Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1609/13.8TBBRG.G1
Relator: EDGAR GOUVEIA VALENTE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITO SUBORDINADO
VIOLAÇÃO DE REGRAS PROCEDIMENTAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: No âmbito do Processo Especial de Revitalização, caso não seja, nos termos da Lei, impugnada a qualificação (“natureza”) do crédito atribuída na lista provisória (por exemplo como crédito “subordinado”) a que alude o artº 17º-D, números 2 e 3 do CIRE, a mesma considera-se assente, dado o efeito cominatório que emana do nº 4 do artº 17º-D do CIRE, mesmo que o crédito venha a ser impugnado quanto à sua existência e / ou montante.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – Relatório.
No Processo Especial de Revitalização nº 1609/13.8TBBRG, que corre termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, o Mmº Juiz a quo proferiu (em 09.10.2013) “sentença não homologatória do plano de recuperação”, invocando o disposto no artº 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE):
Inconformada com tal decisão, dela veio interpor recurso a requerente (“P…, Lda.”), sintetizando a respectiva alegação com as seguintes conclusões (transcrição):
“I - O Mm.º Juiz a quo pronunciou-se pela não homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Recorrente, com fundamento no desrespeito do quórum deliberativo, e na consequente violação de normas procedimentais
II - Fundamentando a sua decisão no facto de dentro dos 2/3 dos votos que votaram favoravelmente o plano de recuperação, pelo menos, metade deles não podem ser créditos subordinados, nos termos do disposto no art.º 212.º, n.º 1 do CIRE.
III - Sucede porém que o, crédito do credor D…, foi graduado como subordinado, quando o mesmo se encontra impugnado, e, na opinião da Recorrente, a graduação do mesmo será como crédito comum, e não subordinado.
IV - Pelo que, não estando a impugnação de créditos decidida, mal andou o Mm.º Juiz a considerar, para efeitos de votação, o crédito do credor D… como subordinado e não comum.
V - Nos termos do disposto no art.º 48 do CIRE, “consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência: a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
VI - O crédito do credor D… é emergente de dois contratos de cessão de créditos, celebrados com o sócio gerente da devedora, um contrato celebrado em 31 de Dezembro de 2010, no valor de € 101.878,54 (cento e um mil, oitocentos e setenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), e outro celebrado em 31 de Dezembro de 2011 no valor de € 114.708,25 (cento e catorze mil, setecentos e oito euros e vinte e cinco cêntimos).
VII - Os pagamentos efetuados por esse credor ao sócio gerente da devedora ocorrem mais de 2 anos antes da apresentação ao processo especial de revitalização desta.
VIII - Pelo que esse crédito não poderia ser graduado como subordinado, mas sim como comum.
IX - Essa alteração implicaria uma reformulação dos votos respeitantes ao quórum deliberativo, uma vez que o plano foi aprovado com 67,07%, de votos favoráveis.
X - O voto favorável do credor D… representa 28,765% dos votos, e o voto favorável do credor B…, representa 8,792% dos votos;
XI - Considerando apenas estes votos de credores comuns, quantificados em 37,557%, teríamos desde logo, mais de metade dos votos favoráveis à aprovação emitidos correspondentes a créditos não subordinados.
XII - O que vale por dizer que a aprovação do plano já obedeceria aos critérios do quórum deliberativo, tal como configurado pelo no n.º 1 do art.º 212.º, do CIRE.
XIII - Pelo que mal andou o Mm.º Juiz a quo a decidir-se pela não homologação do plano, quando, deveria ter considerado, ainda que provisoriamente, o crédito do credor D… como comum e não subordinado, e assim considerado preenchido o requisito do art.º 212.º do CIRE.
XIV - Pelo que deve ser alterada a graduação do crédito do credor D… de subordinado para comum, nos termos supramencionados, o que se requer.
XV - Acresce que, a ser violado o quórum deliberativo, tal facto constitui uma violação das regras procedimentais, sendo assim a deliberação nula e como tal deveria proceder-se à repetição do ato nulo, diga-se votação.
XVI - Dispõe o n.º 1 do art. 17.º-C do CIRE que o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de que encetaram negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
XVII - Entendeu assim, o Mm.º Juiz a quo que a votação do plano desrespeitou o “quórum deliberativo contido no artigo 212.º, n.º 1 do CIRE”, o que consubstancia “uma violação não negligenciável de regras procedimentais, na medida em que, objetivamente, constitui uma deliberação ilegal.”
