Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
170/09.2TBVVD.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
MEDIAÇÃO DE SEGUROS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A alteração do contrato de seguro só se pode ter por concluída depois da seguradora ter aceitado, ainda que tacitamente, a proposta de alteração.
II - A mediação de seguros traduz-se basicamente numa actividade remunerada tendente à realização e assistência de contratos de seguro.
III - A relação entre o mediador de seguros e o proponente de seguro resolve-se numa relação contratual (embora preparatória de uma outra relação contratual, a do contrato de seguro) pela qual o proponente incumbe o mediador de receber a proposta e de providenciar pelo seu encaminhamento para a seguradora, e o mediador se vincula a levar a cabo essa actividade.
IV - Não tendo o mediador cumprido pontualmente a obrigação de enviar à seguradora a proposta de alteração, que a teria aceitado, responde pelo dano sofrido pelo proponente em decorrência do sinistro que se quis ver coberto pelo seguro.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães:

Transportes J… Lda. demandou, pelo Tribunal da Comarca de Vila Verde e em autos de acção declarativa com processo na forma sumária, AR, peticionando que se declarasse: a) que o Réu incumpriu culposamente o contrato de mediação que celebrou com a Autora; b) que se condenasse o Réu a pagar à Autora a quantia de €4.054,49; c) que se declarasse que o Réu é responsável pelo pagamento à Autora da quantia (€2.771,88) que a esta venha a ser exigida por Companhia de Seguros F…, S.A. Mais pediu a condenação do Réu no pagamento de juros de mora desde a citação.
Alegou para o efeito, em síntese, que, mediado pelo Réu, celebrou oportunamente com Companhia de Seguros F…, S.A. um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho. No dia 2 de Maio de 2005 a Autora entregou na agência de seguros do Réu uma proposta de alteração do contrato, de forma a ficar incluído, a partir dessa data, mais um trabalhador da Autora a segurar. O Réu, porém, só em 10 de Maio de 2005 comunicou tal proposta à dita companhia de seguros, que a aceitou com efeitos apenas a partir do dia seguinte. Ora, sucede que no dia 6 de Maio de 2005 o visado trabalhador sofreu um acidente de trabalho. E em acção que tal trabalhador intentou entretanto contra a Autora e a referida companhia de seguros, acabou a Autora condenada a pagar-lhe as quantias que discrimina, bem como a pagar as custas do processo. Já a seguradora foi absolvida do pedido, por se ter decidido que à data do sinistro, não constando o sinistrado da lista de trabalhadores elencados nas condições particulares do contrato, a responsabilidade da Autora não estava transferida para a seguradora. De outro lado, a seguradora chegou ainda a pagar, aparentemente por lapso, certa quantia ao trabalhador sinistrado, mas que poderá vir a exigir da Autora. Ao Réu compete assim indemnizar a Autora pelo prejuízo sofrido ou a sofrer, prejuízo esse que a Autora não teria sofrido se acaso a proposta de alteração tivesse sido encaminhada pontualmente para a seguradora.
Contestou o Réu, concluindo pela improcedência da acção.
Para além de impugnar parte da factualidade alegada pela Autora, disse, em síntese, que, como estava estabelecido com a referida seguradora a propósito da apresentação de propostas de seguro, aguardou que funcionário desta viesse ao escritório do Réu recolher a proposta, sendo que a seguradora sempre aceitou que, recebidas as propostas no escritório do Réu, de imediato o contrato de seguro entrava em vigor. Daqui que não é o Réu, mas sim a seguradora, o responsável pela reparação do dano da Autora.
Mais requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros F…, S.A.
O chamamento foi admitido.
A Chamada contestou, arguindo a sua ilegitimidade (excepção esta que veio a ser desatendida no despacho saneador), e concluindo pela improcedência de qualquer pretensão indemnizatória contra si. Para além de ter impugnado parte da factualidade em questão nos autos, disse que à data do sinistro não tinha conhecimento da proposta de alteração do contrato de seguro, de modo que este não abrangia o trabalhador sinistrado.
Seguindo o processo seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu o Réu do pedido.

Inconformada com o assim decidido, apela a Autora.

Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1ª. As questões levantadas pela Recorrente no presente recurso são as seguintes: saber se a douta sentença é nula por omissão de pronúncia de acordo com o preceituado na alínea d) do n.º1 do art. 668º do CPC.
2ª. Saber se a entrega da proposta ao Mediador deverá vincular a Seguradora com efeitos a partir daquela entrega e, em caso negativo, se existiu culpa do Mediador nos prejuízos decorrentes do atraso da entrega da proposta à Seguradora.
3ª. Caso exista essa vinculação se a Seguradora deverá ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela Recorrente.
4ª. Entende a Recorrente que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artº 668º nº 1 d) do CPC.
5ª. Com efeito o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a responsabilidade da Recorrida Companhia de Seguros F…, SA, no pedido efectuado pela Autora, ora Recorrente.
6ª. Tal Seguradora foi admitida a intervir nos autos como co-ré no seguimento da intervenção principal provocada suscitada pelo Réu / Recorrido AR na sua contestação.
7ª. Preceitua o artigo 328ºdo CPC que “se o chamado intervier no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele”.
8ª. Só que a douta sentença pura e simplesmente não se pronunciou quanto à responsabilidade da chamada.
9ª. Embora não concordando com o raciocínio vertido na douta sentença quanto à desresponsabilização do Mediador, deveria o tribunal “a quo” ter apreciado a responsabilidade da seguradora, considerando que a mesma era responsável pelo prejuízo tido pela Autora, ou seja, concretizando o fio de raciocínio que consta na douta sentença.
10ª. Trata-se, como é óbvio, de uma clara omissão de pronúncia que fere de nulidade a douta sentença em crise.
11ª. Deste modo deverá a douta sentença ser considerada nula nos termos do disposto na alínea d) do n.º1, do artigo 668º do CPC, devendo a mesma ser substituída por outra que aprecie todas as questões “sub judice”.
12ª. Caso se entenda que a douta sentença não é nula, o que não se concede, mas apenas se concebe por uma questão de raciocínio, sempre se dirá que a mesma contém erros de direito.
13ª. Efectivamente a Recorrente não pode concordar com o julgamento de direito vertido na douta sentença, segundo o qual o Recorrido Mediador não deverá ser responsabilizado pelo atraso na entrega da proposta de alteração de seguro. Vejamos:
14ª. Em primeiro lugar importa determinar se, como consta na douta sentença, “a entrega da proposta de alteração a contrato de seguro ao mediador de seguros corresponde, no caso, à entrega à própria Seguradora”. Na opinião da Recorrente não é juridicamente possível que tal aconteça sem que o Mediador tenha poderes de representação da Seguradora.
15ª. Na parte mais relevante da douta sentença não constam referências a quaisquer normas. Apenas na parte inicial da decisão são referidos os artigos 2º al. c), 29º, 30º e 31º do DL 144/06 de 31 de Julho que regula a mediação de seguros. Só que tais artigos, principalmente o artigo 29º, apontam precisamente no sentido contrário da douta sentença, ou seja, que o Mediador só pode celebrar contratos em nome da empresa de seguros quando esta lhe tenha conferido, por escrito, os necessários poderes, e efectivamente não está provado que existisse tal acordo.
16ª. Além disso, de acordo com o art. 224º/1 do Código Civil “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”. Por sua vez o artigo 232º do mesmo diploma legal preceitua que “o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.”
17ª. Ora, tais normas, na falta do acordo escrito mencionado no referido art. 29º do DL 144/06 de 31/07, impõem que não se conclua como na douta sentença, pelo que a entrega da proposta ao Mediador não corresponde sem mais à entrega à própria seguradora.
18ª. Em conclusão, existiu efectivamente, por parte do mediador, um atraso na entrega da proposta de alteração do contrato de seguro, que implica que tal alteração sofra um atraso na produção dos seus efeitos.
19ª. Isto posto, estando claramente provados os prejuízos da Recorrente, importa averiguar se houve culpa do Mediador neste atraso.
20ª. É óbvio que sim. Pela leitura dos artigos 8º e 34º a 40º da base instrutória (BI) constata-se que o Recorrido Mediador, por si, ou por intermédio dos seus funcionários, não actuou com a diligência necessária de modo a cumprir o combinado com a legal representante da Recorrente. Esta última pretendeu que a alteração ao contrato de seguro produzisse os seus efeitos a partir de 02/05/2005 (art. 8º e 34º da BI) e transmitiu tal facto ao funcionário do Recorrido Mediador (art. 39º da BI).
21ª. Nestes termos o Recorrido Mediador terá forçosamente de ser responsabilizado pelo prejuízo tido pela Recorrente, por ter actuado com culpa, nos termos do disposto nos artigos 798º, 799º, 800º e 562º do Código Civil.
22ª. Caso se entenda, como na douta sentença, que a entrega da proposta de alteração ao mediador corresponde à entrega à própria Seguradora, sempre esta terá de ser responsável pelos prejuízos tidos pela Recorrente.
23ª. Ou seja, nesse caso, estando provado que a Recorrente entregou a proposta de alteração dia 02/05/2005, será a partir dessa data que os efeitos da alteração no seguro se produzirão.
24ª. Deste modo, tendo a Recorrente provado que pagou um valor de indemnização laboral ao sinistrado que deveria ter ficado a cargo da Seguradora, tal pagamento constitui um prejuízo proveniente da falta de cumprimento de uma obrigação contratualizada com a Seguradora, que forçosamente terá de ficar a cargo desta.
25ª. A douta sentença violou, entre outros, os seguintes artigos: 29º do DL 144/06 de 31 de Julho, art. 224º/1 e 232º, 798º, 799º, 800º e 562º do Código Civil.

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O Réu e a Chamada contra-alegaram.
O primeiro concluiu pela improcedência da acção.
A segunda concluiu pela procedência da apelação no que se refere à responsabilização do Réu.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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A sentença recorrida elenca como factos provados os seguintes:

1. A autora “Transportes J…, Lda.” é uma sociedade comercial por quotas que exerce, de forma habitual e com intuito lucrativo, a actividade de transporte rodoviário internacional de mercadorias.
2. O réu AR é mediador de seguros, exercendo esta actividade em nome individual, com domicílio profissional na Rua 1º de Maio, nº…, 1º, em Vila Verde (4730-734), e com a denominação “Agência …”.
3. Correu termos no 2º Juízo, do Tribunal de Trabalho de Braga, uns autos de Acidente de Trabalho, com o nº189/06.5TTBRG, sendo autor Carlos e réus a, aqui, autora “Transportes J…, Lda.” e a chamada “Companhia de Seguros F…, S. A.”
4. No processo identificado em 3., por sentença proferida no dia 04 de Outubro de 2007, transitada em julgado no dia 25 de Julho de 2008, decidiu-se, além do mais, absolver do pedido a, ali, ré, aqui, chamada “Companhia de Seguros F…, S. A.”, e condenar a, ali, ré, aqui, autora “Transportes J…, Lda.”, a pagar ao mencionado Carlos (…) o montante correspondente ao capital de remição calculado com base na pensão anual de € 469,54 (quatrocentos e sessenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), com início em 05/01/2006; a pagar-lhe ainda a quantia de € 5.074,60 (cinco mil e setenta e quatro euros e sessenta cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho; e a quantia de €20,00 (vinte euros) de despesas de transportes. Todas as quantias supra referidas vencem juros de mora, nos termos do art. 135º do Código do Processo de Trabalho, à taxa legal de 4% (…).
