Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
864/08.0TAGMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: DENÚNCIA CALUNIOSA
DIFAMAÇÃO
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Entre os crimes de denúncia caluniosa e de difamação verifica-se uma relação de concurso efectivo de crimes
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO


No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal singular que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães com o nº 864/08.0TAgmr, submetidos a julgamento, foi proferida sentença, datada de 28/01/10, que condenou o arguido:


JOÃO M..., divorciado, nascido a 03/10/1948, natural de A., Guimarães, filho de Domingos M... e de Olívia S..., portador do B.1. n.º 01779947-3, e residente na Rua de D..., n.º 37, M..., A., Guimarães, como autor material:


- De um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do Cód. Penal, agravado, nos termos do art. 184º por referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, todos do Cód. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 4 € (quatro), no total de 600 € (seiscentos euros).


- De um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 4 € (quatro), no total de 880,00 € (oitocentos e oitenta euros).


- Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido em a) e em b), aplico ao arguido a pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 4,00 (quatro) euros, num total de 1.280,00 (mil duzentos e oitenta) euros.


Inconformada com esta decisão condenatória, dela veio a o arguido António M... interpor recurso nos termos constantes de fls. 158 a 210 dos autos, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:


“I- O bem jurídico típico no crime de denúncia caluniosa é a honra e a consideração da vítima.


II- Entre o crime de denúncia caluniosa e o crime de difamação existe uma relação de concurso aparente, sendo este consumido por aquele.


III- O crime de difamação encontra-se consumido pelo crime de denúncia caluniosa.


IV- Pelo que, o Arguido deveria ter sido condenado apenas pela prática do crime de denúncia caluniosa e não também pelo de difamação.


V- A Sentença de que se recorre violou os artigos 410º do Código de Processo Penal e artigo 30.0 do Código Penal.


Termos em que com a procedência do presente recurso se fará JUSTIÇA”.


Terminou no sentido da procedência do recurso e de que a sentença recorrida deveria ser revogada e substituída por outra que apenas o condene pela prática do crime de denúncia caluniosa, e não também pelo crime de difamação, p. e p., pelo artigo 180, do Cód. Penal, agravado, nos termos do art. 184º por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132º, todos do mesmo diploma legal.


O recorrido respondeu nos termos constantes de fls. 376 a 380 dos autos, aqui tidos como renovados, concluindo que a sentença recorrida não enferma de qualquer dos convocados vícios, e, por consequência, pela manutenção da decisão recorrida.


O recurso foi regularmente admitido.


Neste Tribunal da Relação a Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer junto a fls. 840 e 841, aqui tido como especificado, e no qual, corroborando as aludida resposta, concluiu pela improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.


No oportuno cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.


Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.


II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.


O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:


“a) O assistente, Álvaro S..., é advogado, exercendo a sua actividade profissional na comarca de Guimarães.


b) Desde 1994 até 2006 o assistente, na qualidade de advogado, representou o arguido João M... em diversas acções judiciais.


c) Em 03 de Abril de 2006, o assistente instaurou na 1.ª Vara Mista de Guimarães a acção de honorários n.º 149-A/99 contra o arguido, uma vez que este se recusou a pagar os honorários que lhe foram apresentados pelo assistente Álvaro O....


d) Como forma de retaliação pela instauração da dita acção, no dia 19 de Junho de 2006, o arguido elaborou a denúncia constante de fls. 11 e 12, na qual imputa ao assistente, Álvaro O..., factos passíveis de integrarem infracções disciplinares e os crimes de fraude fiscal e de ameaça.


e) Nessa denúncia, o arguido refere que:


“1. Há muitos anos, pelo menos desde 1998, que me presta serviços, ao denunciante e nos últimos 2 anos à ex-mulher, Maria C...;


2. Já lhe paguei serviços no valor de milhares de euros, porém, nunca nos emitiu um recibo;


3. Isso é facilmente comprovado, pelos processos que correm nos tribunais, quer, nós, como autores ou como réus, outros que ficaram pela composição nem chegaram a tribunal, mas venceram honorários;


4. Para este Sr. Advogado não há respeito pelos clientes, pelas leis nem pelas Instituições, conforme se pode ouvir pela gravação que se junta;


5. Concerteza que faz o mesmo com os clientes das Comarcas, onde além da de Guimarães, também advoga quase diariamente, tais como, Braga, Santo Tirso, Vila Nova de Famalicão e Porto;


6. Quando lhe é solicitado o recibo verde, fica possesso, grita «-quero que se lixe as finanças», não tenho recibos, não passo recibo e se passasse levava mais 21% de Iva;


7. Agora veja, tem sempre o escritório cheio das 9.39 ás 20.00 horas, diariamente, facto que pode ser provado até pelos futuros advogados que lá estagiam;


8. Aliás, trabalha, ao mesmo nível dos dois advogados mais procurados na cidade, não é por acaso que entrou para a sociedade «Verdadeiro Escândalo Nacional»;


9. Para completar estas verdades vejam, ainda agora nos moveu a acção de cobrança de honorários n.º 149-A/99 da 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães, no valor de 18.390,00€;


10. Em matéria de cumprimento de normas sociais e fiscais é um verdadeiro fora da lei, ele que supostamente deveria ser um garante do seu cumprimento.


Prestarei todos os esclarecimentos e comprovações que nos vierem a ser solicitados.


(…)


OBS: Estou a ser ameaçado com um processo crime por este senhor e diz que qualquer dia apareço numa berma estendido porque com os Tribunais e Finanças ele é o maior e sabe como elas se fazem.”.


f) Na posse desta denúncia, acompanhada de duas cassetes de uma eventual conversa ocorrida entre ambos, o arguido decidiu entregar um exemplar na polícia Judiciária de Braga, no dia 30 de Junho de 2006.


g) Em consequência desta queixa veio a resultar para o assistente, Álvaro O..., um processo-crime nos Serviços do Ministério Público de Guimarães, com o n.º 1680/06.9TABRG, para investigação dos crimes de fraude e de abuso de confiança fiscal.


h) Feitas as diligências investigatórias reputadas pertinentes, no âmbito desse inquérito, em 17 de Novembro de 2008, foi determinado o arquivamento dos autos, pelo Ministério Público, por não ter resultado dos mesmos a prática de qualquer ilícito criminal pelo aí denunciado, Álvaro O....


i) Na posse de outro exemplar da mencionada denúncia e de cópia das referidas cassetes, o arguido decidiu apresentar nova queixa pelos mesmos factos contra o assistente, Álvaro O..., no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, a qual deu entrada no Conselho de Deontologia do Porto no dia 07 de Novembro de 2006.


j) Em consequência desta queixa veio a resultar para o assistente, Álvaro O..., atenta a sua qualidade de advogado, um processo disciplinar no Conselho de Deontologia, com o n.º 212/2007-P/D, para investigação das infracções disciplinares participadas, o qual foi arquivado.


l) O arguido apresentou as queixas supra referidas contra o assistente, Álvaro O..., com perfeito conhecimento de que o conteúdo das mesmas não correspondia à verdade, por tais factos nunca terem ocorrido, bem como tinha perfeito conhecimento que os elementos de prova por si apresentados não sustentavam os factos denunciados.


m) Agiu assim o arguido com a intenção de que ao assistente, Álvaro O..., fosse instaurado, como foi, um processo criminal e um processo disciplinar, apesar de bem saber que os factos denunciados nunca ocorreram e que não eram verdadeiros.


n) Actuou ainda o arguido, com a conduta supra descrita e, designadamente, com as afirmações por si redigidas nas queixas apresentadas, imputando ao assistente Álvaro O... a prática de actos e omissões violadores da lei no exercício das suas funções, alguns deles integradores de crime, com a intenção de ofender a sua honra, consideração, credibilidade e o seu prestígio inerentes à sua actuação profissional, enquanto advogado.


o) Agiu de forma deliberada, livre e consciente, tendo perfeito conhecimento da ilicitude da sua conduta e que a mesma era proibida e punida por lei.


p) O assistente é advogado, exercendo a sua actividade profissional na comarca de Guimarães desde 1994.


q) O arguido quando foi patrocinado pelo demandante/assistente teve do mesmo toda a sua capacidade técnica e zelo profissional nesse patrocínio.


r) Entre o arguido e o assistente criou-se, desde 1994, mais do que uma relação advogado/cliente, uma verdadeira relação de amizade;


s) O que levava o assistente cobrar honorários apenas a final, pedindo apenas ao arguido os montantes devidos a título de taxa de justiça;


t) E o demandado a comparecer no escritório do demandante sem prévia marcação de consulta, sendo sempre atendido pelo assistente.


