Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1596/09.7 TABCL.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
NÃO ENTREGA DE CARTA DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A falta de entrega pelo arguido da carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que aplicou a proibição de conduzir, após competente advertência para o efeito, constitui crime de desobediência punível nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 348.º do Código Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

*

I- Relatório

No 2º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, no âmbito do Processo comum (singular) nº. 1596/09.7 TABCL, Manuel S... foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º., nº. 1, al. b) do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em regime de prisão por dias livres, por períodos correspondentes a 42 fins-de-semana, cada um deles com a duração mínima de 36 horas, entre as 9H00 de Sábado e as 21H00 de Domingo, com início no 4º fim-de-semana posterior ao trânsito em julgado da decisão.

*

Inconformado recorreu o arguido, suscitando, em síntese, as seguintes questões: qualificação jurídica dos factos (não preenchimento do crime de desobediência), escolha da espécie e medida da pena e sua eventual suspensão.

Pugna, antes de mais, pela respectiva absolvição.

*

O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

*

Admitido o mesmo e remetidos os autos a esta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, de igual forma, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II- Fundamentação

É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:

A) Factos provados (transcrição)

a) Por sentença proferida aos 25.06.2009 e transitada em julgado aos 22.09.2009, proferida no âmbito do processo que, sob o nº 1176/07.1GBBCL, corre termos por este Juízo e Tribunal, foi o arguido condenado, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 16 meses, pela prática, aos 05.08.2007 e aos 17.08.2007, de dois crimes de violação de proibições, de um crime de desobediência, de um crime de evasão e de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artºs 353º, 348º, nº 1, al. a) do Cód. Penal, este por referência ao disposto no artº 152º, nºs 1, al. a) e 3 do CE, 352º, 292º e 69º, nº 1, al. a) estes do Cód. Penal.

b) Na data de prolação da decisão reportada em a), foi o arguido notificado para, no prazo de 10 dias, contado do trânsito em julgado dela, proceder, na secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos ou em qualquer posto policial, à entrega da respectiva licença de condução, para o efeito de cumprir a pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi aplicada, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.

c) O arguido não cumpriu a determinação mencionada em b), no prazo aí mencionado.

d) Ao proceder pelo modo descrito, o arguido fê-lo de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, alcançado, de não acatar a determinação que lhe fora dirigida, sabendo à mesma dever obediência, por ser legal e provir de órgão de autoridade competente.

e) Sabia, ainda, ser o seu comportamento proibido e punido por lei.

(factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido)

f) O arguido foi condenado:

i. No âmbito do Proc. nº 456/03.9GTVCT do TJ de Valença, por sentença transitada em julgado aos 29.09.2003, pela prática, aos 14.07.2003, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º do Cód. Penal, nas penas de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 3 meses;

ii. No âmbito do Proc. nº 256/03.7TAVLN do TJ de Valença, por sentença transitada em julgado aos 21.11.2005, pela prática, aos 21.07.2003, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º do Cód. Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;

iii. No âmbito do Proc. nº 393/04.0GNPRT do 1º Juízo Criminal TJ de Vila do Conde, por sentença transitada em julgado aos 08.05.2006, pela prática, aos 30.04.2004, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º do Cód. Penal, nas penas de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 5 meses;

iv. No âmbito do Proc. nº 105/05.1GTVCT do TJ de Vila Nova de Cerveira, por sentença transitada em julgado aos 27.11.2006, pela prática, aos 23.02.2005, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º do Cód. Penal, nas penas de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 4 meses;

v. No âmbito do Proc. nº 5/08.3PABCL, deste Juízo e Tribunal, por sentença transitada em julgado aos 04.02.2008, pela prática, aos 04.01.2008, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º, nº 1, al. a) do Cód. Penal, nas penas de 60 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, e acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 3 meses;

vi. No âmbito do Proc. nº 214/09.8GBBCL, deste Juízo e Tribunal, por sentença transitada em julgado aos 06.04.2009, pela prática, aos 14.02.2009, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º do Cód. Penal, nas penas de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 4 meses;---

vii. No âmbito do processo reportado em a), tendo no mesmo sido sancionado, para além do aí mencionado, na pena principal única de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.---

g) O arguido exerce a actividade profissional de vendedor ambulante de artigos de calçado, que lhe proporciona proventos em medida não concretamente apurada.---

h) Reside com uma companheira, que o auxilia no desenvolvimento da actividade reportada em g), em habitação própria, cujo preço se encontra a amortizar, no valor mensal de cerca de € 300,00.---

i) É proprietário de cinco veículos automóveis.