5. No âmbito do processo referido em 3., no dia 21 de Outubro de 2008, a autora entregou àquele Carlos Cerqueira o (…) capital de remição (…) no montante de €: =7.938,04 de acordo com o cálculo efectuado nos autos, da diferença de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, no valor de €: =5.074,60, das despesas de transportes, no valor de €: =20,00 bem como dos juros de mora (…) nos valor de €:887,32, + 567,24 + 1,67 =1.456,23, tudo no montante global de €: =14.488,87, pago através do cheque n.º 9746786451, emitido por CGD.
6. Por acordo celebrado entre a autora “Transportes J… Lda.” e a chamada “Companhia de Seguros F…, S. A.”, denominado contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de seguro completo a prémio fixo, titulado pela apólice com o nº3 037 225, aquela declarou transferir para esta, a qual declarou assumir, as obrigações que sobre si impendessem como resultado de danos sofridos pelos trabalhadores aí identificados.
7. O acordo mencionado em 6. foi sempre mediado pelo réu Arlindo Gomes Lopes.
8. A autora pretendeu incluir o identificado Carlos na lista de trabalhadores constante do acordo aludido em F), com a remuneração de €500,00 (quinhentos euros), catorze vezes por ano.
9. No dia 06 de Maio de 2005, pelas 13 horas, em Espanha, o aludido Carlos trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da autora “Transportes J…, Lda.”.
10. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 9., o mencionado Carlos encontrava-se em cima do reboque de um camião da autora.
11. Ao tentar prender um toldo, desequilibrou-se.
12. E caiu ao solo de uma altura de cerca de 4m.
13. Como consequência directa e necessária dessa queda, aquele Carlos sofreu traumatismo no ombro esquerdo.
14. À data referida sob o nº1, o identificado Carlos auferia uma retribuição-base líquida no valor de €500,00 (quinhentos euros).
15. Catorze vezes por ano.
16. À retribuição referida em 14., acrescia o valor de €23,29 (vinte e três euros e vinte e nove cêntimos), a título de ajudas de custo.
17. Em cada mês esse valor era-lhe pago 22 (vinte e duas) vezes.
18. Onze vezes por ano.
19. Àquela retribuição acrescia o montante de €3,52 (três euros e cinquenta e dois cêntimos), a título do prémio TIR.
20. Em cada mês esse montante era-lhe pago 22 (vinte e duas) vezes.
21. Onze vezes por ano?
22. À retribuição referida em 14. acrescia a quantia de €9,38 (nove euros e trinta e oito cêntimos), a título de outros subsídios.
23. Em cada mês essa quantia era-lhe paga 22 (vinte e duas) vezes.
24. Onze vezes por ano.
25. As lesões sofridas pelo mencionado Carlos, na sequência do descrito acidente, determinaram-lhe uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde o dia 09 de Junho de 2005 até ao dia 17 de Novembro de 2005.
26. Essas lesões determinaram-lhe uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) desde o dia 18 de Novembro de 2005 até ao dia 19 de Dezembro de 2005.
27. A ITP referida sob o nº18 foi fixada em 20%.
28. Aquelas lesões determinaram para o identificado Carlos uma ITP desde o dia 20 de Dezembro de 2005 até ao dia 04 de Janeiro de 2006.
29. A ITP referida sob o nº20 foi fixada em 15%.
30. Em virtude do descrito acidente, o mencionado Carlos ficou a padecer de rigidez no ombro esquerdo.
31. Essa sequela determinou-lhe uma Incapacidade Parcial Permanente (IPP) de 4,5%.
32. Em deslocações para comparecer nas diligências para que foi convocado o aludido Carlos Cerqueira despendeu a quantia de €20,00 (vinte euros).
