no valor mensal de 76,78 € (Setenta e Seis Euros e Setenta e Oito Cêntimos) (3,49 € x 22 dias), perfazendo assim o salário mensal ilíquido no montante de 568,78 € (Quinhentos e Sessenta e Oito Euros e Setenta e Oito Cêntimos).
65. A reclamante, Maria Celeste …, mesmo depois de declarada a insolvência, manteve-se ao serviço da insolvente.
66.(eliminados dos factos provados)
67. Em 2014/09/01, aquando da entrega à ora reclamante da Declaração de Situação de Desemprego, invocando para o efeito "...extinção ou encerramento da empresa...", o Sr. Administrador de insolvência não lhe comunicou:

a) Os motivos invocados para o despedimento coletivo;
b) O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa;
c) Os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir;
d) O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;
e) O período de tempo no decurso do qual se pretende efectuar o despedimento;
f) O método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366.° ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
68. O Sr. Administrador de insolvência, em 2014/09/01, aquando da entrega à ora reclamante da Declaração de Situação de Desemprego, invocando para o efeito "...extinção ou encerramento da empresa...", não observou em relação à ora Reclamante o prazo mínimo de aviso prévio de 75 dias, sendo certo que a ora Reclamante tinha uma antiguidade igual ou superior a 10 anos.
69. A Requerida/lnsolvente, volvida a referida data de 2014/09/01, e até à presente data, ainda não pagou à ora Reclamante as quantias agora pedidas.
70. Conforme carta remetida ao Ex.mo Mandatário da ora Reclamante – fs. 253 a 255 – o Ex.mo Administrador, partindo do salário base de 492,00 €, reconheceu-lhe os seguintes créditos:
- 266,50 € de férias não gozadas,
- 164,00 € de subsídio de Natal,
- 656,00 € de proporcionais pela cessação do contrato,
- 10.086,51 € de compensação, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto.
71. O Ex.mo Administrador não reconheceu os pedidos por falta de pré-aviso e por despedimento ilícito.

B .FACTOS NÃO PROVADOS
A. A participada romena possibilitava à insolvente o acesso a uma rede de subcontratação por toda a Roménia que, de outra forma, não teria acesso.
B. O trabalho prestado pelo trabalhador Pedro … e o produto da sua actividade, contribuiu para a manutenção e desenvolvimento da actividade da insolvente, evitando o aparecimento das dificuldades e ruptura económico-financeira.
C. A trabalhadora Maria Celeste … não gozou férias referentes ao trabalho prestado em 2013.
60. Posteriormente à outorga do contrato de trabalho, foi acordado entre a insolvente e o ora impugnante que seriam pagas a este ajudas de custo, para fazer face às despesas inerentes ao exercício de funções de Director Geral nas instalações da sociedade Filobranca Esastern Europe SRL, sitas na Roménia, no montante mensal necessário a perfazer a quantia líquida total a receber de 5.500,00 euros.
. 66. A reclamante, Maria Celeste …, foi despedida pelo Sr. Administrador de Insolvência no dia 2014/09/01.

DO DIREITO DA ILICITUDE DO DESPEDIMENTO E DA QUALIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS DOS TRABALHADORES DEVIDOS PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COMO CRÉDITOS DA MASSA INSOLVENTE:

