Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3644/11.1TBGMR-B.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SUSPENÇÃO DA EXECUÇÃO
DESCONTO EM PROCESSO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Tendo sido declarada, na pendência da acção executiva, a insolvência da executada com carácter pleno, essa declaração impõe a suspensão imediata da execução, nos termos do art. 88º, nº 1, do CIRE.
II - Tal suspensão abrange necessariamente os descontos decorrentes da penhora no vencimento da insolvente.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
AO requereu oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Guimarães, a declaração do seu estado de insolvência e a exoneração do passivo restante.
Foi proferida sentença a declarar o estado de insolvência da requerente.
Notificada da respectiva decisão, veio a insolvente apresentar o seguinte requerimentos nos autos:
“Conforme se referiu em 28º da PI, encontra-se a ser penhorada à insolvente 1/3 do seu vencimento.
Resulta do disposto no artigo 88º do CIRE que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas (…).
A sentença nenhuma referência faz sobre essa norma, subentendendo-se que nem era necessário fazer já que seria de aplicação automática.
Contudo, contactada a Administradora da Insolvência, achou oportuno que se requeresse em conformidade de modo a obter despacho que ordenasse o cumprimento do artigo 88º do CIRE e com ele se determinasse a suspensão dessa penhora do vencimento da insolvente, o que agora se requer.”
Sobre este requerimento, recaiu o seguinte despacho, datado de 02.11.2011:
“Fls. 88: na sentença não foi feita referência à suspensão das acções executivas, pois tal efeito decorre directamente da lei.
De todo o modo, a suspensão pretendida pela requerente não é admissível. A suspensão dos processos executivos deve-se apenas ao facto do processo de insolvência ser um processo de execução universal (art.º 1.º do CIRE), pelo que todos os processos executivos singulares devem dar lugar a uma única liquidação do património, a ter lugar no processo de insolvência.
Isto não significa, porém, que as apreensões de bens (como é o caso da penhora de vencimento) levadas a cabo nos processos executivos pendentes sejam levantadas. Pelo contrário, elas mantêm-se, devendo esses processos ser apensados ao processo de insolvência (art. 85.º, n.º 2 do CIRE), como na sentença se ordenou. A penhora de vencimento em nada difere de uma penhora de imóvel ou de um outro qualquer bem móvel e ninguém defende que tais penhoras sejam levantadas com a declaração de insolvência. Pelo contrário, a declaração de insolvência, uma vez que dará lugar à liquidação total do património, ainda torna mais prementes tais apreensões.
Assim, indefiro o requerido a fls. 88.
Notifique e solicite a remessa para apensação do processo identificado no art.º 28 da petição inicial.”
Inconformada com o assim decidido, recorreu a insolvente, que rematou a respectiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Por sentença de fls.. foi decretada a insolvência da aqui Apelante, na qual nenhuma referência foi feita ao disposto no artigo 88º do CIRE.
2. Por isso, foi requerido o cumprimento do disposto no artigo 88º do CIRE, ou seja, prolação de decisão que determinasse a suspensão dos termos da execução com o processo 1242/11.9TBGMR a correr termos pelo Juízo de execução de Guimarães (cfr. artigo 28º da PI) e em consequência a suspensão da penhora que pendia sobre 1/3 do salário da executada aqui Insolvente.
3. O assim requerido foi indeferido.
4. A decisão ora recorrida, não fundamenta o indeferimento, limita-se a dizer que a suspensão é inadmissível. E comparar a penhora de um imóvel com a penhora do vencimento não constitui fundamento para qualquer decisão.
5. Não é apontada nenhuma razão jurídica para o indeferimento, e também não é indicada nenhuma norma legal em que se estriba a decisão ora recorrida.
6. Nem podia ser, antes pelo contrário, a norma do artigo 88º do CIRE é muito clara e não deixa margens para dúvidas.
7. Não foi requerido o levantamento dessa penhora, mas sim a sua suspensão. O que é coisa totalmente diferente. O levantamento pressupunha a extinção da instância enquanto a suspensão não.
8. A penhora do vencimento cuja suspensão se requereu é uma diligência executiva, sendo que, a não ser suspensa, implica que a mesma possa continuar os seus termos e, assim sendo, pode inclusivamente o exequente requerer a entrega das quantias que entretanto foram e venham a ser penhoradas.
9. A Apelante requereu a exoneração do seu passivo restante, o qual não foi liminarmente indeferido. Ora tendo em conta o disposto no artigo 239º al. b – i) do CIRE, conjugado com as necessidades da Apelante, melhor identificadas na PI, é de prever que, pelo menos, seja considerado como sustento minimamente digno da insolvente e do seu agregado familiar o correspondente a 3 salários mínimos nacionais.
10. Foi violado o artigo 88º do CIRE».
Termina dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida, a substituir por outra que determine a suspensão dos termos da execução em causa.
Não foram juntas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), consubstancia-se em saber se após a sentença que decretou a insolvência da recorrente, deveriam ter sido suspensos os descontos no vencimento daquela, em consequência da penhora ordenada em execução contra si instaurada.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Os factos com relevância para a análise e decisão do presente recurso são os que decorrem do que acima ficou enunciado no relatório e o seguinte:
- Corre termos contra a recorrente/insolvente a execução nº 1242/11.9TBGMR em que é exequente o BCP, na qual foi penhorado 1/3 do seu vencimento.

