Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
128/12.4TBVLN.G2
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Assumindo a conduta processual da parte, na pendência da causa e até à prolação da sentença, contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o juiz que o afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa.

2. Não é consentido ao juiz, salvo casos excepcionais (de incidentes ou factos supervenientes à sentença), relegar tal decisão quanto à litigância de má-fé para momento posterior à sentença, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da mesma.

3. Apenas quanto à indemnização a arbitrar a favor da parte contrária (e se esta se mostrar pedida) é consentido ao juiz relegar a sua quantificação para momento posterior à sentença e se os autos não contiverem elementos que o habilitem a fazer, desde logo, na sentença, essa quantificação.

4. Todavia, essa quantificação só é viável se, previamente e na sentença, o juiz tiver proferido decisão no sentido de declarar e condenar a parte como litigante de má-fé, ali fixando a multa processual devida em quantia certa.

5. Se tal não tiver sucedido, o poder jurisdicional do tribunal quanto a essa matéria mostra-se esgotado, não sendo lícito reabrir a instância para tal fim.

6. O despacho proferido, após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo, à luz do disposto no art. 615º, n.º 1 al. d)- do CPC. e de acordo com a sua interpretação extensiva, é nulo por excesso de pronúncia.
Decisão Texto Integral: Recorrente: B..

Recorrido: C..
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Valença – Instância Local – Comp. Genérica – Unidade 2.

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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:
i)- B. intentou a presente acção de condenação sob a forma sumária (n.º 128/12.4) contra D., pedindo a final que se declare: a)- que a Autora é dona do tractor, reboque e alfaias agrícolas melhor descritas nos autos; b)- se condene o Réu a reconhecer o direito de propriedade sobre tais bens que lhe foram dados pelos seus tios C. e E.; c)- se condene o Réu a pagar-lhe a quantia de € 9. 153, 52, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
O Réu D. contestou pugnando pela improcedência da causa e pediu que fosse a Autora B. condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização correspondente ao reembolso das despesas que a sua […]má-fé o obrigou a suportar, nomeadamente honorários do seu Mandatário, despesas com taxa de justiça e danos morais, a liquidar em execução de sentença.

ii). Por requerimento da Autora a solicitar a apensação das acções n.º 196/12.9TBVLN e n.º 197/12.7TBVLN, ao abrigo do disposto no art. 275º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, por estar em causa o direito de propriedade dos mesmos bens em todas ela e se verificar uma situação de coligação, nos termos do Código de Processo Civil então vigente.

iii). A aludida acção 196/12.9TBVLN foi interposta por C., por si e na qualidade de único herdeiro de E., contra B., na qual se intitulou proprietário do tractor em apreço, mais alegando a sua respectiva posse e a tentativa da Ré (aqui Autora) de o fazer seu.
Concluiu, assim, pedindo que se declare que é ele, C., dono e legítimo possuidor do aludido tractor, que a Ré seja condenada a assim reconhecer e a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização por parte do Autor do referido tractor.
Citada a Ré B., esta impugnou os factos alegados e pugnou pela improcedência da causa.
O Autor, por seu turno, respondeu, pugnando ainda pela condenação da Ré B. como litigante de má-fé.


iv). Por seu turno, a acção n.º 197/12.0TBVLN foi instaurada por C., por si e na qualidade de único herdeiro de E., desta feita para que esta mesma B. reconheça que o Autor é dono de determinadas alfaias agrícolas (fresa, capinadeira, pulverizador e uma gamela).
Concluiu pedindo que a Ré seja condenada aquele seu direito de propriedade sobre as aludidas alfaias agrícolas e, ainda, a abster-se de quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização das mesmas.
Citada, a Ré impugnou a dita factualidade e concluiu pela sua absolvição do pedido, o que mereceu resposta do Autor em que pugnou também pela condenação da Ré como litigante de má-fé.

v). Após a apensação das ditas acções, foi efectuado julgamento, vindo a final a ser proferida a sentença com o seguinte teor:
«Pelo exposto, decido declarar que o autor C. é dono e legítimo proprietário de:
- um tractor de marca Deutz Fahr, matrícula 87-BR-30; - um reboque de marca Reboal, modelo mini;- uma fresa de 1, 20 mt, marca Joper; - um pulverizador de 200 lts, marca Tomix;- Uma capinadeira de marca JMV em questão nos autos e absolvo as partes do demais peticionado.»
E, ainda, ali se consignou, na sobredita sentença, «relativamente ao pedido de litigância de má-fé, por falta de elementos, ouçam-se as partes nos termos do disposto no art. 543, n.º 3 do CPC.»

