Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2852/13.5TBBRG-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
DIREITO DE RETENÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O direito de retenção a favor do beneficiário de promessa de transmissão de imóvel que obteve a respetiva tradição, tem como finalidade a tutela dos direitos e expetativas do consumidor.
II - Sendo a promitente-compradora uma sociedade por quotas, não é um consumidor nos termos da Lei n.º 24/96, mostra-se excluído tal direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar.
III - A mora do devedor não permite, salvo convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, sendo necessário para tanto transformar a mora em incumprimento definitivo, e este ocorre quando sobrevém a impossibilidade da prestação, quando o credor perde o interesse na prestação, ou quando a prestação não seja realizada no prazo suplementar e perentório que o credor fixe.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

D…, S.A., C…, Lda., e A…, Lda., credores impugnantes nos autos de Processo Especial de Revitalização de Pessoa Colectiva n.º 2852/13.5TBBRG, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, em que é requerente D…, Lda., vieram interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos que julgou totalmente improcedentes as impugnações à relação provisória de créditos apresentadas pelos indicados credores A…, Lda., C…, Lda, e D…, S.A. .

Consta do relatório da sentença recorrida, com correspondência aos elementos constantes dos autos:
I. - Nos presentes autos de processo especial de revitalização em que é requerente D…, LDA, foi, pelo Sr. Administrador, apresentada a lista provisória de credores a que alude o art° 17°-D, n° 3, do CIRE (diploma a que pertencem todas as normas doravante mencionadas em mais qualquer referência), constante de fls. 191 a 193.
Juntou a tal lista um parecer relativo aos créditos reconhecidos, elencando, no que ora releva:
A - Relativamente ao credor A…, S.A., que, tendo o mesmo reclamado um crédito no valor de €741.694,94, beneficiando de direito de retenção, apenas se reconheceu o montante de € 4.577,50, referente a juros decorrentes da mora na realização da escritura de compra e venda do imóvel, bem como o montante de € 368.558,72, condicionado ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, em virtude de o crédito reclamado ter por base um contrato promessa referente à fração autónoma FC da banda K celebrado em 25.07.2008, cujo preço ascendeu a €512.145,00, tendo, em 07.08.2008 sido efetuado um aditamento ao contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual foi acordado que o valor de 30% retido pela D…,Unipessoal S.A., relativamente ao valor das faturas emitidas pela referida entidade por conta do contrato de empreitada relativo a redes de abastecimento de águas do Éden Resort, a título de garantia de boa execução da obra, seria imputado como sinal e princípio de pagamento, razão pela qual o valor imputado a título de sinal ascende a € 368.558,72, estando por pagar a quantia de €143.586,28. Acrescenta que, no que diz respeito ao valor reclamado, que o contrato promessa de compra e venda estabelece que em caso de incumprimento pela promitente vendedora, esta obriga-se a restituir as verbas recebidas a título de sinal, acrescidas de juros, calculados com base na Euribor a 6 meses acrescido de 2%, renunciando as partes ao regime do sinal, pelo entende inexistir direito ao sinal em dobro. No que toca ao invocado direito de retenção, sustenta o Sr. Administrador que em virtude de o credor não se tratar de um Consumidor, não deverá ser reconhecido direito de retenção.
Conclui que deverá ser reconhecido apenas o valor de € 368.558,72, acrescido de juros, sendo o crédito reconhecido sob condição de incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que apenas poderá ascender a este montante e não no montante reclamado;
B - Quanto ao credor C…, Lda, tendo o mesmo reclamado o crédito no montante de € 234.439,00, tem por base um contrato promessa, cujo preço ascende ao referido valor, sucede que não houve carta registada com aviso de receção por parte da credora reclamante conforme previsto na cláusula 4.° n.º 3 do contrato-promessa, e, nessa medida, entende o Sr. Administrador não se poder falar em mora, pelo que a credora não deve ter direito aos juros previstos no n." 4 da referida cláusula, não existindo incumprimento definitivo, dado que não houve interpelação admonitória. Por essa razão, o crédito reclamado deverá ser reconhecido sob condição de incumprimento definitivo do contrato-promessa. Acrescenta que o crédito do credor em causa não beneficia de direito de retenção sobre o imóvel por não se tratar de um Consumidor.
C - No que diz respeito ao credor D…, tendo reclamado um crédito no valor de € 1.542.849,31, invocando um direito de retenção para garantia do mesmo, sustenta o Sr. Administrador que o credor não é promitente-comprador, pois o que está em causa é um contrato-promessa de dação em cumprimento, sendo que, de todo o modo, o credor reclamante em apreço, à imagem de outros acima referidos, também não é um Consumidor e por isso, entende o Sr. Administrador não beneficiar o mesmo do invocado direito de retenção.

II. Atempadamente vieram os credores acima identificados apresentar impugnação da lista provisória de credores, nos seguintes termos:
A - O credor A…, S.A. (DORAVANTE. APENAS. A…), - ( cfr. fls. 311 a 322 ) - invocando que celebrou com a devedora um contrato-promessa de compra e venda no âmbito do qual lhe entregou, a título de sinal, a quantia de € 358.558,26, sobre a qual incidem juros de mora contabilizados em € 4.577,50, sendo que, para garantia de ambas as quantias, beneficia o impugnante de direito de retenção, tendo em atenção que ocorreu já a tradição da fracção que era objecto mediato do contrato. Alega, para o efeito, que as partes celebraram entre si um aditamento ao contrato de empreitada, mediante o qual as partes «resgataram» o regime de sinal, que haviam excluído da versão inicial do contrato promessa, sendo na sequência desse aditamento que se considerou como entregue a quantia acima especificada, valendo a mesma como sinal. Por outro lado, acrescenta, a devedora foi já interpelada pela impugnante, em 23/1 0/20 12, para, em trinta dias, dar cumprimento à obrigação de marcação de escritura que sobre a mesma impendia em função do contrato-promessa celebrado, o que não fez, estando, por isso, em mora desde 23/11/2012. Em seu favor invoca ainda um aresto do Supremo Tribunal de Justiça, que qualifica como Acórdão Uniformizador, de 22/05/2013, e acrescenta ainda que, de todo o modo, uma vez que o imóvel objecto do contrato não se destinava a ser transacionado nem a ser colocado no mercado, mas sim a integrar o imobilizado da impugnante, deverá esta ser tomada, no contexto deste contrato, como consumidora. Conclui, assim, a impugnante, que é titular do crédito reclamado, sendo € 4.577,50 relativo aos juros contados sobre as quantia entregues (€ 358.558,26), e € 737.117,44, relativo ao dobro sinal entregue e respectivos reforços, em ambos os casos beneficiando tais créditos de direito de retenção.
Notificados a devedora e o Sr. Administrador para responder, apresentou o último requerimento, no qual renova os argumentos já aduzidos no parecer que acompanhou a relação provisório, adicionando apenas que do aditamento ao contrato promessa não resulta que as partes tenham decidido repor o regime do sinal, assim como o entendimento de que a impugnante não pode ser qualificada como consumidora.
B - O credor C…, LDA (DORAVANTE, APENAS C…), ( cfr. fls. 354 a 362 ) sustentando que procedeu ao pagamento integral preço do contrato prometido, sucedendo que a devedora não procedeu à marcação de escritura no prazo acordado no contrato-promessa entre ambas celebrado, apesar de várias interpelações da ímpugnante para o efeito, sempre tendo a devedora manifestado indisponibilidade para o efeito, por não ter possibilidade de obter os distrates das hipotecas que impendiam sobre a fracção objecto do contrato. Dado que a devedora lhe prometeu que iria utilizar o produto das venda de outras fracções para obter o distrate da hipoteca em causa, aguardou a impugnante, insistindo por diversas vezes pela realização da escritura, o que não sucedeu até ao momento, nem vê a impugnante possibilidade tal vir a suceder, pelo que existe incumprimento definitivo por parte da devedora, que a impugnante entende estar reconhecido pela devedora e que junta, ocasião em que ocorreu a tradição do imóvel objecto do contrato.
Conclui, assim, que o seu crédito deverá beneficiar da garantia do de retenção.
Notificados a devedora e o Sr. Administrador para responder, último requerimento, no qual renova os argumentos já aduzidos no parecer que relação provisório, renovando o entendimento de que, não sendo a impugnante consumidora não poderia nunca beneficiar de direito de retenção, assim como a circunstância de inexistir incumprimento definitivo, inexistindo qualquer reconhecimento desse incumprimento na declaração invocada pela impugnante, mas tão só uma impossibilidade temporária da devedora.
c - O credor D…, S.A. (DORAVANTE. APENAS, D…), ( 402 vº a 408 vº ) - considerando que o crédito de € 1.542.849,31 reconhecido pelo Sr. Administrador deverá gozar da garantia do direito de retenção, na medida em que se verificam todos os necessários pressupostos “ ; alegando tratar-se de promitente comprador que obteve a traditio da coisa.


Os recursos foram admitidos como recursos de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:

A) Recurso de Apelação de A…,. S.A.
(…)

B) Recurso de Apelação de D…, S.A.
(…)

C) Recurso de Apelação de C…, Lda.
(…)

Foram oferecidas contra-alegações.
Os recursos foram admitidos neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões dos recursos de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

A) Recurso de Apelação de A…,. S.A.
- reapreciação da matéria de facto
- alegada nulidade de sentença nos termos da na al. c) do nº 1 do artº 615º do NCPC
- o crédito € 368.558,72 reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial Provisório (ou o seu dobro, no entendimento da Recorrente), é um crédito sob condição, tal como definido no artº 50º do CIRE ?
- as partes, com a celebração e assinatura do aditamento ao contrato promessa de compra e venda, quiseram subordinar o contrato ao regime do sinal, tal como definido no artº 442º do Código Civil ?
- tem a credora/apelante direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar nos termos do artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil ?
- o direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar previsto no artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil está excluido, no caso concreto, por a credora ser pessoa colectiva e assim não consumidora ?

B) Recurso de Apelação de D…, S.A.
- ao não reconhecer o direito de retenção da recorrente, pelo menos futuro e sujeito à verificação de condição, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 755.º n.º 1, al. f), 808.º, n.º 1 e 10.º do Código Civil, e o n.º 7 do artigo 17.º - G do CIRE ?

C) Recurso de Apelação de C…, Lda.
- por ter havido tradição da coisa, tendo ficado investida na posse da fração, e incumprimento definitivo, goza a ora Recorrente do direito de retenção sobre a fração autónoma prometida até pagamento integral da quantia ?



II) FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
1. - A impugnante A… apresentou, nos presentes autos, reclamação de créditos, na qual reclamou os créditos seguintes:
a) Como crédito garantido, a quantia de € 4.577,50, correspondente aos juros contados sobre as quantias entregues, no montante de €358.558,26, à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 2 pontos percentuais, bem como os juros vincendos, calculados à mesma taxa, até efectiva celebração da escritura de compra e venda;
b) Como crédito garantido sob condição, em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da ora Devedora, à Reclamante assistirá um direito de crédito sobre a Devedora que consiste no dobro do sinal e respectivos reforços, no montante de € 737.117,44.
2. - A devedora é proprietária do Aldeamento Turístico denominado EDEN RESORT, sito na Quinta da Bolota, Vale de Santa Maria, freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n° 12620 e inscrito na competente matriz predial urbana no art° 23258.
3. - Na referida qualidade e no desenvolvimento do seu objecto social, a Devedora celebrou contratos promessa de compra e venda pelos quais prometeu vender as fracções autónomas objecto de cada um dos mencionados contratos, respeitantes aos apartamentos e moradias que integram o mencionado Aldeamento Turístico, entre os quais com a ora Reclamante.
4. - Por contrato promessa de compra e venda celebrado em 25.07.2008 a Devedora prometeu vender à A… e esta prometeu comprar-lhe, desonerada de quaisquer ónus ou encargos, mobilada e equipada, atendendo ao fim habitacional a que se destina, a fracção autónoma correspondente à unidade de alojamento turístico designada pelas letras "FC", banda K, do prédio composto pelo lote 2 do loteamento da Quinta da Bolota, sito em Vale de Santa Maria, freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n° 12620, conforme contrato intitulado "Contrato Promessa de Compra e Venda", junto a fls. 264 a 268 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. - As partes acordaram que o preço da prometida compra e venda seria de € 512.145,00 (quinhentos e doze mil cento e quarenta e cinco euros), o qual deveria ser integralmente pago no acto de outorga da correspondente escritura de compra e venda, conforme cláusula segunda, do contrato referido em 4°.
6. - Nos termos da cláusula terceira do contrato referido em 4°, a escritura de compra e venda deveria ser marcada pela Devedora, no prazo de 60 dias após a licença de utilização do prédio, contanto que se mostrasse concluído o processo do depósito do título constitutivo do empreendimento, no Turismo de Portugal, LP., tendo as partes estimado, à data do contrato promessa de compra e venda, que a fracção prometida vender estivesse construída e licenciada a sua utilização cerca de 24 meses após Março de 2008.
7° - Mais acordaram as partes, na cláusula quarta (com a epígrafe "Mora e incumprimento ") do contrato em referência, além do mais, no que ora releva, que: [esta cláusula refere-se ao incumprimento da promitente compradora] «Dois - Decorridos o prazo de 30 (trinta) dias previsto no número anterior sem que a escritura pública seja outorgada, considera-se automaticamente convertida a mora em incumprimento definitivo do presente contrato promessa, com dispensa de realização de interpelação admonitória, o que confere à Promitente Vendedora o direito à rescisão Unilateral do mesmo e a fazer suas todas as importâncias recebidas a título de sinal e reforço de sinal».
«Três - Decorridos que se mostrem 90 (noventa) dias sobre a verificação dos pressupostos previstos no número um da cláusula terceira, e notificada que seja a Promitente Vendedora, pelo segundo, através de carta registada com aviso de recepção, para efeito de marcação de escritura de compra e venda, sem que o faça, constitui-se a promitente vendedora em mora»
«Quatro - Durante o prazo que dure a mora da promitente vendedora, obriga-se estão pagamento ao Promitente Comprador de juros contados sobre a quantia entregue no montante equivalente à taxa EURlBOR de seis meses (ou outra que a venha a substituir), acrescido de 2 pontos percentuais.»
«Quinto - Caso a Promitente Vendedora venha a incumprir o presente contrato promessa de compra e venda, obriga-se esta a restituir ao Promitente Comprador as verbas que haja recebido a título de sinal, acrescidas de juros calculados com base EURIBOR de seis meses (ou outra que a venha a substituir), acrescido de 2 pontos percentuais, renunciando as partes ao regime do sinal».
8. - Em 07.08.2008, a Devedora (segunda outorgante), a Reclamante (terceira outorgante) e a sociedade D… & Filhos, S. A. (primeira outorgante), celebraram entre si, um aditamento aos contratos de empreitada e de promessa de compra e venda, junto a 271, dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9° - Em 25.07.2008, foi celebrado entre a D…, S. A. e a Reclamante um contrato de empreitada mediante o qual aquela adjudicou a esta os trabalhos da empreitada de redes de abastecimento de águas, saneamento, pluviais e rede exterior de rega, do aldeamento EDEN RESORT, tendo sido em contrapartida da referida adjudicação e de outras, de montante global estimado de cerca de € 700.000,00, que a ora Reclamante celebrou o contrato promessa supra identificado e ora em causa.