*

Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior.

*

Neste recurso as questões a apreciar são as enunciadas acima.

*

Apreciando

1- Da qualificação jurídica dos factos

O recorrente esgrime com o art. 500º. CPP invocando que se o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução, tem como consequência a sua apreensão, lhe parece que a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega, contraria manifestamente o sentido da norma.

Invoca também pretensas inconstitucionalidades por entender que as normas relevantes, o artigo 69º, nº 3 do Código Penal e o artigo 500º, nº 2 do Código de Processo Penal, esgotam a previsão legal da situação fáctica em presença, surgindo a “cominação funcional” de desobediência como uma excrescência funcionalmente desnecessária.

Não podemos perfilhar um tal entendimento.

Em primeiro lugar, por se evidenciar um erro de lógica, já que os factos que consubstanciam a desobediência em causa nos presentes autos não têm que ver necessariamente com a execução da pena acessória de proibição de conduzir, não tendo por isso que constar do dito capítulo do CPP.

Depois porque também foi o mesmo legislador (bom ou mau é assunto que ora não releva) que gerou as disposições do Código da Estrada, maxime o respectivo art. 160º., não tendo as mesmas provindo de qualquer entidade menor, sendo, por isso, tão respeitáveis quanto as do Código Penal ou do Código de Processo Penal e, naturalmente, tão passíveis de críticas quanto estas, impondo-se ao intérprete, naturalmente, cuidar da mais adequada interpretação e da melhor articulação entre as mesmas, afigurando-se-nos incorrecta, tal qual evidenciaremos de seguida, a conclusão de que se o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução, tem como consequência a sua apreensão, a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega, contraria manifestamente o sentido da norma.

Ora, tal qual pode ler-se no Ac. STJ de 18-2-2009 Ac. STJ de 18-2-2009, pr. 08P2807 (relator - Simas Santos) dispõe o art. 348.º (desobediência) do C. Penal que:

“1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

2. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.

O que significa que o crime de desobediência ocorre quando se verifica a falta de obediência a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente (corpo do n.º 1), seja porque uma disposição legal comina no caso a sua punição como desobediência simples (al. a) do n.º 1), seja porque a correspondente cominação foi feita pela entidade competente (al. b) do n.º 1). Se uma disposição legal como tal a cominar, a desobediência será qualificada (n.º 2).

Como se vê da al. a) do n.º 1 e do n.º 2 deste art. 348.º, este dispositivo é referência para incriminações provenientes dos mais diversos diplomas legais que visam armar a Administração Pública, na sua múltipla actividade.

Protege-se com este tipo de ilícito a função de autoridade pública «sem distinguir entre autoridade administrativa, judiciária ou outra, (…) parecendo legítima a asserção de que o conceito de autoridade assume um sentido objectivo, ligado à ideia de poder legal (funcional) de impor um determinado comportamento, na ausência de indicação dos sujeitos a quem é atribuído tal poder (concepção subjectiva)».

Protege-se a autonomia intencional do Estado, «(…) de uma forma particular, a não colocação de entraves à actividade administrativa por parte dos seus destinatários». O conceito de administração, para efeitos criminais, «há-de ser entendido em sentido funcional, ou seja, como o conjunto, historicamente variável, das funções assumidas como próprias pelo Estado com vista ao bom andamento da vida comunitária».

O que implica, como ficou plasmado no art. 348.º bastante plasticidade e margem de manobra para o legislador conforme a actividade, em cada caso, visada, consagrando aquele artigo o maior denominador comum…”.

Por outro lado, tal qual já entendíamos na Relação de Évora Recentes Acds. Rel. Évora proferidos nos processos 32/10.0 TAPSR.E1 de 31-5-2011 que relatámos e 999/09.1TAABF e 146/09.0 TAPTG (rel. Pedro Pato) em que fomos adjuntos “o artigo 160º do Código da Estrada é aplicável, como se refere no seu nº 1, às situações de cassação, proibição e inibição de conduzir. E em relação a todas estas situações se comina o crime de desobediência (no nº.3) em caso de recusa de entrega da carta de condução. A versão inicial do Código da Estrada não fazia referência à proibição de conduzir, referência que resultou da alteração decorrente do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro (em consonância com a autorização legislativa concedia pela Lei 97/97, de 23 de Agosto), facto que não pode deixar de ser sintomático quanto à intenção do legislador.

A expressão “proibição de conduzir” (ao contrário da expressão “inibição de conduzir”, aplicada com o sentido de sanção acessória relativa à prática de contra-ordenação), sempre foi aplicada pelo legislador com o sentido de pena acessória relativa à prática de crime e prevista no artigo 69º do Código Penal.

Deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).

«Exprimir o pensamento em termos adequados» será utilizar a expressão “proibição de conduzir” no sentido legalmente consagrado e com sentido útil.

«Consagrar as soluções mais acertadas» será evitar a solução irrazoável de cominar para a recusa de entrega da carta em caso de condenação em inibição de conduzir uma sanção significativamente mais gravosa do que a que estaria prevista para a recusa da carta em caso de condenação em proibição de conduzir pela prática de crime.

Como também não se compreenderia, à luz dos critérios valorativos do sistema jurídico-penal vigente, que o desrespeito de uma decisão judicial relativa à condenação em proibição de conduzir fosse sancionada em termos menos gravosos do que o incumprimento de muitas ordens de autoridades e funcionários qualificado como crime de desobediência.

Não se trata de aplicar analogicamente, e de acordo com critérios de racionalidade e coerência do sistema, o regime da inibição de conduzir decorrente da condenação pela prática de contra-ordenações ao regime da proibição de conduzir decorrente da condenação pela prática de crimes. Não é disso que se trata, pois a letra do artigo 160º do Código da Estrada abrange, sem margem para dúvidas, a situação de recusa de entrega da carta em caso de proibição de conduzir decorrente da condenação pela prática de crimes.

Dir-se-á que não é o Código da Estrada a sede própria para regular matéria relativa à condenação pela prática de crimes. Poderá ser assim, mas este argumento não é decisivo e não permite ultrapassar o que decorre inequivocamente da letra da Lei.

Ao regular no Código de Processo Penal (art. 500º.) a matéria da entrega da carta em caso de condenação em proibição de conduzir nos termos do artigo 69º do Código Penal, e da respectiva apreensão, sem cominar a recusa dessa entrega como desobediência, o legislador não quis afastar essa criminalização.

Não teria sentido, à luz da unidade e coerência do sistema jurídico, que o fizesse. A apreensão justifica-se para impedir a frustração prática da proibição. Mas, obviamente, não satisfaz exigências preventivas que só a criminalização da conduta satisfaz. É isso que justifica o regime do artigo 160º do Código da Estrada, que prevê em conjunto a apreensão da carta e a criminalização. Não teria sentido que as referidas exigências preventivas só fossem satisfeitas em caso de inibição de conduzir decorrente da prática de contra-ordenações, e não em caso de proibição de conduzir decorrente da prática de crimes. De resto, se pode dizer-se que não é o Código da Estrada a sede própria para regular matéria relativa a penas acessórias decorrentes da prática de crimes, também pode dizer-se que não será o Código de Processo Penal a sede própria para tipificar crimes, sendo que a questão da apreensão já será matéria de âmbito processual que aí encontra a sua sede própria (o que justificará o regime do artigo 500º com regulação da apreensão e sem alusão à cominação da desobediência sem que isso signifique uma opção de descriminalização).

Os regimes dos artigos 160º do Código da Estrada e 500º do Código de Processo Penal serão incompatíveis no que se refere aos prazos de entrega da carta aí previstos, aspecto em que o segundo (também em consonância com o artigo 69º do Código Penal) obviamente prevalecerá. Mas não serão incompatíveis pelo facto de o segundo, ao contrário do primeiro, não prever a criminalização como desobediência da recusa de entrega da carta”.

Daí que a falta de entrega pelo arguido da carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que aplicou a proibição de conduzir, após competente advertência para o efeito, constitua crime de desobediência punível nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 348.º do Código Penal e não nos termos da alínea b) dessa mesma disposição legal, tal qual bem explana também a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer junto aos autos.

Face ao exposto mostram-se perfeitamente irrelevantes as considerações efectuadas no recurso no tocante a pretensas inconstitucionalidades.

*

2- Da pena, sua medida e eventual suspensão

Sobre a espécie da pena limita-se o recorrente a afirmar de forma conclusiva que em função da factualidade dada como provada se vislumbra que a pena de multa pode ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tal afirmação revela-se conclusiva, puramente retórica, desgarrada de qualquer premissa válida e devidamente assente na factologia relevante (a efectivamente provada) que lhe sirva de alicerce, o que impossibilita este Tribunal da Relação de aferir em concreto qual a perspectiva do recorrente que o leva a extrair a dita conclusão e se a mesma se encontra, ou não, devidamente fundada.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de um caso de falta de uma verdadeira motivação Vd., a propósito, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª. edição, 2009, nota 5 ao art. 420º., pág. 1140 em que a apresentada se traduz em conclusões genéricas que inviabilizam a emissão de qualquer juízo crítico.

Tal situação patenteada importa a rejeição do recurso no tocante a esta questão nos termos do disposto no art. 420º., nº.1, al. b) CPP.

Ainda assim sempre se dirá que não merece qualquer censura o raciocínio desenvolvido na sentença recorrida quanto a esta matéria, sabido como é que o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.

Escreveu-se na sentença recorrida “No caso dos autos, verifica-se que o arguido, à data da prática dos factos que ora se julgam, havia sofrido já um total de sete condenações anteriores, entre as quais se incluem a prática, por cinco vezes, do crime de desobediência, a prática de dois crimes de violação de proibições, a prática de três crimes de condução em estado de embriaguez e, ainda, a prática de um crime de evasão. Para além disso, regista-se que na última decisão que o visou – justamente a do Proc. nº 1176//07.1GBBCL, relativa a um crime de desobediência, dois de violação de proibições, um de evasão e um de condução em estado de embriaguez -, foi o arguido condenado em pena de prisão suspensa, o que, porém e manifestamente, não o determinou a adequar o seu comportamento à norma, pois que, durante o respectivo período de suspensão, voltou a incorrer na prática de crime de natureza idêntica a parte daqueles pelos quais foi condenado. Num cenário como o descrito, é apodíctico concluir que a aplicação de pena de multa não satisfaz já, de forma adequada e suficiente, as finalidades que subjazem à incriminação. Opta-se, assim, pela aplicação ao arguido de pena de prisão.

Alega, finalmente, o recorrente que a pena aplicada será desproporcional e que deveria ter sido efectuado juízo de prognose positivo relativamente á suspensão da mesma já que o arguido se mostra socialmente inserido.

Vejamos

Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - art. 71º., nº.1, do Código Penal - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º., nº.1 do mesmo diploma.

A este propósito, e como bem escreve Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

A medida da pena há-de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do STJ de 10-4-1996 (in CJ, Acs. do STJ, Ano IV, tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

No dizer de Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25) “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Em jeito de síntese, e como bem refere Figueiredo Dias (in ”Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214) “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

No caso dos autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º., nº. 1 do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em regime de prisão por dias livres, prevendo a lei a moldura abstracta de prisão até 1 ano para o crime em causa.

O Tribunal a quo ponderando no circunstancialismo provado, considerou o seguinte:

“… a) O grau de ilicitude do facto praticado, que é mediano;

b) A intensidade do dolo, que surge recortado na modalidade de directo e que corresponde, por isso, com o patamar mais elevado da intencionalidade criminosa;

c) A circunstância de o arguido contar com sete condenações anteriores, entre as quais se incluem a prática, por cinco vezes, do crime de desobediência, a prática de dois crimes de violação de proibições, a prática de três crimes de condução em estado de embriaguez e, ainda, a prática de um crime de evasão. Para além disso, regista-se que na última decisão que o visou – justamente a do Proc. nº 1176//07.1GBBCL, relativa a um crime de desobediência, dois de violação de proibições, um de evasão e um de condução em estado de embriaguez -, foi o arguido condenado em pena de prisão suspensa, sendo que os factos que ora se julgam foram praticados durante o respectivo período de suspensão;

d) O facto de o arguido se encontrar profissional e familiarmente integrado.

As exigências de prevenção geral revestem intensidade mediana, sendo que as de prevenção especial assumem intensidade a assinalar.

Ponderando os aspectos acima referidos, afigura-se-nos justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena de 7 [sete] meses de prisão…”

Não nos merece qualquer censura a medida concreta encontrada para a pena de prisão em causa, já que nenhuma circunstância aconselha ou impõe a aplicação de pena inferior, uma vez que são perfeitamente válidos e relevantes os pressupostos em que se estribou a medida encontrada.

Apreciemos por último a questão da potencial suspensão da mesma.

Dispõe o artigo 50º., nº.1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correcção ou melhora das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português: Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 343 e 344).

Como bem esclarece este ilustre professor (ob. citada, pág. 344) “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade.

Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (cfr. Figueiredo Dias, ob. citada, págs. 344 e 345).

No referido juízo de prognose, há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

No caso concreto, escreveu-se o seguinte na sentença recorrida, com relevo para a questão que agora nos ocupa:

“…Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se a pena de prisão aplicada deve ser substituída por pena de outra espécie. E a resposta é negativa.

Com efeito, o arguido foi condenado, por diversas vezes, em penas de multa, sem que com isso se haja motivado a adequar o seu comportamento à norma. Outro tanto se diga relativamente ao facto de ter sido condenado já em pena de prisão suspensa na sua execução, que, do mesmo modo, não surtiu efeito, pois que, durante o referido período de suspensão, incorreu, novamente, na prática de um crime de desobediência, em julgamento nestes nossos autos.

Entende-se, assim, que as finalidades subjacentes à punição não são passíveis de ser realizadas, de forma adequada e suficiente, mediante a aplicação de pena que não revista natureza detentiva.

Alcançada a antecedente conclusão, ponderou este Tribunal o cumprimento da pena de prisão a aplicar em regime de permanência na habitação, nos termos previstos pelo artº 44º do Cód. Penal. Sucede, contudo, que o arguido, confrontado com essa possibilidade, não deu o seu consentimento, conforme exigido pelo artº 4º, nº 1 da L. nº 33/2010, de 02.09, declarando, até, preferir “ir para a prisão”. Em consequência, encontra-se vedada a possibilidade de se aplicar o regime de execução mencionado.

Não obstante, considera-se, ainda assim, ser de encontrar, no caso, um modo de execução da pena de prisão aplicada, que, servindo, de forma adequada e suficiente, as finalidades subjacentes à punição, permita reduzir os efeitos criminógenos da pena e, simultaneamente, que o arguido mantenha o exercício da respectiva actividade profissional.

Nesses termos e por se entenderem reunidos, no caso, os mencionados requisitos, será a pena de prisão aplicada ao arguido cumprida em dias livres, em conformidade com o disposto no artº 45º do Cód. Penal.

Preceitua-se no nº 2 do indicado normativo legal que a prisão por dias livres, aplicável a penas de prisão aplicadas em medida não superior a um ano, consiste numa privação de liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder os 72 períodos. Cada período tem a duração mínima de 36 horas e máxima de 48, equivalendo a 5 dias de prisão contínua – cfr. nº 3 do citado normativo legal.---

Aplicando o disposto nas enunciadas disposições normativas, o arguido cumprirá a pena única ora aplicada em períodos correspondentes a 42 fins-de-semana, cada um deles com a duração mínima de 36 horas, entre as 9h00m de Sábado e as 21h00m de Domingo”.

Tais considerações, em manifesta consonância com os factos apurados, evidenciam, por um lado que o arguido revela pouco empenho na respectiva reinserção social, e, por outro, a sua completa ausência de consciencialização relativamente aos factos praticados e à respectiva situação, sendo de molde a impossibilitar um juízo de prognose positivo relativamente ao respectivo comportamento futuro, no sentido de que a simples ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

Por fim - e não menos importante - extrai-se dos autos (actas de audiência e fundamentação da matéria de facto) que o arguido não confessou os factos praticados nem demonstrou qualquer arrependimento.

Daí que, tal qual vem constituindo entendimento jurisprudencial pacífico, também por este motivo, não seja possível formular um juízo de prognose favorável ao mesmo.

De facto, não é despiciendo para este efeito, que, em audiência, o arguido se tenha refugiado Escreveu-se na motivação da matéria de facto: “… As declarações e o depoimento prestados pelo arguido … não foram merecedores de credibilidade, pelas razões que se expuseram, não duvidando este Tribunal que a participação criminal que o arguido apresentou e a renovação que pediu, pelo menos, da sua licença de condução – cuja segunda via, seguramente, ainda não levantou por saber ter pendente pedido de apreensão por conta do processo no qual foi condenado -, foram actuações pré-ordenadas a estruturar a defesa que veio a apresentar…”.

em tentativas de justificação dos factos não credíveis.

É claro que agiu no exercício de direito processual que lhe é garantido mas a sua atitude de alheamento e omissão face à verdade dos factos não lhe permitiu carrear para os autos circunstâncias que podiam ser especialmente relevantes para a formação do juízo de prognose aqui em causa, desde logo em sede de conformação da respectiva personalidade.

Entende-se, pois, não ser de suspender a execução da pena de prisão aplicada.

*

Improcede, por conseguinte, na totalidade o recurso interposto pelo arguido.

*

III- Decisão

Termos em que se nega provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com correcção apenas da qualificação jurídica do tipo de crime de desobediência que in casu se reporta à al. a), do n.º 1, do artigo 348.º do Código Penal e não à al. b) do mesmo dispositivo.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.