Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
750/10.3TBFLG-B.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
INTERVENÇÃO PROVOCADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Não tendo o exequente, inicialmente, demandado o garante, pode ainda fazê-lo, na pendência da execução, através da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado e já penhorado, propriedade deste terceiro, possa responder pela dívida provida de garantia real.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
Na execução que “C…, CRL” move a J… e outros, veio a exequente requerer a intervenção principal provocada de “F… Imobiliária, SA”, invocando que instaurou execução ordinária contra os primitivos executados com base num contrato de empréstimo garantido por fiança e hipoteca, tendo o imóvel objeto de hipoteca a favor da exequente, sido penhorado nos autos. Acontece que a referida “F…, Imobiliária, SA” reclamou e viu ser-lhe reconhecido o direito de propriedade sobre esse imóvel, sendo a aquisição posterior à hipoteca, pelo que, para produzir efeito útil, a execução terá que correr, também, contra a referida “F…, Imobiliária, SA”, requerendo a citação da mesma.
Tal requerimento veio a ser indeferido por despacho com o seguinte teor:
«Vem a exequente requerer a intervenção principal provocada de F…,Imobiliária, S.A., invocando para o efeito que o direito de propriedade do prédio objecto de penhora e hipotecado ter sido reconhecido àquela sociedade.
Responde o executado J… no sentido de não ser admissível tal intervenção, por falta de título.
Cumpre apreciar.
De acordo com o disposto no artigo 55° n" 1 do CPC, "A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor".
Sendo certo que, estabelece o artigo 45° do CPC que "Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva".
Como foi decidido no Acórdão do TRPorto de 15/1212010, proc. n° 45/09.5TBPFR-A.PI, dispo in www.dgsi.pt."Título executivo é considerado condição necessária e suficiente da acção executiva uma vez que os actos executivos em que se desenvolve a acção apenas podem ser praticados na presença dele. Por outro lado, diz-se que o título executivo é condição suficiente da acção executiva, na medida em que na sua presença segue-se imediatamente a execução, sem ser necessário indagar previamente sobre a real existência do direito a que se refere. O título executivo define também os fins e os limites da acção executiva".
Ora, analisado o requerimento executivo e respectivo título executivo, que consiste tão somente na escritura pública de abertura de crédito com hipoteca e fiança, constata-se que estamos perante um título executivo enquadrado na alínea b) do n° 1 do artigo 46° do CPC, sendo aí identificados os respectivos devedores. Nenhum deles consiste na sociedade cuja intervenção pretende a exequente.
Assim sendo, e não obstante seja discutível a admissibilidade da propositura deste tipo de incidente no âmbito do processo executivo, constata-se que nunca a exequente teria título executivo para accionar a sociedade supra identificada, pelo que não poderia qualquer decisão nos presentes autos vincular a mesma.
Consequentemente, indefere-se a requerida intervenção principal provocada de F…, Imobiliária, S.A ..
Notifique».

É deste despacho que recorre a exequente, finalizando a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
I. A Exequente, ora recorrente, instaurou a presente execução hipotecária contra os intervenientes no Contrato de Empréstimo Garantido por Fiança e Hipoteca,que constitui o título executivo junto com a P.I ..
II. O imóvel objecto de hipoteca a favor da exequente foi penhorado nestes autos.
III. Sucede que, supervenientemente, veio a verificar-se que o imóvel hipotecado foi entretanto adquirido pela F… Imobiliária, S.A.
IV. Determina o artigo 56° n° 2 do CPC que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia.
V. Da caracterização da hipoteca como direito real de garantia decorre para o credor hipotecário o direito de sequela do que lhe está hipotecado, bem como, o direito de ser pago pelo produto da venda desse bem.
VI. Sendo a F… a actual titular do imóvel hipotecado e penhorado nos autos é contra esta que a presente execução deverá seguir, sem prejuízo de poderem também ser executados os devedores.
VII. Pelo que é admissível e necessária a intervenção provocada da referida F… enquanto terceiro proprietário do bem onerado com hipoteca anterior à sua aquisição.
VIII. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 56°, n° 2 do CPC.
Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a intervenção provocada da referida F… enquanto terceiro proprietário do bem onerado com hipoteca anterior à sua aquisição.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se deve ser admitida a intervenção de terceiro que adquiriu o imóvel hipotecado, em execução em que o mesmo já se encontra penhorado.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a ter em conta são os que constam do relatório supra.

