Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
106/08.8TBPVL.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS MORAIS
MENOR
DANOS PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Tendo o Autor , com 15 anos de idade, sido atropelado por veículo automóvel quando procedia ao atravessamento de estrada e em plena passadeira de peões, sofrendo então lesões graves - v.g. a fractura exposta nos ossos da perna direita - , e ficando a padecer , após cura clínica das mesmas, de uma IPP de 6 pontos , e sofrido ainda intensas e prolongadas dores físicas, quer por causa das lesões que lhe advieram aquando do seu atropelamento, quer pelos inúmeros tratamentos e duas intervenções cirúrgicas a que foi sendo sucessivamente submetido em razão das mesmas , ficando v.g. impedido de se movimentar e tendo permanecido totalmente imobilizado em período superior a 75 dias, afigura-se equitativo e justo fixar no quantitativo de € 15.000,00 a indemnização devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais que lhe foram causados.
II - Apesar de não desempenhar qualquer actividade profissional aquando do atropelamento, porque menor e estudante à data , justifica-se a atribuição ao lesado de uma indemnização no valor de 13.500,00 para ressarcimento do dano patrimonial futuro , quer resultante da perda da respectiva capacidade de ganho ( IPP de 6 % ) e que se entenderá e abrangerá um período não inferior a 45 anos, quer levando em consideração valores/níveis salariais a atender em termos de normalidade e de previsibilidade, e como sendo o salário médio acessível a um jovem com o 11º ano nos tempos actuais.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
M.., residente no lugar .., concelho da Póvoa de Lanhoso, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 100.591,40 (cem mil, quinhentos e noventa e um euros e quarenta cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos , acrescida dos juros de mora legais, contados à taxa legal em vigor, desde a data da citação do Réu e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alega em síntese, que :
- Foi vítima de acidente de viação - atropelamento - causado pelo condutor de um veículo automóvel cujo número de matrícula, proprietário e condutor desconhece, e do qual sofreu diversas lesões físicas ;
- Em razão das referidas lesões físicas, sofreu o autor diversos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sendo que, o respectivo ressarcimento deve caber ao Réu Fundo de Garantia Automóvel.
1.1. - Após citação, contestou o Réu Fundo de Garantia Automóvel, o que fez essencialmente por impugnação motivada, invocando o desconhecimento dos factos e aduzindo que em última análise há-de o julgamento da causa decorrer e terminar em razão da prova a produzir em audiência de discussão e julgamento.
1.2.- Proferido que foi o competente despacho saneador, fixou-se a matéria de facto assente , e , bem assim, a base instrutória da causa, e , finalmente, procedeu-se depois à audiência de julgamento, sendo que no final da respectiva discussão foi a matéria de facto decidida sem quaisquer reclamações.
1.3.- Por fim, conclusos os autos para o efeito, proferiu o tribunal a quo a sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ (…)
IV - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada, e, em consequência, decide-se, condenar o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao autor M.. a quantia de € 10.591,40 ( dez mil quinhentos e noventa e um euros e quarenta cêntimos) acrescida de juros desde a data da citação e até efectivo pagamento, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros contados desde a presente data e até efectivo pagamento, a título de danos não patrimoniais.
As custas são a cargo do autor e réu Fundo de Garantia Automóvel ,na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
1.4. - Inconformado com tal sentença, da mesma apelou então o autor M.. , apresentando o recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
I. O montante fixado na sentença recorrida a título de dano futuro (10.000,00€) é excessivamente diminuto, atenta a factualidade apurada, e as variáveis a considerar, idade do Autor, o valor da IPG e o salário médio previsível do Autor;
II. Com efeito, é jurisprudência corrente que a indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deverá corresponder a um capital produtor de rendimento equivalente ao que a vítima irá perder (no nosso caso e equivalentes, não irá auferir), mas que se extinga no final da vida activa ou do período provável de vida da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida ou período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, às perdas de ganho;
III. O Supremo Tribunal de Justiça vem reiteradamente entendendo que no recurso às fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, têm estas de ser encaradas como meros referenciais ou indiciários, só relevando como meros elementos instrumentais, instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade;
IV. Para cálculo do quantum indemnizatório temos de considerar a esperança média de vida dos portugueses que é de 76,43 anos para os homens (dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística) facto público e de conhecimento geral, pelo que o período de esperança de vida do Autor é de 61 anos e não de 50 como o Tribunal considerou;
V. “Partindo necessariamente da idade do lesado, tendo em conta a sua idade à data do acidente, ou à data da fixação da incapacidade, bem como a idade em que previsivelmente entrará (ia) no mercado de trabalho, há que projectar a previsível duração de vida, o tempo provável da vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida activa, além do tempo da reforma”; “Na determinação da indemnização não deve ficcionar-se que a vida física do lesado corresponde à sua vida activa”;
VI. Tem ainda de ser considerado o vencimento previsível do Autor, que tinha 15 anos de idade na altura do acidente, frequentava o 10.º ano de escolaridade, pelo que não auferia qualquer rendimento.;
VII. Na ausência dum vencimento actual, deve o tribunal considerar vencimento médio previsível de 1000,00€ (mil euros);
VIII. Para além das consabidas dificuldades no ingresso no mercado de trabalho, mormente para os grandes traumatizados e para as pessoas com deficiências, na valoração do dano em equação deve ainda ter-se em conta os prejuízos que, com grande probabilidade, ocorrerão e que se prendem com impedimento de progressão ou com dificuldades na progressão na carreira profissional, ou conduzindo mesmo a reforma antecipada, com as inerentes quebras de rendimento no futuro, não deixando de se reconhecer em geral a extrema dificuldade em calendarizar a previsível progressão profissional e determinar a sua quantificação;
IX. Fazendo-se eco da ponderação deste factor e da sua relevância na determinação da extensão do dano, não só quando há perda da capacidade aquisitiva e de ganho, mas também nos casos de demanda de maior esforço;
X. Os referidos factores, com a correcção que se requer, aplicados à matéria de facto que resultou provada, implicam por si só uma decisão divergente, e uma indemnização nunca inferior a 40 000,00€ a título de dano patrimonial futuro;
XI. Não podemos esquecer que tais critérios devem sempre ser ponderados com recurso à equidade, critério fundamental na determinação do montante indemnizatório;
XII. A esse respeito não pode o Tribunal olvidar que o Autor ficou com uma deficiência ao nível do trem inferior, pois está impossibilitado de praticar desportos que envolvam contacto físico, designadamente futebol, basquetebol, andebol, sendo que nunca mais adquiriu a forma física que tinha antes do acidente, tendo dificuldade em correr ou andar durante longos períodos, tem frequentemente fortes dores na zona afectada, designadamente com as mudanças de tempo ou sempre que faz algum esforço físico;
XIII. O valor indemnizatório não pode perder-se numa operação matemática efectuada em função exclusivamente do valor da IPG atribuída, mas tem de ser complementado com as dificuldades, obstáculos e complicações que o Autor irá padecer até ao final da sua vida, em virtude das sequelas que lhe resultaram do acidente ocorrido;
XIV. Sendo certo que até à data do embate, o Autor era um jovem de 15 anos, sempre gozou de boa saúde, sendo robusto, saudável e sem qualquer defeito físico, tinha um feitio sociável, era uma pessoa alegre, dinâmico e amigo de confraternizar e, em consequência do embate e das lesões sofridas, sofreu abalo moral, sofrimento, desgosto e inibição física, que lhe reduzem o dinamismo de vida e de relação social e lhe afectam a alegria de viver (factos 62 e 63);
XV. Dado o exposto deve a sentença ser alterada e arbitrada indemnização pelo dano patrimonial futuro a favor do Autor nunca inferior a 40.000,00€;
XVI. O montante compensatório atribuído para os danos não patrimoniais (7 500,00€) é verdadeiramente exíguo;
XVII. Para o cômputo dos danos não patrimoniais deve atender-se ao quantum doloris de 5 em 7, no dano estético também de 2 em 7 e na repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer;
XVIII. A isto acresce um período de défice funcional de 224 dias (data da consolidação das lesões 11.07.2005);
XIX. Importa considerar também considerar as lesões sofridas pelo Autor, as dores e sofrimentos, as várias intervenções cirúrgicas, os internamentos, os períodos em que necessitou de cuidados de 3.ª pessoa;
XX. O Autor era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído e sem qualquer defeito aparente, alegre, dinâmico e amigo de confraternizar, sendo que as lesões sofridas lhe provocam desgosto e inibição física, já que lhe reduzem o seu dinamismo de vida e de relação social e lhe afectam a alegria de viver;
XXI. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal;
XXII. Os critérios para fixação/composição do montante indemnizatório/compensatório, as circunstâncias mencionadas no citado artigo 494.º, são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso;
XXIII. “A satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente”.
XXIV. Na determinação do montante da indemnização do dano não patrimonial impõe-se um afastamento/desconsideração do critério de compensação do dano morte como padrão para compensação dos danos não patrimoniais;
XXV. A “avaliação” do dano não patrimonial associado a incapacidade funcional, não deve ser parametrizada em função dos montantes fixados para compensação do dano morte, não havendo lugar a uma correspondência entre uns e outro;
XXVI. “As indemnizações arbitradas pela perda do direito à vida não constituem necessariamente parâmetros das indemnizações devidas por outros danos não patrimoniais”;
XXVII. “Não vigora no nosso ordenamento jurídico nenhuma norma positiva ou princípio jurídico que no âmbito dos danos não patrimoniais impeça a atribuição duma compensação ao lesado sobrevivente superior ao máximo daquela que habitualmente tem sido atribuída pelo Supremo Tribunal de Justiça para indemnizar o dano morte (entre 50 e 60 mil euros)”;
XXVIII. Não se pode olvidar, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios;
XXIX. “Certo é que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica”;
XXX. “o juiz deve procurar um justo grau de compensação, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico”;
XXXI. No caso concreto considera-se ter o Tribunal a quo falhado na determinação do justo grau de indemnização, porquanto atentos os factos dados como provados a justa contrapartida pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autor, e que continuará a sofrer até ao fim dos seus dias em virtude do sinistro em apreciação, não pode de modo algum ser inferior aos 50.000,00€ peticionados;
XXXII. Atento o exposto, o montante global da indemnização a atribuir Autor pelo dano patrimonial futuro não pode ser inferior a 40.000,00€, a que deverá acrescer a indemnização pelo dano não patrimonial no montante de 50.000,00€;
XXXIII. A sentença recorrida não está de acordo com a matéria de facto que resultou provada da audiência de julgamento, fazendo uma errada aplicação do disposto nos artigos 496º, 562º, 564º e 566º do Código Civil;
XXXIV. Deve ser revogada a sentença recorrida e proferido acórdão que condene o Réu no pagamento da quantia de 40.000,00€ pelo dano patrimonial futuro sofrido pelo Autor, acrescido da quantia de 591,40€, e no pagamento da quantia de 50.000,00€ pelos danos não patrimoniais.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exªs suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso, de harmonia com as conclusões acabadas de alinhar, revogando-se a sentença recorrida e proferindo acórdão que condene o Réu no pagamento da quantia de 40.000,00€ pelo dano patrimonial futuro sofrido pelo Autor, acrescido da quantia de 591,40€, com juros desde a citação, e no pagamento da quantia de 50.000,00€ pelos danos não patrimoniais, assim se fazendo JUSTIÇA!
1.5.- Tendo o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, apresentado contra-alegações, nestas veio sustentar que deve ser mantida a decisão final proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as necessárias consequências legais, concluindo nos seguintes termos :
1- Inconformado com a sentença ora proferida, interpôs o Autor recurso, por discordar dos montantes indemnizatórios que lhe foram concedidos.
2- Analisados porém os fundamentos do recurso, entende o Apelado FGA que não assiste razão ao Apelante.3-
3- Começa o Apelante por invocar que a quantia concedida para indemnização do dano patrimonial futuro é "excessivamente diminuto" atendendo à factualidade provada e ao salário médio previsível do Autor, afigurando-se mais adequada a quantia de €40.000,00 para ressarcimento de tal dano.
4- Utilizando o mesmo critério invocado pelo Autor - a equidade temperada com recurso, meramente auxiliar, das fórmulas e tabelas financeiras -, admitindo os 61 anos de esperança média de vida e mesmo admitindo um vencimento mensal de €1.000,00, com uma taxa de juro de 5% e uma taxa de crescimento de 2% anuais, o valor daí resultante não chega aos €20.000,00.
5- Mas importa ainda realçar que o Apelado PGA, de forma alguma, aceita o invocado vencimento médio mensal de €1.000,00.
6- Uma vez mais, a argumentação expendida pelo Apelante carece de maior fundamentação: em que factos ou em que argumentos é que aquele se baseia afinal para invocar aquele vencimento? Não sabemos pois o Apelante não o refere.
7- Um factor essencial a ter em conta para a apreciação do valor expectável de vencimento, é o grau de educação a par da formação profissional.
8- Ora, da matéria de facto provada, sabe-se que (pontos 64 e 65) à data do acidente o Apelante frequentava o 10° ano e chegou depois a frequentar o ensino até ao 12°, não o tendo concluído.
9- Se mesmo antes da difícil conjuntura económica com que a sociedade hoje se depara, um jovem sem o ensino secundário tinha dificuldades em conseguir um emprego bem remunerado, no presente e no futuro que se avizinha é antes de prever que uma pessoa com aquelas habilitações literárias ou não consiga arranjar emprego ou até que consiga um mas com um vencimento equivalente ao mínimo nacional.
10- Por tais motivos, o Apelado FGA aceita apenas o valor do salário mínimo nacional como critério orientador da equidade.
11- Em segundo lugar, invoca o Apelante que a título de danos não-patrimoniais deverá ser-lhe concedida a quantia de €50.000,00.
12- O Apelado reconhece que em virtude do acidente em que interveio o Apelante, este sofreu danos não-patrimoniais, atendíveis pelo direito e passíveis de uma compensação monetária. Sem dúvida alguma!
13- Contudo, o valor adiantado não tem qualquer cabimento nem par atendendo à jurisprudência dos Tribunais superiores em casos análogos.
14- Isto porque aquele quantitativo não é justo, adequado nem proporcional, pois tal equivaleria a equiparar o sofrimento do Apelante (que não se nega) ao valor normalmente fixado pelos Tribunais pela perda do bem supremo - a vida. Acolher por isso a pretensão do Apelante significaria desvalorizar o bem mais fundamental do nosso ordenamento.
15- Concluindo, a sentença ora em crise não merece qualquer tipo de censura, devendo por isso ser mantida e julgado improcedente o recurso interposto.
16- Por tudo quanto acima exposto, entende o Apelado que o recurso ora interposto não deverá obter qualquer provimento, só assim se fazendo a mais sã e costumeira JUSTIÇA!
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Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil - com as alterações introduzidas pelo DL nº 303/07, de 24 de Agosto - revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho - cfr. artº 7º, nº1, deste último diploma legal ), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
Primo - Se a quantia ( de € 7.500,00 ) fixada pelo a quo para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente se revela exígua, logo não os repara devidamente ;
Secundo - Se a indemnização ( de € 10.000,00 ) atribuída ao A a título de danos patrimoniais futuros, se afigura desajustada e contrária à equidade.
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2.Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
2.1.- No dia 30 de Novembro de 2004, pelas 18,45 horas, no lugar de S. Pedro, da freguesia de N.ª Sr.ª do Amparo, concelho da Póvoa de Lanhoso (mais precisamente ao km 64,800 da Estrada Nacional n.º 205), ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes um veículo automóvel cuja marca, modelo e chapa de matrícula não foi possível identificar, e o Autor, na qualidade de peão.
2.2.- Embora não tenha sido possível identificar a identidade do respectivo condutor, nem a matrícula do veículo, apurou-se que a matrícula era portuguesa.