B) O DIREITO
A pretensão da recorrente, negada pelo Tribunal a quo, é a da suspensão da penhora de um terço do seu salário efectuada em acção executiva a partir de 04/11/2005, data da prolação da sentença que declarou a sua insolvência, invocando, para o efeito, o disposto no art. 88º do CIRE A que se reportarão todos os artigos sem menção de origem. .
No despacho recorrido considerou-se que a suspensão dos processos executivos após a declaração de insolvência se deve apenas ao facto do processo de insolvência ser um processo de execução universal, pelo que todos os processos executivos singulares devem dar lugar a uma única liquidação do património, a ter lugar no processo de insolvência, o que não significa, porém, que as apreensões de bens (como é o caso da penhora de vencimento) levadas a cabo nos processos executivos pendentes sejam levantadas, devendo antes manter-se.
A recorrente discorda desta decisão, pois entende que não está em causa o levantamento da penhora, mas antes a sua suspensão, e que a penhora do vencimento cuja suspensão requereu é uma diligência executiva, sendo que, a não ser suspensa, implica que a mesma possa continuar os seus termos e, assim sendo, pode inclusivamente o exequente requerer a entrega das quantias que entretanto foram e venham a ser penhoradas.
Vejamos.
O n.º 1 do art. 88.º do CIRE dispõe do seguinte modo:
"A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes".
Em anotação ao artigo 88º do CIRE, escreve Menezes Leitão Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4ª ed., pág. 129. :
“Em consequência da declaração da insolvência, os credores da insolvência perdem a possibilidade de executar os bens compreendidos na massa insolvente, pelo que são suspensas as diligências executivas ou providências requeridas que atinjam esses bens e é vedada a instauração de acções executivas, devendo ser suspensas as que já estejam instauradas, admitindo-se unicamente a sua prossecução contra outros executados. Exceptua-se, porém, a situação especial das dívidas da massa insolvente, referidas no artigo seguinte” - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4ª ed.pág.129).
A expressão normativa "a declaração de insolvência … obsta … ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência", tem em vista as execuções instauradas contra o insolvente que se encontram pendentes à data da declaração de insolvência e é de aplicação imediata e automática Ac. da RP de 03.11.2010, proc. 3845/04.9TBSTS-A.P1, in www.dgsi.pt. .
No mesmo sentido alinham Luís Carvalho Fernandes e João Labareda que, em anotação a este artigo escrevem que “o regime instituído no n.º 1, na parte inicial, é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado” In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, 2009, pág. 362..
E no que respeita ao impedimento de prosseguirem as acções executivas em curso, dizem: "impede-se, além disso, o prosseguimento de acções executivas já em curso contra o insolvente, bem como a instauração de novas execuções. A consequência é a da nulidade dos actos que em qualquer delas tenham sido praticados após a declaração de insolvência, o que deve oficiosamente ser declarado logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida".
Esclarecem ainda que "este é um regime de há muito consagrado no sistema jurídico português, pois, além do CPEREF, constava já do art. 1198.º do C.P.Civ.".
Ao nível da jurisprudência, além do acórdão da Relação do Porto de 03.11.2010 citado na nota 3, todas as decisões conhecidas são inequívocas no sentido de que a declaração de insolvência produz como efeito automático a suspensão das execuções pendentes contra o insolvente A título meramente exemplificativo, concluíram neste sentido: Ac. do STJ de 25.03.2010, proc. 2532/05.5TTLSB.L1.S1; Ac. da RP de 21.06.2010, proc. 1382/08.1TJVNF.P1; Ac. da RC de 03.11.2009, proc. 68/08.1TBVLF-B.C1; e os Acs. da RG de 05.06.2008 e 15.09.2011, respectivamente, procs. 825/08-1 e 71/11.4TBPCR. .
No acórdão da Relação do Porto de 21-06-2010, citado na nota anterior, concluiu-se que "o artigo 88.º veio impor expressamente a suspensão, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas".
A justificação é dada pelo acórdão do STJ de 25-03-2010, também citado na nota 5, segundo o qual “Durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos nesse processo e segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que consubstancia um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores". Acrescentando-se: "Na verdade, … o artigo 128.º prescreve que, «dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham» (n.º 1) e que «[a] verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (n.º 3)".
Ora, a suspensão da aludida execução, acarreta inelutavelmente a suspensão de todos os seus termos, incluindo, como se afigura evidente, dos descontos que vêm sendo feitos mensalmente no vencimento da recorrente.
O que está em causa, como bem diz a recorrente, não é o levantamento da penhora efectuada no seu vencimento, permanecendo intocadas, aliás, as quantias já depositadas nos autos de execução, mas apenas a suspensão dos descontos naquele vencimento, como impõe o art. 88º, nº 1.
O recurso merece, pois, provimento.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
I - Tendo sido declarada, na pendência da acção executiva, a insolvência da executada com carácter pleno, essa declaração impõe a suspensão imediata da execução, nos termos do art. 88º, nº 1, do CIRE.
II - Tal suspensão abrange necessariamente os descontos decorrentes da penhora no vencimento da insolvente.

IV - DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine a suspensão dos descontos no vencimento da recorrente/insolvente que vêm sendo feitos no âmbito da execução nº 1242/11.9TBGMR, cuja apensação aos autos de insolvência foi já ordenada.
Sem custas.
Notifique.
*
Guimarães, 19 de Janeiro de 2012

Manuel Bargado

Helena Gomes de Melo

Rita Romeira