XVIII - Entendendo que os credores da Recorrente votaram favoravelmente um plano que contem um vício que inquina todo o seu conteúdo, designadamente, das regras procedimentais da deliberação, tal votação (ou declaração de vontade) é nula, nos termos do art.º 294.º do Código Civil.
XIX - O que vale por dizer que, sendo a votação dos credores nula, por versar sobre um objeto contrário à Lei, a consequência necessária será a repetição do ato.
XX - Isto é, ter-se-á de proceder a nova graduação de créditos, graduando o crédito do credor D… como comum, após o que estará o Plano em condições de ser submetido a votação.
XXI - Deste modo, decidiu mal o Tribunal recorrido ao considerar que padecendo o plano aprovado pela Recorrente de vicio, por violação de regras procedimentais, tal desencadearia a sua não homologação, quando a decisão que se imporia seria a repetição do ato que desencadeou o vicio.
XXII - Impor-se-ia, no caso concreto, expurgar do plano apresentado pela recorrente os vícios que determinaram a sua não homologação, por esse ato se revelar nulo por versar sobre matéria contrária à Lei, nos termos do art.º 294.º do Código Civil.”
Conclui pugnando pelo provimento do recurso, com (a) graduação o crédito do credor D… como comum e em consequência revogar-se a sentença recorrida, sendo substituída por outra que homologue o Plano de Recuperação que a Recorrente aprovou junto dos seus credores; (b) no caso de assim se não entender, que seja então declarada nula a sentença em recurso, ordenando-se ao Tribunal a quo que proceda a nova votação do Plano.
Conclui, pugnando pela revogação da decisão proferida, que, na sua óptica, deve ser substituída por outra que homologue o plano de recuperação aprovados pelos credores da recorrente.
Foram oferecidas pela reclamante de crédito “N…, Lda” contra-alegações, onde se pugna pela negação de provimento ao recurso interposto.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – Questões a decidir.
Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações:
1ª questão – A qualificação do crédito reclamado por D… como comum ou subordinado.
2ª questão - A violação do quórum deliberativo e as suas consequências processuais.
3 – Transcrição da decisão recorrida, na parte que interessa ao conhecimento do recurso:
“Antes de mais, cumpre alertar que, em matéria de processo especial de revitalização e no que tange, especificamente, às questões de deliberação, aprovação e homologação do plano de recuperação, aplicam-se, inelutavelmente, as regras relativas a aprovação e homologação do plano de insolvência, por ser isto que, expressamente, refere o artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE ao alertar que, nesta sede, é aplicável todo o Capitulo IX do CIRE, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216..
Assim sendo, relativamente à primeira questão suscitada pelas partes, a resposta a oferecer é a de que, efetivamente, os titulares de créditos subordinados podem votar o plano de recuperação.
Desde logo, o artigo 73.º, n.º 3, do CIRE refere que os créditos subordinados não conferem direito de voto, exceto quando a deliberação tenha por objeto a aprovação de um plano de insolvência ou, «mutatis mutandis» como se impõe, de um plano de revitalização.
Por outro lado, a remissão que, expressamente, o artigo 17.º-F, n.º 3, do CIRE faz para o artigo 212.º, n.º 1 (e apenas este n.º 1 e não o seu n.º 2), logo deixa antever que os titulares dos créditos subordinados podem exercer o seu direito de voto, razão pela qual podiam os credores D… e A… participar na votação do plano de recuperação.
Seguidamente, suscita-se a questão de saber o «peso» que os créditos impugnados assumem na formação do duplo quórum previsto no artigo 212.º, n.º 1, do CIRE, questão que, no presente caso, se revela de particular importância, na medida em que os créditos reclamados D… e A… se encontram impugnados, no que tange à sua existência, mas não quanto à sua qualificação como subordinado.
Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 3, última parte, do CIRE, e antevendo que chegada a hora de votação do plano de revitalização, as impugnações de créditos não estivesse decidida, o legislador fez constar nesse preceito a possibilidade do juiz, para efeitos deliberativos, computar os créditos que tenham sido impugnados, se considerar que existe probabilidade séria de tais créditos virem a ser reconhecidos.
Trata-se, essencialmente, de um juízo de probabilidade tendente à fixação de direito de voto muito similar ao previsto no artigo 73.º, n.º 4, do CIRE, no entanto, com uma diferença que consideramos relevante: neste último preceito, a fixação de percentagem de voto ao titular de créditos impugnados carece de requerimento do interessado, ao passo que no artigo 17.ºF, n.º 3, do CIRE a lei não faz depender, expressamente, esse juízo de probabilidade de qualquer requerimento do titular do crédito impugnado.