A única questão a tratar no presente recurso prende-se com a admissibilidade da intervenção de terceiro, titular de um imóvel sobre o qual incide a garantia (hipoteca) registada a favor do exequente, em execução primitivamente instaurada apenas contra os executados outorgantes do contrato de empréstimo garantido por fiança e hipoteca.
Já vimos que tal intervenção foi indeferida em 1.ª instância por o exequente não possuir título executivo para acionar a sociedade adquirente do imóvel hipotecado, pois a mesma sociedade não consta como devedora na escritura pública de abertura de crédito com hipoteca e fiança, que constitui o título executivo – cfr despacho recorrido.
Mais tarde, em aclaração ao despacho inicial, acrescentou-se, ainda, que se entende que o disposto no artigo 56.º do CPC se aplica, apenas, aos casos em que a execução seja deduzida, ab initio, contra o terceiro possuidor do bem objeto de garantia real, não se aplicando aos casos em que, “no decurso de uma ação executiva intentada contra os devedores, a exequente pretende, como sucede nos autos em apreço, a intervenção principal provocada de um terceiro”.
Será assim?
Vejamos.
O artigo 55.º, n.º 1 do Código de Processo Civil dispõe que a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Contudo, logo o artigo seguinte – artigo 56.º do CPC – sob a epígrafe “Desvios à regra geral da determinação da legitimidade”, estabelece que, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda (n.º 1) e que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá diretamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor (n.º 2), estabelecendo, ainda que, quando a execução tiver sido movida apenas contra o terceiro e se reconhecer a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da ação executiva contra o devedor, que será citado para completa satisfação do crédito exequendo (n.º 3).
Resulta, assim, claramente do texto legal que o exequente pode intentar a execução por dívida provida de garantia real sobre bem de terceiro, desde logo e diretamente contra este terceiro, ou contra este terceiro e o devedor, simultaneamente e, ainda que, tendo-a intentado apenas contra o terceiro, pode requerer o prosseguimento da ação executiva contra o devedor, no caso de se reconhecer a insuficiência dos bens onerados.
No caso dos autos, o exequente intentou a ação executiva apenas contra o devedor, mas pretendendo fazer valer a garantia, uma vez que promoveu a sua penhora. Simplesmente, já no decurso da ação executiva, apercebeu-se de que o bem onerado com a garantia real (hipoteca) havia sido transmitido para terceiro e não era já propriedade dos devedores.
Deve tal terceiro ser admitido a intervir nesta ação executiva, para contra ele prosseguir a execução, a par do devedor? Ou, face a uma interpretação demasiado literal daquele artigo 56.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, terá tal intervenção que ser indeferida, uma vez que o citado artigo só permitiria que a execução fosse deduzida inicialmente contra o terceiro proprietário do bem onerado com a garantia real?
Não há dúvida que a lei, na redação posterior ao DL 180/96 de 25/09, atribui legitimidade passiva para a execução (quando o objeto desta seja uma dívida provida de garantia real), tanto ao devedor, como ao proprietário dos bens onerados com tal garantia, sem impor o litisconsórcio necessário, cabendo ao exequente avaliar, em termos concretos, quais as vantagens e inconvenientes de cada uma das soluções.
Defendem alguns autores – cfr. Lebre de Freitas, in “A acção executiva depois da reforma da reforma”, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 125 e “Código de Processo Civil anotado”, vol. I, Coimbra Editora, 1999, pág. 113 – que, se a transmissão da propriedade do bem onerado pela garantia real for posterior à dedução da execução, então deverá fazer-se a habilitação do adquirente, como sucessor, entre vivos, do alienante (no mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 14/12/2004, in CJ, 2004, tomo V, pág. 122 e Acórdão da Relação de Guimarães de 05/02/2013, processo n.º 1625/11.4TBFAF-A.G1, subscrito como adjuntos pela relatora e 1.º adjunto deste acórdão, in www.dgsi.pt).
Não é o caso dos autos, uma vez que a presente execução data de 2010, a hipoteca data de 2001 e a sentença na ação pela qual se transmitiu a propriedade do bem para terceiro, data de 2006, encontrando-se a ação registada desde 2005, apesar de, conforme foi alegado pela recorrente, a mesma só posteriormente se apercebeu de tal transmissão, em virtude de se ter verificado a duplicação da descrição predial relativamente ao imóvel hipotecado, o que só veio a ser corrigido posteriormente.
Assim, o que aqui está verdadeiramente em causa é saber se pode ser chamado à execução quem podia ser inicialmente demandado mas não o foi devido às vicissitudes registrais já referidas.
Entendemos que a resposta a esta questão terá de ser a oposta à encontrada em 1.ª instância.
Não pode deixar de se admitir a possibilidade de chamar quem responde pela dívida, enquanto titular do bem onerado pela garantia real, pois já vimos que é inequívoca a sua legitimidade passiva.
Aceite tal conclusão, a forma de chamar tal terceiro à execução, só pode resolver-se pelo mecanismo da intervenção principal provocada – neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 15/04/2013 in CJ, ano XXXVIII, tomo II, pág. 188.
Tal mecanismo revela-se o mais apropriado, pois não se trata aqui de habilitar um adquirente no lugar de outro que já estivesse anteriormente nos autos – artigo 371.º do CPC – mas sim, fazer intervir um terceiro ao lado do devedor inicialmente demandado.
Não tendo o exequente, inicialmente, demandado o garante, pode ainda fazê-lo, na pendência da execução, através da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado e já penhorado, propriedade deste terceiro, possa responder pela dívida provida de garantia real.
Procedem, assim, as conclusões da alegação da apelante, com a consequente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita a intervenção provocada requerida.

Sumário:
Não tendo o exequente, inicialmente, demandado o garante, pode ainda fazê-lo, na pendência da execução, através da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado e já penhorado, propriedade deste terceiro, possa responder pela dívida provida de garantia real.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por outra que admita a intervenção da terceira proprietária do bem onerado com hipoteca.
Sem custas.
***
Guimarães, 12 de novembro de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho