Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1213/14.3T8CHV-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO
CONTRA-CRÉDITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A invocação da compensação por parte do embargante com base no contracrédito sobre o exequente [artº 729º, al. h), do CPC] não é admissível quando ela já era possível à data da contestação na acção declarativa, por via do efeito preclusivo da defesa (artº 573º, do CPC) e tendo em conta a harmonização do regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729º.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelantes: AA e BB (executados);
Apelado: CC (exequente);

*****
Nos presentes autos de oposição à execução, pediu o executado, aqui apelante, que se julgasse procedente a oposição e prosseguisse a execução apenas pelo montante resultante da compensação do contracrédito dos embargantes, no valor de 2.025,88€, proveniente de dívida comercial sobre o embargante.
Como decorre da decisão recorrida, “alegaram como fundamento da oposição o disposto no art. 729º, al. h), do Cód. Proc. Civil.
Foram condenados por sentença judicial no pagamento da quantia de 17.662,17 €.
O embargante era empresário em nome individual de uma oficina que girava sob o nome de AA. No ano de 1996 propôs ao embargado e a um seu funcionário DD sociedade na dita oficina.
Para o efeito, inventariaram as existências da oficina em 87.735,22 €, que integraria o património da sociedade a constituir tendo o embargado e o mencionado José Assureiras de proceder ao pagamento ao embargante da quantia de 29.245 €.
Uma vez que, quer o embargado quer o DD não tinham dinheiro para efectuar tal pagamento foi acordado que pagariam ao embargante, no final de cada ano, uma prestação correspondente aos lucros de exercício que caberiam aos sócios devedores até efectivo e integral pagamento.
A sociedade «EE, Lda» foi constituída em 2 de Março de 1998.
A 30 de Outubro de 1998 o embargante declara que recebeu de lucros do exercício de 2007 e para abataimento do referido débito a quantia de 2.612.088$00 e a 31 de Agosto de 1999 declara que recebeu 1.112.701$00.
A 31 de Dezembro de 1998 o embargado e o outro sócio deveriam ao embargante a quantia de 3.134.794$00 cada um.
Como o embargante estava a necessitar de receber o dinheiro em causa, os sócios no ano de 2000 contraíram um empréstimo em nome da sociedade «EE, Lda» no montante de 6.000 € junto do BNU a adiantaram ao embargado o pagamento da sua dívida pessoal.
As prestações deste empréstimo teriam de ser realizadas pelos sócios devedores, ou seja, o embargado e DD.
Porém, a «EE, Lda» pagava mensalmente as prestações e no final de cada ano foi descontado no valor que o embargante AA tinha a receber da distribuição de lucros.
Deste modo, o embargado nunca pagou a divida que tinha para com o embargante no valor de 15.636,29, desde 19 de Março de 2009, data em que deixou de ter as quotas na sociedade EE.
Os embargantes declaram ao embargado nos termos do art. 848º, do Cód. a compensação dos seus créditos”.

Tal oposição mediante embargos de executado foi indeferida liminarmente, por se entender que o fundamento invocado pelos embargantes não se enquadra em nenhuma das alíneas previstas no art. 729º, do Cód. Proc. Civil, ao abrigo do disposto no art. 732º, n.º1, al. b), do Cód. Proc. Civil.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os executados o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulam as seguintes conclusões:
a) Os recorrentes entendem que a sentença recorrida errou na interpretação e aplicação da al. h) do Art.º729º do CPC, n.º 1 do Art.º 847º e Art.817º do CC e n.º 2 do Art. 573º do CPC;
b) Ao indeferir liminarmente a oposição mediante embargos de executado com fundamento em contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, por entender que o invocado contracrédito tinha que se encontrar reconhecido judicialmente ou extrajudicialmente e, por isso, julgou que o fundamento invocado pelo recorrente não se enquadra na previsão do Art. 729º do CPC.
c) Nada autoriza o tribunal a quo a limitar desta forma o direito de defesa do executado.
d) O legislador expressamente previu a possibilidade de o executado opor, às execuções com base em sentença, a compensação de créditos.
e) Da leitura do disposto no Art. 729º do CPC, nomeadamente da al. h), não resulta qualquer requisito ou pressuposto especial para fazer funcionar a compensação.
f) Por isso, teremos que aplicar, tão só, as regras do Art. 847ºdo CC.
g) E nestes normativos, não se exige que o contracrédito esteja reconhecido judicial ou extrajudicialmente, antes que a obrigação seja exigível, isto é, susceptível de ser reconhecido em ação de cumprimento.
h) Os embargantes juntaram aos autos um documento assinado pelo embargado aonde este declara dever ao embargante o montante declarado compensar.
i) Ao alegar a compensação os embargantes não pretendem executar o contracrédito, se assim fosse, seria exigível que estivesse munido de um título executivo, o que pretendem é opor ao crédito exequendo um facto extintivo.
j) O pedido que se faz nesta ação declarativa de embargos de executado, a ser procedente, extingue parcialmente o crédito exequendo.
k) Assim, ao indeferir liminarmente os embargos de executado com o fundamento de que a aplicação do disposto na al. h) do Art.º 729º do CPC tem em vista apenas as situações em que o crédito já se encontra reconhecido judicialmente ou extrajudicialmente, errou na interpretação da norma, limitando o direito de defesa do embargante, quando nada autoriza tal limitação.
l) Entendeu ainda, a sentença recorrida que precludiu o direito de os embargantes oporem em sede de embargos de executado compensação, por ao abrigo do princípio da concentração da defesa o deverem ter feito na ação declarativa.
m) O embargado, na ação declarativa, vem alegar simulação de preço numa escritura de cessão de quotas como fundamento do seu crédito.
n) Os embargantes negaram tal simulação e a existência de qualquer divida para com o então autor.
o) Os embargantes, ao não reconhecerem o crédito do embargado, não podiam excepcionar com a compensação, pois, o recurso à compensação postula o reconhecimento de um crédito a confrontar com um contracrédito.
p) Só depois de serem obrigados a reconhecer o crédito do embargado, com a condenação na ação declarativa, está preenchido o postulado do instituto da compensação – reciprocidade de créditos e débitos.
q) Mesmo que assim não fosse, também não estaria precludido o direito dos embargantes, pois, o n.º 2 do Art. 573º do CPC dispõe que: “Depois da contestação só podem ser deduzidas exceções, (…), ou que a lei expressamente admita passado esse momento (…)”
r) Claramente, a lei, na al. h) do Art. 729º do CPC, admite a dedução de compensação, sem exigência de mais requisitos para além dos previstos no Código Civil, nos embargos de executado.
s) Nomeadamente, não faz depender a oportunidade de dedução da compensação da sua superveniência relativamente ao processo declarativo.
t) A sentença recorrida, na interpretação que faz dos Art.729º e 573º do CPC, faz “letra morta” na exceção que o legislador criou ao introduzir a al. h) do Art. 729º, pois a ser como entendeu a sentença, bastava o estatuído na al. g) do artigo.
Pede que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que receba os embargos.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

A questão suscitada pelos recorrentes pode sintetizar-se no seguinte:

a) Existe fundamento para a rejeição liminar da oposição à execução?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade descrita no Relatório I) supra, cujo teor se dá por reproduzido.

*****

2. De direito;

a) Existe fundamento para a rejeição liminar da oposição à execução?

O objecto do recurso versa sobre matéria de direito.
São fundamentos da alegação de recurso o facto de o artº 729º, al. h), do CPC, não exigir que o invocado contracrédito sobre o exequente se encontre reconhecido judicialmente ou extrajudicialmente e a circunstância de que, enquanto réus, tendo negado a dívida não podiam excepcionar, declarando a compensação.
Apreciando.
Como começa por se afirmar na sentença recorrida, o título executivo dado à execução nos presentes autos é uma sentença judicial que se encontra transitada em julgado.
Segundo o preceituado no artº. 729º, do CPC, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos previstos nas suas várias alíneas, sendo que, a al. h) refere o “contra crédito sobre o exequente com vista a obter a compensação de créditos”.
Como esclarece José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, à luz do CPC de 2013, 6ª ed. Pág. 201, “ A nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado”.
Isto porque no citado artº 266º, nº2, al. c), passou a estatuir-se que a reconvenção é também admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
De outro modo, “ excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos (…), a caracterização adjectiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da ação executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo.
(…) A consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847º do CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo” (opus cit. págs. 201-202).
Assim, afigura-se-nos que, na conjugação da alínea g) do apontado artº 729º com a previsão normativa ora introduzida pela alínea h) do mesmo preceito, não será obstáculo à compensação o facto de o contracrédito invocado pelos executados não se encontrar ainda reconhecido judicialmente.

Mas, coloca-se ainda outra questão: os executados, aqui recorrentes, podem fazer valer o dito contracrédito sobre o exequente quando já o podiam ter feito na acção declarativa?
Na decisão recorrida entendeu-se que não.
Os apelantes contrapõem afirmativamente, no sentido de que, na acção declarativa, ao não reconhecerem o crédito do embargado, não podiam excepcionar com a compensação, por esta pressupor o reconhecimento de um crédito a confrontar com o contracrédito e só depois de serem obrigados a reconhecer o crédito do embargado, com a acção de condenação na acção declarativa, está preenchido o postulado do instituto da compensação – reciprocidade de créditos e débitos.
E ainda que assim não fosse, também não estaria precludido o seu direito de defesa, por força do disposto no artº 573º, nº2, do CPC, que estabelece que, após a contestação, só podem ser deduzidas excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes.
Entende-se que não lhes assiste razão.
Neste sentido, aliás, é elucidativo o já citado autor, Prof. José Lebre de Freitas, na obra citada, pág. 203, ao defender que, para além do efeito preclusivo previsto na alínea g) do apontado artº 729º, reportado à data do encerramento da discussão na acção declarativa, no que concerne à assinalada alínea h), “uma vez entendido que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente); a invocação da compensação só não será, pois, admissível quando ela já era possível à data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729”.
Em suma, cabia aos executados, enquanto réus na acção declarativa, terem invocado nesta a compensação do seu alegado contracrédito, ainda que a título de excepção peremptória (por ser inferior ao crédito do ali autor).
Não o tendo oportunamente feito, sibi imputet.
É certo que os recorrentes esgrimem que na acção declarativa se limitaram apenas a impugnar a dívida, negando-a e, portanto, não reconhecendo o crédito do autor/embargado, pelo que a invocação desse contracrédito conflituaria com tal negação da dívida, além de que a sua condenação no reconhecimento do crédito do exequente só nasce com a sentença condenatória.
Não procede tal argumentação.
Com efeito, nada os impedia de, em sede de contestação, além de impugnarem o crédito do autor/embargado, excepcionarem, mesmo subsidiariamente, a compensação com base no seu invocado contracrédito, mesmo que ilíquido – artº 847º, nº3, do CC.
Na verdade, como é referido na decisão recorrida, “ os factos que o embargante alega para sustentar a sua oposição tiveram lugar em 2004, portanto, muito antes da propositura da acção declarativa em que foi condenado que data de 23 de Setembro de 2010”.
Assim, não tendo deduzido os embargantes a excepção da compensação na acção declarativa (e podiam fazê-lo, como dito ficou), precludiu-se o direito de invocar tal excepção nos presentes embargos.
De outro modo, como acima se sublinhou, estaria ainda em causa a própria harmonização do regime da alínea h) com o da alínea g) do citado artº 729º do CPC.

Não procede, portanto, a apelação.

Sintetizando:
A invocação da compensação por parte do embargante com base no contracrédito sobre o exequente [artº 729º, al. h), do CPC] não é admissível quando ela já era possível à data da contestação na acção declarativa, por via do efeito preclusivo da defesa (artº 573º, do CPC) e tendo em conta a harmonização do regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729º.

DECISÃO

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Guimarães, 30.04.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira