Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1198/12.0TAVCT-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: ESCUSA
RECUSA DE JUÍZ
SUSPEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: Não constitui motivo suscetível de pôr em causa, de forma grave e séria, a imparcialidade do juiz, num julgamento por crime de insolvência dolosa, a circunstância do seu pai, no processo de insolvência, ser credor reconhecido, de um crédito que nem sequer reclamou, entre centenas de outros credores com valores muito superiores.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO
No processo n.º1198/12.0TAVCT a correr termos no 1ºJuízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana de Castelo, a Exma. Juíza Cassilda R... vem, ao abrigo do disposto no art.43.º, n.º1 e 4 do C.P.Penal, pedir que o Tribunal da Relação a escuse de intervir neste processo, invocando, para tanto, o seguinte:
-nos autos n.º1198/12.0TAVCT que correm termos no 1ºJuízo Criminal do Tribunal de Viana de Castelo, imputa-se aos arguidos, para além do mais, o crime de insolvência dolosa agravada p. e p. pelos arts.227.º n.º1 al.a) e n.º3 e 229.º-A do C.Penal, relatando-se factos alegadamente ocorridos e conexos com a insolvência da sociedade “Aurélio S... & Filhos, SA”.
- no processo de insolvência da sociedade “Aurélio S... & Filhos, SA”, que corre termos no 1ºJuízo Cível do Tribunal Judicial de Viana de Castelo, consta como um dos credores, já reconhecidos, o pai da ora signatária.
-os factos acabados de expor são de molde a, de forma séria e grave, suscitar suspeita e desconfiança sobre a imparcialidade da signatária, face ao seu grau de parentesco com um dos credores daquela insolvência, podendo constituir fundamento de recusa/escusa.
Foi ordenada a junção de documentos comprovativos de que o pai da signatária do pedido de escusa era um dos credores reconhecidos no processo de insolvência da sociedade “Aurélio S... & Filhos, SA”, assim como do valor do seu crédito.
Juntos tais elementos, foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II – APRECIAÇÃO
As regras da independência e imparcialidade do tribunal são inerentes ao princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva [consagrado pelo art. 20.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa] e uma dimensão importante das garantias de defesa do processo criminal [art. 32.º n.º 1] e do princípio do juiz natural [art. 32.º n.º 9].

A imparcialidade do tribunal constitui, assim, um dos elementos integrantes da garantia do processo equitativo, assegurado pelo art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo art. 20.º n.º 4 da CRP:

O art. 43.º n.º1 e 4 do C.P.Penal, ao dispor sobre recusa e escusa do juiz, estabelece:

«1-A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

(…)

4-O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições nos n.º1 e 2.

(…)»

Este preceito legal estabelece um regime que tem como primeira finalidade prevenir e excluir as situações em que possa ser colocada em dúvida a imparcialidade do juiz.

A lei não enumera as causas geradoras de suspeição, recorrendo antes a uma forma ampla, abrangente de todos os motivos, sérios e graves, que sejam adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz – v., a este propósito, Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal I, pág.218.

Este princípio da imparcialidade deve ser apreciado sob um duplo prisma: numa aproximação subjectiva, atinente à posição pessoal do juiz e àquilo que ele, perante um certo dado ou circunstância, guarda em si e possa representar motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão. Deste ponto de vista subjectivo impõe-se, em regra, a demonstração da predisposição do julgador para favorecer/desfavorecer um interessado na decisão e, por isso, presume-se a imparcialidade até prova em contrário; numa aproximação objectiva, relacionada com as aparências susceptíveis de serem avaliadas pelos destinatários da decisão, suscitando motivo sério e grave acerca da imparcialidade da intervenção do juiz. Como se afirma no Ac.STJ de 13/4/2005, relator Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt/jstj «A gravidade e a seriedade do motivo hão-de revelar-se, assim, por modo prospectivo e externo, e de tal sorte que um interessado – ou, mais rigorosamente, um homem médio colocado na posição do destinatário da decisão – possa razoavelmente pensar que a massa crítica das posições relativas do magistrado e da conformação concreta da situação, vistas pelo lado do processo (intervenções anteriores), ou pelo lado dos sujeitos (relação de proximidade, quer de estreita confiança com interessados na decisão), seja de molde a suscitar dúvidas ou apreensões quanto à existência de algum prejuízo ou preconceito do juiz sobre a matéria da causa ou sobre a posição do destinatário da decisão.»

No caso em apreço, impõe-se apurar se os factos invocados pela Exma.Juíza são susceptíveis de criar desconfiança sobre a imparcialidade da sua actuação no processo em causa.

Do ponto de vista subjectivo, nada aponta no sentido de que o comportamento da requerente possa revelar falta de imparcialidade. Bem ao contrário, a Exma.Juíza ao requerer a sua escusa tem uma atitude que só pode ser qualificada de escrupulosa.

Por outro lado, do ponto de vista objectivo não há um motivo sério e grave que faça a generalidade das pessoas desconfiar da imparcialidade da ora requerente.

A Exma.Juíza alega que é filha de um dos credores reconhecidos no processo de insolvência da sociedade “Aurélio S... & Filhos, SA”, sendo que no processo que lhe foi distribuído, e em que pede a escusa, são relatados factos conexos com a referida insolvência, imputando-se aos arguidos, além do mais, o crime de insolvência dolosa agravada. Está comprovado documentalmente que o pai da requerente é credor reconhecido na aludida insolvência, com um crédito comum de €5.056,19, que nem sequer reclamou, no âmbito de centenas de credores reconhecidos e com valores muito superiores. A simples circunstância de ser um pequeno credor no âmbito da insolvência da sociedade em que os arguidos eram accionistas, arguidos estes a quem é imputado, entre outros ilícitos, um crime de insolvência dolosa agravada não é, aos olhos do cidadão médio, motivo grave e sério que ponha em causa a imparcialidade da Exma.Juiza sobre a matéria em causa

Indefere-se, assim, o pedido de escusa formulado.


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III-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em indeferir o pedido de escusa da Exma. Juíza Cassilda R... para intervir no processo comum n.º1198/12.0TAVCT.

Sem custas.