u) Estas relações que demandante e demandado mantinham alteraram-se totalmente com a apresentação da conta de honorários por parte do demandante,


v) Passando o demandado a pretender vingar-se do demandante apresentando as supra aludidas queixas criminal e disciplinar.


x) Em decorrência de tais queixas o escritório do demandante foi alvo de uma inspecção tributária que fez paralisar o escritório do demandante por vários dias, em consequência do constante pedido de documentos por parte dos inspectores destacados,


z) Sendo que, tal inspecção foi do conhecimento dos clientes e colegas de profissão do demandante, pois que não havia forma de esconder a indisponibilidade do assistente para receber clientes e colegas de profissão.


aa) O demandante viu toda a organização montada no seu escritório à custa de muitos anos de trabalho ser posta em causa e a ter de atender os inspectores das finanças e esclarecê-los minuciosamente sobre todas as questões que lhe foram colocadas.


bb) Sobre várias dessas questões o demandante viu-se obrigado a contactar colegas seus especializados na área do Direito Fiscal, por forma a melhor se defender da injusta trama urdida pelo demandado.


cc) Por outro lado, nesses 3 meses, o demandante gastou cerca de 30 horas com os inspectores das Finanças.


dd) É falso que o demandante não tenha emitido recibo das quantias que o demandado lhe pagou ou que qualquer outro cliente lhe tenha pago,


ee) O referido recibo é apenas emitido quando são recebidas quaisquer quantias e o demandado, por conta da nota de honorários que lhe foi entregue, nada pagou.


ff) Com efeito, o demandante é advogado desde 1994, e pelos colegas sempre foi visto como pautando a sua actuação pelo rigor, pela capacidade técnica, urbanidade para com os seus colegas, magistrados, funcionários judiciais e demais operadores judiciários.


gg) Nunca tendo sido alvo de qualquer processo disciplinar.


hh) O demandante é visto por todos que com ele privam e convivem com um cidadão probo, honesto, respeitado e respeitador, e um exemplar pai e marido.


ii) É advogado titular inscrito na Ordem dos Advogados com a cédula profissional n.º 5991-P, desde 29 de Março de 1996.


jj) É casado, tem um filho.


ll) O demandante é desde há três anos membro efectivo do Conselho Fiscal da Associação Cultural e Recreativa “O C...”, sendo que esta Associação é uma das mais renomadas e carismáticas associações do município de Guimarães, local onde já actuaram as mais conhecidas estrelas de Música nacional e internacional.


mm) O demandante é Vice-Presidente da Associação A... e M... de pais de bebés prematuros nascidos no Hospital da Senhora da Oliveira em Guimarães.


nn) Além disso, é sócio da sociedade de advogados “José A..., Álvaro O... e Pedro C...”, inscrita no Conselho Geral da Ordem dos Advogados, sob o n.º 10/02, cujo objecto consiste no exercício da advocacia, desde a sua fundação.


oo) O demandante é considerado pelas pessoas com quem priva como sendo pessoa de esmerada educação, respeitador e respeitado, homem honesto.


pp) É um advogado probo, combativo, leal para com os seus colegas e cumpridor dos seus deveres deontológicos.


qq) A conduta do demandado entristeceu o demandante, deixando este de ter o apego e o amor à profissão que o caracterizavam e a alegria e boa-disposição que sempre pautou o seu dia-a-dia.


rr) De facto, o demandante é encontrado muitas vezes acabrunhado e revoltado com as injustas e falsas acusações que o demandado lhe dirigiu nas queixas apresentadas.


ss) O ofendido, em virtude da conduta do arguido, pensou, inclusivamente, em deixar de exercer a profissão de advogado,


tt) Só com muita dificuldade, esforço psicológico e com o acompanhamento e ajuda de seus familiares e colegas de escritório e profissão, conseguiu recuperar os seus anteriores níveis de confiança no seu trabalho e para com os clientes em geral.


uu) Por outro lado, o ofendido viu-se confrontado com interpelações por parte de colegas e outros profissionais do foro sobre a situação em causa, tendo sido alvo de insinuações não identificadas de que, no exercício da sua profissão, teria cometido crimes de natureza fiscal,


vv) foi abordado por vários amigos e conhecidos que se demonstravam chocados com a notícia,


xx) a notícia de que contra o assistente corria um processo crime constituiu para o mesmo um choque,


zz) todos estes vexames e incómodos sofridos pelo ofendido resultaram directa e necessariamente da conduta do arguido.


aaa) É falso que o ofendido tivesse dito ao arguido que ele iria aparecer numa berma estendido porque nos tribunais e Finanças ele era o maior e sabia como elas se faziam.


bbb) O arguido tem antecedentes criminais, foi condenado por sentença datada de 2.7.2009 e transitada em julgado em 1.9.2009, pela prática, em 19.6.2006, de um crime de gravações e fotografias ilícitas agravadas, p. e p. pelo art. 199º, n.ºs 1, als. a) e b), e 3, com referência ao art. 197º, al. a), do CP, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros.


ccc) O arguido é empregado bancário e está à espera da reforma e actualmente não tem rendimentos; vive com ajuda de familiares; reside num quarto de um amigo; tem uma filha maior de idade; não tem bens; tem o 5º ano de escolaridade.


*


Factos não provados.


Com relevo e interesse para a decisão da causa resultaram “não provados” os seguintes factos:


- que por causa directa e necessária da conduta do arguido o assistente tivesse parado o seu trabalho e tivesse deixado de receber e atender clientes durante as 30 horas que esteve com os inspectores das Finanças e que, por isso, tivesse deixado de receber a quantia de 1.800,00 euros.


*


Motivação.


A convicção do tribunal formou-se com base na análise, conjugada e crítica, da prova produzida em audiência de julgamento e carreada para os autos.


Vejamos.


O arguido confessou ter elaborado a denúncia em causa nos autos e ter entregue um exemplar da mesma na Polícia Judiciária de Braga e aceitou como possível ter enviado outro exemplar ao Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados.


Mais disse que redigiu e elaborou tal denúncia “por raiva” que teve do ofendido, e que sabia que a apresentação daquela denúncia na P.J. levaria à instalação de um processo de averiguação dos factos ali descritos contra o assistente.


Referiu, ainda, saber que os factos e imputações que escreveu na aludida denúncia, sobre o assistente, não eram verdadeiros, eram factos e imputações falsas.


Por fim disse estar, actualmente, arrependido por ter actuado da forma descrita, demonstrando, porém, no decurso das suas declarações a propósito prestadas que está arrependido de tal conduta porque, por causa dela, está sujeito a julgamento em processo crime!


O assistente relatou, de forma isenta, pormenorizada, espontânea e credível, os factos como o tribunal os deu por provados.


As testemunhas Dr. Álvaro V..., Dr. António L... e Dr. José A..., advogados na comarca de Guimarães e amigos do assistente, sendo o último ainda sócio da “JOSÉ A..., Álvaro O..., Pedro C...”, sociedade onde se integra o assistente, relataram, de forma isenta, serena, espontânea e credível, o modo como tiveram conhecimento do sucedido e em causa nos autos, essencialmente, pelo que lhes foi transmitido pelo próprio assistente e por outras pessoas que lhes contaram tais factos; relataram, ainda, as consequências que para o assistente resultaram da prática dos factos em consideração neste processo, designadamente ao nível do seu estado de espírito e à perturbação pessoal e profissional que lhe foi causada por causa de tais factos, mais descreveram ao tribunal a elevada consideração e estima profissional e pessoal que têm em relação ao assistente.


A testemunha Antonieta M..., funcionária do escritório de advogados onde trabalha o assistente há cerca de 14 anos, referiu, de modo isento e credível, que teve conhecimento do sucedido porque foi ela quem, no exercício das suas funções, abriu a carta remetida ao assistente pelo Conselho da Ordem dos Advogados, e mais relatou a relação profissional e até de amizade do assistente com o arguido e vice-versa durante todos os anos de convivência que mantiveram e até a data em que foi apresentada a nota de honorários pelo assistente ao arguido e que este não pagou; e o estado de espírito e sofrimento pessoal e profissional do assistente mercê da conduta do arguido em causa nestes autos.


Ainda, regras de normalidade, apoiadas nas declarações prestadas pelo próprio assistente e depoimentos proporcionados pelas testemunhas acima citadas, serviram, também, para estabelecer a tristeza, o padecimento e a indignação experimentados pelo primeiro em resultado da conduta do arguido em causa nos autos.


Relativamente às condições pessoais do arguido relevaram as declarações pelo próprio complementarmente prestadas e, quanto aos respectivos antecedentes criminais, o certificado junto aos autos.


O tribunal atendeu, ainda, a todos os documentos juntos aos autos.


Os factos não provados resultaram da ausência de produção de prova que os corroborasse”.


III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.


Como se sabe, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada)., sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95..


Na situação vertente o objecto do presente recurso em mais não consiste do que na de esclarecer se entre os crimes de denúncia caluniosa e de difamação julgados nos presentes autos, se verifica ou não uma relação de concurso efectivo de crimes que imponha a realização de um cúmulo jurídico das respectivas penas em ambos aplicadas, em ordem à aplicação de uma única pena.


Assim, importará esclarecer em que medida os mesmos se subsumem no conceito constante do nº 1, do artº 30º, do Cód. Penal – concurso de crimes.


Como é consabido, os problemas dogmáticos relativos ao concurso de crimes (unidade e pluralidade ide infracções), é um dos mais complexos na teoria geral do direito penal, encontrando-se plasmado no aludido preceito um princípio geral de solução, de harmonia com o qual, o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.


O critério determinante do concurso é, assim, de acordo com a indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais efectivamente violados, o que, obviamente aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.


Assim, a indicação da lei acolhe as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal, existindo o primeiro quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e o segundo quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).


Este critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes “efectivamente cometidos”, é, assim, adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).


Assim, a par da categoria de concurso efectivo de crimes, temos a de concurso aparente, onde as leis penais concorrem só na aparência, excluindo umas as outras, segundo regras de especialidade, subsidiariedade ou consumpção, sendo que, o critério operativo de distinção entre categorias reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime.


Ora, tecidas estas breves considerações, passemos então à análise da situação vertente.


Considera o recorrente que o concurso entre os aludidos crimes é aparente, uma vez que o bem jurídico típico no crime de denúncia caluniosa é a honra e a consideração, à semelhança do que também sucede com o crime de difamação.


Salvo o devido respeito, não se nos afigura que isto assim suceda.


Na verdade, e como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 27/11/02 Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 27/11/02, processo 827/02, in www.colectaneade jurisprudência.com. , “no crime de denúncia caluniosa, o bem jurídico especialmente visado com a incriminação é o da administração da justiça, ao passo que, no de difamação agravada, protege-se a honra, que é o conjunto de qualidades morais, cívicas e éticas que devem existir para que cada pessoa tenha estima por si própria e não se sinta desprezada pelos outros, nelas se incluindo quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”.


E, “por isso, os dois crimes não se encontram entre si numa relação de especialidade, mas de concurso efectivo”.


Interpretando a mesma citação de Costa Andrade em que o recorrente se baseou para extrair a sua conclusão de que no caso em apreço se verifica a existência de um concurso aparente e não de um concurso efectivo, já neste acórdão se referia o seguinte.


“O concurso entre os crimes de difamação agravada e de denúncia caluniosa Citando o Prof. Costa Andrade, defende o arguido a existência de um mero concurso aparente entre estes dois crimes. Considera aquele Professor que "a adopção de um bem jurídico individual predetermina, desde logo, as relações com os crimes contra a honra, por princípio subsumíveis na figura e no regime do concurso aparente" - "Comentário Conimbricense", Tomo IIl, pág. 554.


Mas este Professor, que remete para a argumentação de parte da doutrina alemã, dá igualmente notícia de que, mesmo na Alemanha, esta orientação é minoritária, quer na doutrina, quer na jurisprudência, onde sobreleva a teoria da realização da justiça.


É esta também a orientação que vem sendo dominante na jurisprudência do STJ, da qual não se vê motivos para divergir - por todos, cfr. Ac. do STJ de 14/12/83, BMJ 332º/332. No crime de denúncia caluniosa, o bem jurídico especialmente visado pela incriminação é o da administração da justiça. Apesar de com ele se poder prejudicar pessoas singulares diferentes do Estado, foi incriminado para defender especialmente interesses deste, designadamente o de que a administração da justiça não seja prejudicada. Isso resulta, desde logo, da inserção sistemática deste crime no Cód. Penal, que o legislador colocou no capítulo dos "crimes contra a realização da justiça". Considerar que existe uma relação de especialidade com os crimes contra a honra, seria deixar sem tutela esta primordial finalidade de tutela dos interesses da administração da justiça”.


Destarte, e por tudo o acabado de expender, o presente recurso não poderá, senão, deixar de ser julgado improcedente.


IV- DECISÃO.


Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido José M... e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.


Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UC’s.

Guimarães, 23/ 05/ 11