Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
322/14.3TBVLN.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO
MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Resultando do quadro factual apurado, objectivamente, situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e mostrando-se insuficiente e inadequada a promoção da integração do menor na sua família natural (pois de nenhum dos progenitores recebeu o menor os cuidados e afeição adequados, não se vislumbrando que os possa receber de quem quer seja que integre a sua família alargada – o progenitor demitiu-se da sua responsabilidade e a progenitora também e não goza de qualquer retaguarda familiar), é conforme aos princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade e da prevalência das soluções familiares sobre as institucionais, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
2 - O superior interesse da criança a que se deve atender em primeiro lugar, não permite que esta possa ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam condições para o seu regresso à família
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou em 28 de Julho de 2014 requerimento no qual relata um conjunto de factos que são susceptíveis de revelar que o menor M.., nascido em 24/7/2014, filho de M.. e E.. se encontrava carecido de protecção.
O requerimento vem acompanhado de documentos entre os quais um relatório social elaborada pela CPCJ e documentos anexos.
Determinada a autuação como processo tutelar de promoção e protecção foi declarada aberta a fase de instrução com designação de dia para audição dos pais do menor, da técnica da Segurança social de Valência e da Srs. Presidente da Comissão de protecção de menores de Valência, melhor identificadas no despacho de fls. 22. Mais se determinou o cumprimento do disposto no artº 107 nº3 da LPCJP quanto aos pais do menor.
Antes da realização destas diligências seguiu-se pedido do Magistrado do MP para que com os fundamentos que avoca a fls. 25 o tribunal aplique provisoriamente a medida de acolhimento do menor em instituição com início no momento da data da alta hospitalar com carácter provisório.
Em apreciação deste pedido foi proferida a seguinte decisão
Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 34.º, alínea a), 35.º, alínea f) e 37.º da LPPCJP decide-se aplicar, a titulo provisório, em favor do menor supra identificado, a medida de promoção e protecção de acolhimento institucional logo que os serviços hospitalares onde se encontra internado lhe dêem a competente alta clínica, devendo a Segurança Social diligenciar, segundo o seu prudente critério, pela selecção da instituição adequada a tal fim atendendo à tenra idade do menor.
Não obstante, tendo em vista assegurar a manutenção da proximidade afectiva do menor com a sua mãe, até por se tratar de um recém-nascido, deverá permitir-se e mesmo incentivar-se que esta o visite diariamente na instituição onde se encontrará acolhido sem prejuízo dos seus horários de descanso e das regras de funcionamento da referida instituição.
Notifique.
Oficie à Segurança Social e à CPCJ.
O processo foi instruído com as seguintes diligências:
Audição dos progenitores (acta de fls. 42) na qual atentas as declarações e documentos juntos resultou evidente a situação de perigo em que o menor se encontrava, se declarou encerrada a instrução e se designou de imediato conferência de pais aonde foi obtido o seguinte acordo de promoção e proteção:
___a) Ao menor M.. é aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional.---
___b) Os pais poderão visitar o menor, sempre que o desejarem, respeitando os horários da instituição e mediante aviso prévio à mesma.---
___c) A medida ora aplicada terá a duração de três meses.---
___Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, e ao Ilustre Defensor do menor pelos mesmos nada terem a opor ao acordo obtido.---
(…) homologado pela seguinte decisão judicial
___Por se encontrarem acautelados os interesses e bem estar do menor, homologo o acordo supra descrito, devendo os progenitores do menor cumprir as obrigações nele assumidas.---
___Face à dificuldade de deslocação dos progenitores à instituição onde o menor se encontra provisoriamente colocado, por falta de transporte público para o local, o que já não se verifica para a cidade de Viana do Castelo, que dispõem de comboios e autocarros, solicite à Segurança Social que diligencie pela possibilidade de colocação do mesmo na cidade de Viana do Castelo.---
___Comunique a presente decisão ao Instituto da Segurança Social de Viana do Castelo.---
___A Instituição onde o menor for colocado deverá elaborar relatório das eventuais visitas efetuadas pelos progenitores.—
___Durante a vigência da presente medida deverão ser elaborados pela Segurança Social os relatórios sociais do menor e dos progenitores do menor, bem como deverá ser efetuada uma avaliação do estado psíquico da mão do menor.---
___ Sem custas.----
Por falta de vagas em instituições mais próximas segundo informação da Segurança Social foi determinado (despacho de fls. 49) que o menor se mantenha por ora na instituição onde se encontra acolhido, até que a Segurança Social consiga vaga em Viana do Castelo ou noutra instituição que fique mais próxima da área de residência dos progenitores.
Com data de 03 de Novembro de 2014 foi junta informação ao processo proveniente do centro de acolhimento aonde se encontra o menor no qual a equipa técnica concluiu que está a existir um distanciamento por parte da progenitora, algo que se verifica com base na ausência de contactos telefónicos e na escassez das visitas.
Seguiu-se a junção do relatório social de avaliação Diagnóstica (fls. 72 a 79) oficio do CAT (fls. 91) ambos emitindo parecer no sentido de aplicação de uma medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a adopção.
A medida de acolhimento institucional foi mantida.
Audição das técnicas da Segurança Social, do Cat. e dos progenitores (fls. 110 e 11)
Junção do relatório da perícia médico-legal.
Por decisão datada de 19.03.2015 a medida de acolhimento institucional foi mantida pelo período de seis meses.
Notificado o Ministério Público, os pais e o menor, termos e para os efeitos do art. 114º, n.º 1 da Lei 147/99, vieram o Ministério Público e a progenitora apresentar as suas alegações:
O Ministério Público, pugnando que a medida de promoção e protecção que melhor se adequa à situação específica do menor é o acolhimento em instituição com vista à adoção.
A progenitora defendendo o regresso do menor ao lar.
Foi designado dia para debate judicial, tendo sido ouvidos progenitores e a prova testemunhal arrolada.
No final foi proferida decisão que aplicou ao menor M.. a medida de acolhimento em instituição com vista à futura adoção, nos termos do artigo 35.º 1 g) da L. P. C.J., medida que dura até ser decretada a adoção - artigo 62º-A nº 1 da Lei; Inibiu os pais do exercício das responsabilidades parentais – artigo 1978º-A do CC, e sem lugar a visitas por parte da família natural – artigo 62º-A nº 2 da Lei; Nomeou curador provisório o Diretor Técnico do CAT Raio de Sol – artigo 167º nº 1 da OTM.