10° - No aditamento referido em 8°, ficou acordado, além do mais que releva, que:
«Quinta - Tendo em conta as convenções entre as partes, supra referidas, estas convencionam mais o seguinte, alterando em conformidade os supra referidos contratos:
a) Os montantes correspondentes a 30% das facturas da terceira à primeira contraente, retidos por esta, serão integralmente imputados como sinal e princípio de pagamento à segunda contraente do preço ajustado pela compra prometida da indicada fracção "FC ", ficando o respectivo acerto de contas entre a primeira e a segunda outorgantes da sua responsabilidade, pelo que, na data da escritura ou da outorga do documento particular autenticado, a terceira apenas terá de pagar à segunda contraente o valor da diferença entre essas retenções e o valor de €512.145,00 euros ajustado para venda.»
11. - Nos termos do contrato promessa e do respectivo aditamento, a ora Reclamante entregou à Devedora a quantia global de € 368.558,72.
12. - Do preço acordado falta pagar a quantia de € 143.586,28.
13. - Em 19.10.2012, tinham já decorrido mais de 90 dias sobre a emissão da licença de utilização respeitante à fracção prometida vender, bem como sobre a data de conclusão do processo do depósito do título constitutivo do empreendimento, no Turismo de Portugal, LP.
14. - Por carta registada com aviso de recepção (junta a fls. 274 e 275 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida), datada de 19.10.2012 e recebida pela Devedora em 23.10.2012, foi esta interpelada pela Reclamante para o cumprimento da obrigação com a marcação da escritura, no prazo máximo de 30 dias após a recepção da carta, constando dessa carta, além do mais, que «O prazo enunciado para o cumprimento é peremptório, sendo esta interpelação admonitória, sob pena de se considerar definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.»
15. - A devedora, até à presente data, não marcou a escritura pública de compra e venda relativa à fracção prometida vender à reclamante.
16. - Em meados de Julho de 2010, a Devedora entregou à ora Reclamante a moradia prometida vender, com as respectivas chaves, e, em 30.07.2010, a Devedora transmitiu à Reclamante uma mensagem de boas vindas e a oferecer os serviços de limpeza da moradia e de muda de roupa de casa, ''para tornar a estadia da Reclamante mais agradável", sendo que, em 18.l1.2011, a Reclamante procedeu à substituição da fechadura da moradia prometida vender.
17. - Desde Julho de 2010, a ora Reclamante ocupa e utiliza a fracção prometida vender, nela habitando os seus representantes e convidados, que nela dormem e confeccionam refeições, recebendo visitas e fazendo vida diária, frequentando as partes comuns do aldeamento, incluindo piscinas e zonas de lazer, e recorrendo aos serviços comuns, prestados pela Devedora e ou por entidades por esta contratadas.
18. - A reclamante A… destina o imóvel objecto do contrato celebrado com a devedora à integração no seu imobilizado e à utilização do mesmo, directamente, pela impugnante.
19. - A reclamante C… celebrou com a devedora, em 11/01/2009, contrato intitulado "contrato promessa de compra e venda" (junto a fls. 360 a 364 dos autos, e que aqui se dá por integralmente produzido), nos termos do qual a devedora prometeu vender e reclamante prometeu comprar a fracção "ET", do prédio sito na Urbanização Quinta da Bolota, lote 2, "Éden Resort", Vale da Santa Maria, Albufeira, inscrito na matriz sob o n° 12620/20020114, registado a favor da devedora e titulado pela Autorização de Utilização Turística n° 9/2010, emitida em 14 de Dezembro pela Câmara Municipal de Albufeira.
20. - Pelo preço total de € 234.439,00, sendo € 217.500,00 correspondente ao preço da fracção e € 16.939,00 correspondente ao imobiliário e equipamento da fracção.
21. - A reclamante C… procedeu ao pagamento integral do preço convencionado.
22. - Nos termos da cláusula terceira, um, do contrato referido em 19° “ A escritura de compra e venda será marcada pela Promitente Vendedora, no prazo de 60 (sessenta) dias contados após a emissão da licença de utilização do prédio, contando que se mostre igualmente concluído o processo de depósito do título constitutivo do empreendimento, no Turismo de Portugal, LP., estimando-se que a fracção esteja construída e licenciada cerca de 24 (vinte e quatro) meses após Março de 2008, data do início da sua construção. ».
23. - Nos termos da cláusula terceira, dois, do contrato referido em 19°, «A promitente Vendedora notificará o Promitente Comprador da data e local da outorga da escritura, através de carta registada, expedida com pelo menos 15 (quinze) dias de antecedência, para a morada constante deste contrato».
24. - A licença de utilização foi emitida pela Câmara Municipal de Albufeira em 14 de Dezembro de 2010.
25. - A devedora informou a reclamante C… que à medida que procedia à venda das restantes fracções pagava a hipoteca que impendia sobre a fracção objecto do contrato entre ambas celebrado, devendo a reclamante aguardar pela conclusão das restantes vendas.
26. - Apesar disso, a reclamante foi sucessivamente interpelando a devedora para a realização da escritura de compra e venda, o que não se veio a concretizar.
27. - Por declaração datada de 10 de Fevereiro de 2010, junta a fls. 358 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a devedora, no que ora releva, declarou que: «não pode até à data acordada proceder à celebração da respectiva escritura pública da fracção livre de ónus e encargos, pelo que afim de, obstar à resolução contratual por parte da promitente compradora, procede, nesta data, à entrega das chaves da prometida fracção à promitente compradora - que as recebeu - e por via disso fica esta investida na posse da mesma, podendo usá-la como julgar adequado aos seus interesses, assim se efectivando a tradição da coisa. ».
28. - A partir da data referida em 27° a reclamante passou a usar e fruir da fracção como coisa sua.
29. - Por contrato de Assunção de Dívida celebrado no dia 29 de Agosto de 2011 (junto a fls. 216 e 217, que aqui se dá por integralmente reproduzido), a devedora assumiu perante a Reclamante D… a dívida de € 1.388.663,01, da qual a sociedade comercial D… , SA., era devedora também para com a Reclamante, assumindo, igualmente, pagar essa dívida à Reclamante, até ao dia 30 de Dezembro de 2011, o que, até à presente data, não fez.
30. - Dadas as dificuldades financeiras da devedora, que lhe impossibilitavam cumprir a obrigação pecuniária que havia assumido perante a Reclamante, com o intuito de liquidar a dívida assumida pela devedora, em 31 de Agosto de 2011, celebraram um contrato, intitulado "Contrato-Promessa de Dação em Cumprimento" (junto de fls. 218 a 222, que aqui se dá por integralmente reproduzido), por intermédio do qual a devedora prometeu dar em pagamento à Reclamante, as fracções autónomas OQ, OR, OS, OZ, HA, HB, HC,HD, todas sua propriedade e correspondentes a uma moradia do tipo V-2+ 1, afectas ao prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Vale de Santa Maria, freguesia de Albufeira, concelho de Albufeira, designado por "ÉDEN RESORT", inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 23258 e descrito na do Registo Predial de Albufeira sob o n° 12620/20020114.
31. - A escritura pública, ou contrato definitivo, realizar-se-ia até três meses após a devedora obter a Licença de Utilização Turística e o Certificado Energético das fracções prometidas dar em cumprimento, em local, hora e data a indicar pela devedora, através de carta registada com aviso de recepção, a enviar para a sede da reclamante com dez dias de antecedência em relação à data da escritura pública.
32. - Com a celebração do contrato referido em 30° passou a usar e a fruir daquelas mesmas fracções, nomeadamente, dos proveitos financeiros que as mesmas, dali para a frente, gerassem.
33. - Em 31 de Agosto de 2011, a Reclamante celebrou com a sociedade comercial "D…, Lda., entidade exploradora do empreendimento "ÉDEN RESORT", um contrato, intitulado "contrato promessa de Exploração Turística" (junto a fls, 223 a 230), mediante o qual, a Reclamante prometeu ceder, em exclusivo, a gestão e exploração turística das fracções prometidas dar em cumprimento, àquela "D…, Lda".
34. - Nos termos deste contrato promessa de exploração turística, entre outras coisas, desde logo ficou definido que com a celebração do contrato prometido, a Reclamante encarregaria a D…, Lda., de, em seu nome e com carácter de exclusividade, promover a locação das fracções prometidas dar em cumprimento para alojamento de turistas, organizando e aceitando reservas para estadias nos períodos que viessem a ser previamente acordados, mediante um preço a cobrar aos utentes.
35. - Mais ficou definido que a Entidade Exploradora, a partir da data da celebração do contrato promessa de exploração, se obrigava a:
a) Definir, coordenar e implementar a estratégia negocial destinada à locação das fracções prometidas dar em cumprimento;
b) Informar de 3 em 3 meses a Reclamante das reservas de estadias de turistas, independentemente de solicitação desta;
c) Receber de terceiros, em nome, e por conta da Reclamante, todas as quantias devidas pela locação das fracções, bem como diligenciar pela efectiva cobrança das mesmas;
36. - Ficou, ainda, definido, que a Reclamante se obrigava a manter na recepção do empreendimento, à guarda da D…, Lda, a chave da porta exterior das fracções, só podendo a entidade exploradora dela fazer uso para efeitos da prestação de serviços previstos no próprio contrato promessa.
37. - Desde a data da celebração dos dois contratos promessa que a Reclamante encarregou a D…, Lda., de, em seu nome e com carácter de exclusividade, promover a locação das fracções prometidas dar em cumprimento para alojamento de turistas, organizando e aceitando reservas para estadias.
38. - A Reclamante mantém na recepção do empreendimento, à guarda da D…, Lda, a chave da porta exterior das fracções prometidas vender, só podendo a entidade exploradora dela fazer uso para efeitos da prestação de serviços previstos no próprio contrato promessa de exploração turística.
39. - Desde a data da celebração dos dois contratos promessa que a D…, Lda., recebe de terceiros, em nome e por conta da Reclamante, todas as quantias devidas pela locação das fracções prometidas dar em cumprimento, bem como diligencia pela efectiva cobrança das mesmas, assim como, desde a data da celebração dos contratos promessa, a Reclamante tem direito, nos termos do título constitutivo, a receber os proveitos que os alugueres das fracções prometidas dar em cumprimento, gerem.

2. O DIREITO APLICÁVEL
A) Recurso de Apelação de A…, S.A.
1. reapreciação da matéria de facto
(…)
Improcede, assim, consequentemente, a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a factualidade objecto da acção fixada pelo Tribunal de 1ª instância.
(…)
6. O direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar previsto no artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil está excluído, no caso concreto, por a credora ser pessoa colectiva e assim não consumidora ?
Defende a apelante a interpretação do preceito no sentido da não exclusão do invocado direito de retenção, alegando que a lei não estabelece qualquer diferença entre consumidor e não consumidor, para efeitos de titularidade do direito, e, ainda que estabelecesse distinção, no caso concreto, no âmbito do contrato promessa de compra e venda sub judice, a Recorrente actuou como consumidora final do imóvel.
Tendo por referência a ratio da lei, relativamente à norma do artº 755º-nº1 - alínea. f) e 759º-nº2 do Código Civil, decorrente dos preâmbulos dos Decreto-Lei nº 236/80, de 18 de Julho, e, Decreto-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro, (referindo-se neste, em particular, e, com referência à problemática em análise de preferência do direito de retenção sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada, nos termos do artigo 759º -n.º 2, do Código Civil: “ Logo, não faltarão situações em que a preferência dos beneficiários de promessas de venda prejudique o reembolso de tais empréstimos. Neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares. Vem na lógica da defesa do consumidor” ), e, ainda visando uma interpretação constitucional dos preceitos em referência- cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 374/03, de 15 de Julho, nº 594/03, de 3/12 , nº 356/04, de 19 de Maio, in sítio do Tribunal Constitucional, tem vindo a doutrina ( v. Prof. Menezes Leitão, in “ Direito das Obrigações, Vol I, 2010, pg. 252/3; v. em posição não inteiramente convergente Prof. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obgigações, tomo II, pg.396 e sgs. ), e a jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, a considerar, e como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/6/20, P.6132/08.0TBBRG-J-G1.S1, que “só no caso do promitente-comprador tradiciário ser um consumidor é que goza do direito de retenção e tem direito a receber o dobro do sinal prestado; não sendo consumidor não lhe assiste tal direito, sendo um credor comum da insolvência”, mais se escrevendo o indicado Ac. do Supremo Tribunal de Justiça “ (…) Sufragando o entendimento de L. Miguel Pestana de Vasconcelos, em recente Estudo publicado nos “Cadernos de Direito Privado”, nº33 – Janeiro/Março de 2011 – “Direito de Retenção, contrato-promessa e insolvência” – e, pese embora, não acolhermos na íntegra a sua lição, entendemos que se o promitente-comprador é um consumidor e o objecto da promessa é uma habitação, nesse caso, mesmo declarada a insolvência do promitente vendedor, o promitente-comprador in bonis (não insolvente) tem direito de retenção.
Assim escreve – pág. 20:
“ […] O direito de retenção só tutela o promitente-adquirente quando este for um consumidor (…).
O art. 755.°, n.°1, alínea f), é uma norma material de protecção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a ele.
Quando a contraparte do promitente-vendedor não o seja, a ratio da protecção excepcional que a lei concede ao promitente-comprador não se verifica”.
E mais adiante – págs.25/26:
“É, pois, a teleologia da lei, centrada na tutela do consumidor (e das próprias valorações constitucionais, uma vez que a tutela do consumidor tem aí guarida, art. 60.°, n.° 1, da CRP (…) que nos permite detectar a existência da lacuna e conduz, em seguida, ao seu preenchimento com a atribuição dessa garantia ao promitente-adquirente, nos termos do art. 755.°, n.°1, alínea f) (sinal e tradição), face à recusa de cumprimento pelo administrador.”
E, concluindo que “o promitente-comprador, sendo uma sociedade por quotas, não é um consumidor, nos termos do art. 2º, nº1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, que define o conceito – “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
No mesmo sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-11-2001, in  www.dgsi.pt, se refere: «O legislador, ao contemplar o direito de retenção do promitente comprador de fracção autónoma, com tradição da coisa, procedeu na lógica da tutela do consumidor, o que constitui um imperativo constitucional em que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que, no conflito entre as instituições de crédito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com tradição, prevalecem justificadamente os segundos.”
Referindo-se, no Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 27/11/07, in . www.dgsi.pt.pt “O regime legal que atribui ao beneficiário de promessa de transmissão da propriedade de imóvel que obteve a tradição deste o direito de retenção pelo crédito derivado de incumprimento pelo promitente vendedor, prevalecendo esse direito sobre a hipoteca, tem, como finalidade, a tutela dos direitos e expectativas do consumidor no caso de aquisição de habitação, incluindo o direito à reparação dos danos, em termos equiparados à tutela dos direitos, liberdades e garantias, sendo a circunstância de este regime legal ter na sua base essa tutela e segurança dos direitos dos consumidores, manifestando a prevalência, para o legislador, do direito dos consumidores à protecção desses seus específicos interesses, que legitima a restrição à confiança e segurança, associadas ao registo predial, face ao disposto nos art.ºs 60º e 65º da Constituição da República, pelo que se entende que as normas que instituem aquele direito de retenção com eficácia prevalente sobre a hipoteca, pelo menos quando constituída posteriormente a elas, não enfermam de inconstitucionalidade”.
Sendo este, igualmente o entendimento seguido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/5/2013, P. Revista nº 92/05.6TYVNG-M.P1:S1, junto aos autos, e, ainda, o seguimento que tem vindo a ser seguido neste Tribunal da Relação de Guimarães – v. Ac. de 30/5/2013, P. 6132/08.0TBBRG-E.G1, e de 25/9/2012, P.1936/07.3TBFAF-S.G1, in. www.dgsi.pt.pt, e que perfilhamos, pelos fundamentos supra expostos e a que aderimos.
Nestes termos, conclui-se pela improcedência dos fundamentos da apelação, decidindo-se que, no caso sub judice, a apelante promitente-compradora, sendo uma sociedade por quotas, não é um consumidor, nos termos do conceito legal decorrente do art. 2º, nº1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, e, assim, mostra-se excluído o direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar previsto no artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil.
(…)
B) Recurso de Apelação de D…, S.A.
- ao não reconhecer o direito de retenção da recorrente, pelo menos futuro e sujeito à verificação de condição, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 755.º n.º 1, al. f), 808.º, n.º 1 e 10.º do Código Civil, e o n.º 7 do artigo 17.º - G do CIRE ?

Alega a apelante D…, S.A., que “existindo um contrato promessa de transmissão de direito real em que a realização do negócio prometido se encontra sujeito a condição suspensiva cuja verificação está única e exclusivamente dependente da actuação do promitente transmitente, não sendo exigível ao promitente adquirente ter conhecimento da verificação da condição que coloque aquele em mora, não é necessária interpelação a efectuar-se nos termos do disposto no artigo 808.º do código Civil, bastando a simples interpelação para o cumprimento, o que, no caso dos autos, foi efectuado”.
Como decorre já da exposição supra exposta considera-se que nos termos do artº 755°, n° 1, al. f), do Código Civil, o qual estabelece que goza do Direito de Retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º “, são pressupostos constitutivos do direito de retenção, e que deverão resultar verificados dos factos provados, - a existência de promessa de transmissão ou constituição de direito real; a entrega da coisa objecto da promessa e a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato promessa – incumprimento definitivo este que, a verificar-se, resultará dos factos provados, não se demonstrando, consequentemente, existir, no caso em apreço, e relativamente a esta recorrente, incumprimento definitivo, nem, ainda, sequer, a verificação de simples mora, não decorrendo dos factos provados ter ocorrido qualquer interpelação para o cumprimento por parte de qualquer das promitentes, sendo que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art.º 805º-n.º1 do Código Civil) - v. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 19/5/2010, 9/2/2010, 27/10/09, in www.dgsi.pt).
Não é, assim, desde logo, a recorrente “D…” titular do direito de retenção nos termos e para os efeitos do artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil, desde logo, por falta de verificação do indicado pressuposto legal - titularidade por parte da beneficiária do contrato promessa de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato ( v. doutrina e jurisprudência supra exposta ).
Acresce, que distinto entendimento, designadamente no sentido preconizado pela recorrente, não decorre do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12/3/2013, por esta citado, aí se referindo, expressamente, no seguimento do entendimento que perfilhamos, que “…. O direito de retenção é conferido ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real sobre a coisa de que obteve a tradição pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º do Código Civil (artigo 755.º/1, alínea f) do Código Civil)”, - discutindo-se, porém, no referido Ac. eventual incumprimento ou mora dos próprios promitentes compradores, antes do incumprimento definitivo do promitente vendedor - a este propósito se reportando as passagens citadas…; mais se referindo – “13. A venda da fração autónoma traduz incumprimento definitivo do contrato-promessa o que nenhuma das partes contesta.”, concluindo-se, sempre expressamente se referindo o Incumprimento Definitivo : I - O promitente-comprador que obteve por traditio do promitente-vendedor o uso e fruição do imóvel, traditio que lhe confere legitimidade para gozar e fruir do imóvel enquanto o contrato-promessa não for resolvido por causa que lhe seja imputável, passa a gozar do direito de retenção, de acordo com o disposto no art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, sobre essa coisa imóvel, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º do CC.; II - O direito de retenção não deixa de subsistir, proporcionando, assim, ao promitente-comprador a faculdade de instaurar execução, nos mesmos termos que o pode fazer o credor hipotecário, de acordo com o disposto no art. 759.º, n.º 1, do CC, ainda que, no momento do incumprimento definitivo do contrato-promessa, não estivesse a ocupar o imóvel por dele se ter apropriado o promitente-vendedor contra a vontade e sem o conhecimento do promitente-comprador”; salientando-se, ainda, não se mostrarem conformes ao respectivo texto e decisão as considerações constantes do texto das alegações desta recorrente relativamente ao Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 22/5/2013, supra citado, e constante dos autos- P. Revista nº 92/05.6TYVNG-M.P1:S1, estabelecendo-se neste Acórdão que só no caso do promitente-comprador tradiciário ser um consumidor é que goza do direito de retenção; bem como, ainda, relativamente ao Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 11/7/2013, citado nas alegações e Conclusões do recurso de apelação ( v. Conclusão c)- cfr. nossa leitura ).
Nos termos expostos, e, reiterando-se aqui, e, relativamente, também, a esta credora/apelante os fundamentos de exclusão, em qualquer caso, do direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa previsto no artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil, dado sendo uma sociedade não ser um consumidor, nos termos do conceito legal decorrente do art. 2º, nº1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, julga-se improcedente a apelação.

