Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
330/13.1TBCHV.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: TESTAMENTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL
VÍCIOS DO TESTAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Ao testamento, enquanto instrumento notarial, documento probatório autêntico e negócio jurídico unilateral, podem ser assacados diferentes vícios.

2) Quem pretender judicialmente impugná-lo ou invalidá-lo, deve alegá-los e fundamentá-los com precisão e peticionar em conformidade.

3) Apesar das, pela apelante, brandidas falhas, discrepâncias e do que reputa de anormal, ilógico, falho de sentido, estranho no comportamento (activo ou omissivo) dos intervenientes (designadamente da Notária e de uma das testemunhas abonatórias que diz ser Advogado), tal não basta para lograr qualquer efeito consequente em face do objecto do processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A autora E. S. instaurou, em 13-04-2013, no Tribunal de Chaves, acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra os réus J. P. e M. P..

Pediu que:

-Seja declarado nulo, ou, caso assim não se entenda, anulado, o testamento de Maria, feito em 09-11-2012, cuja cópia juntou;
-Ou, ainda, caso assim não se entenda, subsidiariamente, declarar-se o mesmo falso;
-Em qualquer dos casos, se ordene o cancelamento dos registos promovidos e a promover na Conservatória do Registo Predial a favor dos réus com base em tal testamento, e ainda, de qualquer outro registo que, posteriormente já tenha sido efectuado ou venha a sê-lo a favor de terceiro, com base nos registos promovidos pelos réus a seu favor, relativamente aos prédios urbanos referidos na petição que fazem parte da herança da falecida;
-Condenar-se os réus a devolver à autora e restantes herdeiros desta todos os bens pertencentes à herança, com todas as consequências legais.

Alegou, parta tanto, em síntese, na petição, que, em 17-11-2012, faleceu a testadora, sua irmã Maria, no estado de viúva, sem ascendentes nem descendentes. Os réus arrogaram-se seus únicos e universais herdeiros, em função de testamento datado de 09-11-2012, cuja fotocópia certificada (datada desse mesmo dia), só após muita insistência e resistência, lhe entregaram e no qual assim foram instituídos.
Tal testamento é nulo, por não conter os requisitos essenciais, exigidos no Código do Notariado, à sua validade.

Com efeito:
-O documento “não se encontra assinado pela testadora”;
-Ele “não contém qualquer impressão digital” (itens 10 e 11);
-Apesar de constar que não sabia assinar, ela “não apôs na margem do mesmo a sua impressão digital do indicador da mão direita, ou qualquer outra” (item 8), nem foi mencionada impossibilidade de proceder a tal aposição e respectiva causa, como é obrigatório por lei (item 9), pelo que “não pode traduzir, nem validar, qualquer declaração de vontade da testadora” (item 10);
-estranhamente, não está assinado pelas testemunhas e abonadoras da identidade, nem consta por que motivo (item 11).
Acresce que a falecida Maria, apesar de há muito tempo saber que estava gravemente doente, nunca tinha manifestado o propósito de instituir os réus seus herdeiros. O testamento “não traduz a vontade” da testadora que não tinha ao tempo capacidade para entender e querer o sentido e alcance “do acto” (item 17), nem capacidade para se exprimir de forma clara, pois encontrava-se na Unidade de Cuidados Paliativos em estado terminal (sofrendo de neoplasia maligna, alterações de consciência, estados confusionais, não falando de forma clara e lúcida), “não tendo ditado os termos” dele constantes (item 18), “não tendo existido qualquer expressão de vontade da sua parte de forma cumprida e clara” (item 19). Daí a nulidade ou anulabilidade do testamento (artºs 2180º e 2199º, do CC).
Ainda nessa linha, subsidiariamente, e no alegado pressuposto de que há quem entenda, face aos factos anteriormente alegados, que o testamento, devido à força probatória plena do documento respectivo, não pode ser declarado nulo ou anulado, impugnou, “por falso”, o respectivo “conteúdo”.
Da herança fazem parte bens móveis, dinheiro existente em contas bancárias, títulos e obrigações nos Correios, um prédio urbano e outro rústico.

Juntou uma fotocópia de certidão (por fotocópia) do testamento (datada do próprio dia da sua outorga, ou seja, 09-11-2012) onde nenhuma impressão digital se vê.

Os réus contestaram, alegando que o testamento corresponde à vontade expressa da falecida já que eles foram as pessoas que em vida lhe prestaram todo o apoio de que necessitou. Ela não sabia assinar. Por isso, contém, no final, a impressão digital do indicador da sua mão direita, o que é perfeitamente visível no original depositado no Cartório e também, ainda que com menos nitidez, na cópia em posse do réus que juntam (datada de 22-11-2012). Foi “essa cópia” que entregaram à autora a quando da Missa de 7º Dia. Estranham que da cópia junta pela autora não seja visível a impressão digital, impugnando-a, por inexactidão mecânica e que ela, depois de sugerida para tal verificar junto do Cartório, nada tenha feito.
É certo que do testamento não constam as assinaturas das testemunhas, tal se devendo a lapso da Notária, mas elas estiveram presentes e assistido ao acto. Em 04-12-2012 as testemunhas em causa compareceram no Cartório onde confirmaram e ratificaram a sua presença no acto, do que a autora foi informada, assim o revalidando (al. d), do n.º1, do art. 70º, e al. e), do art. 73º, ambos do Cód. do Notariado).
Impugnam os factos relativos ao alegado estado de incapacidade da testadora, pois, durante o período em que esteve internada na Unidade de Cuidados Continuados (de 02 a 17-11-2012), nunca ela manifestou indícios de perturbações intelectuais, conforme atestado médico. Ela conhecia as pessoas, pronunciava-se de forma clara e lúcida, conversava fluentemente com as visitas. O testamento, assim, exprime e cumpre claramente a vontade da testadora que o ditou de forma lúcida e clara, entendendo perfeitamente o alcance e sentido da sua declaração.

Juntaram, além de outros documentos, cópia do Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros; fotocópia de certidão (por fotocópia) do testamento (datada de 22-11-2012), na qual nenhuma impressão se vê; e outra fotocópia de certidão (por fotocópia) do mesmo (datada de 04-12-2012) na qual se vê reproduzida uma imagem, ainda que ténue, do que aparenta ser a figura de uma impressão dactilar;

A autora apresentou resposta à contestação.

Nesse articulado (inserto nos autos a fls. 69-74), além de refutar a defesa dos réus e de impugnar todos os documentos junto, alegou que a testadora “não apôs a sua impressão digital no testamento em causa nos autos” (item 12) e “impugna-se, por falso, o testamento […], uma vez que, além do mais, a impressão digital que consta do mesmo não foi aposta por Maria”.

A pretexto da “simplicidade da causa”, dispensou-se a audiência preliminar.

Em despacho subsequente (fls. 76), entendeu-se que na contestação “não foi alegada matéria de excepção, dela apenas constando uma impugnação motivada dos factos alegados na petição, tudo o que consta do articulado de resposta à contestação será considerado não escrito, salvo a impugnação do[s] documentos juntos com a contestação”.

Seguiu-se, sem mais, o saneador tabelar, dispensando-se a selecção da matéria de facto relevante também por “manifesta simplicidade”. Fixou-se em 5.000,01€ o valor da causa.

As partes arrolaram testemunhas, tendo a autora requerido a realização de exame pericial no LPC-PJ, com o fim de averiguar se a impressão digital constante do testamento original é a mesma do BI da testadora e se foi efectuada por esta e, ainda, se a fotocópia onde nenhuma impressão consta foi adulterada, com o que disse pretender “fazer prova de que a impressão digital em causa não constava do testamento original cuja cópia lhe foi entregue, não tendo, portanto, sido aposta pela sua irmã”.

A Perícia foi deferida, mas não pelo LPC-PJ, e fixado como seu objecto o indicado pela Autora

Efectuou-se, então, a perícia no “Centro Médico-Legal, Ldª”, nos termos e com os resultados que os autos evidenciam (com exame complementar e sucessivos esclarecimentos), ficando sem efeito a realização da segunda, pedida pela mesma e ordenada ao “Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária”, devido à falta de pagamento (por qualquer das partes) do preparo para a despesa respectiva.

Realizou-se, em três sessões, a audiência de discussão e julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas, no seu decurso tendo sido inquiridas dez testemunhas.

No fim, com data de 21-03-2017, foi proferida a sentença que culminou em decisão que julgou improcedente, por não provada, a acção e absolveu os réus dos pedidos.

A autora não se conformou e apelou, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de revogação da sentença, argumentos que sintetizou nas seguintes conclusões:

I - O presente recurso destina-se a impugnar, além do mais, a Douta Decisão proferida sobre a matéria de facto.
II - Salvo o devido respeito, existe um claro e notório erro de apreciação da prova produzida e junta aos autos, uma vez que da análise da mesma resulta claramente provado que: A testadora não apôs na margem do documento (testamento) a sua impressão digital do indicador da mão direita e não provados os pontos os pontos ns. 3., 9., 10., 14 dos factos dados como provados.
Na verdade,
III – Analisada a Prova Pericial resulta evidente que a impressão digital aposta no testamento não é da testadora, sendo o resultado de “Pouco Provável”.
IV- Tal evidência é corroborada pelos depoimentos das testemunhas da Autora I. S. e C. A., que não seriam beneficiários da herança, que atestam que o testamento não continha qualquer impressão digital após o óbito da testadora.
V – E pelos depoimentos de M. S. e Dr.ª S. C., dos Réus, visto serem completamente contraditórios entre si e não serem credíveis dado violarem a lógica e normalidade.
VI - A testemunha M. S. (testemunha que estará estado presente) não tem dúvidas em afirmar que a testadora procedeu à aposição da impressão digital sentada num cadeirão, situa o testamento em Fevereiro quando o memso foi em Novembro.
VII - A testemunha Dra. S. C. (Notária) não tem dúvidas em afirmar que a testadora procedeu à aposição da impressão digital deitada numa cama.
VIII – Ficando assim evidente que pelo menos uma das testemunhas não esteve presente, sendo o testamento necessariamente nulo.
IX - A testemunha Dr.ª S. C. não teve qualquer dúvida em afirmar que verificou a identificação da testadora pelo Bilhete de Identidade, tentando justificar tal facto com uma suposta caducidade do Bilhete de Identidade.
X – Como se prova pelo Bilhete de Identidade da testadora junto a fls….dos autos o mesmo estava válido e conforme.
XI - A análise do testamento prova que a identificação foi feita por testemunhas abonadoras, o que é absolutamente ilógico e anormal estando a Dr.ª Notária na posse do Bilhete de Identidade.
XII – É absolutamente ilógico e anormal que as testemunhas estando presentes, sendo uma das mesmas um Ilustre Advogado, não tenham assinado o testamento nessa qualidade.
XIII - Não faz qualquer sentido que a testemunha Dr.ª S. C. afirme que a testadora lhe disse que não queria deixar nada aos sobrinhos, quando os herdeiros da mesma eram os seus irmãos e não sobrinhos.
XIV - Termos em que, deve ser dado como provado A testadora não apôs na margem do documento (testamento) a sua impressão digital do indicador da mão direita e não provados os pontos os pontos ns. 3., 9., 10., 14 dos factos dados como provados.
E, consequentemente,
XV - Ser a acção julgada provada e procedente.
Ou caso assim não se entenda,
XVI – Declarado nulo o testamento por falta de assinaturas das testemunhas.
XVII - Decidindo, como decidiu, a Douta Sentença recorrida, além do mais, violou o disposto nos artigos 607.º do C.P.C..
TERMOS EM QUE, SE DEVE CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO-SE INTEGRALMENTE PROVADO E NÃO PROVADOS OS FACTO ACIMA MENCIONADOS, E, CONSEQUENTEMENTE PROCEDENTE POR PROVADA A ACÇÃO, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA”.

Os réus contrapuseram-se-lhe, alegando e concluindo:

1 - Salvo o devido respeito pela argumentação da autora, entendem os réus que a douta sentença operou uma análise profunda, séria e sensata dos elementos carreados para o processo, procedendo a um sagaz enquadramento jurídico dos mesmos.
2 - Em momento algum da petição inicial se questiona ou coloca em causa a autoria da impressão digital, pelo que, face à posição assumida nessa peça processual e ao relato dos factos que nela se faz não se mostraria sequer necessário confirmar a correspondência da impressão digital da testadora e a que consta no testamento.
3 - Da petição inicial da autora resulta alegado que o testamento “não continha qualquer impressão digital” (art.º 10.º da p.i.), não sendo nunca feita qualquer referência quanto à falta de correspondência entre a impressão digital e a pessoa da testadora.
4 - Esta questão da autoria da impressão digital só viria a ser levantada na réplica, a qual, por douto despacho de 03/06/2013, transitado em julgado, foi dada como não escrita, ordenando-se o seu desentranhamento dos autos.
5 - Portanto, passámos directamente de uma petição em que a questão foi posta num nível de ter ou não ter, para um pedido de perícia em que se pede que se averigue se a impressão aposta no documento era ou não da testadora.
6 - E isto, só por si, diz bem da manifesta má-fé com que autora litigou, “atirando o barro à parede”, sem qualquer critério minimamente sério.
7 - Não é de mais notar, a propósito da má-fé da autora, que, não obstante o alegado relativamente à suposta inexistência de impressão digital (artigo 10.º da petição), os depoimentos prestados pelas testemunhas M. F. - registado no aplicativo “H@bilus Media Studius”, com início pelas 10:55:20 horas e término pela 11:01:36 horas - e S. M. - registado no aplicativo “H@bilus Media Studius”, com início pelas 11:15:58 horas e término pela 11:21:30 horas, arroladas pela autora e com interesse directo na causa, porque são respectivamente cunhada e filha da autora e, assim, cunhada e sobrinha da testadora, contrariam a versão da p.i., afirmando aquelas ter vislumbrado uma impressão digital aposta na cópia do testamento.
8 - A autora foi atirando o “barro à parede”, dizendo primeiro que o testamento não tinha aposta qualquer impressão digital –o que, como vimos, vai ao arrepio do depoimento das testemunhas por si arroladas -, defendendo depois que, afinal, a impressão digital existente não era da testadora, tendo ganho efectivamente algum alento com o desenrolar da prova pericial.
9 - Porém, como bem percebeu a M.ª Juiz do Tribunal a quo, o referido exame pericial deve ser interpretado com extrema cautela para não se obterem conclusões precipitadas e falaciosas, como a autora pretende ardilosamente inculcar.
10 - É que o exame pericial, e todos os esclarecimentos subsequentes que foram trazidos aos autos pelo Exmo. Perito, fazem sempre referência a uma questão crucial: A MÁ QUALIDADE DA IMPRESSÃO DIGITAL, que faz com que a perícia seja verdadeiramente inconclusiva.
11 - Por último, saliente-se que a aceitação da tese de que a impressão digital não corresponderia à da testadora Maria, como a autora pretende, teria repercussões ao nível da responsabilidade penal das testemunhas e da notária presentes aquando da realização do testamento, o que se não foi sequer aflorado ou ousado em momento algum pela autora.
12 - As testemunhas arroladas pelos réus, nomeadamente as testemunhas M. S., a Notária Dr.ª S. C. e a Dr.ª A. C., cujos depoimentos supra se reproduziram parcialmente, demonstraram conhecer bem o estado de saúde da testadora, a sua capacidade para testar, o local onde foi realizado o testamento, as pessoas presentes no acto da realização do testamento e o procedimento da sua realização.
13 - A M.ª Juiz fez uma análise rigorosa dos depoimentos destas testemunhas, beneficiando da imediação e da oralidade, vertendo a respectiva apreciação crítica na douta sentença, com a qual concordamos na íntegra, destacando-se o que vai discorrido a páginas 8 e 9 da douta sentença.
14 - Conseguiu perceber, com a sagacidade e experiência que lhe são reconhecidas, de que lado estava a verdade, sendo inequívoco que essa está do lado dos réus.
Por fim,
15 - Quanto à questão da invalidade/nulidade do testamento levantada pela autora, o testamento deve - inquestionavelmente - ser tido como válido, por respeitar todos os requisitos de forma que se lhe impõe e pelo facto de o seu teor corresponder àquela que era a vontade da testadora.
16 - No que diz respeito ao requisitos de forma do testamento, referir que apesar de o mesmo não contar inicialmente com as assinaturas das testemunhas instrumentárias, tal irregularidade foi prontamente sanada como resultou provado na douta sentença.
17 - Quanto à questão da capacidade da testadora para testar, resultou igualmente provado que a mesma se encontrava na plena posse das suas faculdades psíquicas e mentais aquando da realização do testamento.
18 - Neste sentido, mostraram-se particularmente relevantes as declarações prestadas pela testemunha Dr. A. C., médica na unidade de Convalescença e Cuidados Continuados Paliativos, cujo depoimento, registado no aplicativo “H@bilus Media Studius”, com início pelas 10:19:10 horas e término pela 10:33:22 horas, supra parcialmente se reproduziu.
Termos em que, julgando improcedente o recurso da autora, mantendo a douta sentença recorrida, farão V. Exas a habitual JUSTIÇA.“