33. No âmbito do processo identificado em 3., a chamada “Companhia de Seguros F…, S. A.” entregou àquele Carlos a quantia de €2.771,88 (dois mil, setecentos e setenta e um euros e oitenta e oito cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, supra referidos.
34. Com a finalidade mencionada em 8., no dia 02 de Maio de 2005, o legal representante da autora dirigiu-se ao estabelecimento do réu AR.
35. E solicitou a alteração do acordo referido em 6. ao funcionário do réu de nome Luís.
36. Este funcionário preencheu na íntegra a proposta em causa.
37. Nessa proposta incluiu o nome do identificado Carlos.
38. E datou-a de 02 de Maio de 2005.
39. Esta data foi-lhe indicada pela autora como sendo aquela a partir da qual pretendia incluir o aludido Carlos no acordo mencionado em 6.
40. No dia 10 de Maio de 2005, pelas 17 horas e 53 minutos, o réu remeteu via fax a proposta de alteração referida em 36 e 37 para a chamada “Companhia de Seguros F…, S. A.”.
41. Era prática corrente as propostas ou alterações de seguros serem recolhidas nas instalações do réu por um funcionário da chamada, a quem esta chama de “o seu comercial”.
41. Até finais do ano de 2007, nunca o réu recebeu qualquer comunicação da chamada para que a prática descrita em 41 fosse alterada.

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Esta factualidade não vem impugnada no presente recurso, nem nós encontramos fundamento para a modificar oficiosamente, pelo que consideramos fixada a base factual da causa.

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Quanto à matéria das conclusões 1ª, 4ª e 5ª a 11ª:

Sustenta a Apelante nestas conclusões que a sentença recorrida padece de nulidade (alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC), na medida em que omitiu qualquer pronúncia acerca da responsabilidade da Chamada Companhia de Seguros.
Sem dúvida que tem razão.
Bem ou mal (não interessa, não é isso que está aqui em causa) foi a Chamada admitida a intervir no processo. E interveio.
Subjacente ao seu chamamento está a alegação, que desponta com clareza da contestação do Réu (v. artigos 13º a 21º), de que a Chamada é a pessoa que afinal responde perante a Autora.
Ora, assim sendo, como efectivamente é, competia à sentença recorrida apreciar a questão que foi colocada ao tribunal (art. 660º nº 2 do CPC), decidindo acerca da pretensa responsabilidade da Chamada (isto decorre aliás expresso do nº 1 do art. 328º do CPC). E, de todo, não o fez.
A sentença padece assim da apontada nulidade.
A nulidade não tem, porém, outra consequência que não seja fazer devolver a esta Relação o conhecimento da questão omitida, como se retira do nº 1 do art. 715º do CPC.
E o que há a dizer acerca da responsabilidade da Chamada é o seguinte:
Como acaba de ser dito, a Chamada foi feita intervir nestes autos sob a alegação de que era ela a responsável pela reparação do dano sofrido pela Autora. Isto porque estaria estabelecido entre o Réu e a Chamada uma prática nos termos da qual a apresentação de propostas de seguro no Réu aguardaria que funcionário da Chamada viesse ao escritório do Réu recolher as propostas, sendo que a seguradora sempre aceitou que, recebidas as propostas no escritório do Réu, de imediato o contrato de seguro entrava em vigor.
Ora, nada vem provado que indique a realidade destes factos (v. a propósito as respostas dadas aos quesitos 34º e 35º, bem como o seguinte inciso constante da motivação das respostas aos quesitos da base instrutória: “A prova produzida em audiência de julgamento permitiu ainda concluir nos termos consignados na resposta ao quesito 35º, ou seja, que era prática corrente as propostas ou alterações de seguros serem recolhidas nas instalações do Réu pelo comercial da seguradora, o que, no entanto, não se mostra bastante para avançar para a prova de um acordo segundo o qual o Réu devesse manter as referidas propostas ou alterações no seu escritório até à passagem do comercial e que as mesmas começassem a vigorar na data aposta na proposta ou alteração).