2.3.- O troço da estrada nacional onde teve lugar o sinistro, permitia a circulação nos dois sentidos de marcha, Póvoa de Lanhoso/Pinheiro e Pinheiro/Póvoa de Lanhoso.
2.4.- Sendo que, para quem circulasse no sentido Póvoa de Lanhoso/Pinheiro, aquela via assumia a configuração de uma recta, com inclinação ascendente e extensão de cerca de 50 metros, precedida de uma curva.
2.5.- Permitindo a qualquer condutor avistar a faixa de rodagem nessa mesma extensão e em toda a sua largura - 6,90m.
2.6.- A via permitia a circulação rodoviária em duas faixas de trânsito paralelas e separadas entre si por uma linha longitudinal descontínua, pintada a branco no pavimento, delimitando o trânsito que se processa no sentido Póvoa de Lanhoso/Pinheiro – que era onde seguia o condutor do veículo – e outra por onde se processa o trânsito no sentido inverso.
2.7.- Estando ladeada pelo lado direito, atento o sentido Póvoa de Lanhoso/Pinheiro, por uma baía de estacionamento, seguida por passeio, e pelo lado esquerdo, atento o mesmo sentido de trânsito, por uma berma.
2.8. - O piso dessa via era em betuminoso e, naquela ocasião, encontrava-se em normal estado de conservação, regularidade e aderência.
2.9. - A atravessar toda a faixa de rodagem, existia – e ainda existe – uma zona especificamente destinada ao atravessamento de peões, vulgarmente designada por passadeira, que vai de uma ponta da faixa de rodagem até ao lado oposto e é constituída por bandas em zebra, pintadas transversalmente a branco no pavimento.
2.10.- Na altura da ocorrência já era de noite, o tempo estava de chuva e a via encontrava-se iluminada.
2.11.- O Autor, depois de ter verificado que o podia fazer em segurança (olhando atentamente para ambos os lados, por forma a ter a certeza que nenhum veículo se aproximava), iniciou o atravessamento daquela artéria a passo normal, da esquerda para a direita (atento o sentido de marcha Póvoa de Lanhoso/Pinheiro), justamente no local onde existia – e existe – a dita “passadeira”.
2.12.- Quando o Autor se encontrava já a meio da travessia, surgiu um veículo automóvel que circulava no sentido Póvoa de Lanhoso/Pinheiro.
2.13. - A uma velocidade de cerca de 100 Km/h.
2.14. - O condutor seguiu sempre a sua marcha, ignorando a existência de uma passadeira no local, e não diminui a velocidade com que ia animado.
2.15. - Vindo, por isso, a colher o Autor com a dianteira do veículo, precisamente na altura em que este já se encontrava na hemi-faixa da direita – atento o sentido em que seguia o veículo – e estava quase a concluir o atravessamento da respectiva via.
2.16. - O Autor, ao aperceber-se da velocidade com que seguia o veículo e que o mesmo não abrandou ao vê-lo na passadeira, ainda tentou fugir, saltando por forma a alcançar o extremo da faixa de rodagem.
2.17.- Contudo, não logrou alcançar a margem e acabou por ser colhido na zona dos membros inferiores pela frente do veículo.
2.18.- Tendo sido projectado para o ar e para o lado direito.
2.19.- Na sequência do impacto e da respectiva projecção, o Autor foi de encontro a uma carrinha que se encontrava estacionada na baía de estacionamento, tendo depois resvalado para o chão.
2.20.- Logo após o sinistro o condutor imobilizou o veículo, tendo instantes depois retomado a marcha, pondo-se em fuga.
2.21.- No local o limite de velocidade é de 50 km/h.
2.22.- Como consequência directa e necessária do acidente, o Autor sofreu duas escoriações na face e uma fractura exposta na perna direita, na zona do joelho, perna e tornozelo.
2.23.- Logo após a eclosão do sinistro, o Autor foi socorrido pelas pessoas que acorreram ao local, que de imediato chamaram uma ambulância.
2.24.- Ainda no local e perante a fractura exposta que o Autor apresentava, os Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso, imobilizaram com duas talas de madeira a perna direita daquele.
2.25.- Tendo, de seguida, transportado o Autor para as urgências do Centro de Saúde da Póvoa de Lanhoso, onde lhe foram prestados os primeiros socorros.
2.26.- Contudo, dada a gravidade das lesões que apresentava, designadamente a fractura exposta nos ossos da perna direita, o Autor foi transferido para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde o submeteram aos competentes exames radiológicos e lhe prestaram os necessários cuidados de saúde, com imobilização da perna direita com gesso.
2.27.- Após esta intervenção, o Autor regressou a casa, tendo-lhe sido prescrita a competente medicação.
2.28.- Durante essa noite e no decorrer do dia seguinte (1/12/2004) o Autor foi acometido por intensas e insuportáveis dores na perna direita, que não acalmaram com a medicação prescrita nem como o recurso a analgésicos.
2.29.- Por essa razão, o Autor foi levado de ambulância para o Hospital de S. Marcos no dia seguinte ao acidente, ou seja, dia 1 de Dezembro de 2004, onde foi visto por um médico.
2.30.- Porque continuava com dores, no dia 2 de Dezembro de 2004, o Autor deslocou-se às urgências do Centro de Saúde da Póvoa de Lanhoso, onde foi visto pelo médico aí presente.
2.31.- Após a observação, o médico que não achou normal a dor sentida pelo Autor, bem como estranhou o sangue que já era visível da parte exterior do gesso, vindo da fractura exposta na perna, encaminhou-o para as urgências do Hospital de S. Marcos em Braga.
2.32.- O Autor foi, assim, transferido de ambulância para aquele hospital, onde foi examinado por um médico.
2.33.- O Autor manteve-se em casa, não podendo sair da cama,nos dias seguintes, sempre acometido por intensas e insuportáveis dores.
2.34.- No dia 6 de Dezembro de 2004, o Autor deslocou-se novamente ao Hospital de S. Marcos, em Braga, para consulta externa previamente marcada.
2.35.- Neste dia, o médico que observou o Autor, concluiu que o gesso teria de ser substituído, para o que o Autor deveria comparecer no dia seguinte naquele mesmo Hospital.
2.36.- Assim, no dia 7 de Dezembro de 2007 o Autor deslocou-se às urgências do Hospital de S. Marcos, onde lhe substituíram o gesso.
2.37. Após a substituição do gesso e a realização de posterior Raio X, os médicos constataram que o osso fracturado não estava no sítio, pelo que tiveram que tirar novamente o gesso e deslocar – a frio – o osso do Autor.
2.38.- Este tratamento causou no Autor dores muito intensas.
2.39.- Nos dias que se seguiram, o Autor permaneceu em casa, na cama, e sempre com muitas dores.
2.40.- No dia 20 de Dezembro de 2004, o Autor deslocou-se mais uma vez ao Hospital de S. Marcos, tendo o médico que o observou constatado que o tratamento com gesso não estaria a resultar, referindo que havia “novamente perda de redução”, pelo que, decidiu que o Autor deveria ser submetido a uma operação cirúrgica designada “ encavilhamento com UTN”.
2.41.- Assim, no dia 22 de Dezembro de 2004, o Autor foi internado no Hospital de S. Marcos, em Braga, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica no dia seguinte (23.12.2004), que consistiu em “ encavilhamento com UTN estático”.
2.42.- Na sequência desta intervenção cirúrgica, o Autor ficou internado no Hospital até ao dia 29.12.2004, data em que teve alta.
2.43.- Nos meses que se seguiram, o Autor só saiu de sua casa afim de se apresentar nos serviços de consulta externa do Hospital de S. Marcos, ou no Centro de Saúde da Póvoa de Lanhoso, para onde ele sempre se dirigia transportado de ambulância.
2.44.- Só em meados do mês de Fevereiro é que o Autor conseguiu ter alguma autonomia, deslocando-se com o apoio de duas canadianas.
2.45.- No dia 23 de Março de 2005 o Autor foi novamente internado, tendo no dia seguinte sido submetido a nova intervenção cirúrgica para “dinamização de UTN (extracção dos parafusos distais)” .
2.46.- Após esta última operação cirúrgica, foram determinados ao Autor tratamentos de fisioterapia, que aquele realizou diariamente no Hospital António Lopes, sito na Póvoa de Lanhoso, desde o final do mês de Março até ao mês de Maio de 2005.
2.47.- A data da consolidação das lesões fixou-se em 11.07.2005.
2.48.- O autor consultou um médico especialista em ortopedia que elaborou o relatório junto como documento n.º 12, no qual se refere que “como consequência directa e necessária do acidente aqui em apreço, o Autor sofreu uma “fracturados ossos da perna direita e escoriações na face e que, para tratamento dessa lesão, o Autor foi “tratado por métodos incruentos à fractura dos ossos da perna e mais tarde, porque houve perda de redução, optou-se por tratamento cirúrgico, (encavilhamento com UTN)”, entrando depois num período de reabilitação funcional, e que só retomou a sua actividade normal em 17.02.2005, sendo que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 4/4/2005.
2.49.- Apesar dos tratamentos a que foi sendo sucessivamente submetido, o Autor passou a ser portador das seguintes sequelas, todas elas decorrentes do acidente ora em apreço e sua consequência directa e necessária:
- Cicatrizes na face, quase imperceptíveis;
- Cicatriz operatória no joelho direito;
- Tumefacção dura correspondente ao calo ósseo na união do 1/3 médio com o 1/3 distal da perna direita;
- A primeira falange do dedo grande do pé direito está em flexão dorsal; e,- consolidação viciosa da fractura, com angulação.
2.50.- O autor ficou a padecer de uma IPP de 6 pontos, sendo o quantum doloris fixável no grau 5/7 e o dano estético permanente fixável no grau 2/7.
2.51.- À data do acidente o Autor tinha 15 anos de idade.
2.52.- O Autor sofreu intensas e prolongadas dores físicas, quer por causa das lesões que lhe advieram aquando do seu atropelamento, quer pelos inúmeros tratamentos a que foi sendo sucessivamente submetido.
2.53.- Dores essas que o impediam de se movimentar, tendo permanecido totalmente imobilizado no período compreendido entre 30.11.2004 a 17.02.2005.
2.54.- Durante todo este período o Autor dependia totalmente de terceiros para o desempenho das mais elementares tarefas, incluindo de higiene pessoal.
2.55.- E só em meados de Fevereiro é que o Autor adquiriu alguma autonomia, deslocando-se com a ajuda de duas canadianas.
2.56.- Altura em que regressou à escola, sendo o médico de opinião que os “cerca de 2,5 meses afastado das aulas repercutiram-se numa perda de conhecimentos e consequente baixa da média final, com nítido prejuízo no acesso a um curso superior como é seu desejo”.
2.57.- Durante o período de recuperação, o Autor sentiu-se deprimido e angustiado.
2.58.- Apesar de curado, ficou o Autor com uma deficiência ao nível do trem inferior, pois está impossibilitado de praticar desportos que envolvam contacto físico, designadamente futebol, basquetebol, andebol, sendo que nunca mais adquiriu a forma física que tinha antes do acidente, tendo dificuldade em correr ou andar durante longos períodos.
2.59.- O Autor tem frequentemente dores na zona afectada, designadamente com as mudanças de tempo ou sempre que faz algum esforço físico,
2.60.- O Autor pratica a modalidade de “orientação” no Club de Orientação do Minho, treinando e participando em competições, sendo que antes do acidente em apreço o Autor jogava sem limitações, participava em competições a nível nacional e regional, e chegou, por mais de uma vez, a ganhar prémios da modalidade a nível nacional.
2.61.- Por causa do acidente, o Autor teve de afastar-se da prática desta modalidade durante cerca de um ano e meio.
2.62.- O Autor era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído e sem qualquer defeito aparente, alegre, dinâmico e amigo de confraternizar.
2.63.- As lesões sofridas pelo Autor provocam-lhe desgosto e inibição física, já que lhe reduzem o seu dinamismo de vida e de relação social e lhe afectam a alegria de viver.
2.64.- Na altura do acidente, o Autor frequentava o 10.º ano do ensino secundário, na área de “Artes”.
2.65.- O autor frequentou o 12º ano de escolaridade, não o tendo concluído.
2.66. Em virtude do acidente, o Autor despendeu a quantia global de € 482,90 (quatrocentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos), correspondente ao somatório dos gastos que o mesmo teve de suportar com o atendimento no Centro de Saúde da Póvoa de Lanhoso e no Hospital de S. Marcos, bem como com consultas de especialidade, exames médicos, medicamentos e sessões de fisioterapia.
2.67.- Despendeu ainda a quantia de € 108,50 (cento e oito euros e cinquenta cêntimos) nos transportes de ambulância quando se deslocava para o Hospital de S. Marcos.
*
3.- Motivação de Direito.
3.1.- Se a quantia ( de € 7.500,00 ) fixada pelo a quo para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente se revela exígua, logo não os repara devidamente.
Antes de mais importa considerar como questão assente, porque fora do objecto da instância recursória ( cfr. artº 684º do CPC), que no dia 30 de Novembro de 2004, foi o apelante M.. vítima de acidente de viação - de um atropelamento - que ocorreu por “culpa” exclusiva do condutor do veículo, sendo portanto inquestionável o direito do autor à reparação dos danos que sofreu decorrentes de tal acidente/atropelamento.
De igual forma, não se questiona sequer a verificação dos pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual, a saber: existência de facto, ilicitude do mesmo, existência de culpa, de dano e de nexo de causalidade entre o facto e o dano (tudo cfr. artigos 483º e 487º, nº 2, do Código Civil).
A apelação tem assim por objecto, tão só, aferir da “justiça” dos montantes indemnizatórios fixados pela primeira instância e com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor.
Ora bem.
A título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, impetrou o apelante M.. a condenação do Réu no pagamento de uma quantia não inferior a 50.000,00€, sustentando ser ela a equitativa - no seu entender - para reparar todo o sofrimento que padeceu com as lesões físicas que sofreu no acidente e de que padecerá ainda pela vida fora em razão das sequelas com que ficou - não obstante a cura clínica das referidas lesões - , mas , ao invés, o tribunal a quo apenas lhe atribuiu uma indemnização de € 7.500,00 ( daí a discordância do recorrente ), quantia esta que considera ficar muito aquém do dano efectivamente sofrido, não o reparando de todo.
Será tal quantitativo, efectivamente, insuficiente para reparar o dano não patrimonial sofrido pelo apelante ?
Vejamos.
Decorre dos artºs 494º e 496º, nº3, ambos do CC, que o montante da respectiva indemnização será sempre calculado segundo critérios de equidade ( que nada tem que ver com arbitrariedade), e atendendo designadamente ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado, e ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Como bem refere o STJ no seu douto Ac. de 7/7/2009 (1), a equidade é um termo de procedência latina (aequitas) com o significado etimológico e corrente de “igualdade”, “proporção”, “justiça”, “conveniência”, “moderação” e indulgência , e é utilizado na linguagem da ética e das ciências jurídicas sobretudo para designar a adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares (a equidade é, por assim dizer, a “justiça do caso concreto”) .
No âmbito ressarcitório dos danos não patrimoniais, essencial outrossim não olvidar é que, “ (…) a indemnização (…) não reveste natureza exclusivamente ressarcitória , mas também cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante.” (2)
É que, como decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça (3)“(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “ visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
Tal natureza punitiva, porém, em sede de acções intentadas contra as companhias Seguradoras de responsável por acidente de viação, o que não é o caso, como que deixa de fazer sentido, não revestindo a importância que prima facie se lhe quer conferir.