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa apreciar e decidir:

a) Relativamente à matéria de facto, se há erro de julgamento relativamente aos pontos de facto provados nºs 3, 9, 10 e 14 e ao ponto de facto não provado da alínea a), e se, consequentemente, a respectiva decisão deve ser alterada, julgando-se este provado e aqueles não provados.
b) Se deve a acção ser julgada provada e procedente ou, caso assim não se entenda, declarado nulo o testamento por falta de assinatura das testemunhas.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido, nesta sede, decidiu julgar como provados os seguintes factos:


1. No dia 17 de Novembro de 2012 faleceu Maria no estado de viúva e sem ascendentes nem descendentes.
2. A autora é irmã da falecida Maria.
3. Por testamento lavrado em 9 de Novembro de 2012 na Unidade de Cuidados Continuados a falecida Maria constituiu seus únicos e universais herdeiros, os aqui réus.
4. O testamento não se encontra assinado pela testadora constando do mesmo “… não sendo assinado pela testadora por não o saber fazer como declarou.”
5. Na altura em que o testamento foi realizado as testemunhas e abonadoras de identidade – J. M. e M. R.- não procederam à assinatura do testamento, não existindo qualquer menção que as mesmas não sabem assinar, nem constando qualquer impressão digital das mesmas.
6. A testadora padecia de neoplasia maligna estando em estado terminal a 9 de Novembro de 2012.
7. Durante a vida da testadora foram os aqui réus que lhe prestaram assistência e auxilio.
8. E com quem a testadora, nos anos que antecederam a sua morte, passava as festividades.
9. No dia 9 de Novembro de 2012 estiveram presentes na Unidade de Cuidados Continuados, na qualidade de testemunhas e abonadores do testamento de Maria, J. M. e M. R..
10. Estando presentes no acto da outorga do testamento e assistindo à sua leitura e explicação.
11. Em 04/12/2012 as testemunha J. M. e M. R. compareceram no Cartório Notarial, a cargo da Exm.ª Sr.ª Dr.ª S. C., onde confirmaram e ratificaram a sua presença no dia 09/11/2012 na Unidade de Cuidados Continuados, na qualidade de testemunhas e abonadoras do testamento de Maria, confirmando ter estado presentes no acto e assistido à sua leitura.
12. Durante o período em que esteve internada na Unidade de Cuidados Continuados– entre 2 e 17 de Novembro de 2012 – a testadora nunca manifestou indícios de perturbações intelectuais.
13. Estando perfeitamente lucida e capaz.
14. E apondo a sua impressão digital no documento.”

Mais decidiu julgar que:

“Com relevância para a decisão nada mais se provou designadamente que:

a) A testadora não apôs na margem do documento a sua impressão digital do indicador da mão direita.
b) Na data em que foi outorgado o testamento a testadora não tinha capacidade de entender e querer o alcance daquele acto, nem para se exprimir de forma cumprida e clara.
c) À data em que outorgou o testamento a testadora tinha alterações de consciência, estados confusionais, não falando de forma clara e lúcida, encontrando-se incapaz de entender o sentido da sua declaração não tendo existido qualquer expressão da sua vontade.”
Para tal, expendeu a seguinte fundamentação:

“A matéria de facto foi dada como provada e não provada nos termos expostos, tendo, desde logo em conta as posições das partes convergentes nos articulados, bem como a demais prova produzida.
Assim, a morte de Maria foi certificada pelo assento de óbito n.º 208 do ano de 2012 e que dos autos é fls. 17.
A relação de parentesco da autora com a falecida (irmãs) resulta da conjugação da certidão de óbito com o assento de nascimento da primeira de fls. 20.
A data, conteúdo e teor do testamento resulta das várias cópias que se encontram juntas aos autos, sendo que resulta a ausência da assinatura das testemunhas identificadas no acto.
A qualidade de herdeiros dos réus, além do mencionado testamento, está também reconhecida no procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos que dos autos é fls. 52.
Teve-se também em conta o instrumento de fls. 62 e ss nos autos onde se pode ler:
“Certifico que no dia quatro de Dezembro de dois mil e doze, perante mim, S. C., Notária do Conselho” (…) “compareceram J. M.” (…) “e M. R.” (…) “os quais declararam que estiveram presentes no dia nove de Novembro de dois mil e doze, na Unidade de Cuidados Continuados deste localidade, na qualidade de testemunhas e abonadores do testamento lavrado nesse mesmo dia no livro de notas para testamentos públicos manuscritos numero .. – A, de folhas .. a folhas … verso, em que foi testadora Maria, e que os mesmos estiveram presentes ao acto, tendo assistido à sua leitura e explicação e não se recusaram a assiná-lo, mas que só não o fizeram porque eu, Notária, por lapso, não solicitei a sua assinatura.
Que pelo presente instrumento confirmo as antecedentes declarações e nos termos dos artigos 70º/1, d) e art. 73º, alínea e), do Código do Notariado, revalido o mencionado testamento público, suprimindo a falta das assinaturas das identificadas testemunhas.”
Tal documento encontra-se assinado pelas identificadas testemunhas e pela Notária.
De fls. 65 dos autos consta uma declaração médica assinada por A. C., que presta serviço na Unidade de Cuidados Paliativos em que a falecida Maria esteve internada de 2 a 17 de Novembro de 2012, em que, com data de 30 de Novembro de 2012, atesta que a paciente, durante o período de internamento nunca manifestou qualquer indício clinico de padecer de alguma perturbação intelectual.
Note-se que a signatária de tal documento, prestou depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento, confirmando o teor da declaração.
Quando questionada sobre o estado de consciência da D. Maria referiu que os registos informáticos da Unidade dão conta de uma doente consciente, com discurso adequado e assertivo e com uma relação normal com o médico.
Afirmou que, tendo em conta o estado em que se encontrava, muito embora fisicamente debilitada, a doente estava perfeitamente capaz de entender o alcance e o conteúdo de um acto como um testamento.
Relevante e esclarecedor foi o testemunho da Notária Dr.ª S. C. a qual demonstrou lembrar-se perfeitamente de ter ido à Unidade de Cuidados Continuados a fim de proceder à outorga de um testamento.
Quando lá chegou deparou-se com uma senhora fisicamente muito debilitada mas mentalmente capaz.
Teve uma conversa prévia com a testadora tendo-se a mesma apresentado como complemente lucida e bem ciente do destino que pretendia dar aos seus bens.
Os termos do testamento foram exactamente o que pretendia a testadora, ou seja, instituir como herdeiros as pessoas que do mesmo ficaram a constar nessa qualidade.
As testemunhas encontravam-se presentes no acto, sendo pessoas que desconhecia, tendo, ao tempo verificado a sua identidade.
Mais tarde apercebeu-se que as testemunhas não tinham assinado o testamento, o que atribui a um lapso da sua parte, tendo-as convocado para comparecerem no notário, e lavrou um instrumento em que revalidou o testamento anteriormente efectuado.
No que se refere à testadora identificou-a com o bilhete de identidade.
Porém, e porventura por ser o mais habitual, ficou a constar que a mesma foi identificada por abonação das testemunhas ali presentes.
No que se reporta à aposição da impressão digital no testamento a Exm.ª Notária garantiu que a testadora colocou a mesma no testamento, o que fez na sua presença, não tendo a mínima dúvida de que isso sucedeu.
A testemunha M. R. que esteve presente aquando da realização do testamento, confirmou que era a ré quem acompanhava a falecida aquando da doença, lhe tratava das roupas e lhe levava ao hospital todos os dias um leite-creme.
No que se refere ao momento concreto da elaboração do testamento, relatou que, primeiramente a notária falou com a D. Maria a sós e que, cerca de meia hora depois foi chamada assim como a outra testemunha – o Dr. J. M. – tendo a Notária lido o teor do testamento e perguntado à Maria se estava a perceber e se era aquela a sua efectiva vontade, ao que aquela respondeu que sim.
Em todas as vezes que visitou a Maria, esta esteve sempre consciente e bem ciente do que dizia.
Também presenciou a testemunha a testemunha a apor a sua impressão digital
É certo que as testemunhas indicadas pela autora, vieram por em causa conforme supra se refere a existência de impressão digital no testamento, afirmando que lhes foi exibida e entregue uma cópia da qual a mesma não consta.
Desde logo, algumas das testemunhas afirmaram terem a impressão de ter visto algo na folha, designadamente a testemunha S. M. e M. F..
Acresce quem nem nesse dia nem nos que se lhes seguiram a autora ou algum dos seus irmãos foi ao notário consultar o original.
Assim fazer tais afirmações baseadas numa alegada cópia que lhes foi exibida, não pode infirmar quer o facto de existir uma impressão digital no original nem as afirmações da Notária, que nenhum interesse tem nos autos de que a mesma foi aposta pela testadora no momento da elaboração do testamento, na sua presença.
Acresce que em relação às testemunhas apresentadas pela autora, refere-se desde logo que as testemunhas A. M. e M. V., sendo irmãos da autora, têm um interesse directo nos presentes autos, pois a ser procedente o pedido formulado, assumiriam a qualidade de herdeiros, em igualdade com a autora.
Mencionou primeira das testemunhas que acompanhou a irmã enquanto esteve hospitalizada, sendo que esta nunca referiu que não pretendia deixar nada aos irmãos e que pretenderia deixar todos os seus pertences aos sobrinhos que tinha por parte do falecido marido.
Insistiu que quando faleceu a Maria não se encontrava lúcida, o que, como se viu foi infirmado quer pelas demais testemunhas quer pela equipa clinica que a acompanhou.
No entanto, reconheceu que a sua irmã Maria tinha grande proximidade com os aqui réus, até porque viviam mais perto, sendo a ré que, habitualmente a acompanhava ao médico.
Referiu apenas ter tido notícia do testamento aquando do funeral da irmã, tendo-lhe sido exibida uma cópia que não detinha qualquer impressão digital.
No mesmos sentido depôs a testemunha M. V. afirmando visitar a irmã todas as semanas, tendo denotado que desde há algum tempo que não se encontrava bem da cabeça.
Apenas teve conhecimento da existência do testamento no dia em que foi o funeral da irmã.
Apesar de referir que, a irmã nunca manifestou intenção de fazer qualquer testamento, o certo é que reconheceu que a mesma residia ao lado dos réus, sendo principalmente a ré que a apoiava.
No que se refere aos períodos festivos não revelou saber com quem é que a irmã os passava admitindo que pudesse ser na companhia dos réus.
Esta testemunha, muito embora tenha interesse na causa, também disse ao Tribunal que os bens que compõem a herança da falecida são, em grande parte, aqueles que a mesma adquiriu juntamente com o seu marido ao longo da vida, bem como os que herdou por morte deste.
Sempre se dirá, em face de tal depoimento é do senso comum que muitas vezes, as pessoas que falecem sem descendentes pretendem que os bens sejam herdados pelo “lado da família” que deram origem aos mesmos.
Ficou também patente que, a falecido convivia essencialmente com os aqui réus.
A testemunha M. F., esposa da testemunha A. M. mencionou que todas as semanas ia visitar a cunhada.
No entanto, e uma vez que a esma esteve internada pouco mais de duas semanas, não referindo se a visitou em momento anterior, tal não revela grande proximidade com a falecida.
No mesmo sentido a testemunha I. S., residente em santa Maria da Feira, e filho das testemunhas A. M. e M. F., apenas disse que visitou a tia poucos dias antes de esta falecer e que a mesma se encontrava debilitada.
Porém, veio a esclarecer que esses “poucos dias antes” foi em momento anterior a que a tia desse entrada na Unidade de Cuidados Continuados em que veio a falecer.
Também a testemunha C. A. filho da autora e igualmente residente em Santa Maria da Feira, afirmou ter visitado a tia por várias vezes, sendo que a última vez que a viu foi no Hospital em Vila Real.
Afirmou que nessa data a tia não o conheceu.
No mesmo sentido a testemunha S. M., filha da autora.
Do conjunto da prova apresentada pela autora, há, desde logo, algumas considerações a tecer.
Assim, alegando que a falecida Maria, ao tempo em que outorgou o testamento não se encontrava em condições de entender e querer o alcance do mesmo, não se descortina qualquer razão para que, tendo estado a testadora internada no período compreendido entre os dias 2 e 17 de Novembro de 2012 na Unidade de Cuidados Continuados, não tenha diligenciado para obter elementos clínicos nem tenha indicado como testemunha os médicos que a acompanharam sendo os réus que o fizeram.
Apenas se compreende tal no contexto de a autora ter perfeita consciência de que a alegação não corresponde à verdade.
Afigura-se no mínimo temerário pretender demonstrar a falta de capacidade para outorgar um testamento, apenas com base em depoimentos de interessados directos (irmãos e sobrinhos da testadora) que residiam distantes (pois que a testadora residia em Loivos e os familiares em Santa Maria da Feira) e que, conforme resultou pouca convivência tinham com a falecida.
Aliás foram as próprias testemunhas que o reconheceram, afirmando que a visitavam no hospital, mas não relatando uma vivência próxima, que, afinal vieram a afirmar a testadora tinha com os réus, seus sobrinhos por afinidade.
Já a testemunha M. M., residente em …, vizinha dos réus e da falecida Maria, afirmou que tinham uma convivência muito próximo, passando juntos o Natal e demais festividades.
Na altura em que a Maria adoeceu foi a ré Margarida que a acompanhava às consultas e aos tratamentos.
Esta testemunha também foi visitar a Maria a Vila Pouca tendo-a de imediato reconhecido, nada indicando que iria falecer no dia seguinte.
Posto isto, de toda a prova produzida, ficou o Tribunal convencido que a testadora manifestou devidamente a sua vontade, estando perfeitamente consciente da disposição que fazia dos seus bens.
Era com os réus que a falecida convivia há largos anos, que a acompanharem e lhe prestaram a assistência quando dela necessitou, não se limitando a visitá-la semanalmente no hospital.
É também relevante a circunstância de a maioria do património da falecida ser composto por bens que tiveram origem na família do seu falecido marido, pelo que se percebe que fosse sua intenção que os mesmos ficassem para os sobrinhos por parte do marido por quem tinha grande estima.
Ainda e no que à impressão digital se refere, cumpre referir que foi efectuada nos autos uma prova pericial, a qual, acabou por se revelar inconclusiva, tendo em conta a má qualidade da impressão.
Pode ler-se:
-A qualidade da impressão digital aposta no testamento é de má qualidade;
- As figuras dactilares parecem ser diferentes;
- A linha que separa a segunda falange da segunda é mais curva no testamento do que no bilhete de identidade.

