Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5345/06.3TBBRG-B.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: AVAL
VALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Área Temática: CÍVEL
Sumário: I - Assegurando o cumprimento de uma concreta obrigação, a obrigação do aval não obedece à regra accessorium sequitur principale, pois que se mantém mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
II - É, no fundo, uma garantia objectiva do próprio pagamento da letra, ou livrança, uma especifica obrigação cambiaria de garantia, com regime próprio e que só num ou noutro aspecto se assemelhará à fiança do direito comum.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO.

1. Instaurada pelo recorrido, Banco…, SA, acção executiva, para pagamento de quantia certa, com base em livrança, contra MR e outros, com os sinais dos autos, vieram MM e CR, herdeiros daquele executado e entretanto habilitados para com eles prosseguir a lide, deduzir embargos à execução, alegando que a livrança dada à mesma é omissa quanto à obrigação causal, não foi apresentada a protesto por falta de pagamento e que o seu falecido pai cedeu a quota de que era detentor na firma que figura como subscritora de tal livrança em data anterior à sua emissão, pelo que não deu, nem podia dar, o seu aval a essa firma, sendo falsa a assinatura que lhe é atribuída.
Mais invocam a prescrição do direito da exequente, por ter sido exercido mais de três anos após a data de vencimento da livrança e a impenhorabilidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Baga sob o nº 222/Cividade, por não o terem recebido do autor da sucessão, em cuja posição processual foram habilitados.


2. Contestou o embargado pugnando pela improcedência da oposição.

3. Depois de realizada uma audiência preliminar com fins conciliatórios, que se revelou infrutífera, foi proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, julgou totalmente improcedente a oposição deduzida.

4. Inconformados, apelaram os embargantes apresentando as pertinentes alegações com as seguintes extensas conclusões:
- O despacho saneador sentença proferido pelo Mº Juiz é nulo, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) e d) do artigo 668.º do Código de Processo Civil e,
- por as partes não terem sido notificadas para a finalidade prevista no artigo 508º-A, nº1, al.b) do Código de Processo Civil.
- Os recorrentes foram confrontados com um despacho saneador sentença, relativamente ao qual não tiveram sequer oportunidade processual de se pronunciarem sobre a selecção da matéria de facto que serviu de fundamento à sentença ora impugnada.
- De facto, o juiz só estará habilitado processualmente a conhecer do mérito da causa, se convocar as partes, obrigatoriamente, para a audiência preliminar em despacho que expressamente contenha o objectivo e/ou finalidade previsto no artigo 508º, nº1, al. b) do Código de Processo Civil,
- sob pena de o não fazendo, violar o disposto no artigo 3º, nº 3 do mesmo código.
- Não tendo as partes sido convocadas com essa específica finalidade, existe uma nulidade processual.
- Assim, nenhuma decisão que afecte uma parte, deve ser proferida sem que essa parte e a contraparte se possam pronunciar sobre a questão.
- Refuta-se, através deste princípio, as chamadas decisões surpresa.
- O protesto é um pressuposto formal obrigatório e essencial para a apresentação da execução fundada em livrança, em que não figure por qualquer cláusula a sua dispensa, cfr.artigos 43.º e 44.º da LULL.
- O título apresentado com o requerimento executivo não contém qualquer cláusula que dispense o portador de efectuar o protesto a que se refere o artigo 46.º da LULL.
- Nos termos dos artigos 38º e 44º da LULL, resulta que o protesto deveria ter sido feito no prazo máximo de dois dias úteis subsequentes à data de vencimento da livrança, sem prejuízo do disposto nos artigos 72.º a 74.º do referido diploma.
- Factos estes não observados pela recorrida, e que não permitem o conhecimento do mérito da causa, como o fez o Tribunal “a quo”.
- Ao proferir o despacho saneador sentença, o M.º Juiz coarctou aos opoentes este seu direito, impedindo assim a descoberta da verdade e a realização da justiça.
- Estabelece o requerimento executivo no seu número 1: “a exequente é dona e legítima portadora de uma livrança, no valor de €57.241,20, emitida em Braga no dia 25/08/2005 e vencida em 08/06/2006”.
- Ora, nestas datas, como já se referiu, o executado MR, havia renunciado às funções de gerente, cedido a sua quota e falecido, conforme se pode comprovar dos documentos juntos aos autos.
- Estranhamente, os recorridos alegam na sua contestação que “nos presentes autos foi dada à execução uma livrança emitida em 25/08/2003, com vencimento em 08/06/2006 no montante de € 57.241,20 ”.
- Não será preciso recorrer às regras do senso comum e da experiência adquirida para perceber o quão estranho se torna a alegação, sem mais, de que a data do título executivo é de 2003.
- Um lapso que curiosamente surge após se invocar que, à data de 2005, já o executado MR era falecido, e se impugnar a letra e a sua assinatura na livrança, por a mesma não ser do seu punho.
- Toda esta tese é ainda coadjuvada pelo facto de a livrança estar rasurada no local destinado ao ano,
- não tornando perceptível se se trata de 2003, 2005 ou outro ano qualquer.
- E ainda relativamente quanto à rasura, e nos termos do nº 3 do artigo 376.º do Código Civil, cabia ao julgador indicar a medida em que a mesma excluía ou reduzia a força probatória do mesmo, ao que, de resto, não se procedeu, alegando-se apenas e tão-só “a livrança foi emitida em data muito anterior àquela em que o falecido MR e mulher, GR, cederam a quota que detinham no capital social da subscritora”.
- Por outro lado não podia o Tribunal “a quo” dar como facto assente o disposto no ponto dois “essa livrança foi emitida e entregue ao exequente, com os espaços reservados à indicação do montante e data de vencimento em branco” e três da sentença “os executados autorizaram o exequente a proceder ao preenchimento da aludida livrança pelo valor correspondente aos créditos e encargos emergentes do contrato que em cada momento lhes fossem devidos”
- Não foi junto ao processo, nem consta do requerimento executivo qualquer menção ao pacto de preenchimento.
- Não existindo pacto de preenchimento, a livrança foi abusivamente preenchida pela recorrida,
- pelo que, inexiste título válido para a presente execução, uma vez que a livrança dada à execução não é um documento que importe a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária, por ter sido pelo executado falecido, supostamente assinada e entregue em branco à recorrida, que a preencheu em momento posterior, sem que existisse pacto de preenchimento.
- Assim, sem prejuízo da impugnação da assinatura do executado falecido MR, sempre se dirá que o requerimento executivo deveria ter sido liminarmente indeferido, nos termos do disposto nos arts. 812- E, nº 1 al. a) do CPC, por manifesta falta ou insuficiência do titulo.