Donde, necessariamente que improcede qualquer direito indemnizatório contra a Chamada. Efectivamente, nada está provado que signifique que a Chamada incumpriu, no confronto da Autora, obrigações a que estivesse adstrita, quer directamente para com aquela, quer por via da relação de mediação que mantinha com o Réu.
O que significa que a Chamada tem de ser absolvida do pedido.
O que significa também que o que consta (ainda que a título subsidiário) das conclusões 22ª, 23ª e 24ª não poderá, em qualquer caso, proceder.


Quanto à matéria das conclusões 13ª a 21ª e 25ª:

Sustenta a Apelante nestas conclusões que a acção deverá proceder quanto ao Réu.
Quid juris?
A sentença recorrida argumenta assim: “ (…) resultou [provado] que era prática corrente entre o R./mediador e a Interveniente/Seguradora as propostas ou alterações de seguros serem recolhidas nas instalações do primeiro por um funcionário da segunda, a quem esta designa de comercial. (…) resulta que, de acordo com a prática havida entre o R./mediador e a Interveniente/Seguradora, não incumpriu aquele o dever de comunicação à mesma da proposta de alteração de seguro solicitada pela A. Não lhe poderá, portanto, ser assacada responsabilidade pelo atraso na entrega da proposta em causa, pese embora não possa senão entender-se (…) que a entrega de proposta de alteração a contrato de seguro ao mediador de seguros corresponde, no caso, à entrega à própria Seguradora. Por tudo quanto fica dito, não pode senão concluir-se dever a presente acção ser julgada totalmente improcedente”.
Mas este modo de ver as coisas não pode, de forma alguma, ser subscrito.
Desde logo observe-se que a argumentação da sentença cumpre a algo anacrónica condição de desprezar aquilo que foi afinal a convicção adquirida aquando do julgamento da matéria de facto. Pois que, como acima se disse, consta da motivação das respostas aos quesitos da base instrutória que a despeito do facto de ser prática corrente as propostas ou alterações de seguros serem recolhidas nas instalações do Réu pelo comercial da seguradora, tal não era bastante para avançar para a prova de um acordo segundo o qual o Réu devesse manter as referidas propostas ou alterações no seu escritório até à passagem do comercial e que as mesmas começassem a vigorar na data aposta na proposta ou alteração. Ora, a sentença recorrida ao discorrer como discorre acaba, bem vistas as coisas, por enveredar precisamente por um sentido que o decisor da matéria de facto julgou não estar garantido pela prova produzida.
Mas, à parte isto, e com referência à época dos factos ora em causa (ano de 2005) há que ver que qualquer contrato de seguro (ou sua alteração) só se poderia ter por concluído quando a proposta respectiva tivesse sido aceite pela seguradora. Esta matéria era (e continua a ser), em geral, regulada no Código Civil (art. 224º e sgts), excepto se o tomador fosse uma pessoa física, caso este em que haveria que atender ao regime específico que constava do art. 17º do DL nº 176/95 (norma entretanto revogada pelo DL nº 72/08 e substituída pela do art. 27º do regime que lhe está anexo). Sobre esta temática diz-nos José Vasques (Contrato de Seguro, pp. 194, 199 e 200) que o contrato de seguro submetido ao regime geral dos contratos (como é o caso) conclui-se mediante duas declarações negociais: a proposta contratual ou proposta de contrato e a aceitação ou declaração de aceitação (sendo de acrescentar, a propósito, que o silêncio não vale em princípio como declaração negocial de aceitação; e em todo o caso, como acrescenta o referido autor, é absolutamente necessário que a conduta do aceitante mostre a intenção de aceitar a proposta, isto é, a lei não dispensa um comportamento exterior do qual se possa concluir seguramente a aceitação). Concordantemente com isto, citem-se (entre muitos outros) os acórdãos do STJ de 17.6.80, BMJ 299, p. 171 (onde se afirma que para a perfeição do contrato de seguro é necessária a aceitação da proposta por parte da seguradora) e de 10.4.96, www.dgsi.pt (onde se afirma que o contrato de seguro de acidentes de trabalho só tem, como tal, existência jurídica quando a respectiva proposta haja sido recebida e aprovada pela seguradora), bem como o acórdão da RP de 26.3.80, Col Jur. 1980, II, p. 157 (onde se afirma que a proposta de seguro não vale como apólice antes de recebida e aceite, ainda que tacitamente, pela seguradora).