vi). Interposto recurso da sobredita sentença, veio a ser proferido a 4.06.2015 o douto Acórdão desta Relação que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

vii). Descidos os autos à 1ª instância, veio a ser proferido, a 12.11.2015, despacho em que foi a Autora B. como litigante de má-fé, sendo condenada na multa de 25 Uc’s, por via da sua actuação no âmbito da presente acção (n.º 128/12.4) e nas acções apensas (n.ºs 196/12.9 – apenso C – e 197/12.0 – apenso E) – vide despacho a fls. 336-340 destes autos e ora sob impugnação;

Mais, ainda, nesse despacho de 12.11.2015, foram ouvidas as partes que haviam formulado pedido indemnizatório, a título de má-fé, para indicarem, em 10 dias, o montante das despesas efectuadas e cópias das notas finais de honorários (e respectivos recibos), «após o que se fixará, sendo caso disso, o montante da mesma.»

viii). Inconformada com o aludido despacho de 12.11.2015, veio a Autora B. interpor recurso do mesmo, em cuja apelação deduziu as seguintes
CONCLUSÕES
A – O douto despacho recorrido, expressa, indubitavelmente, que a sentença proferida nos autos foi integralmente confirmada em sede de recurso e transitou em julgado.

B – De acordo com a sentença proferida nos autos e transitada em julgado não condena, a A./recorrente, B., como litigante de má fé.
C – A sentença absolve as partes do demais peticionado, onde se inclui, os pedidos de condenação, da A./recorrente, como litigante de má fé.
D – O Juiz “a quo” não proferiu, mesmo perante a intervenção das partes, despacho complementar à sentença, ou a pronunciar-se sobre o exposto e requerido.
E – Só após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos é que, extinto o poder jurisdicional do Juiz, quanto à matéria da causa (Art.º 613º, n.º 1, do C.P.C.) é que profere o despacho recorrido.
F – Assim, no recurso da apelante, interposto da sentença transitada em julgado, como a mesma não se pronunciou sobre a litigância de má fé, mesmo em despacho complementar, anterior ao recurso interposto, não foi, tal, abrangido, sendo, neste, que deveria abranger o objeto do recurso, como questão a decidir no Tribunal de recurso.
G – O despacho proferido e de que se recorre, sendo proferido após extinto o poder jurisdicional do Juiz, está ferido de nulidade, pois é ato não só extemporâneo, mas não admitido por lei e, tal irregularidade, influi na decisão da causa, sendo contraditório, e a mesma transitou em julgado.
H – Mesmo que não se reconheça a nulidade do despacho e o mesmo se mantenha e transite em julgado, devido à contrariedade com a sentença já transitada em julgado, pois absolve a A./recorrente da litigância de má fé, de acordo com o Art.º 625º do C.P.C., cumpre-se esta e, não, o despacho recorrido.
I – O despacho recorrido, ferido de nulidade, e, por isso, não se discute, nem é necessário, por em causa os fundamentos em que suporta a decisão, sobre a extemporânea e ilegítima condenação, da A./recorrente, como litigante de má-fé, infringiu, entre outros, o Art.º 613º, do C.P.C.

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Não foram oferecidas contra alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTOS:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC.
No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objecto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão submetida a apreciação é a de saber se o despacho ora em crise e proferido a 12.11.2015 é nulo por ter sido proferido após a extinção do poder jurisdicional do tribunal recorrido, em violação do preceituado no art. 613º do CPC.
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III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO e de DIREITO:

Os factos relevantes para efeitos de decisão são os que constam do relatório acima exposto.
Decidindo.
Liminarmente, cumpre dizer que assiste, por inteiro, razão à apelante quanto à apontada nulidade, enquanto prática pelo Sr. Juiz a quo de um acto que a lei não consentia, sendo certo que, se nos afigura, indiscutível que a prática desse acto processual (o despacho ora em crise) tem manifesta influência na decisão que, no mesmo, veio a ser proferida e redundou na condenação da Autora e ora apelante como litigante de má-fé, em multa e indemnização (embora esta não se mostre ainda liquidada). Cfr. art. 201º, n.º 1 do CPC.
Cumpre, no entanto, explicitar a razão deste nosso julgamento.
A questão essencial reporta-se, por um lado, à cessação do poder jurisdicional do Sr. Juiz a quo e, ainda, com ela relacionada, a questão de saber em que momento processual (na sentença ou «a posteriori», como sucedeu no caso) pode ser conhecida e decidida da litigância de má-fé da parte por via da sua actuação na lide na fase que antecedeu a sentença.
Com efeito, em termos prévios, cumpre dizer que não é de afastar, em termos abstractos, a possibilidade ou a eventualidade de a parte (qualquer uma), já após a prolação da sentença, vir a deduzir algum incidente superveniente (v.g. em sede de reclamação da conta, em sede de esclarecimento ou reforma da sentença, em sede […]de fixação do efeito do recurso, de prestação de caução, etc.) em que se suscite e ou justifique a condenação (após a prolação da sentença) como litigante de má-fé. Vide, a título exemplificativo, o AC RL de 5.03.2009, relator Des. ANTÓNIO VALENTE, in www.dgsi.pt. [hipótese que se referia ao prosseguimento de um incidente após a desistência do pedido da acção].

Todavia, essa actuação, para assim ser considerada e decidida, isto é, como litigância de má-fé, após a sentença, tem, necessariamente, que se reportar a uma conduta superveniente relativamente à sentença.

Esta advertência prévia, impõe-se-nos, no caso, para salientarmos que a condenação como litigante de má-fé da aqui Autora não se enquadra neste âmbito antes referido (hipótese, em que, como se deixou dito, era possível essa decisão, ainda que posterior à sentença), pois que, como já se fez referência, a condenação proferida no despacho em crise (despacho a fls. 336-340) reporta-se, expressamente, à actuação ou conduta da Autora e ora apelante no decurso das acções declarativas em apreço, na fase dos articulados e da instrução dos ditos processos. Vide despacho em apreço, em particular, a fls. 338 destes autos.

Ora, tendo presente este enquadramento, estava, de facto, a nosso ver, afastada a possibilidade de o Sr. Juiz a quo, após a prolação da sentença e do Acórdão desta Relação, vir a decidir pela litigância de má-fé da Autora à luz da sua conduta no decurso dos autos em apreço, a tanto se opondo, quer o disposto no art. 543º, n.º 3, quer o disposto no art. 613º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Desde logo, esse obstáculo resulta, como refere a apelante, do preceituado no art. 613º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Segundo o n.º 1 do citado art. 613º, «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa», apenas lhe sendo consentido, à luz do n.º 2, «rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.»

Destarte, sendo evidente que a prolação de um despacho a condenar uma parte (neste caso, a Autora) como litigante de má-fé não consubstancia, como cremos ser indiscutido, uma qualquer rectificação de erro material cometido nos termos do art. 614º, o suprimento de alguma nulidade prevista no art. 615º ou uma qualquer reforma do antes decidido nos termos do art. 616º, seguro é, a nosso ver, que um tal despacho extravasa o poder jurisdicional do juiz do processo, pois que este seu poder se esgotou ou precludiu com a sentença proferida e com o Acórdão desta Relação que a confirmou integralmente. Vide, neste sentido, em situação com alguma similitude, ao menos em termos de princípios, e que aqui, com a devida vénia, acompanhamos, AC RP de 26.09.2013, relator Des. JOSÉ AMARAL, in www.dgsi.pt [1º Juiz Adjunto neste Acórdão].
É que, para tanto basta ponderar que na sentença proferida (e que, diga-se, não foi proferida pelo Sr. Juiz que veio a proferir o despacho ora sob recurso) não existe uma qualquer declaração decisória quanto à má-fé de alguma das partes, designadamente da Autora e ora apelante, não existe uma qualquer condenação, nessa qualidade, de qualquer uma das partes e, logicamente, também não existe uma qualquer condenação em multa, a esse título, sendo certo que, nesse âmbito (no âmbito da multa por litigância de má-fé), a Srª. Juiz que proferiu a sentença […]não carecia de ouvir as partes para a fixação desse montante, antes podendo (e devendo) fazê-lo na própria sentença, segundo o seu prudente arbítrio e equidade e à luz da conduta da parte, sob pena de fazer esgotar o seu poder jurisdicional sobre a matéria, tornando espúrio ou inconsequente o despacho a ouvir as partes sobre a indemnização a arbitrar.
Por outro lado, é de dizer que, ao nível do recurso para esta Relação (e que deu origem ao Acórdão já citado de 4.06.2015), também a questão da alegada litigância de má-fé de qualquer uma das partes (nomeadamente da Autora e ora apelante) não foi esgrimida por qualquer uma das partes, razão porque também nada foi decidido nessa matéria, mantendo-se, portanto, a decisão proferida pela 1ª instância.
Vale assim por dizer que, em face do decidido e do não decidido, e em particular, do que não foi decidido (litigância de má-fé da Autora e ora apelante Dália Nazaré), não podia ser reaberta a discussão da alegada litigância de má-fé da mesma Autora, por a tanto se opor o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto a uma tal matéria, na sequência da sentença e posterior Acórdão desta Relação.
E a corroborar este nosso entendimento, surge-nos a segunda questão que já antes deixámos delineada, qual seja o momento em que tem o juiz que proferir a decisão sobre a litigância de má-fé, reportando-se esta, como é o caso, à conduta prévia da parte no decurso da acção declarativa que vem a culminar com a sentença.
Sobre esta questão, o art. 543º, n.º 3 do CPC [texto que reproduz o anterior 457º do Código de Processo Civil, sem qualquer alteração] é, a nosso ver, perfeitamente claro, assim como é clara a posição dos Ils. Professores que o têm comentado ou anotado.
Vejamos.
Segundo o n.º 3 do art. 543º, sob o título «conteúdo da indemnização», «se não houver elementos para fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se, depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável…»
Em suma, como se evidencia da mera leitura e devida interpretação do normativo em apreço, só a fixação da indemnização a atribuir em consequência da litigância de má-fé pode ser relegada para posterior (relativamente à sentença) decisão.
Como assim, «a contrario sensu», a condenação da parte como litigante de má-fé e a fixação da respectiva multa processual não pode ser deixada para ulterior decisão, antes devendo ser fixada pelo juiz na sentença final, salvo os casos excepcionais já antes referidos (e que, no caso, não ocorrem). Vide, neste sentido, o já citado AC RP de 26.09.2013, in www.dgsi.pt.

Neste sentido e a propósito desta temática [à luz do art. 466º, 1º, do CPC, na sua versão original, em tudo similar à actual] ensinava J. ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, 3ª edição, 1981, pág. 281, que, no caso de o juiz não dispor de elementos, à data da sentença, para fixar o valor da indemnização devida, «A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz […]relegá-las para depois da sentença; é nesta que há-de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há-de condená-lo como tal em multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, o não habilite a determiná-lo.»

No mesmo sentido, refere J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, 2º volume, 2001, pág. 200, «Havendo elementos suficientes para tanto, deve ser fixada a indemnização que deles resulte. Não havendo, o juiz, ouvidas as partes, fixará, já depois da sentença em que profira a condenação por má-fé, mas nos autos da acção, aquilo que, no seu prudente arbítrio, lhe pareça razoável, não havendo assim lugar para a condenação no se liquidar em execução de sentença.» (sublinhado nosso)

Em suma, e para concluir, assumindo a conduta processual da parte contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o juiz que o afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença final, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa, não lhe sendo consentido relegar tal decisão para momento posterior, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da sentença.
Apenas e só quanto à indemnização a arbitrar a favor da parte contrária (e se esta se mostrar pedida) é consentido ao juiz relegar a sua quantificação para momento posterior a sentença e se os autos não contiverem elementos que o habilitem a fazer, desde logo, na sentença, essa quantificação.

Todavia, sendo assim, sempre se nos coloca a questão da qualificação do vício de que padece a decisão assim proferida, isto é, proferida após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz.

A doutrina e a jurisprudência têm perfilhado posições que vão desde a nulidade da sentença, à sua ineficácia ou à sua inexistência – Vide, por todos, sobre a matéria, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil “, 2ª edição, pág. 686, nota 3, ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado “, 1984, pág. 113 e segs…, AC RC de 20.10.2015, relator Des. MARIA DOMINGAS SIMÕES, AC RP de 21.02.2013, relator Des. ARISTIDES RODRIGUES de ALMEIDA, AC RP de 26.09.2023, já antes citado, AC STJ de 6.05.2010, relator Cons. ALVARO RODRIGUES, AC RG de 22.05.2014, relator Des. HELENA MELO, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Melhor reponderada a questão, e não obstante, de alguma forma se tenha, ainda que «a latere», exprimido a possibilidade de o vício em causa poder configurar a inexistência jurídica, resulta hoje, a nosso ver, e com o devido respeito por opinião em contrário, que, sendo indiscutível que o juiz detém jurisdição e competência no âmbito do processo em apreço (como avulta desde logo do preceituado no art. 614º, n.ºs 1 e 2 do CPC), o vício em apreço não deverá ser o da inexistência jurídica do despacho/sentença, sendo que este outro vício supõe que o autor da sentença/despacho não esteja pessoal ou funcionalmente investido ou provido de jurisdição ou competência, o que, segundo cremos, não é defensável no caso dos autos, pois que dúvidas não existem que o juiz titular do processo detém tais poderes e competência. Vide sobre as hipóteses de inexistência, A. VARELA, op. cit., pág. 686, nota 3, citando a doutrina de Betti in Diritto processuale, 2ª edição, pág. 634 e segs..

De facto, as situações de inexistência do despacho ou sentença deverão ser reservadas apenas às hipóteses em que, de todo e em absoluto, falece ao autor da sentença ou do despacho competência ou jurisdição, como sucederá, por exemplo, se a sentença ou despacho é proferido por um «falso» juiz, por um juiz suspenso de funções ou até por alguém estranho à carreira judicial (v.g., um funcionário judicial, um médico, um pároco, um barbeiro, exemplos invocados por ALBERTO dos REIS, op. cit., pág. 113).
Em tais situações, como refere ALBERTO dos REIS, op. cit., pág. 114, «semelhante acto, posto que tenha a forma externa de sentença, não vale como tal. Falta-lhe o requisito essencial: ter sido praticado por pessoa investida de poder jurisdicional.» (sublinhado nosso)

Sendo assim, a nosso ver, de excluir a figura da inexistência jurídica, a resposta ao vício em causa haverá de ser colhida, por aplicação analógica ou interpretação extensiva, do preceituado no art. 615º, n.º 1 al. d)- do CPC, enquanto nulidade por excesso de pronúncia, na estrita medida em que o juiz, ao decidir do específico tema em discussão (in casu, litigância de má-fé), fê-lo já, em momento em que, por esgotamento do seu poder jurisdicional (e não por estar desprovido, em termos pessoais ou funcionais e absolutos, da qualidade necessária ao exercício do poder jurisdicional), o não podia fazer, conhecendo, portanto, nesse circunstancialismo, de questão de que não podia tomar conhecimento, decidindo, por isso, «em excesso».

O que, portanto, conduz, em nosso julgamento à declaração de nulidade do despacho ora em crise, proferido pelo tribunal a quo, com data de 12.11.2015 - a fls. 336/340 dos autos -, que resta sem efeito, o que se julga.
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III. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido, que fica sem efeito.
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Sem custas, pois que inexiste parte vencida nesta instância.
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Guimarães, 2.06.2016

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Sumário:

1. Assumindo a conduta processual da parte, na pendência da causa e até à prolação da sentença, contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o juiz que o afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa.

2. Não é consentido ao juiz, salvo casos excepcionais (de incidentes ou factos supervenientes à sentença), relegar tal decisão quanto à litigância de má-fé para momento posterior à sentença, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da mesma.

3. Apenas quanto à indemnização a arbitrar a favor da parte contrária (e se esta se mostrar pedida) é consentido ao juiz relegar a sua quantificação para momento posterior à sentença e se os autos não contiverem elementos que o habilitem a fazer, desde logo, na sentença, essa quantificação.

4. Todavia, essa quantificação só é viável se, previamente e na sentença, o juiz tiver proferido decisão no sentido de declarar e condenar a parte como litigante de má-fé, ali fixando a multa processual devida em quantia certa.

5. Se tal não tiver sucedido, o poder jurisdicional do tribunal quanto a essa matéria mostra-se esgotado, não sendo lícito reabrir a instância para tal fim.

6. O despacho proferido, após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo, à luz do disposto no art. 615º, n.º 1 al. d)- do CPC. e de acordo com a sua interpretação extensiva, é nulo por excesso de pronúncia.

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Jorge Miguel Pinto de Seabra
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Dr. José Fernando Cardoso Amaral
___________________________
Drª Helena Gomes de Melo
(com voto de vencida quanto à fundamentação, conforme declaração anexa)

Embora acompanhando a decisão, não concordo com os seus fundamentos na parte em que se defende que a decisão proferida depois de esgotado o poder jurisdicional é nula, por se entender que a mesma enferma do vício da inexistência jurídica, como defendi no acordão por mim relatado proferido no proc. 723/08, datado de 22.05.2014, acessível em www.dgsi.pt, o qual, por sua vez, segue o entendimento defendido no Ac. do STJ de 06.05.2010, proferido no proc. 4670/2000, igualmente acessível no mesmo sítio.