- Mais a mais, e no que respeita à invocada prescrição, mal andou o Tribunal “a quo” ao, no entender dos recorrentes, ter concluído que estes foram citados para a respectiva acção executiva ainda antes de completados os três anos sobre a data do vencimento da livrança.
- Confunde assim, o Tribunal “a quo” citação para o incidente de habilitação de herdeiros, com citação para a acção executiva.
- Aquela ocorreu sim antes de completados os três anos sobre a data do vencimento da livrança, já esta não ocorreu dentro deste prazo.
- Na verdade, e conforme consta dos autos e do ponto 12 da matéria de facto assente na sentença, os recorrentes foram citados para os termos da execução nos dias 29 de Novembro de 2010 e 6 de Janeiro de 2011.
- Basta um simples cálculo aritmético para perceber que, tendo sido a acção executiva instaurada a 26 de Junho de 2006, e confrontada esta data com as anteriores, decorreram mais do que 4 (quatro) anos para que os recorrentes fossem citados.
- Como tal operou a excepção da prescrição invocada na oposição à execução e à penhora.
- Foi impugnada a assinatura de MR em sede de oposição à execução e à penhora, em conformidade com o preceituado no artigo 544.º do Código de Processo Civil.
- Na mesma se referiu no articulado 23.º “na data da emissão da livrança, 25.08.2005, como referido anteriormente, já o executado falecido havia deixado os destinos da empresa, há mais de um ano e meio, tendo falecido poucos dias depois desta emissão, vítima de doença ”,
- e acrescentou-se no articulado 24.º “o executado falecido não deu, nem podia dar, pelos motivos invocados, o seu aval à subscritora da livrança, impugnando-se a respectiva letra e assinatura nela apostas, por não serem do seu punho ”.
- Sublinhe-se que os recorrentes não impugnaram tão só a letra e a assinatura porque o executado MR tinha falecido, mas também por esse motivo, acumulado com o argumento de que a letra e a assinatura não é do seu punho.
- Tendo sido impugnada a letra e a assinatura constante no título executivo apresentado pela recorrida, e tratando-se de matéria controvertida, o Tribunal “a quo” não poderia decidir do mérito da causa sem mais diligências.
- De facto dispõe o nº1 do artigo 374º do Código Civil que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”.
- “Com efeito, a letra e a assinatura, ou a assinatura de um documento particular só se consideram como verdadeiras, se forem, expressa ou tacitamente, reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se, legal ou judicialmente, forem havidas como tais” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 973/05.7TBPMS.C1, de 16 de Outubro de 2007, in www.dgsi.pt.
- Refere-se na sentença recorrida “sendo certo que não foi impugnada a genuinidade das assinaturas apostas no contrato de abertura de crédito”.
- Defendem os recorrentes que não foi impugnada a genuinidade da assinatura aposta no contrato de abertura de crédito, nem tinha que o ser.
- Desde logo, porque, não foi junto aos autos qualquer contrato de abertura de crédito, e depois, salvo o devido respeito, porque o M.º Juiz confundiu contrato de abertura de crédito com os acordos juntos a fls. 41, 42, 43 e 44.
- De uma simples leitura verifica-se que aquilo a que a recorrida apelidou de contrato de abertura de crédito e que junta aos autos por requerimento datado de 11 de Março de 2011 (docs. fls. 41 a 44), não é mais do que um acordo que visa proceder à alteração das condições específicas de um suposto contrato de conta corrente caucionada.
- Na verdade, no documento a fls 41 dos autos pode ler-se no parágrafo 3.º e passa-se a citar “neste circunstancialismo, e como é facultado pelo artigo 406.º, n.º 1 do CC, o Banco e o Cliente acordam na necessidade de proceder à alteração das condições específicas, do supra identificado contrato, a seguir indicadas”.
- Pelo que, e como resulta claro deste documento, faz-se alusão um contrato de conta corrente caucionada (nº 1091086073) que, a existir, não foi junto aos autos, e um documento posterior que promove a sua alteração.
- E o mesmo se diga do documento junto a fls 43 e 44, que não constitui nenhum contrato, mas sim, uma alteração à redacção das cláusulas 1ª, 3ª e 5ª do contrato de abertura de crédito.
- Daqui resulta claríssimo que, não pode ser imputada uma falha aos recorrentes – não impugnação da genuinidade das assinaturas no contrato de abertura de crédito – por um pretenso contrato que se diz junto aos autos, mas efectivamente nunca se juntou.
- Por essa ordem de razões, também a oposição à execução e à penhora não deveria improceder.
- De facto, ao dizer que a letra e a assinatura não são do punho do executado falecido, os recorrentes não invocam qualquer facto excepção, antes impugnam directamente, mortalmente, o direito da recorrida à acção executiva, dizendo que tal direito só existiria se a assinatura constante na livrança fosse daquele.
- Concluindo o exposto, sendo que “incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade” (nº2 do artigo 374º do Código Civil), não provado que a assinatura aposta na livrança é do punho do executado MR, o mesmo não fica vinculado por ela.
- E não o vinculando, não pode ser executado na acção, pois falta a causa de pedir na execução contra ele instaurada.
- Falta o princípio gerador do direito exequendo, a “origo petitionis”.