Inconformada a progenitora veio interpor recurso da sentença no qual apresenta as seguintes conclusões;
A)A douta decisão recorrida fez "tábua rasa" de prova produzida em sede de debate judicial, designadamente a que se consubstancia no Relatório Forense do IML de Viana do Castelo, no qual se descreve a recorrente como pessoa apta para desempenhar as funções de maternidade, sob determinadas condições;
B) A decisão recorrida formulou um juízo de prognose relativamente á recorrente, sem que a mesma tenha dado qualquer prova de incapacidade para exercer a maternidade, atenta a situação de lhe ter sido retirado o filho imediatamente após o nascimento.
C)Jamais poderia ser estabelecida uma relação entre os Pais e o menor, atenta o facto de, aos mesmos Pais não ter sido dada a mínima possibilidade de privar com o filho:
D) A valoração do espaçamento das visítas da mãe ao menor seu filho, deveria ser complementada pela razão natural das dificuldades financeiras da mesma progenitora e do facto de a mesma, não tendo transporte próprio, ter que se deslocar de transporte público, raro e desajustado a quem exerce um trabalho normal e regular;
E)Deveria, isso sim, a sociedade, preocupar-se em definir estratégias que permitam a aproximação dos menores aos pais biológicos durante qualquer período de proteção dos mesmos menores, devendo essa ser a regra e não, como parece, a exceção ...
F)A decisão recorrida violou frontalmente o disposto, além de outros, no artigo 4° da Lei 31/2003, 1885º do Código Civil e 68° da Constituição da República Portuguesa.
G)Esta decisão deve ser substituída por outra na qual o menor M.. continue em Instituição adequada à sua idade, norteando-se toda a situação posterior para uma entrega aos Pais biológicos (máxime à mãe), dentro de um período de tempo que se repute necessário.
Assím será feita, devidamente, a Justiça a que esse venerando Tribunal nos habituou.
A Magistrada do MPº contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações.
Assim, a questão a decidir traduz-se em saber se:
Face às circunstâncias de facto provadas, deverá a medida aplicada de confiança com vista a futura adoção do menor ser substituída pela medida de colocação em Instituição adequada à sua idade pelo tempo necessário

FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Dos factos dados como provados na decisão recorrida
1. M.. nasceu em 24/7/2014, filho de M.. e E..;
2. Logo que nasceu e teve alta hospitalar, o menor foi acolhido desde 30/7/2014, com 6 dias de vida, na instituição “R..”;
3. A progenitora compareceu na instituição para visita no dia seguinte ao acolhimento;
4. Inicialmente as visitas maternas eram diárias com duração de 2 horas; até setembro de 2014 também entrava em contacto telefónico para se inteirar sobre o bem-estar do M...
5. Estas visitas iniciais decorreram com grande interação da mãe com o filho, trocando afetos, embalando-o e prestando os cuidados básicos;
6. Em agosto visitou o menor 16 vezes; em setembro 8 vezes; em outubro, 6 vezes (maioritariamente ao domingo à tarde, de acordo com a disponibilidade da progenitora); em novembro 2 vezes; em dezembro 4 vezes.
7. As últimas visitas da mãe ocorreram em:
a. 22/2/2015, onde foi visível uma constante procura visual do menor com as técnicas da instituição; a dinâmica da visita limitou-se a uma troca de diálogo da mãe com uma utente do CAT.
b. 22/3/2015, com a duração de 30 minutos e sem interação com o menor, tendo a mãe questionado o estado de saúde do filho.
c. 10/5/2015, estando com o filho uma hora.
8. Nas últimas visitas, a mãe interagiu com outras pessoas e deu pouca atenção ao filho.
9. Desde setembro de 2014 os contactos telefónicos da progenitora com a instituição também diminuíram e por fim são realizados apenas para informar a sua deslocação à instituição.
10. A primeira visita do progenitor ao seu filho ocorreu em 30/11/2014 e a última em 4/1/2015, não mais tendo comparecido e nunca tendo estabelecido contacto telefónico com a instituição para se inteirar da situação do filho.
11. Desde 2012, (desde a morte da mãe de E.. o que lhe causou imenso sofrimento), E.. apresenta alterações psicopatológicas compatíveis com o diagnóstico de perturbação da personalidade tipo histriónico pautada pela intolerância à frustração e impulsividade, em comorbilidade com quadro depressivo reativo recorrente; é pessoa imatura, com reduzido sentido crítico imputando a todos os outros, a culpa das situações, o que lhe prejudica o exercício responsável da parentalidade;
12. Desde 2012, E.. tentou por cinco vezes o suicídio, algumas delas potencialmente letais, como atirar-se de uma janela com altura de seis metros, ou ingerir produtos tóxicos (remédio das árvores), seguindo-se quatro períodos de internamento hospitalar em psiquiatria em 2012 e 2013.
13. Estes progenitores são também pais de D.., nascido em 22/4/2010.
14. E.. é ainda mãe de N.., nascido em 18/11/1995; e de D.., nascida em 21/12/1999.
15. D.. e D.. estão desde 1/10/2012 sujeitos a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional dado o internamento da mãe em hospital, subsequente a tentativa de suicídio e falta de retaguarda familiar.
16. Em dezembro de 2012, D.. viu a medida alterada a medida para apoio junto dos pais pelo período de 12 meses, no entanto as repetidas tentativas de suicídio da mãe, presenciadas pelo menor D.., levaram à transferência para o pai dos cuidados ao menor e vigilância dos contactos com a mãe para assegurar a sua proteção;
17. No final do ano de 2013, E.. deixou de ir às consultas de psiquiatria e tomar a medicação, pelo que em 16/11/2013, em momento de grande descompensação, decidiu ir para Lisboa, deixando sozinho o filho D.., dado que o pai, com os seus afazeres profissionais, não conseguia cuidar do filho.
18. A falta de supervisão do pai e novas tentativas de suicídio motivaram a aplicação a este menor D.., em 29/11/2013, de uma medida de apoio junto de pessoa idónea, na pessoa de S.. entretanto renovada até fevereiro de 2015, estando por ora fora de hipótese o regresso do D.. ao lar materno.
19. Antes de ser institucionalizado, D.. frequentava o centro de lazer O.., onde permanecia das 8H00 às 20H00; as educadoras desde logo notaram receios do menor em relação à água; com 3 anos, a sua fala era pouco perceptível e não controlava os esfíncteres; não usava a sanita, chegando a defecar no meio do terraço do Centro de Lazer, como se fosse natural; usava a mesma roupa 3 dias seguidos, apresentava a pele irritada, higiene deficiente logo pela manhã e ao almoço rejeitava a comida preferindo iogurtes, bolachas ou chocolates.
20. O jovem N.., atualmente com 19 anos, embora nunca tivesse sido alvo de processo de promoção e proteção, viveu sempre entregue a uma ama até cerca do ano de 2000 quando nasceu a D..; N.. assumiu sempre postura desafiante perante a mãe e atualmente não a respeita e há historial de violência entre mãe e filho.
21. N.. tem o 9º ano de escolaridade, não trabalha e é visto na sociedade como um jovem de perfil socialmente desadequado.
22. Durante o tempo que D.. viveu com a mãe, entre 21/12/1999 e agosto de 2012, durante discussões geradas entre ambas, a mãe dirigiu à filha D.. expressões como puta, vaca, porca, puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe bofetadas e pancadas com vassoura, comportamento mais frequente devido à falta de obediência por parte da menor.
23. Em dia não apurado do mês de agosto, na sequência de um desentendimento com a filha D.., E.. agarrou numa gaveta de uma mesa de cabeceira e atirou-a em direção à filha, atingindo-a na face, provocando-lhe hematoma no nariz e corte de um dedo da mão.
24. Devido a tais factos, a progenitora veio a ser condenada por sentença transitada e proferida em 8/1/2014, nos autos de processo crime que correram termos sob o nº 503/12.4GBVLN pela prática do crime de maus-tratos na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
25. M.. possui ainda outro filho com 10 anos e com o qual não contacta há mais de 8 anos, vivendo com a mãe em Vila Nova de Cerveira.
26. A grande prioridade do pai é o trabalho, justificado com o sustento da família.
27. A progenitora é acompanhada em psiquiatria e psicologia no Centro de Saúde de Valença, faltando todavia, várias vezes às consultas.
28. O agregado reside em casa arrendada em Valença, com 3 quartos, sala cozinha e 1 casa de banho.
29. O pai é carpinteiro, saindo de casa às 6H00 e regressando às 20H00, auferindo cerca de €1000 mensais;
30. No início de presente ano, a progenitora começou a trabalhar em Ponte de Lima, na restauração, com horário das 9H00 às 18H00, passando a viver em casa do patrão num quarto num sótão.
31. Inicialmente regressava a Valença ao sábado à tarde retornando a Ponte de Lima ao Domingo.
32. Desde há 15 dias incompatibilizou-se com o patrão e, em vez de regressar a Valença, para a companhia de M.., passou a residir em casa de outra pessoa em Ponte de Lima.
33. Atualmente o casal encontra-se desavindo e separado.
34. O M.. apresenta desenvolvimento adequado à idade, reage quando chamam por ele, come de tudo e já se agarra às grades da cama ficando em pé.
35. Inexiste outro adulto, familiar ou não, que constitua retaguarda de proteção para este menor.

De Direito
Relatado que está o desenvolvimento sequencial do processo até à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação.
A primeira conclusão recursória tem o seguinte teor:
A)A douta decisão recorrida fez "tábua rasa" de prova produzida em sede de debate judicial, designadamente a que se consubstancia no Relatório Forense do IML de Viana do Castelo, no qual se descreve a recorrente como pessoa apta para desempenhar as funções de maternidade, sob determinadas condições;
Porém vista a decisão em apreço verifica-se que, ao contrário do afirmado pela recorrente, a decisão de facto teve por base, entre o demais, o relatório do exame de psiquiatria forense á progenitora de fls. 116, ou seja, o Relatório Forense do IML de Viana do Castelo referido pela recorrente.
Acresce dizer que, a instrução da causa refere-se exclusivamente à demonstração de factos, e a fundamentação de facto das decisões não pode conter senão matéria de facto (arts. 410 º e 607º, nº 3 do CPC), pois valem nos processos de promoção e protecção (processos de jurisdição voluntária), como o presente, as regras estabelecidas no processo civil para a elaboração da sentença (cf. não só o art. 549º, nº 1 do CPC como também o disposto no art. 126º da LPCJP).
Como decorre do art. 607º, nº 4 do CPC devem na sentença discriminar-se os factos considerados provados. Não só dessa parte se exclui a matéria de direito e conclusiva, como também a discriminação dos meios probatórios eventualmente valorizados pelo tribunal para a considerar provada.
Factos são as ocorrências concretas da vida real, respeitem eles aos acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem) ou antes aos eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo [1] .
Constituem ainda matéria de facto os juízos de facto, enquanto realidade empírica integradora de pressupostos de facto de certas normas e não do cerne do juízo de valor legal, como é o caso dos juízos periciais de facto [2].
Fora do conceito normativo de facto situam-se as provas (os meios de prova) – as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do CC).
As afirmações feitas por testemunhas ou partes relativas a determinadas ocorrências da vida real ou as afirmações constantes da prova pericial não são factos, mas antes meios de prova que o julgador pode/deve utilizar para formar a sua convicção sobre a concreta materialidade relevante (sobre a realidade do facto).
Ora a matéria pretendida apurada - Considerar a recorrente como pessoa apta para desempenhar as funções de maternidade, sob determinadas condições; reporta-se, precisamente, não a qualquer realidade de facto tida por demonstrada, mas antes a uma conclusão retirada por um meio de prova, de fatos que deviam ter sido trazidos ao processo e provados. O que não aconteceu. Como tal não deve ser valorada.
Também e porque ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil de declaração a pretender a recorrente impugnar a matéria de fato provada, a impugnação pretendida não obedece ao formalismo legal.
Na verdade quando se impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente indicar sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº 1 do artº 640 do CPC) e os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº 1 do artº 640 do CPC).
Ora desde logo a apelante não indicou o(s) concreto(s) ponto(s) da matéria de facto com os quais não concorda.
E não tendo sido dado cumprimento a esse ónus, o recurso na parte relativa à alteração da matéria de facto tem que ser rejeitado.
A hipótese de proceder à alteração da decisão da primeira instância com qualquer outro dos fundamentos previsos no já referido artº 662º não se vislumbra.
De qualquer modo sempre se dirá que da leitura do processo, nada resultou que pusesse em causa os factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
O Tribunal a quo fez diversas diligências no sentido de obter a máxima informação para poder decidir. Solicitou relatórios à Segurança Social e à CPCJ, referidos na fundamentação da decisão de facto, ouviu os progenitores, apreciou cópia da sentença proferida em processo crime , indagou de outro processo de promoção e protecção, ouviu as técnicas que têm acompanhado o caso, notificou a instituição onde se encontra o menor para enviar os registos de visitas dos progenitores, ouviu a prova arrolada pelos progenitores e magistrado do MPº, tendo pois os elementos necessários para proferir decisão.
E perante os factos apurados tem-se por adquirida e reconhecida a situação de grande perigo em que o menor se encontraria se colocado junto dos pais e a necessidade que se mantém de não o entregar aos mesmos por falta de competências para o alimentar, higienizar, educar e acompanhar de um modo minimamente responsável ao longo da sua infância.
Aliás são os próprios pais que aceitam o acordo para a institucionalização do menor, sendo esta a medida que a recorrente continua a pedir para ser aplicada.
Pais que, como resulta dos factos provados, não revelam condições materiais, sociais e psicológicas para manterem, no seu seio, o menor. Na verdade, o ambiente familiar é muito disfuncional, gerador de violência doméstica. A progenitora sofre de doença psiquiátrica, com algumas tentativas de suicídio, e também descura a medicação. Para o progenitor a grande prioridade é o trabalho, justificado com o sustento da família e não há retaguarda familiar.
Assim a questão que somos chamados a decidir respeita apenas a saber se o superior interesse do menor recomenda a aplicação da medida de colocação em instituição ou da medida de confiança judicial a instituição com vista a futura adoção (art.º 35º, nº 1, al.s e) e g), da LPCJP - Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº 147/99, de 1 de setembro.
Cumpre desde já salientar que, a questão encontra-se devidamente apreciada, quer a nível legislativo, doutrinal e jurisprudencial na decisão recorrida, pelo que nesta decisão vamos apenas perceber e apreciar os argumentos da recorrente, não percando de vista a natureza voluntária da jurisdição em causa (art.º 150º da OTM) e tentando evitar desnecessárias delongas.
Ora nas demais conclusões alega a recorrente que:
B) A decisão recorrida formulou um juízo de prognose relativamente á recorrente, sem que a mesma tenha dado qualquer prova de incapacidade para exercer a maternidade, atenta a situação de lhe ter sido retirado o filho imediatamente após o nascimento.
C)Jamais poderia ser estabelecida uma relação entre os Pais e o menor, atenta o facto de, aos mesmos Pais não ter sido dada a mínima possibilidade de privar com o filho:
D) A valoração do espaçamento das visitas da mãe ao menor seu filho, deveria ser complementada pela razão natural das dificuldades financeiras da mesma progenitora e do facto de a mesma, não tendo transporte próprio, ter que se deslocar de transporte público, raro e desajustado a quem exerce um trabalho normal e regular;
E)Deveria, isso sim, a sociedade, preocupar-se em definir estratégias que permitam a aproximação dos menores aos pais biológicos durante qualquer período de proteção dos mesmos menores, devendo essa ser a regra e não, como parece, a exceção ...
Esquece a recorrente que se provou que Desde 2012, (desde a morte da mãe de E.. o que lhe causou imenso sofrimento), E.. apresenta alterações psicopatológicas compatíveis com o diagóstico de perturbação da personalidade tipo histriónico pautada pela intolerância à frustração e impulsividade, em comorbilidade com quadro depressivo reativo recorrente; é pessoa imatura, com reduzido sentido crítico imputando a todos os outros, a culpa das situações, o que lhe prejudica o exercício responsável da parentalidade;
Desde 2012, E.. tentou por cinco vezes o suicídio, algumas delas potencialmente letais, como atirar-se de uma janela com altura de seis metros, ou ingerir produtos tóxicos (remédio das árvores), seguindo-se quatro períodos de internamento hospitalar em psiquiatria em 2012 e 2013.
Estes progenitores são também pais de D..nascido em 22/4/2010.
E.. é ainda mãe de N.. nascido em 18/11/1995; e de D.., nascida em 21/12/1999.
D.. e D.. estão desde 1/10/2012 sujeitos a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional dado o internamento da mãe em hospital, subsequente a tentativa de suicídio e falta de retaguarda familiar.
Em dezembro de 2012, D.. viu a medida alterada a medida para apoio junto dos pais pelo período de 12 meses, no entanto as repetidas tentativas de suicídio da mãe, presenciadas pelo menor D.., levaram à transferência para o pai dos cuidados ao menor e vigilância dos contactos com a mãe para assegurar a sua proteção;
No final do ano de 2013, E.. deixou de ir às consultas de psiquiatria e tomar a medicação, pelo que em 16/11/2013, em momento de grande descompensação, decidiu ir para Lisboa, deixando sozinho o filho D.., dado que o pai, com os seus afazeres profissionais, não conseguia cuidar do filho.
A falta de supervisão do pai e novas tentativas de suicídio motivaram a aplicação a este menor D.., em 29/11/2013, de uma medida de apoio junto de pessoa idónea, na pessoa de S.. entretanto renovada até fevereiro de 2015, estando por ora fora de hipótese o regresso do D.. ao lar materno.
Antes de ser institucionalizado, D.. frequentava o centro de lazer O.., onde permanecia das 8H00 às 20H00; as educadoras desde logo notaram receios do menor em relação à água; com 3 anos, a sua fala era pouco perceptível e não controlava os esfíncteres; não usava a sanita, chegando a defecar no meio do terraço do Centro de Lazer, como se fosse natural; usava a mesma roupa 3 dias seguidos, apresentava a pele irritada, higiene deficiente logo pela manhã e ao almoço rejeitava a comida preferindo iogurtes, bolachas ou chocolates.
. O jovem N.., atualmente com 19 anos, embora nunca tivesse sido alvo de processo de promoção e proteção, viveu sempre entregue a uma ama até cerca do ano de 2000 quando nasceu a D..; N.. assumiu sempre postura desafiante perante a mãe e atualmente não a respeita e há historial de violência entre mãe e filho.
. N.. tem o 9º ano de escolaridade, não trabalha e é visto na sociedade como um jovem de perfil socialmente desadequado.
Durante o tempo que D.. viveu com a mãe, entre 21/12/1999 e agosto de 2012, durante discussões geradas entre ambas, a mãe dirigiu à filha D.. expressões como puta, vaca, porca, puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe bofetadas e pancadas com vassoura, comportamento mais frequente devido à falta de obediência por parte da menor.. Em dia não apurado do mês de agosto, na sequência de um desentendimento com a filha D.., E.. agarrou numa gaveta de uma mesa de cabeceira e atirou-a em direção à filha, atingindo-a na face, provocando-lhe hematoma no nariz e corte de um dedo da mão.
Devido a tais factos, a progenitora veio a ser condenada por sentença transitada e proferida em 8/1/2014, nos autos de processo crime que correram termos sob o nº 503/12.4GBVLN pela prática do crime de maus-tratos na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
M.. possui ainda outro filho com 10 anos e com o qual não contacta há mais de 8 anos, vivendo com a mãe em Vila Nova de Cerveira.
A grande prioridade do pai é o trabalho, justificado com o sustento da família.
A progenitora é acompanhada em psiquiatria e psicologia no Centro de Saúde de Valença, faltando todavia, várias vezes às consultas.
O agregado reside em casa arrendada em Valença, com 3 quartos, sala cozinha e 1 casa de banho.
O pai é carpinteiro, saindo de casa às 6H00 e regressando às 20H00, auferindo cerca de €1000 mensais; - factos elencados nos pontos 11 a 29 dos factos provados da sentença.
Estes distintos comportamentos dos progenitores (e não qualquer juízo de prognose) convergiram para colocar o menor, logo e desde o seu nascimento numa situação de perigo para a sua segurança, saúde, formação e desenvolvimento – um, em face da sua completa ausência; outra, face à incapacidade, que os factos provados revelam, de proporcionar a um recém-nascido a satisfação das suas necessidades mais básicas e prementes, seja ao nível da higiene, seja ao nível da alimentação, seja ao nível emocional e afectivo. Em conjunto e cada um por si não revelam condições materiais, sociais e psicológicas para manterem, no seu seio, o menor
Estruturalmente, do ponto de vista do menor – e é o interesse do menor que aqui releva, pois, como se salienta na decisão recorrida é o superior interesse da criança é a matriz dos processos de promoção e protecção –, a situação fazia perigar a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, pois de nenhum dos progenitores ou de ambos recebia as condições materiais, sociais e psicológicas que um recém-nascido tão prementemente (e permanentemente) necessita
Tanto bastava para ter, quer o hospital quer o Tribunal, intervindo como intervieram. Na verdade, justifica-se a intervenção para proteção dos direitos das crianças e jovens em perigo, quando os pais, representante legal ou quem deles tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo- artº 3 da LPCJP
No seu n.º 2, exemplificativamente (veja-se a expressão aí utilizada (“designadamente”), indicam-se algumas das situações em que tal perigo se presume existir.
Das situações, exemplificativamente, enumeradas no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, destacam-se (por mais ligadas ao caso em apreço), as referidas nas suas alíneas a), referindo-se, esta, a uma situação de abandono ou em que a criança vive entregue a si própria; c) relativa à falta de cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal e e) que se refere à sujeição a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.
Como refere Beatriz Marques Borges, [3] verifica-se o perigo para a segurança de uma criança ou jovem quando se verifica que estes são colocados numa situação de incerteza física ou psicológica sobre o seu bem-estar, não se sentido garantida nas suas necessidades e desejos; quanto à saúde, está em risco o seu equilíbrio físico/psíquico, a sua capacidade de resistência e o seu próprio equilíbrio mental e social, com diminuição do seu sentido de autoestima ou o valor e utilidade como membro da comunidade em que se insere; o perigo para a formação revela-se em situações que podem fazer distorcer o seu desenvolvimento integral da personalidade, a sua equilibrada maturação afetiva, emocional e social; o perigo para a educação nasce da circunstância de existindo uma educação incompleta e carente, com a inconsequente incapacidade de o visado se poder afirmar com todo o seu potencial, sendo que uma boa educação escolar é, cada vez mais, imprescindível para obter condições de sucesso na sociedade e no mercado de trabalho futuro, do que, em grande parte, depende a integração e coesão social com todos os reflexos e consequências que daí advêm; por fim, o perigo para o seu desenvolvimento é o corolário de todos os anteriores itens visando o crescimento, quer físico quer psíquico das crianças e jovens, com vista ao seu desenvolvimento são e harmonioso.
Por outro lado, tal situação de perigo, tem de resultar de uma situação de facto que comporte a provável e atual violação da boa educação em qualquer dos fatores ora enunciados, bastando-se com uma situação de um real ou muito provável perigo, atual [4].
Como escrevem Helena Bolieiro e Paulo Guerra “Acentua-se o carácter objectivo das condutas ou situações vividas pela criança em perigo, podendo mesmo configurar-se como tal uma situação de gestação não vigiada pelos progenitores, aliada a toda uma disfuncionalidade vivencial subsequente ao nascimento”. Escrevem ainda aqueles autores que basta a história pessoal dos pais, grave e negra, em termos de condições objetivas e subjetivas para cuidar de uma criança, e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo, para que esta alínea possa funcionar para efeitos de se considerar uma criança em estado de adotabilidade [5].
Por sua vez já após a colocação provisória do menor em instituição e durante o tempo que ali se manteve, se o progenitor sempre se manteve completamente ausente, a progenitora fez acompanhar a atenção e carinho pelo menor, de crescente desinvestimento na relação (e assunção da inerente responsabilidade parental), até na sua estrita componente afectiva – foi diminuindo a assiduidade das visitas (Em agosto visitou o menor 16 vezes; em setembro 8 vezes; em outubro, 6 vezes (maioritariamente ao domingo à tarde, de acordo com a disponibilidade da progenitora); em novembro 2 vezes; em dezembro 4 vezes. As últimas visitas da mãe ocorreram em: a. 22/2/2015, onde foi visível uma constante procura visual do menor com as técnicas da instituição; a dinâmica da visita limitou-se a uma troca de diálogo da mãe com uma utente do CAT. 22/3/2015, com a duração de 30 minutos e sem interação com o menor, tendo a mãe questionado o estado de saúde do filho.. 10/5/2015, estando com o filho uma hora. Nas últimas visitas, a mãe interagiu com outras pessoas e deu pouca atenção ao filho.. Desde setembro de 2014 os contactos telefónicos da progenitora com a instituição também diminuíram e por fim são realizados apenas para informar a sua deslocação à instituição) até ao ponto de nas últimas visitas, a mãe interagiu com outras pessoas e deu pouca atenção ao filho ( fato elencado no nº 8 dos fatos provados).
Não se objecte que o espaçamento das visitas da mãe ao menor seu filho, deveria ser complementada pela razão natural das dificuldades financeiras da mesma progenitora e do facto de a mesma, não tendo transporte próprio, ter que se deslocar de transporte público, raro e desajustado a quem exerce um trabalho normal e regular.
Se esta é uma realidade que temos de atender, e o tribunal considerou-a pois determinou a colocação do menor na cidade aonde os progenitores residem ou o mais próximo possível, o que não foi até agora possível por falta de vaga, a verdade é que não só as visitas espaçaram mas também os telefonemas e quanto a estes a justificação apresentada –a distância a percorrer e a falta de transporte não releva.
Tenha-se, contudo, presente que não se trata aqui de emitir juízo quanto ao sentimento que a recorrente nutre pela sua filha.
O que se impõe, não obstante, é aquilatar das condições objectivas que podem ser propicionadas ao menor, sem esquecer, simultaneamente, que o amor maternal tem de traduzir-se em actos materiais, frequentes e adequados ao crescimento equilibrado das crianças; de nada serve um sentimento maternal, por mais profundo que seja, se não corresponde materialmente a actos e cuidados necessários ao desenvolvimento harmonioso e saudável da criança [6].
Apurado que o menor se encontra em situação de perigo é premente a necessidade de lhe ser aplicada medida de promoção e protecção, com a finalidade de o afastar do perigo e de lhe proporcionar as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 34º da LPCJP).
À escolha da medida presidem, entre outros, os princípios do interesse superior da criança (art. 4º, a) da LPCJP) – deve atender-se prioritariamente aos interesses e direitos da criança, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto –, da intervenção mínima (art. 4º, d) da LPCJP), da proporcionalidade e actualidade (art. 4º, e) da LPCJP) – a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra no momento em que decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade –, da responsabilidade parental (art. 4º, f) da LPCJP) – a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança – e da prevalência da família (art. 4º, g) da LPCJP) – deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família ou que promovam a sua adopção.
Como vemos, a matriz fundante da intervenção, o critério da decisão, como determinante da escolha da providência a adoptar para afastar a criança do perigo em que se encontra ou pode vir a encontrar-se e proporcionar-lhe as condições que permitiam protegê-la e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e integral desenvolvimento, está no princípio do superior interesse da criança.
Os demais princípios são desenvolvimento e concretização daquele – coadjuvam-no, visando, afinal, o seu alcance –, podendo ser definidos pelas ideias da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da menor intervenção possível.
Assim a providência a adotar deve ser a adequada e a necessária à concreta situação do menor, devendo importar a mínima interferência na sua vida e na da sua família (deve, aliás, privilegiar-se, tanto quanto possível, desde que tal se mostra adequado, a sua integração na família e promover-se que os pais assumam as suas responsabilidades parentais) – a escala da interferência aumentará na exacta medida em que se mostre imprescindível, face à adequação e necessidade da providência a adoptar, considerando os superiores interesses da criança, ao afastar do perigo e à criação das condições para o seu integral desenvolvimento.
Não poderá descurar-se a preocupação de salvaguardar a importância da família do menor – tal decorre não só do art. 9º da Convenção Sobre os Direitos da Criança [7] ao preceituar que “a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a não ser que a separação se mostre necessária no interesse superior da criança, como também do art. 36º, nº 6 da CRP, que estabelece não poderem os filhos ser separados dos pais, salvo quando estes não cumprirem os seus deveres fundamentais para com eles (e sempre mediante decisão judicial).
Exemplo claro desta preocupação de resguardar e acautelar a família do menor encontra-se na enumeração das providências que, no âmbito dos processos de promoção e protecção, podem ser adoptadas, pois se mostram elas taxativamente previstas, por ordem de preferência (em termos de dar satisfação ao princípio da menor intervenção possível), no art. 35º, nº 1 da LPCJP.
Deve, pois, dar-se preferência às medidas a executar no meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para a autonomia de vida e confiança a pessoa seleccionada para a adopção) sobre as medidas executadas em regime de colocação (acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança com vista a futura adoção).
Como aliás se escreve na decisão recorrida a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é (a par da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção – ambas previstas na alínea g) do nº 1 do art. 35 da LPCJP, introduzida pela Lei 31/2003, de 22/08) a que comporta maior grau de interferência na vida do menor e na da sua família, pois traduz a ruptura das relações eventualmente existentes, já que é decretada em vista da futura adopção – provoca a inibição do exercício das responsabilidades parentais (art. 1978ºA- do CC), implica a nomeação de curador provisório (art. 167º da OTM), determina a cessação do direito a visitas da sua família natural e dura até ser decretada a adopção, não estando sujeita a revisão (art. 62º-A, nº 1 e 2 da LPCJP, preceito introduzido pela Lei 31/2003).
Sendo a que comporta maior interferência na vida do menor e na da sua família, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, que consiste na colocação da criança sob a guarda de instituição com vista a futura adopção, é aplicável (art. 38º-A da LPCJP, aditado pela Lei 31/2003) quando se verifique alguma das situações previstas no nº 1 do art. 1978º do CC, pressupondo sempre a inexistência ou o comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação.
E será que no caso em apreço se verificam os pressupostos para a sua aplicação sendo esta a medida adequada e necessária?
Cremos que sim.
Na verdade a situação de facto apurada permite afirmar que os progenitores do menor puseram em perigo grave a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
Efetivamente, e atendendo aos fatos ocorridos após o nascimento do menor, à ausência completa do progenitor, aliou-se a quase ausência da progenitora não permitindo assim fomentar e desenvolver laços emocionais e afectivos .
O progenitor continua completamente demissionário das suas responsabilidades de pai, em nada se preocupando com o menor e deixando a cargo exclusivo da progenitora todas as preocupações com o menor.
Por sua vez, a atuação da progenitora permite-nos concluir que quanto à satisfação das necessidades emocionais e de segurança do menor, a mesma continua a revelar-se incapaz de proporcionar ao menor um estímulo afetivo e de criar um vínculo seguro com o filho.
Aliás a progenitora apesar de ter já mais de 40 anos, ainda não conseguiu arranjar, sequer para si, estabilidade material e emocional.
Mora aqui e ali, com pessoas que conhece há pouco, não tem um sustentáculo financeiro mínimo para fazer face aos incontornáveis custos duma criança aliás, nem mesmo para si própria, (No início de presente ano, a progenitora começou a trabalhar em Ponte de Lima, na restauração, com horário das 9H00 às 18H00, passando a viver em casa do patrão num quarto num sótão. Inicialmente regressava a Valença ao sábado à tarde retornando a Ponte de Lima ao Domingo. Desde há 15 dias incompatibilizou-se com o patrão e, em vez de regressar a Valença, para a companhia de M.., passou a residir em casa de outra pessoa em Ponte de Lima. Atualmente o casal encontra-se desavindo e separado, fatos provados elencados nos nº 30 a 33), tendo anteriormente outros filhos de que não se mostrou capaz de sustentar e educar.
E, se esta é a sua atual situação, toda a sua história de vida legitima o receio e a conclusão de que assim continuará a ser; nunca até hoje – mesmo nos anos em que teve acompanhamento próximo da segurança social com atendimento e visitas domiciliárias à progenitora (ver relatório de fls. 74 e ss) teve qualquer tipo de evolução positiva, num quadro de fragilidades, verificadas principalmente ao nível da saúde – doença do foro psiquiátrico associada à da falta de competências básicas estruturais, para perceber e cooperar num processo de mudança.
De resto, foi já a incapacidade revelada por estes progenitores para cuidar dos outros seus dois filhos menores que determinou que os mesmos tivessem sido retirados da sua guarda e cuidados e lhes fossem aplicadas as medidas de colocação em instituição e família de acolhimento.
E outro filho a recorrente teve de que também não cuidou, o D.. atualmente já maior e que não vive com os progenitores.
Não pode negar-se, em face desse quadro factual, que estamos perante situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação – é de notar, considerando o prisma do menor, que ele nas ultimas visitas da mãe e dada a falta de interação e atenção da mãe para o filho, foi visível uma constante procura visual do menor com as técnicas da instituição – ver nº7º e 8º dos fatos provados.
Por fim, a adequação e indispensabilidade da providência também se verifica.
Qualquer medida de promoção e protecção a executar no meio da sua família natural se mostra desadequada e insuficiente para afastar o perigo em que se encontra e a proporcionar-lhe as condições que permitam protegê-lo e promover o seu harmonioso e completo desenvolvimento físico, intelectual, afectivo e emocional. As condutas dos progenitores são as já mencionadas não existindo retaguarda familiar que possa colmatar essa lacuna.
Demonstrada fica a desadequação e insuficiência de qualquer das medidas a executar no meio natural de vida do menor, previstas nas alíneas a) a d) do nº 1 do art. 35º da LPCJP.
Também se não vislumbra que a medida de acolhimento familiar (arts. 35º, nº 1, e), 46º, 47º e 48º da LPCJP) seja proporcionada e adequada ao caso – não é perspetivável e expectável que, no curto ou mesmo longo prazo, o retorno do menor à sua família natural se mostre adequado ao seu desenvolvimento , não só porque se constata a inexistência ou, pelo menos, o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, como também porque nada permite considerar que seja meramente temporária e conjuntural a inabilidade da progenitora para gerir as suas responsabilidades parentais (basta atentar na história dos outros filhos do casal).
Que expectativas sustentáveis pode o tribunal ter de que tudo será diferente para futuro? Não as encontra.
Portanto, entregar o menor aos cuidados desta mãe (cujo sentimento não vamos avaliar) equivaleria a legitimar que esta criança andasse em vida errante, em casas de pessoas cuja idoneidade se desconhece, exposta a perigos de vária natureza que a este tribunal se impõe configurar como possíveis e que tem a obrigação de fazer evitar.
E também não se pode esquecer que o menor tem direito a uma perspectiva de vida equilibrada e saudável, com um projecto, pelo que não se compadece com a espera de que a sua mãe tenha uma vida adequada; não se trata de uma coisa, de algo que possa “esperar em armazém” por momento cuja demora se desconhece e pode até não ocorrer.
As crianças crescem e têm um tempo adequado para que as coisas aconteçam na sua vida.
Para esta criança, afiguram-se, para nós, vêm-se duas hipóteses: ou a possibilidades de vir a encontrar uma família idónea que lhe propicione tudo a que tem direito, como estabilidade, equilíbrio, educação, perspetivas de um futuro, ou uma vida de incertezas quanto a locais, pessoas, educação, saúde, etc.
Como criará os laços tão necessários ao seu saudável crescimento se estará com uma mãe que passa de terra para terra, de casa para casa, de ocupação para ocupação?
Este tipo de vida não é compatível com o desenvolvimento harmonioso de uma criança ..[8]
Não sendo viável, por inadequação, a promoção da integração do menor na sua família natural (pois de nenhum dos progenitores recebeu o menor os cuidados e afeição adequados, não se vislumbrando que os possa receber de quem quer seja que integre a sua família alargada), a integração do menor em ambiente familiar só será alcançado através da adopção.
Cumpre salientar que, em conformidade com os princípios supra enunciados, o DL nº. 185/93, de 22 de Maio, optou claramente pela estrutura da família adotiva como melhor forma de salvaguarda do interesse da criança desprovida de um meio de família normal.
E neste contexto criou, no nosso sistema jurídico, o instituto da confiança do menor com vista à futura adoção, o qual, conforme se escreve no respetivo Preâmbulo, “radica na consciência de que aquele necessita, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, contacto que deve ocorrer sem descontinuidades importantes durante a menoridade, embora com as alterações na relação que as várias fases das crianças e dos jovens naturalmente aconselham.
Do exposto resulta que não só se verificam os pressupostos legais para a providência decretada (art. 38º-A da LPCJP e art. 1978º do CC), como que a mesma se mostra adequada à prossecução das finalidades que presidiram à sua aplicação (afastar o menor da situação de perigo em que se encontrava- não recebeu dos progenitores os cuidados e afeição adequados à sua idade – e proporcionar-lhe as condições apropriadas ao seu normal e sadio desenvolvimento integral, em condições de segurança e bem-estar), além de ser necessária/imprescindível para alcançar tais finalidades, considerando o primordial interesse superior do menor – qualquer outra medida ficaria aquém das necessidades do menor, que actualmente conta pouco mais de um ano, carecendo dum ambiente familiar que lhe proporcione condições materiais e afectivas para o seu pleno e harmonioso desenvolvimento.
Acresce que, o menor não pode, nem deve, esperar eternamente “depositado” na Instituição em que se encontra ou entregue a terceira pessoa –como já aconteceu com os seus irmãos, que a sua progenitora algum dia possa reunir condições necessárias à sua guarda (não só materiais mas também afectivas e de parentalidade conscienciosa), o que nem sequer se afigura estar próximo de suceder. Atente-se na doença de que que padece a progenitora, a medicação que rejeita a que se acrescenta as várias tentativas de suicido que sofreu). A este respeito factos provados resulta, com apreciável clareza, um conjunto de factos reveladores da incompetência dos recorrentes para cuidar da criança e da falta de capacidade, mesmo por razões de saúde (saúde mental, da parte da mãe), para adquirirem essas competências. Não se trata, pois, de uma situação transitória, mas de um comportamento parental que se vem prolongando no tempo e se revela instalado, sem qualquer perspetiva favorável a uma recuperação social
Não pode assim o menor continuar a ser uma vítima das circunstâncias de vida de que a própria mãe também sofreu numa vida atribulada e instalável, não cabendo assim hipotecar eternamente ou sine die a infância saudável, acompanhada e afectivamente proveitosa a que qualquer criança -inclusive o menor tem direito, em tempo útil e próprio. Nem os laços existentes entre os dois, parcos e inconsistentes, justificam, a nosso ver, a adopção de outra medida diferente da acima preconizada, tendo sempre presente que deve reger sempre neste tipo de processos o superior interesse do menor, qual merece “uma oportunidade” de ter uma família que dele seguramente cuide de forma adequada e própria, dando-lhe carinho e um relacionamento securizante que lhe sirva de arrimo de afectividade e estabilidade.”
O superior interesse do menor requer a assunção consciente e séria das responsabilidades parentais, no sentido de esperar dos pais os comportamentos e atitudes que lhes sejam razoavelmente exigíveis em função das suas condições económico-sociais e do seu nível cultural. Não se mostra adequado a acautelar aquele interesse um quadro familiar como o descrito que não oferece as garantias mínimas de proporcionar ao menor um ambiente familiar sadio e afectivo, que lhe permita uma boa estruturação da personalidade e a dar seguimento ao desenvolvimento que já atingiu ao longo da sua institucionalização [9].
Adiar por mais tempo uma decisão aguardando-se que a mãe venha a ter condições para recolher o menor, o que pode nunca pode vir a acontecer, é hipotecar o seu futuro, retirar-lhe a possibilidade de vir a ser adoptado e ter uma vida mais igual à generalidade das crianças.
Como bem se salienta no Ac. do TRL de 16.11.2010 [10] .“a protecção da infância não pode continuar exclusivamente centrada na ideia de recuperação da família biológica, a todo o custo, esquecendo que o tempo das crianças, não é necessariamente o mesmo das suas famílias de origem”.
O processo, pela sua natureza e interesses em jogo, não se compadece com delongas desnecessárias. A adoção será, previsivelmente, o caminho da estabilidade e do desenvolvimento harmonioso da menor, cuja tenra idade facilitará a criação e aprofundamento de laços afetivos com a pessoa ou casal que a adotar, numa relação pais-filho que se quer verdadeira e profícua. [11]
Em jeito de finalização diremos que os interesses das crianças ou jovens em perigo podem (e amiúde o são) conflituosos e distintos dos interesses da própria família natural, que deles não soube ou não quis cuidar em termos de salvaguardar o interesse das crianças ou jovens em risco, havendo, pois, em tais casos, de dar prevalência aos interesses das crianças ou jovens em risco e procurar fora dos laços de família natural, o que esta não lhe proporcionou, designadamente, encontrar fora da família natural uma solução ou alternativa que permita que as crianças ou jovens em risco possam vir a obter o que não lhes foi propiciado por quem a tal estava adstrito.
O interesse dos menores, nos moldes atrás expostos não pode ceder perante interesses de “posse” da família natural relativamente às crianças ou jovens em risco, sob pena de subversão dos princípios que regem a proteção dos menores e crianças que se encontrem numa situação de perigo.
Daí não merecer qualquer censura a decisão recorrida, improcedendo todas as conclusões da apelante.

Sumariando o acórdão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.:
Resultando do quadro factual apurado, objectivamente, situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e mostrando-se insuficiente e inadequada a promoção da integração do menor na sua família natural (pois de nenhum dos progenitores recebeu o menor os cuidados e afeição adequados, não se vislumbrando que os possa receber de quem quer seja que integre a sua família alargada – o progenitor demitiu-se da sua responsabilidade e a progenitora também e não goza de qualquer retaguarda familiar), é conforme aos princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade e da prevalência das soluções familiares sobre as institucionais, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
O superior interesse da criança a que se deve atender em primeiro lugar, não permite que esta possa ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam condições para o seu regresso à família

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar o acórdão recorrido.
Sem custas. (art.º 4º, nº 2, al. i), do RCP).
Notifique.
Guimarães, 17 de setembro de 2015
Maria Purificação Carvalho
Maria Cristina Cerdeira
Espinheira Baltar
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[1] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 406 e 407.
[2] Autores e obra citados na nota 1, pp. 408 e 409
[3] in Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, 2007, a pág.s 37 e 38,
[4] neste sentido, Tomé d`Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 5.ª Edição Revista e Aumentada, 2007, a pág. 27.
[5] Boliero Helena e Paulo Guerra A Criança e a Família - Uma Questão de Direitos, 2009, Coimbra Editora, pág.s 346 e 347.
[6] neste sentido acórdão desta Relação proferido em24.10.2013 no processo 4699/12.7 TBGMR.G1
[7] Diploma que a Assembleia da República através da Resolução n.º 20/90, de 12.09, nos termos dos artigos 164.°, al. j), e 169.°, n.º 5, da Constituição, aprovou, para ratificação- Publicada no DR n.º 211/90, Série l, 1.° Suplemento, de 12.09.1990 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12.09. Vigora no direito interno por força do disposto no art.° 8.°, n.º 2, da Constituição da República)
[8] neste sentido o acórdão desta Relação datado de24.10.2013já referido.
[9] Conforme se defende no Ac. do TRL de 12.01.2010, proferido no proc. nº 487/08, disponível em www.dgsi.pt
[10] Proferido no proc. nº 948/09, disponível em www.dgsi.pt.
[11] neste sentido acórdão desta Relação datado de 12.06.2014 proferido no processo 2025.08.9 TABRG in www.dgsi.pt