Na sentença recorrida entendeu-se que o sr. Administrador da insolvência se limitou a comunicar aos trabalhadores o facto do seu despedimento imediato, sem que antes tenha comunicado a respectiva intenção, pelo que não houve cumprimento dos prazos e procedimentos legalmente previstos, daí que se entendeu que o despedimento era ilícito por não ter sido observado o procedimento previsto na lei para o efectivar, sendo devida a indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho (e não aquela prevista no artigo 5.º da Lei n.º 69/2013 que o sr. AI entendeu ser-lhes devida), fixou-se a indemnização em 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção e considerou-se que tais créditos constituíam uma dívida da massa insolvente por terem nascido em momento posterior à declaração de insolvência (créditos dos trabalhadores identificados em A, B, C e E).
A apelante, por sua vez, entende que a lei não impunha a obrigação de fazer a comunicação que se considerou estar em falta, pelo que o despedimento efectuado não é ilícito, não constituindo um acto da administração ou da massa e/ou de uma actuação do sr. AI, razão pela qual não se subsume à previsão da alínea d) do nº 1 artº 51º. A compensação atribuída aos trabalhadores não emerge de trabalho prestado não pago após a data da sentença de insolvência, mas sim da cessação de um contrato de trabalho celebrado muito antes da declaração de insolvência, revestindo os trabalhadores a qualidade de credores da insolvência nos termos do artº 47º, nº 1 que estatui que, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência, são considerados credores da insolvência.
Nos presentes autos a insolvência foi declarada em 9.07.2014. Em 28 de Agosto de 2014, na assembleia de credores foi deliberado o imediato prosseguimento dos autos para liquidação do seu activo. Nessa data a insolvente manteve apenas alguns contratos de trabalho, nomeadamente o contrato da reclamante Cristina … que só cessou em 26.01.2015 e o do trabalhador Pedro … que cessou em 22 de Janeiro de 2015.
Tem-se entendido, entendimento com o qual se concorda, que a lacuna que o CIRE apresenta relativamente a esta matéria deve ser integrada mediante a aplicação do artigo 347º do CT, que prevê especificamente os efeitos no contrato de trabalho resultantes da declaração de insolvência de uma empresa.

Dispõe o referido preceito legal:
1 - A declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado.
2 - Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.
3 - A cessação de contratos de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento ou realizada nos termos do n.º 2 deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
4 - O disposto no número anterior não se aplica a microempresas.
5 - Na situação referida no n.º 2, o trabalhador tem direito à compensação prevista no artigo 366.º
6 - O disposto no n.º 3 aplica-se em caso de processo de insolvência que possa determinar o encerramento do estabelecimento.
E, de harmonia com o disposto no nº 3, do artigo 347º, do CT, as formalidades a seguir nos casos de a cessação do contrato de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento neste contexto de processo de insolvência são as do despedimento colectivo, com as necessárias adaptações. E impõe-se que essas adaptações sejam feitas, porque no âmbito de um processo de insolvência e tendo sido judicialmente determinada a liquidação da sociedade insolvente, como ocorreu no caso, onde se decidiu que o processo prosseguia para liquidação do activo, não se reveste de qualquer utilidade ou sentido a fase negocial do processo de despedimento de colectivo, uma vez que o contexto de insolvência onde é imposta a liquidação da empresa não se compadece com medidas alternativas ao despedimento (como se defende no Ac. do TRG de 11.07.2017, proferido no processo 1500/14 e no qual interviemos como adjunta). E também o não fará, por idêntica ordem de razões, a aplicação do regime de aviso prévio para a cessação do contrato de trabalho consagrado no processo de despedimento colectivo. Do cumprimento da tramitação referida nos aludidos preceitos legais resultaria até, efectivamente, um agravamento da situação financeira da empresa insolvente, pois que, a assim suceder, continuariam a vencer-se salários, impostos e contribuições durante os prazos a que aludem os artigos 366º e 363º, tudo em prejuízo de todos os credores da insolvente, incluindo os próprios trabalhadores, numa altura em que a empresa já não tem recuperação e que provavelmente já nada conseguirá vender para minimizar o acréscimo dos salários, impostos e contribuições que se continuariam a vencer.
Tendo sido declarada a insolvência e nomeado um administrador da insolvência, o qual procede a reuniões com os trabalhadores, a possibilidade da cessação dos contratos e do encerramento da empresa é uma hipótese altamente provável, sendo pois um cenário possível. No caso do despedimentos colectivo, o legislador pretende e bem que os trabalhadores não sejam surpreendidos com a decisão e consagra a necessidade de uma comunicação prévia. A fixação de determinados prazos, designadamente o do aviso prévio com prazos variáveis em função da antiguidade do trabalhador, tem também por fim a preparação do trabalhador para a nova realidade, atribuindo-lhe até um crédito de horas, que poderá inclusive utilizar para ir procurando outros postos de trabalho (artº 364º do CT), enquanto não chega o anunciado fim do contrato. Mas no caso da insolvência em que o contrato cessa pela cessação de actividade do insolvente, iniciando-se a liquidação do seu activo, decorrente da situação de insolvência, as circunstâncias não são iguais. Não se pode falar do factor surpresa. Os trabalhadores cuja entidade patronal foi declarada insolvente, não podem deixar de equacionar como possível, que os seus contratos de trabalho venham a cessar.
A remissão do artigo 347º do CT para as normas reguladoras do despedimento colectivo serve apenas e só o propósito de prever que a compensação pela cessação do contrato de trabalho devida ao trabalhador cujo contrato caduca, é calculada nos termos do artigo 366º do CT, isto é, como se de um despedimento colectivo se tivesse tratado, não se podendo, assim, olhar-se para a remissão que o artigo 347º, do CT, faz para as normas reguladoras do despedimento colectivo no sentido de terem de ser cumpridos todos os formalismos ali previstos, pois que, por um lado, o próprio artigo ressalva que essa remissão deve ser efectuada com as necessárias adaptações e, por outro lado, porque tal interpretação desrespeitaria toda a dinâmica e interesses que o processo de insolvência visa proteger, pelo que não terá sido esse o espírito do legislador ao dar a redacção actual ao tal preceito legal (como igualmente se defendeu no citado acórdão do TRG que seguimos de perto).
Assim, a cessação do contrato de trabalho dos trabalhadores cuja colaboração não foi considerada indispensável à liquidação da empresa, não é ilícita, nem é exigida a comunicação prévia da intenção de proceder ao despedimento como se considerou na sentença recorrida, por o sr. AI se ter limitado a comunicar aos trabalhadores o facto do seu despedimento imediato, sem que antes tenha comunicado essa intenção.