O essencial é que, como vem sendo entendido pelos nossos tribunais superiores, e com vista ao cumprimento do disposto no artº 496º, do CC, a indemnização seja fixada em montante que contribua para alcançar uma efectiva possibilidade compensatória, sendo portanto significativa, isto por um lado, mas, por outro, importa que seja também justificada e equilibrada, não podendo de todo contribuir para um enriquecimento abusivo e imoral do lesado .(4)
Postas estas brevíssimas considerações, recorda-se que, na sentença apelada, para justificar o quantum a atribuir ao ora apelante a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos com o acidente dos autos, socorreu-se o Exmº Juíz a quo , além do mais, da seguinte argumentação :
“ (…)
devendo ter-se em conta que a indemnização prevista no art. 496º, nº 1, ‘mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta)’, sendo os componentes mais importantes deste dano ‘o “dano estético” - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural,cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o“pretium juventutis” - que realça a especificidade da frustração do viverem pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária’.
No caso concreto, em consequência do acidente, o autor sofreu ferimentos que consistiram numa fractura exposta nos ossos da perna direita, que obrigou a intervenção cirúrgica. Apesar dos tratamentos a que foi sendo sucessivamente submetido, o Autor ficou cicatrizes na face, quase imperceptíveis; cicatriz operatória no joelho direito; tumefacção dura correspondente ao calo ósseo na união do 1/3 médio com o 1/3distal da perna direita; a primeira falange do dedo grande do pé direito está em flexão dorsal e consolidação viciosa da fractura, com angulação.
O autor ficou a padecer de uma IPP de 6 pontos, sendo o quantum doloris fixável no grau 5/7 e o dano estético permanente fixável no grau 2/7.
Acresce que, o Autor sofreu dores físicas, quer por causa das lesões que lhe advieram aquando do seu atropelamento, quer pelos inúmeros tratamentos a que foi sendo sucessivamente submetido. Esteve impedido de se movimentar durante cerca de dois meses e meio, dependendo de terceiros para o desempenho das mais elementares tarefas. E só em meados de Fevereiro é que o Autor adquiriu alguma autonomia, deslocando-se com a ajuda de duas canadianas.
Apesar de curado, ficou o Autor com uma deficiência ao nível do trem inferior, pois está impossibilitado de praticar desportos que envolvam contacto físico, designadamente futebol, basquetebol, andebol, sendo que nunca mais adquiriu a forma física que tinha antes do acidente, tendo dificuldade em correr ou andar durante longos períodos. O Autor pratica a modalidade de “orientação” treinando e participando em competições, sendo que antes do acidente jogava sem limitações, participava em competições a nível nacional e regional, e chegou, por mais de uma vez, a ganhar prémios da modalidade a nível nacional. Por causa do acidente, teve de afastar-se da prática desta modalidade durante cerca de um ano e meio.
À data do acidente o Autor tinha 15 anos de idade, era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído, alegre, dinâmico e amigo de confraternizar.
As lesões sofridas pelo Autor provocam-lhe desgosto e inibição física, já que lhe reduzem o seu dinamismo de vida e de relação social e lhe afectam a alegria de viver.
A situação espelhada na matéria de facto provada demonstra que as componentes do dano não patrimonial acima mencionadas alcançam níveis relevantes.
Não pode também descurar-se o prejuízo de afirmação pessoal -tanto maior quanto é certo tratar-se de um jovem desportista na plenitude da sua juventude para quem a boa preparação física é importante.
Do mesmo modo que não se pode olvidar o prejuízo da saúde geral e da longevidade, considerando as consequências das lesões.
No geral, importa atender ao facto de ao autor ter sido imposta, para toda a sua vida, uma diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias).
(…)
Atendendo a todos estes considerandos e olhando para os padrões jurisprudenciais relativos aos montantes indemnizatórios atinentes danos não patrimoniais (designadamente os que se referem à indemnização pela perda do direito à vida, que como se disse deve servir como ponto de referência, como unidade de medida ou unidade de conversão do sofrimento a dinheiro), tendemos a fixar o montante compensatório de tais danos, com o inarredável subjectivismo sempre presente nas decisões que fazem apelo à equidade em € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).”
De seguida, importa outrossim recordar algumas das Decisões - que sobre o thema decidendum se pronunciaram já - dos Tribunais Superiores mais recentes , pois que, nas decisões a proferir, deve sempre o julgador levar em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito ( cfr. artº 8º, nº3, do CC), sendo que, como de resto é consabido, é precisamente no âmbito da fixação da indemnização por danos morais que mais se justifica o recurso a padrões jurisprudencialmente definidos a ponto de se alcançar uma sempre desejada uniformização de critérios que evite o mero subjectivismo em sede da sua fixação .
Ora, com referência a tal matéria, constata-se que :
I - Com referência a acidente/atropelamento de peão em Março de 2004, quando atravessava a passadeira de peões, do qual resultou para a sinistrada - nascida a 27/8/41 - ferimentos e escoriações nos membros e fractura múltipla do braço direito, tendo fracturado o úmero e sido submetida a uma intervenção cirúrgica - operação ao braço direito -, e , depois da alta hospitalar, sido sujeita a 32 sessões de fisioterapia e comparecido a 9 (nove) consultas no Hospital , e estado desde a data do acidente até 15 de Fevereiro de 2005 sempre com uma incapacidade absoluta para o trabalho , ficando , apesar das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos a que se submeteu, a padecer de uma incapacidade permanente geral de 8%, considerou o STJ, em Ac. de 31/5/2012 (5) como adequada uma indemnização para ressarcimento de danos morais no valor de 10.000,00 € ;
II - Em Decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, a 15/1/2013 (6) e com referência a acidente de viação ocorrido a 19/9/2003 [ no qual foi a sinistrada de 46 anos de idade atropelada por motociclo em passadeira de peões, e sofrendo então: Traumatismo da região bucal; Feridas corto-contusas do lábio superior; Fractura alvéolo-dentária com perda de duas peças dentárias do bloco incisivo superior; Foi imediatamente transportada de ambulância para o Hospital, onde foi submetida a intervenção cirúrgica no Bloco do Serviço de Urgência, para correcção das feridas do lábio superior e redução da fractura com arco de Erich e fio de aço ; Obteve alta hospitalar em 23 de Setembro de 2003; Em consequência do atropelamento ficou com uma cicatriz deformante de 2 cm no lábio superior ; Sofreu ainda escoriações em diversas partes do corpo; Sofreu dores (quantum doloris fixável no grau 4 numa escala de 1 a 7) durante, pelo menos, 15 dias após o acidente; Para reabilitação do maxilar superior, tendo em atenção designadamente os dentes perdidos e fracturados em resultado do acidente, teve necessidade de efectuar, nomeadamente: a) Colocação de prótese acrílica provisória para resolver de imediato as ausências dentárias; b) Desvitalização dos dentes 12, 13, 23 e 24; c) Ponte metalo-cerâmica fixa de 14 elementos; A cicatriz referida e a perda prematura de dentes provocam-lhe desgosto e complexos ] foi atribuía uma indemnização de 15.000,00 € para ressarcimentos dos correspondentes danos não patrimoniais;
III - Em Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 13/12/2012 (7) e com referência a acidente de viação ocorrido a 19/10/2002 [ no qual foi a sinistrada de 24 anos de idade atropelada por veículo em passadeira de peões, e sofrendo então: lesões corporais , ficando caída no pavimento e sido assistida logo local do acidente por equipa de paramédicos ; Sentiu fortes dores na cabeça e na zona lombar e de seguida foi transportada em ambulância para o serviço de urgência do Hospital onde lhe foram ministrados tratamentos vários de limpeza, desinfecção e sutura de feridas contusas na cabeça ; Permaneceu em casa em repouso de 19 a 27 de Outubro de 2002 e entre a data do acidente e até Junho de 2003 sofreu fortes dores na zona lombar, com carácter persistente, sendo que o IML fixou o “quantum doloris” no grau 3, duma escala crescente de 7 valores ; Em 25 de Outubro de 2002 e 25 de Fevereiro de 2003, efectuou um TAC e uma ressonância magnética à coluna lombar que não revelaram alterações patológicas ; Em Julho de 2003 efectuou tratamentos diários de fisioterapia e natação terapêutica durante uma semana e passou a usar uma cinta de contenção lombar e uma almofada de apoio lombar, começando a tomar “Sirdalud”, um relaxante muscular, sempre que as dores se tornavam mais intensas ; No final de 2003 as dores na zona lombar voltaram a intensificar-se o que levou o médico assistente da A. e prescrever um novo TAC à região sacro-coccígea , exame este que em 16/12/2003 revelou a existência de «desvio direito e anterior do último elemento coccígeo, o que condiciona uma curvatura anterior desta estrutura, compatível com uma patologia pós-traumática a envolver o segmento distal do cóccix», tendo a sinistrada em consequência do acidente a A. começado a sentir dores crónicas ao nível da zona lombar e sacro-coccígia que se tornaram por vezes intensas com as mudanças do tempo ; Deixou de poder efectuar corrida e praticar actividade desportiva intensa e fazer grandes viagens ; Durante algum tempo deixou de efectuar as tarefas de limpeza de casa, sendo que ainda hoje evita carregar objectos pesados, por tal lhe causar dor e nos meses seguintes ao acidente sofreu insónias causadas pela imagem gravada na memória de ser projectada pelo automóvel , sendo que ainda hoje e ao atravessar uma passadeira, revive o acidente experimentando grande ansiedade, medo e angústia, mas esse tipo de sensações irá provavelmente atenuar-se com o tempo ] foi atribuída uma indemnização de 25.000,00 € para ressarcimentos dos correspondentes danos não patrimoniais.
IV - Em acidente de viação sofrido por lesada com apenas 10 anos de idade, que foi atropelada numa passagem de peões quando o lesante conduzia um veículo com velocidade excessiva, tendo em consequência do acidente a vítima : (i) teve que se submeter a tratamentos de fisioterapia e terapia da fala, (ii) sofreu dores físicas e psicológicas, (iii) persistirá na sua memória a recordação traumática do acidente sofrido aos 10 anos quando se dirigia para a escola, (iv) a sua personalidade alterou-se passando a ser uma jovem mais triste, distraída, dispersa e sem poder de concentração, (v) ficou com uma cicatriz de 4 cm na região occipital direita e de 1 cm no lábio superior região direita, considerou o STJ como justa a fixação de um montante indemnizatório de € 30 000 para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos [ em Ac. do STJ de 18/12/2012 (8) ].
V - Em acidente de viação sofrido por lesado com apenas 23 anos de idade à data do sinistro, e em consequência do qual sofreu lesões físicas que lhe determinaram após cura clínica uma IPP de 8%, tendo v.g. sofrido fractura segmentar dos ossos da perna direita, sujeitou-se a duas intervenções cirúrgicas, padeceu de dores físicas atrozes com essas intervenções e a fisioterapia que teve de suportar, dores que sofre e sofrerá toda a vida, tem dor e dificuldade de movimentação ao nível do membro inferior direito, ficou triste por não poder praticar desporto e marcado por cicatrizes várias, sendo, antes do sinistro, um jovem saudável e cheio de força, considerou-se como sendo justa e equitativa uma quantia de € 15 000 para reparação dos danos não patrimoniais sofridos [ em Ac. do STJ de 9/2/2011 (9) ].
Aqui chegados, não estando in causa em discussão, como vimos já , que em resultado do atropelamento do qual foi vítima o apelante padeceu o mesmo de manifestos danos morais - que pela sua gravidade, merecem indiscutivelmente a tutela do direito, cfr. nº 1 do artigo 496º do Código Civil - , resumindo-se tão só a discordância do recorrente ao montante a atribuir, temos para nós que, a gravidade das lesões físicas e respectivas sequelas com que ficou a padecer após a cura clínica daquelas, o tempo que exigiu o completo restabelecimento físico e tratamento, o quantum doloris e dano estético sofridos, e sobretudo, o tempo de vida que tem ainda o lesado pela frente, tudo complementado pela equidade e justiça do caso concreto, justificam com segurança um quantum indemnizatório superior ao fixado pelo a quo.
De resto e bem a propósito, decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça (10) que , quando as sequelas das lesões sofridas ( in casu uma IPP de 6 % ), vão incidir sobretudo num período de vida - a juventude - em que é normal ser aquele em que menos se fazem sentir os problemas de saúde, importa que a indemnização dos danos não patrimoniais deva atender ao pretium juventutis, impondo-se, por isso, que seja ela fixada , dentro do que são os parâmetros jurisprudenciais, num valor relativamente elevado.
Mas, para além de tudo o já exposto, importa ainda destacar , no âmbito do conjunto de toda a factualidade provada, os “pontos” que a seguir se relembram :
Primo : Foi o apelante vitima de acidente grave, para cuja ocorrência em nada contribuiu do sinistro, antes ficou ele a dever-se in totum ao condutor do veículo, o qual, conduzindo a velocidade de cerca de 100 Km/h, veio a colher/atropelar o autor quando se encontrava já ele a meio da travessia, e seguindo sempre o referido condutor a sua marcha, ignorando a existência de uma passadeira no local, e não diminuiu a velocidade com que ia animado.
Tal constatação, a nosso ver, não pode outrossim de deixar de reflectir-se no montante da compensação por danos não patrimoniais.
Secundo : O autor, com apenas 15 anos de idade à data do atropelamento, e não obstante a cura clínica das lesões graves sofridas - v.g. a fractura exposta nos ossos da perna direita - , ficou a padecer de uma IPP de 6 pontos , e , tendo sofrido intensas e prolongadas dores físicas, quer por causa das lesões que lhe advieram aquando do seu atropelamento, quer pelos inúmeros tratamentos a que foi sendo sucessivamente submetido, em razão das mesmas ficou impedido de se movimentar, tendo permanecido totalmente imobilizado no período compreendido entre 30.11.2004 a 17.02.2005, período durando o qual dependia totalmente de terceiros para o desempenho das mais elementares tarefas, incluindo de higiene pessoal.
Tertio : Tendo o acidente ocorrido a 30/11/2004, cerca de um mês decorrido ( a 22 de Dezembro de 2004 ) teve o autor que ser novamente internado no Hospital de S. Marcos, em Braga, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para “ encavilhamento com UTN estático”, e , em 23 de Março de 2005 , foi novamente internado, tendo no dia seguinte sido submetido a nova intervenção cirúrgica para “extracção dos parafusos distais)” , acabando apenas ver consolidadas todas as lesões sofridas em 11.07.2005, ou seja, mais de 7 meses após o acidente.
Quartor : Porém, apesar de curado, ficou o Autor com uma deficiência ao nível do trem inferior, estando impossibilitado de praticar desportos que envolvam contacto físico, designadamente futebol, basquetebol, andebol, sendo que nunca mais adquiriu a forma física que tinha antes do acidente, tendo dificuldade em correr ou andar durante longos períodos e sentindo frequentemente dores na zona afectada, designadamente com as mudanças de tempo ou sempre que faz algum esforço físico.
Impondo-se agora concluir, em razão de tudo o já exposto, temos como mais adequado, equitativo e justo, considerar que a indemnização a atribuir ao lesado ( a título de ressarcimento dos danos morais sofridos ) e com o desiderato de lhe proporcionar uma vantagem capaz de consubstanciar um lenitivo para a dor moral, os sofrimentos físicos, e o desgosto sofridos, não deve ser inferior ao valor - actual - de € 15.000,00, quantitativo este que de resto se reputa como o mais consentâneo com os padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em casos “julgados” e equiparáveis.
Em suma, a apelação do recorrente procede, nesta parte, ainda que parcialmente.
3.2. - Se a indemnização ( de € 10.000,00 ) atribuída ao A a título de danos patrimoniais futuros, se afigura desajustada e contrária à equidade.
Com referência à indemnização devida ao apelante a título de ressarcimento do dano patrimonial futuro decorrente da IPP de 6 % com que ficou a padecer após cura clínica das lesões sofridas no acidente, considerou o a quo que, atendendo à idade do lesado aquando do acidente e à esperança média de vida do mesmo, e não exercendo ele ainda qualquer actividade profissional, a compensação de todos os previsíveis danos futuros seria perfeitamente conseguida através da atribuição de uma indemnização de 10.000 €.
Para o apelante, porém, partindo da previsibilidade de que com segurança e já no mercado de trabalho, auferiria um salário mensal não inferior a 1.000,00€, antes se justificava a fixação de uma quantia de pelo menos 40.000,00€ (quarenta mil euros) para compensação dos previsíveis danos futuros decorrentes da perda da sua capacidade de trabalho e de ganho.
Quid júris ?
Verificado o que “separa” o apelante da decisão do tribunal a quo no tocante à indemnização fixada para ressarcimento do dano patrimonial futuro, ao considerar que a mesma peca por defeito, importa começar por precisar que, como princípio geral da obrigação de indemnização, diz-nos o artº 562°, do Código Civil, que “ Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, sendo que, aduz logo a seguir o artº 563º, “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão “.
Em termos gerais, a indemnização, em dinheiro (sempre que a reconstituição natural não seja possível), tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e , não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, nº s 2 e 3, do Código Civil).
O apontado dever de indemnizar compreende, como dispõe o artº 564º, do CC , “ (…) não só o prejuízo causado , como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão“ (danos emergentes e lucros cessantes) , sendo que, em sede da respectiva fixação, pode o tribunal atender aos danos futuros , desde que sejam previsíveis .
Destarte, em sede de fixação da indemnização a atribuir ao lesado, devem ser atendidos os danos futuros - danos emergentes ou lucros cessantes - desde que previsíveis (certos ou suficientemente prováveis), ou seja, desde que razoavelmente prognosticáveis.
Postas estas breves considerações, e porque inquestionavelmente ao autor apelante, em razão da incapacidade permanente parcial ( de 6 % ) de que ficou a padecer, se impõe reconhecer que será ele vitima de um dano patrimonial futuro previsível, decorrente de uma manifesta perda da respectiva capacidade de ganho quando “lançado” para o mercado de trabalho - cada vez mais exíguo, concorrencial e precário, mesmo para aqueles que nenhuma limitação física apresentam - , e não podendo em rigor o respectivo valor e correspondente indemnização ser averiguado com exactidão - desde logo porque in casu importa atender, em face da idade do apelante à data do infortúnio, um período de vida activa bastante longo - , resta fixá-lo com recurso à equidade, nos termos do nº3, do artº 566º, do CC.
Ora, como é consabido, em sede de cálculo do dano futuro, desde há muito que diversos têm sido os critérios utilizados pela jurisprudência, todos eles de alguma forma direccionados para o cálculo de uma indemnização que seja equivalente ou que se aproxime de um capital produtor do rendimento frustrado e que se extinga no final do período provável de vida activa do lesado.
Para o efeito, enquanto uns socorrem-se de tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, outros ainda utilizam-nas apenas como métodos meramente auxiliares e/ou indicativos, quais meros instrumentos de trabalho - que não substituem a ponderação judicial com base na equidade -, havendo ainda quem em sede de cálculo do apontado capital se baseie essencialmente e de forma decisiva, na equidade, conferindo uma acrescida preponderância e relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável admitir.
A propósito de tal matéria, e socorrendo-nos aqui e agora do Ac. do STJ de 27/3/2008 (11), neste douto Aresto foi ela abordada/tratada do seguinte e sábio modo :
“ Têm sido utilizadas para o efeito pela jurisprudência fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida.
Acresce não existir uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício de uma profissão em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.
Assim, a partir dos pertinentes elementos de facto apurados, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
E apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa (…). “
Também bem a propósito da questão ora em apreço, e de uma forma inquestionavelmente acertada e sabedora, considerou-se em Ac. do STJ (12) de 06.07.05, designadamente, que :
“Todos os cálculos e fórmulas que é costume utilizar, independentemente da sua bondade matemática e económica, pecam por uma insanável incerteza. Constituem meras possibilidades e não reais probabilidades. Ora, o direito só indemniza danos concretos (ainda que futuros) e não o risco abstracto de ocorrerem.
Neste campo e com segurança unicamente se poderá afirmar que o período de vida activa duma pessoa verifica-se dentro de determinados limites temporais, que a sua situação económica tende a progredir e que uma incapacidade parcial limita esta progressão, em regra, de forma proporcional à sua gravidade.
Quanto ao mais, a experiência ensina-nos que os dados sócio-económicos são voláteis e que não é possível fazer um prognóstico rigoroso dos salários, das taxas de juros ou da fiscalidade.
Por isso, o recurso à equidade nesta matéria não pode ser apenas subsidiário das fórmulas, mas antes o critério primordial, que jurisprudencialmente se irá fixando, constituindo tais fórmulas apenas um mero indicador do acerto do juízo de equidade.
Ou seja, o julgador terá de compaginar as contas com o seu sentimento de justiça. Dando prevalência a este último, moderado como tem de ser pelas correntes jurisprudenciais e sem que entre em flagrante contradição com a realidade sócio-económica que as ditas contas traduzem."
Postas estas breves considerações, e importando descer ao concreto, temos que in casu tinha o autor/apelante à data do “acidente“ apenas 15 anos de idade, e , sendo então estudante [ frequentava o 10.º ano do ensino secundário, na área de “Artes” e, tendo mais tarde frequentado o 12º ano de escolaridade, não o veio porém a concluir ], era antes do acidente uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído e sem qualquer defeito aparente.
Admitindo-se que, em termos de “normalidade”, aos 25 anos sempre concluiria o autor todos os seus estudos ( caso enveredasse pela frequência de ensino superior/universitário), após o que estaria “pronto” para ingressar no mercado de trabalho, licito é então presumir que – partindo de um tempo de vida activa do lesado até aos 70 anos de idade – o dano patrimonial futuro do apelante e resultante da perda da respectiva capacidade de ganho se entenderá e abrangerá um período não inferior a 45 anos.
De resto, com referência a situações de lesados crianças, menores e jovens estudantes , ou não, e como bem se nota no Ac. do STJ de 25/11/2009 (13) , é por regra - no âmbito da jurisprudência - a incapacidade geralmente atendida/valorada na perspectiva de uma perda de capacidade de ganho, configurando-se como um efectivo dano patrimonial futuro [ cujo cálculo vem em todo o caso a tornar-se mais difícil e arriscado, pois não entrou ainda o ofendido/lesado no mercado de trabalho , o que porém não autoriza a que à luz da lei constituída se fique por um cómodo non liquet ] , e sendo este último aferido/calculado em função de uma profissão plausível para o lesado, ou indagando-se de níveis possíveis de remunerações, como salários mínimos, ou salários médios previsíveis, acessíveis, ou outros, mais concretizados.
Considerando agora que nada permite prever/cogitar que, em termos de normalidade e de probabilidade, e em termos de progressão social e laboral, auferiria certamente o autor e com segurança uma remuneração mensal não inferior a 1.000,00€ mensais [ a experiência e os tempos actuais são bem a prova/provada de que os dados sócio-económicos são bastante voláteis, nada justificando que se efectuem prognósticos com recurso a valores/níveis salariais a atender em termos de normalidade e de previsibilidade, e como sendo o salário médio acessível a um concreto jovem ] , temos como preferível e mais seguro levar tão só em consideração a evolução da “retribuição mínima mensal garantida”, partindo v.g. de um quantitativo equivalente/não superior a uma vez e meia o salário mínimo nacional vigente na presente data (rendimento meramente conjectural ).
Por fim, importa não olvidar, e como bem se salienta no já citado Ac. do STJ de 25/11/2009, se por regra o recebimento imediato da totalidade de um capital indemnizatório, pode , se não for corrigido [ com a dedução de concreta percentagem decorrente da antecipação da entrega da totalidade do capital , sendo que, de acordo com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, vem ela variando entre uma redução entre os 10% e os 33% (14) ] , propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante, a pertinência de efectuar tal dedução é ainda maior quando na presença de lesados menores ( em que o valor da indemnização total é por norma aferido tendo como referência uma data anterior ainda ao termo inicial do período normal de vida activa, ocorrendo assim como que uma antecipação em duplo sentido), a que acresce que, de acordo com as regras da experiência, existindo sempre um período temporal em que não haveria um qualquer ganho do lesado, é certo, também as respectivas despesas seriam em última análise suportadas pelos respectivos pais, com quem estaria ele a viver e sob a sua dependência.
Efectuando, finalmente, o necessário cálculo, lançando mão de uma remuneração mensal do apelante não inferior a uma vez e meia o salário mínimo nacional vigente na presente dada ( € 485,00 + 242,50 = 727,50€ - DL 143/2010, de 31/12 ), e utilizando - como mero instrumento de trabalho auxiliar - o critério sufragado pelo STJ no seu Acórdão de 4/12/2007 (15) [ tendo como suporte a aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ no seu Acórdão de 1994.05.05 (16), e que foi construída tendo como referência a atribuição de 3% ao factor nela indicado como taxa de juro previsível no médio e longo e prazo ] , temos assim que uma indemnização total , e ainda sem quaisquer deduções/correcções , não seria in casu inferior a € 14.983,38 [ Rendimento anual auferido pelo lesado – 727,50 € x 14 = € 10,185,00 x Factor correspondente da Tabela com referência aos nºs de anos - 45 anos - a decorrer até o final da vida activa - 24,51871 – x coeficiente de IPP - 6 % - = € 14.983,38 ] .
No seguimento do acabado de expor, e ainda que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras, só deva servir para aferir/avaliar da justeza de concreta indemnização, qual ponto de partida para o respectivo cálculo, maxime para a determinar o “minus” indemnizatório devido, tudo aponta, portanto, para que o valor indemnizatório fixado pela primeira instância se situe em montante ligeiramente desfasado dos elementos fácticos provados e carreados para os autos, antes se justifica, considerando agora a necessidade de efectuar alguma dedução de concreta percentagem decorrente da antecipação da entrega da totalidade do capital , a atribuição ao apelante de uma indemnização total de € 13.500,00 em sede de ressarcimento de dano patrimonial futuro em resultado de perda de capacidade geral de ganho .
Destarte, e concluindo, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro e relacionado com a perda da capacidade aquisitiva de ganho do demandante/apelante, mostrando-se adequada e equitativa a quantia de € 13.500,00 fixada pelo a quo, tal obriga outrossim à procedência parcial da apelação nesta parte.
3.3.- Concluindo, na sequência de tudo o acabado de expor, a apelação procede parcialmente, impondo-se a revogação da sentença recorrida e a condenação do apelado FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL a pagar ao apelante M..:
- a quantia total de € 13.500,00 para ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos.
- a quantia de € 15.000,00, para ressarcimento dos danos morais sofridos.
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4.- Sumariando ( cfr. nº7, do artº 713º, do CPC).
I - Tendo o Autor , com 15 anos de idade, sido atropelado por veículo automóvel quando procedia ao atravessamento de estrada e em plena passadeira de peões, sofrendo então lesões graves - v.g. a fractura exposta nos ossos da perna direita - , e ficando a padecer , após cura clínica das mesmas, de uma IPP de 6 pontos , e sofrido ainda intensas e prolongadas dores físicas, quer por causa das lesões que lhe advieram aquando do seu atropelamento, quer pelos inúmeros tratamentos e duas intervenções cirúrgicas a que foi sendo sucessivamente submetido em razão das mesmas , ficando v.g. impedido de se movimentar e tendo permanecido totalmente imobilizado em período superior a 75 dias, afigura-se equitativo e justo fixar no quantitativo de € 15.000,00 a indemnização devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais que lhe foram causados.
II - Apesar de não desempenhar qualquer actividade profissional aquando do atropelamento, porque menor e estudante à data , justifica-se a atribuição ao lesado de uma indemnização no valor de 13.500,00 para ressarcimento do dano patrimonial futuro , quer resultante da perda da respectiva capacidade de ganho ( IPP de 6 % ) e que se entenderá e abrangerá um período não inferior a 45 anos, quer levando em consideração valores/níveis salariais a atender em termos de normalidade e de previsibilidade, e como sendo o salário médio acessível a um jovem com o 11º ano nos tempos actuais.
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4. Decisão.
Termos em que,
acordam os Juízes na 2 dª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , julgando a apelação parcialmente procedente:
4.1.- Condenar o apelado Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao apelante M..:
I - a quantia total de € 13.500,00 para ressarcimento do dano patrimonial futuro.
II - a quantia de € 15.000,00, para ressarcimento dos danos morais sofridos.
4.2.- Manter no mais a sentença apelada, maxime do tocante à condenação no pagamento da quantia de € 591,40 e aos juros vencidos e vincendos, sendo eles últimos devidos desde a data da citação e até efectivo pagamento, à excepção daqueles que incidem sobre a quantia fixada a título de danos não patrimoniais, porque devidos tão só desde a presente data e até efectivo pagamento.
Custas pelo apelante e pelo apelado, e na exacta proporção do vencimento/decaimento.
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(1) Proc. nº 704/09.9TBNF.S1, in www.dgsi.pt, e socorrendo-se da obra “Logos-Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia” ,pág.126.
(2) Cfr. Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume I, Almedina, pág. 298.
(3) No Ac. de 30.10.96, disponível in BMJ nº 460, pág. 444.
(4) Cfr., de entre muitos outros, o acórdão do S.T.J. de 29.1.2008, proc. 07A4492, in www.dgsi.pt
(5) In Proc. nº 1145/07.1TVLSB.L1.S1, sendo Relatora a Cons. Maria Dos Prazeres Pizarro Beleza, e disponível em www.dgsi.pt.
(6) In Proc. nº 1949/06.2TVPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt
(7) In Proc. nº 5505/05.4TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt
(8) In Revista n.º 1030/09.2TBFLG.G1.S1, 6ª Secção, sendo Relator Fonseca Ramos e acessível in pág. 310, de sumários de Ac.s do Supremo Tribunal de Justiça de 2004-2012, referentes a Danos Não Patrimoniais e disponíveis no sitio www.stj.pt/ficheiros/jurisp.../cadernodanosnaopatrimoniais -2004-2012.pdf ).
(9) In Revista n.º 999/07.6TBLSD.P1.S1 , 2.ª Secção , pág. 240 , dos sumários indicados na nota 8..
(10) Cfr. Proc. nº 05B2698, de 3/11/2005, Revista n.º 2698/05, sendo Relator o Exmº Cons. Bettencourt de Faria e in www.dgsi.pt.
(11) Proc. nº 08B761, in www.dgsi.pt, sendo Relator o Exmº Conselheiro Salvador da Costa.
(12) Acórdão de 6/7/2005, Proc. nº 05B1602, in www.dgsi.pt, sendo Relator o Exmº Cons. Bettencourt de Faria .
(13) Acórdão proferido no âmbito do Proc. nº 397/03.0GEBNV.S1 , sendo Relator o Exmº Cons. Raul Borges - in www.dgsi.pt.- e do qual consta uma exaustiva, completa, detalhada e bem cuidada análise da questão em apreço , tal como tem sido ela tratada/decidida pelos nossos Tribunais Superiores e pela doutrina mais conceituada.
(14) Cfr. Acórdão do STJ de 25/11/2009, indicado na nota 12.
(15) Acórdão proferido no âmbito do Proc. nº 07A3836, sendo Relator o Exmº Cons. Mário Cruz e in www.dgsi.pt.
(16) Sendo Relator o Exmº Cons. Costa Raposo e in Colectânea de Jurisprudência do STJ, ano II, tomo II, pág. 86 e ss..
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Guimarães, 15/10/2013
António Manuel Fernandes dos Santos
António Manuel Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Oliveira Duarte