Ora, a proposta de alteração apresentada pela Autora não havia sido aceita pela seguradora - nem expressamente nem por meio de qualquer comportamento que exteriorizasse a aceitação - anteriormente ao dia 11 de Maio de 2005. Nem podia ter sido aceita, pois que o Réu apenas no dia 10 de Maio de 2005 lhe deu conhecimento da mesma.
Entretanto, está provado que a Autora entregou a proposta de alteração no estabelecimento do Réu, que era mediador de seguros, no dia 2 de Maio de 2005, tendo indicado esta data como sendo aquela a partir da qual pretendia a alteração. A verdade é que somente no dia 10 seguinte é que o Réu remeteu à seguradora a proposta.
Não pode deixar de se ver neste comportamento a violação de uma obrigação jurídica própria do Réu no confronto da Autora. Efectivamente, a relação entre o mediador de seguros (nos termos do art. 2º do DL nº 388/91, em vigor à data dos factos, a mediação de seguros traduz-se basicamente na actividade remunerada tendente à realização e assistência de contratos de seguro) e o proponente de seguro resolve-se numa relação contratual (embora preparatória de uma outra relação contratual, a do contrato de seguro) pela qual o proponente incumbe o mediador de receber a proposta e de providenciar pelo seu encaminhamento para a seguradora, e o mediador aceita levar a cabo essa actividade. Nesta base, se a organização do Réu (o que está provado indica que quem interagiu com a Autora foi, não o Réu, mas um funcionário da organização empresarial do Réu) conhecia que era vontade da Autora a actuação imediata da proposta (e com tal vontade se conformou tal organização), mas apesar disso só no dia 10 é que lhe deu seguimento, então tem que se concluir que o Réu não cumpriu pontualmente a sua obrigação subjacente à relação jurídica travada com a Autora. Violou assim o Réu o nº 1 do art. 406º do CC.
Donde, é o Réu responsável (designadamente à luz do nº 1 do art. 800º do CC), pelo prejuízo sofrido pela Autora. É o que resulta, entre outros, dos art.s 798º, 799º e 562º e sgts do CC.
Observe-se que a conduta do Réu é rigorosamente causal do prejuízo da Autora, na medida em que não suscita qualquer dúvida que a seguradora teria aceitado a proposta (e, consequentemente, assumido o risco e pago as correspondentes [em função da remuneração declarada] indemnizações devidas ao trabalhador sinistrado) se a tivesse recebido anteriormente à data do sinistro. A bondade desta afirmação resulta da circunstância da seguradora ter aceitado normalmente a proposta quando a recebeu (tendo inclusivamente chegado a indemnizar o sinistrado), conforme está documentado nos autos.
Observe-se também que os procedimentos internos do estabelecimento do Réu (a prática corrente da recolha das propostas através de um funcionário da seguradora) são irrelevantes para o caso, funcionam como uma res inter alios acta relativamente à Autora, pois que não se mostra que esta conhecesse tais procedimentos e se tivesse conformado com eles (ou seja, que se tivesse conformado com a possibilidade de apresentação da proposta à seguradora a qualquer tempo). Mostra-se é precisamente o contrário, ou seja, que a Autora quis que o seguro fosse actuado imediatamente.