DA QUALIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS DOS TRABALHADORES PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO QUE OCORREU EM MOMENTO POSTERIOR À DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA

A compensação a que o trabalhador tem direito não emerge do trabalho prestado, não pago, após a data da sentença de insolvência, emergindo antes da cessação de um contrato de trabalho celebrado muito antes da declaração de insolvência.
Uma vez liquidada a empresa, os trabalhadores passam a ser credores, quer de créditos do trabalho, classificados como créditos remuneratórios (salários, subsídios de férias e de Natal, subsídio de alimentação), podendo também estar em causa créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, compensatórios (por cessação do contrato de trabalho) ou indemnizatórios (devidos pela resolução do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do trabalhador ou pela cessação do contrato de trabalho que resulta de um despedimento ilícito).

A natureza destes créditos laborais tem também originado um debate no seio da doutrina e da jurisprudência, havendo diferentes posições nesta matéria. O Ac. deste TRG já citado, de 11-07-2017, também se debruçou sobre esta problemática. Lê-se no referido acórdão a propósito das teses em confronto, com citações doutrinárias a propósito e que pela sua clareza se passa a reproduzir parcialmente:
“Há quem entenda que estes créditos são dívida da massa, subsumíveis ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRE por resultar de um acto praticado pela administração da massa insolvente. (11) Não resultando a manutenção dos contratos de trabalho após a insolvência do disposto no artigo 111.º, do CIRE, não é aplicável a estes contratos o disposto no artigo 108.º, do CIRE, pelo que a sua extinção é regulada pelas normas constantes do Código do Trabalho, enquadrando-se o crédito como emergente de acto de administração da massa insolvente ou podendo integrar a alínea d), do mesmo artigo 51.º – dívida resultante da actuação do administrador.
- Outros defendem que se tratam de dívidas da insolvência. (12)
Como é consabido O CIRE faz a distinção entre créditos sobre a insolvência – créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração (artigo 47º, n.º 1) – e créditos sobre a massa insolvente, que enumera no artigo 51º e a relevância da distinção reside na circunstância de as segundas serem pagas precipuamente e só depois são pagas as dívidas da insolvência, conforme a prioridade que lhes compete no confronto com os demais credores (172º e 174º).

Da distinção feita resulta que, no que aos créditos laborais respeita, os constituídos antes da declaração da insolvência são dívidas sobre a insolvência, a graduar segundo o privilégio mobiliário e/ou imobiliário que lhes confere o artigo 333º do Código de Trabalho, enquanto os constituídos após a declaração de insolvência são dívidas sobre a massa, sabendo-se que, de acordo com o disposto no artigo 347º, n.º 1 do Código do Trabalho, “a declaração de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado” o que implica que o trabalhador continue a prestar serviço à empresa da massa falida após a declaração da insolvência, sob as ordens e a direcção de quem a representa (o administrador judicial).

No Acórdão desta Relação de Guimarães, proferido no processo nº Processo n.º 72/12.5TBVRL-AJ.G1, da 1ª Secção, reproduz-se uma resenha do que expõe e sintetiza Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, 2015, páginas 408 a 414, acerca das posições divergentes que se verificam na doutrina da seguinte forma:
“Dizem uns autores que se trata duma dívida da massa porque a cessação do contrato resulta de um ato praticado pela administração da massa insolvente- alínea c) do nº1 do artigo 51º (Carvalho Fernandes in Revista de Direitos e Estudos Sociais, 2004, pág. 26);

Outros defendem que se tratam de dívidas da insolvência, posição que acompanhamos, e em benefício dessa tese diversos argumentos têm sido expendidos, designadamente”:

- Que a cessação do contrato é “consequência daquele estado de insolvência, uma vez que a compensação é um direito adquirido com referência à duração do vínculo laboral, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em actividade” (Joana Costeira in Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013-91);
- Que “não parece que se possa dizer, regra geral, que a compensação devida pela cessação seja uma daquelas despesas que se inserem no escopo da lei ao qualificar certas dívidas como dívidas da massa” e que não só as causas do despedimento “se encontram na situação económica da empresa pré-existente à declaração de insolvência, como, e, sobretudo, a compensação (…) é tarifada em função dos anos de antiguidade que terão lugar, em regra, anteriormente à declaração de insolvência, pelo menos na sua maior parte” (Júlio Gomes in Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho, Almedina 2013, pá. 292 a 295);
- Que «ao invés dos créditos retributivos, os créditos compensatórios não só não pressupõem qualquer contraprestação por parte do trabalhador, como também não assumem a natureza alimentar dos créditos retributivos», sendo duvidoso que a fonte de tais créditos radique na actuação do administrador «pois se a cessação do vínculo em si pode ser reconduzida a esse acto volitivo, não é menos verdade que o direito de crédito associado a tal cessação tem fonte legal, por ser a lei que determina, para além das condições de tal cessação, a forma de cálculo da compensação a atribuir aos trabalhadores visados» e a solução contrária conduziria a uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores despedidos em data anterior à declaração de insolvência, cujo crédito compensatório é dívida da insolvência, e os despedidos após a declaração da insolvência – que pode até ocorrer poucos dias depois – que vêm o crédito compensatório classificado como dívida da massa”.
O que nos parece é que, se é certo que o direito à indemnização é despoletado por um acto do administrador, ao fazer cessar o vínculo laboral – artigo 51º, n.º 1, c) – a verdade é que o fundamento do crédito está longe de se esgotar nesse acto, ao invés haverá de ser reportado ao tempo de trabalho prestado, designadamente o prestado até à declaração de insolvência – artigo 47º, n.º 1 – sendo certo que nada parece justificar um tratamento desigual entre os casos de cessação do contrato de trabalho anterior à declaração de insolvência e o de cessação posterior, relativamente à indemnização devida até à data da declaração de insolvência, como se decidiu no acórdão citado”. (13)

Isto posto temos que, como se refere na decisão recorrida, os factos alegados não decorrem de qualquer acto próprio do exercício de administração pelo administrador, mas sim, por um lado, de factos atinentes a circunstâncias ocorridas antes mesmo da declaração de insolvência (motivos da alegada justa causa) e, por outro lado, do encerramento e liquidação da empresa determinado por despacho judicial, sendo que, neste último caso, a cessação do contrato é “consequência daquele estado de insolvência, uma vez que a compensação é um direito adquirido com referência à duração do vínculo laboral, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em actividade” (Joana Costeira, Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013-91, citado no referido Ac. RC, p. 72/12.5TBVRL).

E, como igualmente aí se menciona, a teleologia das dívidas da massa é a de permitir que a empresa permaneça em funcionamento, nem que seja para facilitar a sua liquidação, mas também, por vezes, para tentar a sua recuperação, sendo que, as dívidas da massa correspondem, designadamente, a contraprestações por prestações efectuadas por exemplo por fornecedores ou trabalhadores depois da declaração da insolvência.

E assim sendo, também se nos afigura que “não parece que se possa dizer, regra geral, que a compensação devida pela cessação seja uma daquelas despesas que se inserem no escopo da lei ao qualificar certas dívidas como dívidas da massa”, sendo que as causas do despedimento “se encontram na situação económica da empresa pré-existente à declaração de insolvência””.

Entendemos também, com o devido respeito pelas posições contrárias, e com base nos argumentos que transcrevemos que a compensação pela cessação dos contratos de trabalho deve ser considerada uma dívida da insolvência e não da massa pois que a dívida emerge de uma relação que nasceu muito antes da declaração de insolvência e não constitui qualquer contrapartida de uma obrigação do trabalhador, motivo pelo qual não se subsume à previsão do artº 51º, nº 1, alínea e). Igualmente não se subsume à previsão das alíneas c) e d) do seu nº1, invocadas na sentença recorrida como fundamentação da caracterização da compensação devida aos trabalhadores como dívida da massa, embora na sentença recorrida não se diga porque é que se entende que estes créditos integram a previsão destas duas alíneas. A compensação a atribuir não emerge dos actos de administração (alínea c), nem é uma dívida resultante da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (alínea d) tout court, embora resulte de uma actividade volitiva dele nesse sentido. A compensação emerge da cessação dos contratos de trabalho em virtude da sua caducidade pela cessação da actividade da insolvente e encerramento do estabelecimento da insolvente que decorre da situação de insolvência do devedor.
E não se considerando a cessação do contrato ilícita nem os créditos como dívidas da massa insolvente, prejudicadas ficam as questões suscitadas relativamente à constitucionalidade das interpretações feitas na sentença recorrida do artº 347 do CT e 51º do CIRE.

RETRIBUIÇÃO A CONSIDERAR PARA EFEITOS DE CÁLCULO DOS CRÉDITOS DO IMPUGNANTE PEDRO …:

Nos termos do art. 258.º do CT, considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
A primeira característica da retribuição é, pois, a de que ela representa a contrapartida da prestação de trabalho, como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou pelos usos.
Mas a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa regularidade e periodicidade no seu pagamento, embora possa ser diversa de umas prestações para outras. Como se defende no Ac. do TRG de 02.03.2017, proferido no processo 105/05, com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante; e ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes.
António Monteiro Fernandes Direito do Trabalho, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 458., observa que “a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida.” Ou, como menciona Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 575., “tais características têm como pressuposto o protelamento, no tempo, da actividade, o que se compreende considerando que a retribuição constitui a fonte de rendimento do trabalhador e, daí, a exigência habitualmente apontada no sentido de o seu pagamento ser susceptível de criar no trabalhador a expectativa do seu recebimento, associada à previsibilidade de rendimentos.”

A jurisprudência, tendo presente estes ensinamentos doutrinários, tem também procurado estabelecer um critério de aferição em concreto das características da periodicidade e regularidade, designadamente no sentido de que as assumem as prestações que sejam pagas ao trabalhador em pelo menos 11 dos 12 meses que antecedem o vencimento das prestações em causa (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010,15 de Setembro de 2010, de Dezembro de 2010, 5 de Junho de 2012 e 1 de Outubro de 2015)). Este é também o entendimento da Relação de Guimarães, nomeadamente nos Acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 139/13.2TTVRL.G1 (Relator Antero Veiga e 1076/15.1T8BCL.G1 (Relatora Alda Martins).
Ora, face aos factos apurados em 46, 51, 52 e 53, é forçoso concluir que a quantia paga ao trabalhador Pedro … mensalmente, ao longo de vários anos, até perfazer a quantia líquida de 5500 euros, revestia as características de periodicidade e regularidade, não tendo a insolvente ilidido a presunção constante do artº 258º, nº 3 do CT que estabelece que, até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Assim, não tendo sido alterada a matéria de facto, a decisão recorrida não merece censura, ao qualificar as quantias denominadas ajudas de custo, pagas pela insolvente ao trabalhador Pedro …, como retribuição.
Finalmente, não sendo possível suprir a nulidade resultante da falta de graduação dos créditos, importa anular a decisão para que seja proferida outra, que reconheça os créditos impugnados tendo em conta o aqui decidido, procedendo de seguida à graduação dos créditos.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar a apelação da massa insolvente parcialmente procedente e, consequentemente, anulam a decisão, devendo ser proferida sentença que reconheça os créditos impugnados nos termos supra expostos e proceda à graduação de todos os créditos.
Custas nesta instância pelos apelantes e pelos apelados na proporção do decaimento.
Guimarães, 1 de Fevereiro de 2018

Helena Melo
João Peres Coelho
Pedro Damião e Cunha


1 - Código de Processo Civil Anotado, volº 2, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 670.