Conclui que:
“A análise comparativa entre si das linhas dactilares constituintes da impressão digital questionada aposta no Doc. 1, com as linhas dactilares da impressão digital fidedigna (Doc. n.º2) indicia que é pouco provável que a referida impressão digital questionada pertença à mesma pessoa.”
Da tabela junta aos autos resulta que tal significa entre 30% e 50% de probabilidade.
Assim, atentas as limitações da prova pericial, sendo certo que não exclui que a impressão digital pertença à testadora, e em conjugação com a demais prova produzida conclui-se que a impressão digital foi aposta pela testadora, aquando da elaboração do testamento.”.

IV. APRECIAÇÃO

Recordemos que o pedido e a causa de pedir com que foi estruturada a presente acção assentavam na alegada nulidade ou anulabilidade do testamento notarial.

A título principal, foram, por um lado, invocados vícios de forma (falta de assinatura da testadora, de aposição da sua impressão digital(1), de menção da impossibilidade desta e de assinatura pelas testemunhas).

E, por outro, vícios de substância (tergiversando a autora, na sua alegação, entre, devida ao seu estado de saúde e fase “terminal” de vida, uma vagamente sugerida falta de qualquer declaração no acto (2) e (admitindo a emissão desta) uma falta de correspondência entre os termos expressos e a sua vontade real plena ou de capacidade para entender o sentido daquilo que declarou (3).

A título subsidiário, no alegado pressuposto de que há quem entenda que, em tais circunstâncias, devido à força probatória plena do documento, o testamento não pode ser anulado, invocou e pediu a declaração de falsidade do seu “conteúdo”.

Relativamente a este pedido subsidiário de falsidade (do “conteúdo”) e àquele fundamento do pedido principal de nulidade, comecemos por esclarecer duas coisas.

A primeira é que, sendo o documento escrito lavrado por Notário em que se verte a vontade do testador, um documento autêntico, por força do disposto no artº 363º, do CC, é-lhe aplicável, designadamente quanto à sua força probatória ou ilisão desta, o disposto nos artºs 371º e 372º.

Ora, a nenhum dos concretos factos nele referidos como praticados pelo Notário (designadamente as circunstâncias em que o acto ocorreu e as formalidades no seu decurso para o efeito cumpridas: data, local, presença da testadora, identificação desta pelas testemunhas, presença e identificação das mesmas, leitura e explicação do acto a todos, menção da falta de assinatura da testadora e razão para tal por ela declarada) nem àquilo que nele consta ter-lhe sido dito pela testadora, assim percebeu e escreveu no instrumento (designadamente, a instituição como seus únicos e universais herdeiros dos réus), a autora aponta qualquer falsidade.

Ela, na petição, embora tergiversante, jamais alegou, clara e peremptoriamente, que qualquer daqueles factos captados na realidade não tenha ocorrido; ou que algum dos praticados o não tenha sido.

Designadamente, não arguiu que a declaração da testadora não tenha sido por esta proferida, nem que as referidas duas testemunhas não tenham estado presentes no acto e abonado a identidade da testadora.

A desconformidade relevante (para efeitos de nulidade ou anulabilidade enquanto vícios do negócio jurídico unilateral, e não falsidade a respeito deste como tal não tipificada) foi situada, pois, no âmbito da declaração negocial e referida à sua deficiente expressão (que não teria sido “clara e cumprida”, logo não correspondente de todo à verdadeira) ou à falta de capacidade para entender o sentido da vontade manifestada (a disposição feita), tratando-se aí de falta, vício ou divergência que atinge a vontade.

Não o foi, portanto, ab initio à autenticidade do documento e à sua força probatória. (4)

Não constando também neste qualquer referência pelo Notário de que, então, foi ali aposta, pela testadora, a sua impressão digital, obviamente também a tal facto objectivo não foi directamente, nem podia ser, referida a falsidade.

O que a apelante alegou foi, isso sim, a falta, pura e simples, de impressão digital.

Só quando confrontada pelos réus, ao contestarem, com a existência de uma no documento original alegadamente pertencente à testadora, é que invocou não ter sido a mesma aposta por esta, impugnou-a por falsa e propôs-se provar tal falsidade (parcial).

Tal arguição, assim, só pode referir-se ao regime dos artºs 370º a 372º, se e na medida em que se considere abrangida tal impressão, por colhida no acto público, na presunção de autenticidade e, portanto, destinada a ilidir esta e a inerente força probatória plena daquela derivada.

A segunda coisa a deixar clara respeita ao que, relativamente aos vícios da expressão da vontade real ou de incapacidade de consciência do sentido da vontade manifestada e de conformidade com aquela, se entendeu e decidiu na sentença.

Quanto a isso, tendo sido dado como provado que, no período de duas semanas que imediatamente antecederam o óbito da testadora e no decurso do qual foi outorgado o testamento, ela “nunca manifestou indícios de perturbações intelectuais, estando perfeitamente lúcida e capaz” (pontos 12 e 13) e como não provado que, na respectiva data, “não tinha capacidade de entender e querer o alcance daquele acto, nem para se exprimir de forma cumprida e clara” ou que “tinha alterações de consciência, estados confusionais, não falando de forma clara e lúcida, encontrando-se incapaz de entender o sentido da sua declaração não tendo existido qualquer expressão da sua vontade” (alíneas b) e c), do respectivo elenco), e tendo, em consequência, sido julgada improcedente a pretensa invalidade com tal fundamento, deve salientar-se que a apelante se considera, pelo menos implicitamente, conformada com tal decisum, uma vez que, no recurso, se absteve de impugnar também tal segmento, quer quanto aos factos relevantes quer quanto ao enquadramento jurídico feito a partir dos provados e não provados.

Restam, pois, do pedido formulado a título principal com base nos vícios de forma referidos ao acto notarial, a alegada falta de aposição no testamento da impressão digital da testadora e a falta de assinatura dele pelas testemunhas. (5)

Quanto a esta entendeu-se na sentença que, apesar de efectivamente estar demonstrada a falta conforme ponto provado nº 5, o vício se encontra sanado, nos termos da lei, por efeito da confirmação e ratificação referida no ponto 11.

Apesar disso, a apelante impugna os factos 9 e 10 (relativos à presença no acto das duas testemunhas) e percute na nulidade aludida.

Vejamos.

Nos termos do artº 67º, nº 1, alínea a), do Código do Notariado (CN), nos testamentos públicos devem intervir duas testemunhas instrumentárias.

Nos termos do artº 48º, nº 1, c), a identidade do outorgante pode ser verificada por duas testemunhas abonatórias.

Conforme nº 4, estas podem servir para as duas funções.

Ora, no testamento está escrito pela Notária que o elaborou que foram testemunhas do acto e abonadoras da identidade da testadora duas pessoas, nele regularmente identificadas.

A autenticidade dessa declaração jamais foi posta em causa e a força probatória plena que do respectivo documento emana não foi sequer tentada ilidir pela autora na petição – artºs 370º a 372º e 347º, do CC.

A apelante – alerte-se – não invocou, por exemplo, a ausência das ditas testemunhas no acto, em violação do que exige a lei. Por isso, os factos provados nºs 9 e 10 resultam de tal prova plena. Não pode agora impugná-los.

Limitou-se, com efeito, a invocar que elas (mencionadas no instrumento como tendo estado presentes no acto) não assinaram a escritura, nem consta o motivo da falta de tal menção.

Efectivamente, nos termos das alíneas m) e n), do artº 46º, n º 1, CN, devem ser apostas as assinaturas dos outorgantes e intervenientes ou feita indicação do motivo por que não assinaram.

Podendo tal falta integrar nulidade, por vício formal, nos termos da alínea d), do nº 1, do artº 70º, contudo, de acordo com a alínea c), do nº 2, tal invalidade considera-se sanada se os intervenientes acidentais, cujas assinaturas faltam, se encontrarem devidamente identificados no acto e declararem, por forma autêntica, ter assistido à sua leitura, explicação e outorga e que não se recusaram a assiná-lo.

Foi o que, no caso, aconteceu, conforme resulta do facto provado nº 11 – não impugnado – e, ainda melhor, do Certificado Notarial constante de fls. 63 e 64 dos autos.

É, portanto, inconsequente a tentativa de, agora, a apelante alegar que as duas testemunhas, ou pelo menos uma delas, por divergências ou incoerências nos depoimentos colhidos, estiveram ausentes, sem que a autenticidade e força probatória plena do declarado quanto a tal presença no documento notarial tenha sido questionada (designadamente por falsa), oportuna e devidamente.

Está-se, assim, diante de questão nova estranha ao objecto do processo e insusceptível de ser incluída no do recurso.

De qualquer modo, sublinhe-se que, nas alegações, propriamente nenhum vício ou erro de julgamento, mormente na perspectiva da impugnação prevista no artº 640º, do CPC, que se refere a meios de prova de livre apreciação e valoração, e em conformidade com os requisitos aí exigidos a apelante aponta quanto a tal, muito menos adequadamente fundamenta.

Subsistindo, pois, aquela autenticidade e a força probatória plena quanto à presença no acto das duas testemunhas instrumentárias e abonadoras e não sendo questionado o ponto de facto provado nº 11, nem que, como considerou o tribunal recorrido na sentença, através do expediente aí referido como levado a cabo, ante a Notária, em 04-12-2012, foi ratificada a falta de assinatura (também assente no facto pacífico nº 5) e sanada a nulidade daí resultante, é totalmente desprovida de mérito a pretensão de que se declare nulo o testamento por falta de assinaturas das testemunhas (conclusão XVI).

Quanto àquela outra pretensa nulidade (a relativa à falta de aposição da impressão digital da testadora, dada como provada no ponto 14 ora impugnado, facto que a apelante pretende seja julgado não provado e de referência à causa de eventual impossibilidade), saliente-se, antes de mais, que o alegado vício não constitui aquela alegada nulidade formal do acto notarial.

Na verdade, percorridas as normas do Código respectivo, designadamente os artºs 51º e 70º, que as tipifica, aquela não consta como tal sancionada.

A outorga do testamento está garantida pela forma legal de que o acto se apresenta revestido (escritura) e pela fé pública de que goza o Notário que presidiu à sua celebração.

Embora não identificada pela exibição do seu documento de identificação pessoal, a outorgante foi-o, em alternativa legal, por declaração de duas testemunhas abonatórias, nos termos dos artºs 46º, nº 1, alínea d), e 48º, nº 1, alínea d), do CN.

Daí que é “remar contra a maré” continuar a brandir com tal omissão no recurso.

Ainda assim, apesar de todas as perplexidades que o processo e a prova podem gerar, não vemos como, cabendo o ónus da prova de tal facto à apelante, em função dos meios disponíveis possa deixar de se considerar provado que a impressão foi aposta pela testadora no instrumento.

Percorramos a prova atinente.

No documento original arquivado no Notário, apesar do que a autora alegou de início, está aposta uma impressão digital. Tal se verificou, além do mais, na perícia e resulta de fotocópia aqui junta.

Pode estranhar-se, de facto, que, possuindo a testadora BI válido até Janeiro de 2018 (fls. 138), a Srª Notária não o tenha exigido, não se tenha servido dele e tenha recorrido à abonação pelas testemunhas. No entanto, quanto a isso, ela, no seu depoimento, referiu que, por vezes tal acontece, designadamente quando é exibido um BI já caducado, embora se tenha limitado a contrapor, sem mais nada explicar, que lhe não parece incompreensível tal não ter sido o caso uma vez que o da testadora se encontrava, afinal, em vigor. É um procedimento incomum, como outros verificados no caso, objectivamente não revelador de experiência. Porém, quer por si quer conjugado, inconsequente.

Pode também estranhar-se que, só podendo ser extraídas certidões de tal instrumento, sendo vivos os testadores, quando estes ou procurador com poderes especiais as requeiram, e só podendo ser entregues ao próprio requisitante ou a quem por este for autorizado a recebê-las – artº 164º, nºs 1, alínea c), e 2 –, apesar da doença de que a testadora padecia e da situação em que se encontrava (pontos de facto nºs 3 e 6), e que afasta ou em muito reduz a plausibilidade de ter sido ela a pedi-la e de ter utilidade nisso –, haja sido tirada e entregue certidão, no próprio dia 09-11-2012, cuja fotocópia subsequentemente transitou das mãos dos réus para as da autora (na missa de 7º dia, como disseram as testemunhas), sendo certo que o óbito só ocorreu em 17-11-2012 e que até aí o acto era confidencial, nos termos do artº 32º, nº 2, CN. Contudo, apenas a não reprodução da impressão nessa cópia a autora começou por invocar, nada mais a este propósito tendo sido discutido, muito menos esclarecido, maxime no decurso da audiência, para a qual não foi sequer arrolado como testemunha o funcionário do Cartório que emitiu tal certidão.

Passou também ao lado da discussão, o facto de, nessa fotocópia (fls. 135 a 137), tal como na de uma certidão junta pelos réus datada de 22-11-2012 (fls. 55 a 57) em que já consta averbado o óbito, apesar de (muito claramente na primeira) visíveis todas as inscrições e as linhas horizontais das folhas do livro e as verticais demarcatórias das margens, nada se ver parecido, designadamente no lugar onde depois se veio a verificar existir, com qualquer sombra de impressão digital.

Porém, tendo sido, em 23-11-2012, realizado, na Conservatória do Registo Civil de Chaves, Procedimento Simplificado de Habilitação, e devendo para o efeito, nos termos do artº 85º, nº 1, alínea c), CN, tal acto ser instruído com certidão do teor do testamento, isto mesmo no caso de tal procedimento “simplex” (cfr. informações ao público no site do IRN), a verdade é que nele se refere ter sido consultada a Base de Dados para verificação da qualidade de herdeiros dos réus (testamentários) e nenhuma irregularidade foi notada ou suscitada no respectivo instrumento (presumidamente examinado), quer quanto à falta de assinatura das testemunhas quer da impressão digital.

Seja como for, na certidão emitida em 04-12-2012 (fls. 58-60) em que já consta averbado o acto de ratificação nesse mesmo dia celebrado – após envio aos réus pelo mandatário da autora de carta em 28-11-2012, a alertar para as faltas de impressão e das assinaturas – já se vê reproduzida a figura (embora muito ténue, aliás, em contraste com a reprodução bem nítida e vigorosa dos demais caracteres escritos) de uma impressão dactilar e, no exame pericial, após apresentação do original do livro de notas em que está escrito o testamento, foi confirmada a existência da mesma (ainda assim, de “má qualidade”).

Podendo ser tal esbatimento e deficiência a causa de não reprodução nas fotocópias coevas da realização do testamento e falecimento da testadora, admitindo a Srª Notária que a impressão pode ter sido mal colhida por qualquer gesto inadequado na colocação do dedo, o certo é que nenhuma explicação mais sugere sequer a autora, nem se descortina, capaz de, a partir daqui, por em causa a originalidade e autenticidade da impressão.

De resto, o exame pericial não contribuiu decisivamente para o esclarecimento das dúvidas.

Relativamente à fotocópia geradora de suspeita, referiu não apresentar ela sinais aparentes de qualquer adulteração.

No mais (fls. 130 a 133), saliente-se que, apesar de referir que, pelas insuficiências notadas na ampliação das impressões do BI da testadora e a exibida no original do testamento, “não se trata da mesma figura dactilar”, que não são “do mesmo tipo de figura”, que “a qualidade da impressão digital questionada é deficitária, não mostrando linhas bem identificáveis e também não atingindo áreas homólogas, o que dificulta a visualização dos pontos característicos necessários, mas as linhas observadas evidenciam uma figura dactilar diferente da figura dactilar considerada fidedigna”, sempre concluiu a perícia – embora sempre enfatizando a “má qualidade da impressão digital questionada” – que “é muito provável que não pertençam ambas à mesma pessoa”, que “é pouco provável que a impressão” do testamento “seja a mesma “ do BI e que “é pouco provável que a impressão digital que consta do testamento […] tenha sido efectuada pelo titular do BI”.

Não obstante…

Em esclarecimento posterior requerido pelos réus, informou o Perito (fls. 149) que a “má qualidade “influiu muito” no resultado do exame” e que “o facto de se ter concluído como sendo pouco provável que a impressão digital questionada seja de Maria […] tal não invalida que esta possa corresponder à pessoa em causa uma vez que esta qualificação qualitativa é apenas uma mera orientação”.

Depois de esclarecido que o exame foi feito a partir de fotocópia do original do testamento apresentado pelo Funcionário do Cartório no Laboratório, foi ordenada uma segunda perícia, ao próprio original, pelo mesmo serviço, cujo relatório este apelidou de “complemento” e consta de fls. 234 a 240.

Neste, salientando-se, de novo, a má qualidade da impressão, manteve-se a discussão do relatório anterior e a mesma conclusão de que “é pouco provável que a referida impressão digital questionada pertencia à mesma pessoa” e que segundo a “tabela de significância” tal corresponde a 30-50% de probabilidade, mantendo as respostas aos quesitos.

E, por último, face a novo pedido de esclarecimento solicitado pela apelante, precisamente baseado na reconhecida discrepância entre a “má qualidade da impressão” e o resultado afirmado e que “poderá gerar ambiguidade”, o Perito do “Centro Médico-Legal, Ldª,” reafirmou tal deficiência e acrescentou, então, que “a impressão digital aposta no testamento é mais um borrão no qual se identificam poucas linhas e não uma impressão digital válida para uma perícia deste âmbito” e que “o facto de haver ou não sobreposição de alguns pontos não é suficiente, uma vez que para se atestar a autenticidade e igualdade de uma impressão digital são necessários doze pontos coincidentes o que não se obteve na presente perícia.”

Enfim, sendo, afinal, um “borrão”, parece-nos óbvio que qualquer tentativa de comparação da impressão digital original constante do BI da testadora com a suspeita aposta no testamento resultará sempre fatalmente inviável, pelo menos com um grau de certeza bastante e credibilidade aceitável, caindo por terra as conclusões temerárias inicialmente adiantadas pelo Perito no primitivo relatório.

Possivelmente partilhando esse ponto de vista, acabou a apelante por não pagar o preparo para a despesa com a realização de uma segunda perícia através do LPC-PJ que requereu e chegou a ser ordenada mas que, por isso, ficou sem efeito (fls. 251 e 255 e sgs).

Nessa medida, não vemos motivo para discordar do juízo a que chegou o tribunal recorrido de que a perícia é – apesar das afirmações nela feitas mas com patente incongruência – inconclusiva e não põe em causa que a impressão digital tenha sido feita no acto de testar pela testadora.

Quanto à demais prova ….

Nenhum elemento, designadamente de índole clínica, existe sobre a incapacidade da testadora para firmar com a sua impressão digital o testamento e que contribua para credibilizar a hipótese de não ser dela ou não ter sido ela a colocar no acto a que naquele consta. A declaração médica junta aos autos e o depoimento da respectiva autora corroboram a capacidade da testadora para o acto.

As seis testemunhas apresentadas pela autora são o irmão (A. M.), a esposa deste (M. F.), o filho de ambos (I. S.) e os dois filhos dela (C. A. e S. C.). É óbvio o seu interesse, mais ou menos directo, no desfecho da demanda e patente o tom motivado e nada espontâneo sobre a existência de impressão digital na cópia mostrada pelos réus na missa de 7º dia da falecida, pela forma como o verbalizaram, responderam às perguntas sugestivas e tendo em conta que era pormenor que, à partida, não lhes despertaria qualquer atenção e observação cujo resultado fosse normal terem daí retido.

A testemunha A. M. disse até que nenhuma assinatura viu, nem a da Notária! A esposa M. F., curiosamente, questionada sobre a existência de impressões digitais, respondeu, em tom mais peremptório, “o que eu vi mal se via, tinha uma coisita, mas…” e só perante insistência subsequente respondeu, agora mais hesitante, “não se via nada!” Os demais corroboraram a afirmação de que não tinha qualquer impressão, dizendo C. A. que “era só uma folha”.

Tais testemunhas reconhecem o distanciamento físico e algum afectivo que existia com a irmã e a proximidade, a várias níveis, desta com os réus, apesar de não parentes mas apenas afins.

A testemunha M. M. corroborou esta maior ligação, explicando as variadas circunstâncias que a exprimia, sendo patente, também pelo que disse M. R., que foram sempre os réus quem acompanhou e apoiou a testadora, adiantando mesmo esta que ela verbalizara intenção de os beneficiar e nada deixar aos familiares (referindo “os sobrinhos”). Tal credibiliza a bondade do vertido no testamento e desvaloriza as suspeitas decorrentes das anomalias verificadas.

Apenas foi arrolada, de entre as duas que testemunharam o testamento e para explicarem as circunstâncias em que participarem, a dita testemunha M. R.. O seu depoimento, apesar da errada referência à data, foi preciso, escorreito, detalhado, explicando, em termos esclarecedores, tudo o que se passou antes, durante e depois do acto notarial celebrado na UCC e afastando as desconfianças brandidas pela autora, quer sobre o estado e capacidade da testadora, quer sobre o procedimento e cuidados da Notária. Reconheceu que estranhou não ter assinado na altura mas também não disse nada. Garantiu que a Dª Maria pôs o dedo e contou que ela até comentou que ia sujar o lençol com a tinta.

A discrepância, relevada pela apelante, sobre a posição da testadora (de início deitada na cama e depois sentada no cadeirão, segundo M. R., e deitada na cama, com o tronco um bocadinho elevada, segundo a Srª Notária), pode nem o ser e, em todo o caso, trata-se de pormenor não decisivo, de memória incerta, insuficiente para arredar a credibilidade de cada uma.

Do depoimento da Srª Notária, asseverando a sua imparcialidade, desinteresse e distanciamento em relação às partes, garantindo a observância das formalidades principais (designadamente quanto à verificação da capacidade da testadora – que afirmou lhe ter parecido mentalmente muito capaz embora fisicamente debilitada – e transcrição do que ela declarou, sua identificação e das testemunhas e aposição da impressão digital), e apesar de admitir a falha das assinaturas destas, mal justificar não ter usado o BI daquela e aceitar que a impressão não esteja nas melhores condições, não emergem razões para seguramente por em causa a seriedade do acto. Justificou as falhas com a perturbação pessoal que lhe causa a realização do mesmo naquelas circunstâncias (numa Unidade de Cuidados e perante doente oncológico) e admitiu estar na altura ansiosa.

Enfim, apesar das falhas referidas, das discrepâncias assinaladas e do que a apelante reputa, nas suas alegações, de anormal, ilógico, falho de sentido, estranho no comportamento (activo ou omissivo) dos intervenientes (designadamente da Notária e de uma das testemunhas abonatórias que diz ser Advogado e cujo nome coincide com o das procurações emitidas pelos réus e juntas a fls. 49 e 50), nada mais permite concluir, maxime que a impressão digital não foi regular e verdadeiramente colhida.

Em sede de processo civil, funcionam as regras do ónus da prova.

De acordo com elas, cabia à autora provar os factos em que se baseava – artº 342º, nº 1, CC.

As provas têm por função demonstrar a realidade dos factos – artº 341º, CC.

É inexigível, para se alcançar a verdade processual e a realização da justiça, porfiar pela verdade absoluta, científica. Mas também não relevam suspeitas, sempre cogitáveis e sobretudo quando motivadas pela frustração de interesses e expectativas.

Não havendo norma jurídica que fixe um standard ou padrão de prova, é geralmente aceite que um facto deve considerar-se como provado para os efeitos práticos do processo judicial e para os fins próprios deste (decidir sobre uma pretensão ou excepção) quando os meios demonstrem um alto grau de probabilidade (não verosimilhança nem simples possibilidade) de realmente ele ter acontecido, uma probabilidade razoavelmente muito mais elevada do que a contrária.

É na adequação prática ao caso e às suas circunstâncias que se reflecte a liberdade do julgador, sempre amarrada pela prudente convicção e balanceando-se entre o máximo rigor que pode inviabilizar a realização do direito e o facilitismo indutor de injustiça.

Ora, no caso, globalmente ponderada a prova, com prudência, à luz da normalidade, não se encontra fundamento bastante para concluir que o juízo formulado em 1ª instância tenha assentado em erro e, portanto, para alterar os pontos de facto questionados, designadamente quanto ao nº 14 que vimos de analisar, pelo que deve improceder a impugnação da decisão da matéria de facto.

No que concerne à 2ª questão, relativa à matéria de direito, dependente, apenas, da sorte da 1ª, é manifesta e consequente, pois, a sua improcedência.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

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Custas da apelação pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

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Notifique.
Guimarães, 16 de Novembro de 2017


José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
João A. M. Peres de Oliveira Coelho


1. A apelante, juntando e baseando-se, apenas, numa fotocópia (não no original) que diz ter-lhe sido entregue pelos réus beneficiários e que será a que se encontra agora a fls. 135 a 137 dos autos – na qual realmente nenhuma impressão digital se vê – alegou ora a inexistência nele de qualquer impressão digital ora a inexistência de impressão digital da testadora. Os réus, na contestação, alegaram que o instrumento original que consubstancia o testamento tem aposta a impressão digital da testadora e juntaram uma fotocópia que reproduz uma figura dactilar. Na resposta, a autora impugnou o testamento, por falsidade, alegando que a impressão digital dele constante não foi feita pela testadora.
2. Dizendo que não tinha capacidade para se exprimir, não existiu qualquer expressão de vontade e não ditou os termos constantes do testamento.
3. Alegando, diferentemente, que não tinha capacidade para entender e querer o sentido e alcance do acto e que não se exprimiu de forma cumprida e clara.
4. A distinção, a propósito de alegada falsidade, entre uma acção declarativa de simples apreciação positiva e uma acção declarativa constitutiva, pode estudar-se no Acórdão do STJ, de 09-02-2006, proferido no processo nº 05B3177, relatado pelo então Consº Araújo de Barros, de cujo sumário consta: “1. A força probatória plena dos documentos autênticos abrange tão somente os factos (declarações ou outros) que nele são referidos como praticados pelo documentador ou como objecto da sua percepção directa. 2. Os factos abrangidos pela força probatória do documento autêntico ficam por ele plenamente provados e esta prova só é ilidível mediante a arguição e prova da falsidade (C.Civil, art. 372º, nº 1). 3. Através da acção de falsidade - acção de simples apreciação - pretende-se o acertamento ou definição dum estado de facto produtor de efeitos de direito, isto é, dum facto jurídico, e tanto basta para que, perante a existência de um documento que se pretenda falso, a acção deva ser admitida. 4. Neste tipo de acção, em que o autor pretende que se declare a existência de um facto juridicamente relevante ou de um direito, objecto de litígio, a causa de pedir reporta-se a um vício do próprio documento destinado a fazer prova do acto, isto é, assenta na respectiva falsidade, que se traduz na desconformidade entre o que se passou e declarou e o que no documento se diz ter passado ou declarado. 5. É àquele que invoca a falsidade do documento que incumbe o ónus da prova da desconformidade entre a declaração do documentador e a verificação do facto documentado. 6. Se, eventualmente, dos factos provados na acção, resulta apenas demonstrada qualquer divergência entre o que foi declarado pelo testador (ou, que é o mesmo, o que foi dito pelo notário como por ele declarado) e a sua vontade, até mesmo por falta de consciência do teor da declaração, tudo se passa já no âmbito da invalidade do negócio celebrado e não no domínio da falsidade do documento.”.
5. A forma legalmente exigida para acolher a substância de tal negócio jurídico – escritura pública por notário no seu livro, conforme artºs 2204 e 2205º, do CC – jamais aqui foi questionada.