Ora, está provado que o trabalhador cuja inclusão no contrato de seguro a Autora pretendia, sofreu um acidente de trabalho no dia 6 de Maio de 2005. Mais está provado que a Autora teve de pagar ao trabalhador, em atenção a esse acidente, a quantia indemnizatória de €14.488,87. Infere-se do documento nº 1 junto com a PI (sentença proferida nos autos de acidente de trabalho) que tal dispêndio se baseou na remuneração anual de €15.757,98. Como a cobertura visada pela proposta do seguro se objectivava numa remuneração anual de €7.000,00 (€500,00 x 14), segue-se que quanto a esta parte nada iria a Autora pagar se acaso a proposta tivesse sido logo apresentada à seguradora. O que significa que a Autora iria pagar menos 44,42% ([7.000,00 x 100] : 15.757,98) do que pagou, pois que nessa percentagem era a seguradora quem iria ser chamada a pagar. E assim, considerando que a responsabilidade da Autora seria de 55,58% (100% - 44,42%), temos que teria de pagar apenas as quantias de €4.411,96 (capital de remição), de €4.711,23 (indemnização por incapacidade) e de €809,37 (juros de mora), num total de €9.932,56. Mas dado que a Autora entende que sempre devia pagar €10.434,38 (este valor resulta da imputação do valor [€501,82] da sua quota parte nas custas; não podemos porém fazer intervir nas nossas contas o valor das custas, uma vez que não vem dado como provado o pagamento de custas [v. a resposta ao quesito 26º]), é a esse valor de €10.434,38 que temos de atender, sob pena de condenação do Réu para além do pedido. Donde, tem o Réu que indemnizar a Autora pela quantia de €4.054,48 (€14.488,87-€10.434,87). Sobre esta quantia incidem juros de mora desde a citação (art. 805º nº 1 do CC).
De outro lado, está provado que a seguradora, sem causa justificativa, chegou a pagar ao sinistrado a indemnização de €2.771,88, pelo que não é de excluir que a venha a reclamar de quem beneficiou dessa deslocação patrimonial, designadamente a Autora (beneficiária indirecta). A ocorrer esta eventualidade, sofrerá a Autora o correspondente prejuízo futuro, que ao Réu competirá reparar (v. nº 2 do art. 564º do CC).
Procede pois inteiramente a apelação e, com ela, a acção.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgam procedente a acção. Em consequência:
a) Declaram que o Réu incumpriu a relação negocial que estabeleceu com a Autora;
b) Condenam o Réu a pagar à Autora a quantia de €4.054,49, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação;
c) Declaram que o Réu é responsável pelo pagamento à Autora da quantia de €2.771,88, caso esta venha a restituir tal importância à Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A.
A Chamada a Intervir Companhia de Seguros F…, S.A. é absolvida do pedido.

Regime de custas:

As custas da acção e as custas da apelação são encargo do Réu, que nelas é condenado.

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Sumário (art. 713º nº 7 do CPC):
I - A alteração do contrato de seguro só se pode ter por concluída depois da seguradora ter aceitado, ainda que tacitamente, a proposta de alteração.
II - A mediação de seguros traduz-se basicamente numa actividade remunerada tendente à realização e assistência de contratos de seguro.
III - A relação entre o mediador de seguros e o proponente de seguro resolve-se numa relação contratual (embora preparatória de uma outra relação contratual, a do contrato de seguro) pela qual o proponente incumbe o mediador de receber a proposta e de providenciar pelo seu encaminhamento para a seguradora, e o mediador se vincula a levar a cabo essa actividade.
IV - Não tendo o mediador cumprido pontualmente a obrigação de enviar à seguradora a proposta de alteração, que a teria aceitado, responde pelo dano sofrido pelo proponente em decorrência do sinistro que se quis ver coberto pelo seguro.

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Guimarães, 9 de Fevereiro de 2012
José Rainho
Carlos Guerra
Conceição Bucho