Concluem pedindo a revogação da decisão recorrida, considerando-se procedente a oposição deduzida.

5. Foram oferecidas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão proferida.
6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1 – A exequente é portadora de uma livrança no montante de €57.241,20, em cujo anverso constam, no espaço reservado à assinatura do subscritor, sob o carimbo social da firma “F…, Lda”, as assinaturas dos sócios-gerentes desta e em cujo verso consta, sob a expressão “dou o meu aval à firma subscritora”, além do mais, a assinatura de MR, emitida em 25 de Agosto de 2003 e com vencimento em 8 de Junho de 2006 – cfr. doc. de fls. 13 do processo de execução, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
2 – Essa livrança foi emitida e entregue ao exequente, com os espaços reservados à indicação do montante e data de vencimento em branco, para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas pela respectiva subscritora no âmbito de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, com o número 6…, celebrado em 25 de Agosto de 2003 e corporizado no escrito constante de fls. 41 e 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, alterado pelo escrito, subscrito por todos os seus outorgantes, constante de fls.43 e 44, que aqui se dá igualmente por reproduzido;
3 – Os executados autorizaram o exequente a proceder ao preenchimento da aludida livrança pelo valor correspondente aos créditos e encargos emergentes do contrato que em cada momento lhes fossem devidos;
4 – A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada em 26 de Junho de 2006;
5 – Porque, aquando das diligências para citação, tivesse sido certificado o óbito do executado MR, o exequente promoveu a habilitação dos sucessores dele, ao abrigo do disposto no artigo 371º, n.º 2 do Código de Processo Civil;
6 – Os opoentes MM e CR foram citados para os termos do incidente de habilitação em 16 de Março de 2009 e 2 de Junho de 2009, respectivamente;
7 – Por sentença, transitada em julgado, proferida em 11 de Dezembro de 2009 no âmbito do apenso de habilitação, os requeridos RR, MM e CR foram julgados habilitados para com eles, como únicos herdeiros do executado MR, prosseguir a execução;
8 – Por escritura pública outorgada no dia 4 de Junho de 1982 no Primeiro Cartório Notarial de Braga, MR e mulher, GR, doaram aos ora opoentes, seus filhos, por conta das legítimas destes e com reserva de usufruto vitalício até à morte do último, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º 222/Cividade - cfr. doc. de fls. 47 a 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
9 – Por escritura pública outorgada no dia 13 de Fevereiro de 2004, MR e mulher, GR, cederam a AB a quota que detinham no capital social da “F…, Lda” e o primeiro renunciou à gerência desta firma – cfr. doc. de fls. 18 a 21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
10 – Por escritura pública outorgada no dia 12 de Novembro de 2008, os ora opoentes partilharam entre si e com RR, filho do falecido MR e adoptado restritamente pela GR, os bens que integravam as heranças abertas por óbito dos pais, conferindo o valor do imóvel doado, objecto da escritura referida em 8), para efeitos de igualação de partilha – cfr. doc. de fls. 63 a 66, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
11 – O ajuizado imóvel foi penhorado no âmbito do processo de execução de que estes autos constituem apenso no dia 31 de Agosto de 2010;
12 – Os opoentes MM e CM foram citados para os termos da execução nos dias 29 de Novembro de 2010 e 6 de Janeiro de 2011, respectivamente.


B. Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e, ainda, que nos recursos se apreciam questões e não razões.
Do mesmo modo, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.


C. Abordando, agora, as questões concretamente suscitadas, reconduz-se, a primeira delas, à alegada nulidade sustentada na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) e d) do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº1 do artº 668º do CPC.
A sentença será nula apenas quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido; f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do art. 659.”
“Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia)… São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada”.
De acordo com o vício agora invocado, a sentença é nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - al. b).
A nulidade da falta de fundamentação de facto está relacionada com o comando do artº 659º, nº2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados.
Têm a doutrina e a jurisprudência unanimemente entendido que só a absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito, determina a nulidade prevista naquela al. b) do nº1 do artº668º [Cf. Manual de Processo Civil, de A. Varela, J. M. Bezerra e S e Nora, 2ª Ed. pág. 687; Ac. S.T.J, de 5/01/84, Rev. Leg. Jur., Ano 121º, pág. 303; Ac. S.T.J., de 5/06/85].
Analisada a sentença em crise, dela se colhe, indubitavelmente, que foram enunciados os factos considerados provados e, após, realizada a sua valoração jurídica.
Portanto, não se vislumbra qualquer nulidade a este título e, por isso, improcede a arguição.

Vem, todavia, também arguida a nulidade da decisão, agora decorrente decorrente da chamada “decisão supresa”.
O Sr. Juiz a quo decidiu de mérito em sede de despacho saneador e os recorrentes invocam ter sido preterido o estatuído no artº 3º, nº3, do Código de Processo Civil, uma vez que apenas foram convocados para a realização de uma audiência preliminar, com fins conciliatórios.
Em sede de contra-alegações o recorrido aceita que assim tenha sido, pelo que o daremos por adquirido.
Dispõe o artº 508º-A do Código de Processo Civil que é convocada audiência preliminar destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artº 509º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do artigo 510.º;
e) Quando a acção tenha sido contestada, seleccionar, após debate, a matéria de facto relevante que se considera assente e a que constitui a base instrutória da causa, nos termos do artigo 511.º, decidindo as reclamações deduz das pelas partes.
2 - (…)
3 - O despacho que marque a audiência preliminar indica o seu objecto e finalidade, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa.
4 - (…)
A audiência preliminar foi criada pelo D.L.329-A/95, em substituição da antiga audiência preparatória, mas com fins diferentes e tem como finalidades principais as indicadas nas al. a) a e) do nº1, e com finalidades complementares as referidas no nº2.
Aí se facultará às partes a discussão de facto e de direito sobre as excepções dilatórias de que o juiz deva conhecer. Todavia, quando a excepção já foi debatida nos autos, a audiência preliminar pode ser dispensada – art. 508-B, nº 1, al.b).
Trata-se, no fundo, de observar o princípio do contraditório e evitar a chamada decisão surpresa.
Como refere António Geraldes “do princípio do contraditório decorre que cada parte é chamada a apresentar as respectivas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas ou a pronunciar-se sobre o resultado de umas e de outras” ( in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, pág. 75 ).
Assim, a falta de convocação de audiência preliminar, quando obrigatória, configura uma nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 201º e 205º CPC.
Apesar disso, no entanto, a lei adjectiva permite que se tomem decisões surpresa quando a simplicidade da causa o justifique.
Em tais casos, a surpresa deixa de ser relevante, porque a manifesta simplicidade do tema em apreciação só permite que se enverede pelo caminho escolhido, sendo certo que quem afere da simplicidade das questões em jogo é o juiz, visto que a lei lhe faculta que, quando assim repute o tema, dispense a audiência preliminar.
A verificar-se a arguida nulidade – sobre a qual não nos pronunciaremos pelas razões que se enunciarão -, estaríamos perante uma nulidade processual e não nulidade de sentença, que só ocorre nos casos previstos no artº 668º, nº1, do Código de Processo Civil.
Acontece que, por força do estatuído no artº 205º, nº1, do mesmo diploma, a nulidade deve ser arguida perante o Tribunal recorrido, salvo se – caso que aqui não ocorre – o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo marcado neste artigo.
Deveria o apelante ter arguido a referida nulidade perante o tribunal onde a mesma ocorreu, ou seja, perante a 1ª instância e só do despacho proferido sobre essa arguição poderia, então, recorrer.
Como consta do acórdão da RE de 17.07.86 (CJ 86, T.4, pag.313), «não pode a Relação conhecer de nulidade que não foi arguida tempestivamente e quando se não recorreu do despacho que indeferiu a arguição». Do mesmo modo decidiu o STJ, em acórdão de 21.01.98 (Proc. nº97S194, dgsi): «A arguição de nulidade nas alegações, e não no requerimento de interposição de recurso, é extemporânea, pelo que dela se não deve conhecer».
Assim, posto que o recorrente não arguiu a hipotética nulidade perante o Tribunal recorrido e, consequentemente, não interpôs recurso do despacho que sobre essa arguição decidiu, este Tribunal não emite pronúncia sobre a matéria.

Entrando, agora, na terceira questão, que se traduz na falta de apresentação da livrança a pagamento:
De acordo com o artº 75º da LULL, a livrança contém, a palavra "livrança" inserta no próprio texto do título, a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, a época do pagamento, a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento, o nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga, a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada e a assinatura de quem passa a livrança (subscritor).
Estabelece, por seu turno, o normativo seguinte que o escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeitos como livrança, salvo se se tratar de falta de indicação da época do pagamento, ou do lugar do pagamento, ou do lugar onde a livrança foi passada.
Relevante, ainda, para o caso é a regra estatuída no artº 77º que determina a aplicabilidade às livranças das disposições relativas às letras respeitantes ao direito de acção por falta de pagamento, ou seja, as dos artºs 43º a 50º e 52º a 54º.
O artº 78º vem dizer que o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra.
Ora, ainda de acordo com o artº 53º da mesma lei, depois de expirados os prazos fixados, para a apresentação de uma letra até a vista ou a certo termo de vista, para se fazer o protesto por faltas de aceite ou por falta de pagamento ou para a apresentação a pagamento no caso da cláusula "sem despesas", o portador perde os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante.
Por esse motivo, como se escreveu no acórdão do STJ de 14.01.2010 (itij), «Uma vez que, nos termos do artº 32º da LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante –nas letras –, quer do subscritor – nas livranças».
Sempre improcederiam, também e consequentemente, as invocadas falta de protesto (fls.13) ou falta de apresentação a pagamento (fls.86).

Outro dos fundamentos da oposição apresentada é o da ausência de alegação pelo recorrido de factos donda possa inferir-se a existência de obrigação subjacente à livrança.
Para tratar da bondade desta invocação, temos desde logo de realçar e vincar que os recorrentes foram habilitados como sucessores de um avalista, já falecido.
Nos termos do artº 30º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, (aplicável ex vi do artº 77º do mesmo diploma), o pagamento de uma livrança pode ser, no todo ou em parte, garantido por aval.
De acordo com o artº 32°, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, mantendo-se a sua obrigação mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
O fim específico do aval é o de garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado ( Ac. STJ, BMJ n° 279º, pág. 214).
Escreve o Professor Ferrer Correia, (Letra de Câmbio", pág. 196), que "o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário".
Assim, o aval integra uma obrigação de garantia, dada por uma pessoa a favor de outra que já é obrigada na letra ou livrança, obrigação que ela pode ser chamada a cumprir independentemente de excussão prévia dos bens da pessoa por quem se vinculou, uma vez que, por expressa disposição do artº 44º, os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas são todos "solidariamente" responsáveis para com o portador, e este tem o direito de accioná-las individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.
Vincula-se em termos de solidariedade perante o respectivo portador, passando a ser um devedor cambiário, sujeito de uma obrigação cambiária autónoma, embora dependente no plano formal da do avalizado – arts. 47º e 77º, da LULL.
De facto, como se disse, essa obrigação mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, isto é, vício respeitante aos requisitos externos da obrigação cambiária avalizada – art. 32º, 2ª parte.
Ora, atenta essa autonomia, tem-se entendido que o avalista não pode defender-se perante o portador com as excepções do avalizado, salvo no que concerne à do pagamento – v. Vaz Serra, RLJ Ano 113, pág. 187
A este propósito escreveu Fernando Olavo nas suas lições de Direito Comercial, vol. II, 1963, pág. 114, edição da AAFDL:
“(…)O título de crédito abstracto tem necessariamente não uma mas duas causas – uma causa próxima e uma causa remota: Causa remota é o negócio jurídico fundamental, subjacente ou causal, isto é, aquele negócio que dá lugar à emissão do título de crédito. Causa próxima é a convenção executiva, a qual muitas vezes se encontra implícita (...) Pode definir-se a condição executiva como sendo a convenção pela qual as partes do negócio jurídico fundamental concordam em que se emita um título de crédito (...).
Nos títulos abstractos os direitos neles integrados vivem independentemente da causa, o que não quer dizer que esta jamais possa ser invocada. O negócio jurídico causal pode ser invocado nos mesmos termos em que entre as mesmas partes podem ser invocados os direitos decorrentes de vários negócios que tenham celebrado”.
Tudo se passa, portanto, em dois planos: o da relação cambiária e o da relação extracartular que lhe está subjacente.
O recurso ao conteúdo da obrigação subjacente dá lugar à invocação de excepções que funcionam apenas como uma contra-pretensão, que vem compensar e anular a obrigação cambiária, que é literal e abstracta – v. Ferrer Correia, “Letra de Câmbio”, 1966, págs. 90/91.
Todavia, a exclusão da responsabilidade do avalista só é reconhecida nos casos em que a obrigação que ele garante seja nula por vício de forma, isto é, por vício que diga respeito aos requisitos externos da obrigação cambiária, perceptíveis pelo simples exame do título, e que comprove um impedimento objectivo e absoluto de a operação concretizadora da obrigação do avalizado formar qualquer valor patrimonial para a livrança – v. Paulo Sendim, “Letra de Câmbio”, Vol. II, pág., 783, e Ac. STJ de 22.02.1979, BMJ, n.º 284, pág. 250 e de 14.10.2004, no proc. nº04B2904, em www.dgsi.pt.
Assegurando o cumprimento de uma concreta obrigação, a obrigação do aval não obedece à regra accessorium sequitur principale, pois que se mantém mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
É, no fundo, uma garantia objectiva do próprio pagamento da letra, ou livrança, uma especifica obrigação cambiaria de garantia, com regime próprio e que só num ou noutro aspecto se assemelhará à fiança do direito comum.
Conforme se decidiu no acórdão do STJ de 23.10.07 (ITIJ, nº convencional SJ200710230030491) ,”o avalista é garante da obrigação do avalizado e é responsável pela mesma forma que este.
No entanto, como a figura de avalista é exclusiva dos títulos cambiários, só neste domínio pode considerar-se a exacta identidade de responsabilidades”.
Aqui chegados, impõe-se concluir que, sendo os recorrentes os habilitados do avalista da livrança, são irrelevantes quaisquer hipotéticas razões que não se reconduzam a nulidades decorrentes de vícios de forma do título executivo.

Relativamente ao pacto de preenchimento, como consta das contra-alegações, foi apenas invocado em sede de recurso, dado que essa matéria não consta do requerimento de oposição à execução.
Acontece, porém, que este Tribunal é um Tribunal de recurso, pelo que não aprecia questões novas.
Na verdade, “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas” – Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pag.90.
A questão aqui em apreço está a ser colocada pela primeira vez à apreciação judicial, ofendendo, por essa via, o princípio da preclusão e desvirtuando a finalidade dos recursos.
Fica, assim, vedado o respectivo conhecimento, sem prejuízo do que acima se consignou.

Entremos, agora, na invocada prescrição da acção.
Dizem os recorrentes que foi dada à execução uma livrança emitida em 25.08.2005, vencida já, em 08.06.2006, sendo que o recorrente Mário foi citado em 29.11.2010 e o Carlos em 06.01.2011 (artºs 15º e 16º da petição).
Vem provado e não foi impugnado que a execução, de que os presentes são apensos, foi instaurada em 26 de Junho de 2006.
Dispõe o artº 323º, nº1, do Código Civil que a prescrição se interrompe pela citação. Mais acrescentando o nº2 do preceito que se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição pir interrompida logo que decorram os cinco dias.
É, consequentemente, irrelevante que os recorrentes apenas tenham sido citados nas datas apontadas posto de os cinco dias a que se fez referência se verificaram muito para aquém do prazo consignado no artº 70º da LULL.
Improcede, também.

Entre-se, finalmente, na derradeira mas não menos importante questão: a da autenticidade da letra e assinatura constante da livrança e imputável ao avalista.
O Sr. Juiz a quo deu como provado, no que agora releva, o seguinte, por nós realçado a negrito:
A exequente é portadora de uma livrança no montante de €57.241,20, em cujo anverso constam, no espaço reservado à assinatura do subscritor, sob o carimbo social da firma “F…, Lda”, as assinaturas dos sócios-gerentes desta e em cujo verso consta, sob a expressão “dou o meu aval à firma subscritora”, além do mais, a assinatura de MR, emitida em 25 de Agosto de 2003 e com vencimento em 8 de Junho de 2006 – cfr. doc. de fls. 13 do processo de execução, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Os recorrentes insurgem-se contra esta factualidade que, dizem, não pode ser dada como processualmente adquirida. Cremos que com toda a razão.
Lido o requerimento de oposição, não restam quaisquer dúvidas que, sob o artº 24º, são expressamente impugnadas quer a letra quer a assinatura imputadas ao falecido MR, onde se afirma claramente que não são do seu punho.
Nos termos do artº 374º, nº1, do Código Civil, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
Estabelece, por seu turno, o nº2 do mesmo preceito que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
Portanto, o Sr. Juiz não podia dar como provado o que deu e, com base numa autenticidade em nada sustentada, condenar os recorridos, como o fez.
Isto reconduz-nos à questão, também suscitada em sede de recurso, de que o Tribunal a quo não dispõe, ainda, de todos os elementos factuais que possam alicerçar uma decisão de direito, impondo-se a anulação da decisão, nesta parte, para respectiva averiguação.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente a apelação, ordenando-se a prossecução dos autos para averiguação da autenticidade da letra e assinatura do avalista, em tudo o mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas por ambas as partes, fixando-se o decaimento dos apelantes em 75% e em 25% o do apelado.

Guimarães,27.02.2012
Raquel Rego
António Sobrinho
Jorge Teixeira