A lei é clara ao referir que «pode o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade sérias de tas créditos deverem ser reconhecidos», solução legal que, se bem vemos as coisas, encontra paralelo no artigo 73.º, n.º 2, do CIRE, onde, independentemente de qualquer requerimento do interessado, o juiz fixa percentagem de voto aos titulares de créditos condicionais.
Ora, aqui chegados, e pese embora o despacho constante de fls. 598 (que declarou aprovado plano de revitalização, na sequência de comunicação do resultado da votação) não se tenha, expressamente, debruçado sobre este assunto, é manifesto que ao remeter, em bloco, para o resultado da votação que lhe foi apresentado pelo Sr. Administrador provisório, computou os referidos créditos impugnados na sua totalidade, o que era lícito, à luz do apontado preceito.
Passemos, por fim, à última questão, na qual, manifesta e evidentemente, assiste razão aos credores que solicitaram a não homologação do plano de revitalização, sendo certo que, independentemente desses requerimentos, sempre competiria ao Tribunal, oficiosamente, não homologar o plano de revitalização, no caso de ocorrência de violação não negligenciável de regras procedimentais (art.º 215.º, aplicável «ex vi» do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE).
Com efeito, determina o artigo 215º, do CIRE que “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medias que devam preceder a homologação”.
(...)
Isto posto, é manifesto e evidente, que foram violadas regras procedimentais na formação de deliberação de aprovação do plano de recuperação, «máxime» no que tange à consideração do quórum deliberativo previsto no artigo 212.º, n.º 1, do CIRE.
Com efeito, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 3, do CIRE refere-se que se considera aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no artigo 212.º, n.º 1, do CIRE, tomando-se como referência, para efeito de quórum deliberativo, os créditos relacionados na lista provisória apresentada nos termos do artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE (no caso, em função das impugnações ainda pendentes, não havia ainda lista definitiva) (cfr., neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Setembro de 2013, processo n.º 1060/12.7TBLSD.P1, relator Manuel Domingos Fernandes).
Por sua vez, no artigo 212.º, n.º 1, do CIRE fixa-se um duplo quórum (constitutivo e deliberativo) que, mutatis utandis, passa pelo seguinte:
1 – O plano tem de ser votado, pelo menos, por 1/3 do total dos créditos com direito de voto e;
2 - Nos votos exercidos, o plano tem de recolher mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos, sendo que, pelo menos metade desses 2/3, tem de corresponder a créditos não subordinados.
Isto mesmo se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04 de Março de 2013, tirado em sede de processo especial de revitalização, quando refere que «concluindo-se as negociações ( cfr. artº 17º-F, nº 3 ), o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.o do CIRE para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência [ i.e. quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados ] , sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada» (processo n.o 3695/12.9TBBRG.G1, relator António Santos).
Pois bem.
Conforme se alcança da lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. Administrador provisório, foram relacionados créditos no valor global de 856.735,20€.
Com vista a superar o primeiro quórum indicado, teriam que ser exercidos votos que representassem, pelo menos, 1/3 deste valor, ou seja, 285.578,40€, o que, no caso sucedeu, na medida em que os credores votantes representaram 99,628% do universo dos votos possíveis (votaram créditos no valor de 853.143,64€).
Seguidamente, o plano apenas será de considerar aprovado se o mesmo recolher mais de 2/3 dos votos exercidos, ou seja, votos que totalizem valor superior a 568.762,42€, o que, no caso concreto, também se verificou na medida em que os votos favoráveis totalizam o montante de 573.273,42€.
Por último, importa que, pelo menos metade desses votos, sejam créditos não subordinados, o que, evidentemente, no caso não sucede, na medida em que os credores que votaram favoravelmente e que são titulares de créditos não subordinados, não totalizam votos com valor superior a 286.636,71€.
Com efeito, titulares de créditos não subordinados e que votaram a favor do plano de revitalização, apenas temos os credores B…, SA, B…, LD.ª, C…, LD.a, INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, S… (D…), G…, SA, J…, M…, LD.ª, N…, LD.ª E P…, LD.ª, cuja soma total dos respetivos créditos ascende a 87.640,41€, ou seja, bem aquém do valor de 286.636,71€.
Com efeito, como bem notam os credores que solicitaram a não homologação do plano de recuperação, a aprovação do mesmo ficou, exclusivamente, dependente da vontade dos credores A… e D… que, a serem titulares do créditos reclamados, constituem os mesmos créditos subordinados, sendo precisamente contra isso que a lei se bate, quando impõe no artigo 212.o, n.o 1, do CIRE que, dentro dos 2/3 dos votos que votaram favoravelmente o plano de recuperação, pelo menos, metade deles não sejam créditos subordinados.
Deste modo, a deliberação dos credores que culminou com a conclusão prestada pelo Sr. Administrador judicial provisório, no sentido de que o plano de revitalização havia sido aprovado, desrespeitou o quórum deliberativo contido no artigo 212.o, n.o 1, do CIRE, o que, obviamente, corporiza uma violação não negligenciável de regras procedimentais, na medida em que, objetivamente, constitui uma deliberação ilegal.
É, pois, de proferir sentença não homologatória do plano de revitalização proposto, com o que, evidentemente, fica prejudicada a nulidade arguida pelo credor D…, questão que, no essencial, foi totalmente consumida com a prolação de decisão que antecede (art.º 608.º, n.º 2, do CPC).”
4 - O conhecimento das questões.
1ª questão (a qualificação do crédito reclamado por D… como comum ou subordinado)
Para a recorrente, o crédito do credor D… foi graduado como subordinado mas, como sucede que o mesmo se encontra impugnado, a graduação do mesmo será como crédito comum, e não subordinado.
Salvo o devido respeito, entendemos que a recorrente labora em evidente confusão, quando alude a graduação de créditos, impugnação dos mesmos e influência da impugnação na qualificação (ou natureza) dos créditos.
Procuremos, pois, clarificar conceitos e normas.
Desde logo, cumpre assinalar que no processo especial de revitalização (PER), como processo pré-insolvencial, não existe uma graduação judicial de créditos, ao contrário do que acontece no processo de insolvência (artº 130º, nº 3 ou 140º, nº 1 do CIRE). Com efeito, ao invés da insolvência, que tem como escopo[1] a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores [2] (e daí a manifesta necessidade da graduação dos créditos destes), o PER aspira à revitalização do devedor que se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação [3], sendo, pois, aquela graduação desnecessária.
No entanto, a existência, montante e qualificação dos créditos dos credores assume a maior importância no PER, pois condiciona de forma decisiva a aprovação (ou não) do plano de recuperação, nos exactos termos referidos no artº 17º-F, nº 3 do CIRE.
Por tal motivo, a lei regula a dedução das reclamações de créditos, a elaboração subsequente de uma lista provisória de créditos e a sua conversão (ou não) em definitiva. (artº 17º-D, números 2, 3 e 4 do CIRE)
Assim, recebidas as reclamações pelo administrador judicial provisório (AJP), o mesmo elabora uma lista provisória de créditos, que é publicada, podendo tal lista então ser impugnada por qualquer interessado.
Podem servir de fundamento da impugnação, à semelhança do que acontece no processo de insolvência [4], a indevida inclusão ou exclusão de créditos, a incorrecção do respectivo montante ou a qualificação dos créditos. A exactidão destes aspectos é, como dissemos, da maior importância para determinar as condições da determinação do quórum deliberativo e devem estar resolvidas até à altura da votação do plano de recuperação. Caso não estejam (apesar dos prazos apertados previstos para o processo de impugnação da lista provisória), ou seja, caso as impugnações ainda estejam pendentes para conhecimento, deve o juiz efectuar um juízo sobre a probabilidade séria dos créditos impugnados deverem ser reconhecidos [5], abrangendo este “reconhecimento” todos os fundamentos da impugnação, ou seja, a inclusão ou exclusão de créditos, a incorrecção do respectivo montante ou a qualificação dos créditos, de modo a determinar as condições de relevância do voto dos credores titulares dos mesmos.
No caso dos autos, o credor D… reclamou o seu crédito, qualificando-o como comum. (fls. 335 e ss dos autos)
Porém, o AJP, na lista provisória de créditos (fls. 181 e ss dos autos), no quadro correspondente à “Natureza do crédito (artº 47º e 48º CIRE)” considerou-o “subordinado”.
Tal “natureza”, apesar de contrariar a “natureza” dada pelo próprio credor (como comum) não foi impugnada por este, sendo que as impugnações deduzidas contra tal crédito [6] têm como fundamentos a sua existência e não a sua natureza.
Deste modo, ao não ter sido impugnada a qualificação (“natureza”) do crédito, a mesma encontra-se fixada, dado o efeito cominatório que emana do nº 4 do artº 17º-D do CIRE. Assim, o carácter “provisório” da lista apenas se mantém quanto aos fundamentos das impugnações deduzidas e enquanto não forem decididas, considerando-se “definitivo” quanto ao demais. Por outro lado, não decorre da lei que a circunstância de ter sido impugnada a existência do crédito faça transmutar a sua qualificação de subordinado para comum, sendo certo que estão em causa realidades normativas diferentes.
Flui do exposto que, não tendo sido impugnada a qualificação do crédito, estava vedado ao juiz efectuar (ao abrigo do disposto no citado nº 3 do artº 17º-F do CIRE) qualquer alteração (ainda que “provisória”, como a recorrente propõe) à qualificação de determinado crédito [7] constante da lista provisória para efeitos de cômputo de votos quanto ao plano de recuperação, estando quaisquer (eventuais) alterações a efectuar segundo aquele normativo reduzidas aos fundamentos das impugnações deduzidas.
Tal limitação cognitiva foi implicitamente levada em conta na decisão recorrida, quando ali se sublinha que “os créditos reclamados D… e A… se encontram impugnados, no que tange à sua existência, mas não quanto à sua qualificação como subordinado.”
Improcede, pois, a pretensão da recorrente quanto a esta questão.
2ª questão (a violação do quórum deliberativo e as suas consequências processuais)
Segundo a recorrente, do entendimento de que ocorreu violação das regras procedimentais da deliberação sobre o plano de recuperação, deveria decorrer que tal votação (ou declaração de vontade) é nula, nos termos do artº 294º do CC, por versar sobre um objecto contrário à Lei, sendo a consequência necessária a repetição do acto, ou seja, deveria proceder-se a nova graduação de créditos, graduando o crédito do credor D… como comum, após o que estará o plano de recuperação em condições de ser submetido a votação.
Também aqui entendemos que, salvo o devido respeito, lhe falece a razão.
Quanto à incorrecção da existência da “graduação de créditos” no âmbito do PER já nos pronunciámos supra, dando-se aqui como reproduzidas tais considerações.
Quanto ao demais, parece emanar da posição da recorrente, salvo o devido respeito, alguma confusão entre o critério a seguir para integrar o conceito de “violação não negligenciável de normas procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo” constante do artº 215º do CIRE e as consequências que tal violação, quando se verifica, produz. Da decisão recorrida consta uma citação [8] sobre aquele critério, que nos permitimos reproduzir: “Daí que, em sentido processual (...) a violação da lei, ativa ou passivamente, comporte sempre uma nulidade processual. Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores (...) é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada. Aqui chegados, parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no artº 201º, do CPC. O que importa é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger - nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta - tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável.”
Subscrevendo esta tese (como subscrevemos), devemos pois, considerar como integrando as violações das regras / normas referidas na lei como aquelas passíveis de interferir na tutela da posição dos credores e do devedor. Porém, caso o tribunal entenda (como entendeu) que aquela violação ocorreu, então a lei determina, diferentemente das consequências previstas no artº 201º do CPC (a anulação do acto e dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente), ou seja a eventual e sucessiva repetição do acto [9], a recusa da homologação do plano de recuperação. Estamos, pois, perante uma actuação do tribunal inequívoca e legalmente vinculada, nenhuma censura merecendo a decisão do tribunal a quo que apenas obedeceu aos ditames da lei.
Improcede, pois, a pretensão da recorrente quanto a esta questão.
O recurso será, pois, julgado totalmente improcedente.
5 – Dispositivo.
Tudo visto acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, consequente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 16 de Janeiro de 2014
Edgar Gouveia Valente
Paulo Duarte Barreto
Filipe Caroço
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[1] Com excepção das situações de recuperação da empresa.
[2] Artº 1º, nº 1 do CIRE.
[3] Artº 17º-A, nº 1 do CIRE.
[4] Artº 130º, nº 1 do CIRE.
[5] Artº 17º-F, nº 3 do CIRE.
[6] Pela credora “N…, Lda” (fls. 194 a 211 dos autos) e “F…, Lda” (fls. 212 a 230 dos autos).
[7] Em concreto a consideração do crédito do referido credor como comum e não subordinado.
[8] De obra (não referida) de Carvalho Fernandes e João Labareda.
[9] Como defende a recorrente.