C) Recurso de Apelação de C…, Lda.
- por ter havido tradição da coisa, tendo ficado investida na posse da fração, e incumprimento definitivo, goza a ora Recorrente do direito de retenção sobre a fração autónoma prometida até pagamento integral da quantia,?

Alega a apelante C…, Lda., que tendo obtido da Devedora a entrega da coisa, visando esta obstar à resolução contratual, a Recorrente ficou, por via disso, investida na posse da fração supra indicada, o que lhe confere, nos termos e para os efeitos do art. 755.º/1 al. f) do Código Civil, o direito de retenção sobre essa mesma fração pelo crédito resultante do não cumprimento do contrato promessa que, na hipótese de não execução específica, ascende a € 234.439,00.
Valem aqui as razões já supra expostas relativamente à prova da titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato promessa, para verificação dos pressupostos do Direito de Retenção nos termos do artº 755°, n° 1, al. f), do Código Civil.
Como resulta dos factos provados a Devedora, promitente-vendedora, constituiu-se em mora em consequência de sucessivas interpelações da devedora para a realização da escritura de compra e venda, o que não se veio a concretizar, tendo-se provado: “25. - A devedora informou a reclamante C… que à medida que procedia à venda das restantes fracções pagava a hipoteca que impendia sobre a fracção objecto do contrato entre ambas celebrado, devendo a reclamante aguardar pela conclusão das restantes vendas. ; 26. - Apesar disso, a reclamante foi sucessivamente interpelando a devedora para a realização da escritura de compra e venda, o que não se veio a concretizar. ; 27. - Por declaração datada de 10 de Fevereiro de 2010, junta a fls. 358 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a devedora, no que ora releva, declarou que: «não pode até à data acordada proceder à celebração da respectiva escritura pública da fracção livre de ónus e encargos, pelo que afim de, obstar à resolução contratual por parte da promitente compradora, procede, nesta data, à entrega das chaves da prometida fracção à promitente compradora - que as recebeu - e por via disso fica esta investida na posse da mesma, podendo usá-la como julgar adequado aos seus interesses, assim se efectivando a tradição da coisa. »; 28. - A partir da data referida em 27° a reclamante passou a usar e fruir da fracção como coisa sua”.
Constituindo-se o devedor em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art.º 805º-n.º1 do Código Civil), esta, a mora, só determinará o não cumprimento definitivo da obrigação quando, por sua consequência, o credor perder o interesse que tinha na prestação, sendo a perda do interesse do credor apreciada objectivamente, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, ou este declarar ou manifestar de forma inequívoca a intenção definitiva de não cumprir o contrato, tal como decorre do art.º 808º- n.º1 e 2, do citado código.
“Como ensina Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.
“ […] O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:
a) O incumprimento definitivo, propriamente dito;
b) A impossibilidade de cumprimento;
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808º, nº1, do C. Civil;
d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;
e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.” “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 19/5/2002, in www .dgsi.pt.
“ A mora do devedor não permite, por via de regra, com ressalva da existência de convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, que tem lugar, tão-só, em três situações tipificadas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 801º, 802º e 808º, nº 1, todos do CC, o que pode acontecer se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma, ou, finalmente, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso.” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/09.
No caso em apreço, e como decorre dos factos provados, não se mostra, ainda, ter-se a prestação tornado impossível, nem verificado qualquer outro circunstancialismo determinativo do Incumprimento Definitivo ou Impossibilidade de Cumprimento, nomeadamente, não tendo a recorrente convertido a mora em Incumprimento Definitivo mediante interpelação admonitória, nos termos do art° 808°, n°1, do Código Civil, e, assim, ocorre situação de simples mora.
Relativamente à invocada Posse alegadamente decorrente da traditio que se operou, e que lhe confere, nos termos e para os efeitos do art. 755.º/1 al. f) do Código Civil o direito de retenção, como defende a apelante, perfilhamos entendimento contrário, considerando que, por um lado, por via de regra, do contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma não decorrem efeitos de natureza real, uma vez que tal tipo contrato é meramente obrigacional, e, mesmo havendo lugar à tradição da coisa, como no caso sub judice ocorre, de tal não decorre a transmissão da posse, sendo o promitente comprador mero detentor ou possuidor precário da mesma.
Em qualquer caso, e mesmo a considerar-se poder configurar-se em concreto situação de transmissão de posse, como se concede, nomeadamente no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/3/2013, in . www.dgsi.pt. pt., consideramos, e no seguimento dos fundamentos que ficaram já expostos supra, que a “Posse” não configura pressuposto de verificação do direito de retenção nos termos e para os efeitos do art. 755.º/1 al. f) do Código Civil, bem como a simples traditio, por si só, e, em qualquer caso, ainda, mesmo verificando-se ocorrer “Posse”, sem a verificação dos legais pressupostos do citado art. 755.º/1 al. f), não há privilégio creditório prevalecente nos termos dos artº 755.º/1 al. f), e 759º-nº2 do Código Civil, designadamente, o direito de retenção ( v. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/3/2013, e de 12/3/2012, 27/11/07, 8/10/203; Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 21/5/2013, todos in . www.dgsi.pt.pt ).
Nos termos expostos, julga-se improcedente a apelação, reiterando-se aqui, ainda, e, relativamente, também, a esta credora/apelante os fundamentos de exclusão do direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa previsto no artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil, dado sendo uma sociedade não ser um consumidor, nos termos do conceito legal decorrente do art. 2º, nº1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril,

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelas credoras/reclamantes A…, D…, S.A., e C…, Lda., confirmando-se a decisão recorrida que julgou totalmente improcedentes as impugnações à relação provisória de créditos apresentadas pelos indicados credores e, consequentemente, manteve tal lista, com ressalva da divergência relativamente ao reconhecimento do crédito da credora reclamante A…, não se tratando de crédito sob condição a reconhecer nos termos do artº 50º do CIRE, nos termos acima expostos, determinando-se a respectiva rectificação.
Custas pelas apelantes, em partes iguais.
Guimarães, 20 de fevereiro de 2014
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho