Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
599/15.7T8CHV.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE
RUÍDO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Estando em confronto direitos de personalidade e direitos de natureza económica, os primeiros devem prevalecer relativamente aos segundos, nos termos previstos para a colisão de direitos no nº 2 do artº 335º do CC;
II- Essa prevalência não significa, no entanto, que o titular de um estabelecimento comercial que viola, com o ruído produzido com a sua exploração, o direito ao descanso e sossego dos AA, deva encerrar o mesmo, havendo que encontrar um ponto de equilíbrio entre ambos os direitos, de modo a que eles possam coexistir.
III- Essa coexistência passa, assim, apenas pelo encerramento do estabelecimento no período considerado necessário para os AA poderem descansar, entre as 00 h e as 8h (com exceção dos meses de Julho e Agosto, altura em que o encerramento pode ocorrer entre a 1h e as 8h).
Decisão Texto Integral: Processo n.º 599/15.7T8CHV
Comarca de Vila Real
Instância Local de Chaves – Secção Cível – J1
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Desembargador Francisco Xavier *
Daniel P e mulher Hermínia P residentes na Travessa A, n.º3, em Chaves, instauraram contra Dimitri T residente na Rua Av. M, n.º 28, 5400 – 215, Chaves, procedimento de tutela de personalidade nos termos do art. 878º, do Cód. Proc. Civil.
Alegaram que são arrendatários, há mais de 20 anos, de um imóvel sito na Travessa da A, n.º 3-A, na freguesia de St.ª Maria Maior, Chaves, onde têm centrada a sua vida doméstica, familiar e social.
O réu, há alguns anos explora um estabelecimento de café/bar denominado «1/4 escuro» que, há cerca de um ano passou a denominar-se «Associação Recreativa e Cultural do Centro Histórico de Chaves», sito no rés-do-chão do n.º 68 da Rua S, sendo ainda dotado de uma esplanada, com cadeiras e mesas, que funciona no período de verão.
Neste estabelecimento, além de serem servidos cafés e bebidas, são ainda confeccionadas e postas à disposição dos clientes diferentes tipos de comidas.
O estabelecimento está equipado com um aparelho de televisão, aparelhagens de som, e várias máquinas frigoríficas.
Este estabelecimento funciona ininterruptamente desde as 20h00 até às 04h00, e nas noites de sábado para domingo até às 08h00, sendo muito frequentado, especialmente durante o período nocturno.
Os aparelhos de televisão e música produzem enorme barulho, assim como é intenso o ruido provocado pelo barulho das portas frigoríficas.
É também intenso o barulho produzido pela vozearia dos clientes, quer no seu interior quer quando se concentram no exterior, bem como o ruido produzido pelo rojar das mesas e cadeiras.
Existiu no exterior do bar uma pequena roulotte com máquina de cerveja, existindo actualmente uma máquina de cerveja, o que fez com que muitos clientes permaneçam ali durante largos períodos de tempo. A situação agrava-se durante o fim de semana.
Os autores sentem com muita intensidade, na sua habitação, o barulho produzido pelo estabelecimento, especialmente durante a noite.
Tais barulhos e ruídos impedem os autores de descansar normalmente, passando noites sem dormir, acordando muitas vezes e sem poderem ter um descanso repousante e reconfortante.
Este quadro traz os autores sob constante nervosismo e intranquilidade, traz-lhes insónias e mal-estar físico e psíquico.
Os autores têm de tomar medicação para poderem descansar e dormir.
A situação torna-se intolerável a cada dia que passa.
Os autores e alguns vizinhos apresentaram queixas na câmara municipal de Chaves e fizeram participações à PSP.
A explanada do estabelecimento situa-se em plena rua, no largo junto à casa dos autores, o que vai causar muito mais barulho.
Nos dois anos anteriores durante o mês de Agosto o réu organizou festivais para dinamizar a zona histórica da cidade, o que trouxe mais pessoas a esta zona e, consequentemente, mais barulho.
Alegam ainda a falta de limpeza e o lixo que fica nas ruas contiguas ao bar, deparando-se os autores e demais vizinhos, aos domingos de manhã, com todo o tipo de dejectos espalhados pelas ruas, o que afecta a sua qualidade de vida e poe em causa a salubridade da zona.
Peticionam que:
a) Seja o réu condenado a manter o estabelecimento encerrado no período entre as 22h e as 09h;
b) Seja ainda o reu condenado, em conformidade com o disposto no art. 879º, n.º4, do Cód. Proc. Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500 € sempre que viole o determinado na decisão que vier a ser proferida.
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Contestou o réu, arguindo desde logo a sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, invocando que o estabelecimento encontra-se instalado num imóvel propriedade do Sr. Luís T.
O proprietário do estabelecimento e respectivo alvará 12/94, emitido pela Câmara Municipal de Chaves, é a Associação Recreativa e Cultural da Zona Histórica de Chaves, pelo que é esta entidade e não o réu, o titular da relação material controvertida desenhada pelos autores.
Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que o invocado pelos autores não corresponde à verdade, desde logo porque os requerentes não vivem na morada assumida nos autos.
Por outro lado, o estabelecimento não é dotado de qualquer esplanada, funcionando apenas desse modo nos períodos de verão ou em datas festivas da cidade e devidamente autorizada pela Câmara Municipal de Chaves.
O estabelecimento cumpre de modo integral o estabelecido no Regime Geral do Ruído. Ao longo do tempo foram sendo efectuadas obras de melhoria do espaço com vista à redução do seu impacto sonoro, a última das quais consistiu na colocação de uma porta interior.
O barulho produzido por quem se encontra na rua não é imputável a qualquer estabelecimento. Trata-se de uma zona com vários estabelecimentos de diversão nocturna, passando por ali muitas pessoas.
Quanto ao lixo acumulado nas ruas, na noite de sábado para domingo são os funcionários do estabelecimento que procedem à limpeza do espaço público em que está inserido, tendo, para o efeito, adquirido uma máquina lavadora de alta pressão e um soprador profissional.
Como medida preventiva de segurança e limpeza todas as bebidas são servidas em copos de plástico.
O requerido tem sido uma pessoa interessada na dinamização da zona histórica da cidade. Entende a presente acção apenas como um acto de vingança contra si.
Acresce que, da petição inicial resulta que os autores têm problemas apenas quando é instalada uma esplanada no exterior. No entanto pedem o encerramento do estabelecimento entre as 22h00 e as 09h00 da manhã, o que se revela totalmente desproporcionado.
Pugna pela improcedência da pretensão dos requerentes.
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No início da audiência de discussão e julgamento julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade passiva suscitada pelo réu.
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Foi então proferida a seguinte Decisão:
“Em face do exposto, julgo a presente acção especial (…) procedente por provado e em consequência:
a) Determino o encerramento do estabelecimento de café/bar denominado “Associação Recreativa e Cultural do Centro Histórico de Chaves” que explora no rés-do-chão do n.º68, da Rua S em Chaves, explorado pelo réu Dimitri T, nos seguintes períodos:
- À segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, e quinta-feira entre as 00h00 e as 08h00;
- À sexta-feira, sábado e domingo das 04h00 às 08h00;
- A explanada apenas poderá funcionar até as 24h00 durante os fins-de-semana e até às 22h00 durante a semana.
b) Condeno ainda a ré no pagamento de € 100 (cem euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada violação ao determinado na alínea anterior”.
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Não se conformando com a decisão proferida vieram os AA dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
A- Os recorrentes deduziram o presente procedimento autónomo urgente de tutela da personalidade em que, no essencial, alegavam que no estabelecimento explorado pelo recorrido e zonas adjacentes é produzido enorme ruído, ruído que se prolonga durante toda a noite e que impede que eles consigam descansar normalmente, ter um sono reconfortante, passando noites a fio sem conseguir dormir, o que os traz sob constante nervosismo e intranquilidade, provocando-lhes insónias e mal-estar físico e psíquico.
B- A douta sentença recorrida, no essencial, deu como assente todo esta factualidade e concluiu expressamente que o ruído decorrente do funcionamento do estabelecimento afecta gravemente o descanso e o sono repousante dos recorrentes.
C- E determinou o encerramento do estabelecimento, aos fins de semana –noites de sextas, sábados e domingos- apenas às 4 h da manhã e por cada violação desta determinação fixou a sanção pecuniária compulsória em 100,00 €.
D- Aceita-se e concorda-se com toda a esclarecida e pertinente alegação jurídica tecida ao longo da douta sentença, apenas se discordando da hora de encerramento do estabelecimento aos fins de semana às 4 h da manhã e do montante da sanção pecuniária fixada.
E- Aliás, o encerramento do estabelecimento àquela hora tardia está em frontal oposição com toda a argumentação, muito válida, tecida sobre o direito ao repouso dos recorrentes, sua valoração e modo de protecção.
F- E isto desde logo porque na sentença dá-se como assente, por um lado, que no estabelecimento são produzidos ruídos muito intensos que afectam gravemente o direito ao repouso, tranquilidade e sono dos recorrentes, que os traz nervosos e agitados e, por outro, que há que tomar em consideração o período que, em termos de normalidade, é destinado ao repouso, ou seja, o período nocturno, para salvaguardar aqueles direitos e limitar o funcionamento do estabelecimento.
G- Com o horário de funcionamento ora fixado não são minimamente defendidos os direitos dos recorrentes, concretamente o seu direito ao repouso e ao descanso, quando, como bem se refere na sentença, a privação do descanso e sono nocturnos constitui uma lesão grave e irreparável.
H- Perante os factos assentes e as pertinentes considerações tecidas na sentença, sem dúvida que o direito ao repouso e ao sossego dos recorrentes só ficará salvaguardado se for determinado que o encerramento do estabelecimento naqueles dias terá também de ocorrer, no máximo, às 24 h e eventualmente à 1 h da manhã durante os meses de Julho e Agosto.
I- Acresce que, para combater o ambiente agressivo causado às pessoas pelo funcionamento deste tipo de estabelecimentos e dando acolhimento às inúmeras queixas com que tem sido confrontado, a Câmara Municipal de Chaves, pelo Edital nº 69/2015, de 7 de Julho de 2015, colocou em discussão pública, por um período de 30 dias, o projecto de Regulamento de horário e funcionamento dos estabelecimentos comerciais do Município de Chaves, preconizando-se no seu art. 4º que os estabelecimentos pertencentes ao 2º grupo e que se localizem em zonas com prédios habitacionais num raio de 50 m, tudo como é o caso vertente, o seu horário de funcionamento será entre as 8 h e as 24 h, podendo nos meses de Julho e Agosto funcionar entre as 8 h e a 1 h do dia.
J- Este Regulamento do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais na área do Município de Chaves já é sensível ao inalienável direito dos moradores ao repouso e a um estilo de vida saudável, limitando os ataques a esse direito para níveis aceitáveis e normais para uma vivência em sociedade.
L- Também a sanção pecuniária compulsória arbitrada na sentença recorrida é demasiado baixa e propiciadora à violação da imposição aí fixada.
M- É que a finalidade da cláusula penal de natureza compulsória é levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal, ou seja, em última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir.
N- Pelo que tem de atingir um montante que seja eficaz de modo a dissuadir o devedor de incumprir a obrigação que lhe foi imposta.
O- Atendendo ao tipo de estabelecimento em causa e aos movimentos de caixa que ele gera, é notório que a quantia fixada a título de sanção pecuniária não dissuade o devedor de incumprir a obrigação, antes lhe compensa manter o estabelecimento aberto para lá da hora fixada porque os ganhos assim obtidos compensam em muito o prejuízo a suportar.
P- Para ser eficaz e produzir efeito útil, o seu montante deverá ser fixado em quantia não inferior a 300,00 € por cada violação verificada.
Q- Ao decidir nos termos em que o fez incorreu a douta sentença, por erro de interpretação e ou aplicação, na violação dos normativos vertidos nos arts. 25º, nº 1 e 66º, nº 1 Constituição da República, 70º C.Civil, 5º, nºs 1 e 2, 7º, nºs 1 e 2 e 11º, al. c) da Lei de Bases do Ambiente (Lei 19/2014, de 14 Abril) e arts. 879º, nº 4 C.Pr.Civil e 829º-A C.Civil.
Pedem, a final, que seja parcialmente revogada a sentença recorrida e, consequentemente:
- determinado que o encerramento do estabelecimento aos fins de semana – sextas, sábados e domingos - ocorra às 24 h e eventualmente à 1 h da manhã durante os meses de Julho e Agosto;
- seja fixado o montante da sanção pecuniária compulsória em quantia não inferior a 300,00 € por cada violação ao desrespeito do horário de encerramento.
Juntaram aos autos um doc. (fls. 107 a 111)
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Não se conformando também com a decisão proferida, veio o R. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
A) O Requerido ora Recorrente não se conforma na totalidade com a sentença do Tribunal a quo. Quanto aos fatos dados como provados, por não se encontrarem totalmente corretos, solicitando-se a reapreciação da prova gravada. Quanto à valoração de direito, por ter penalizado em demasia o direito ao funcionamento do estabelecimento sem benefício algum para os Requerentes ora Recorridos.
B) Quanto à titularidade do estabelecimento, refere-se que o atual proprietário do estabelecimento e titular do respetivo alvará 12/94 emitido pela Câmara Municipal de Chaves é a ARCZHC - Associação Recreativa e Cultural da Zona História de Chaves, com o Número de Identificação de Pessoa Coletiva 513250859 e com sede na Rua S, n.º 68, 5400-376 Chaves (v. Documentos n.º 1 e n.º 2 que se juntaram com a contestação e que não foram impugnados).
C) A titularidade do alvará é da Associação e isso nada tem que ver com a manutenção ou não da designação comercial com que o estabelecimento tem girado desde a sua criação (1/4 Escuro), independentemente de quem o tem explorado. São conceitos absolutamente distintos juridicamente, não oferecendo essa distinção qualquer dificuldade.
D) Assim, devem ser eliminados dos fatos dados como provados os Pontos 3 e 4, assim como devem ser corrigidos os Pontos 19 e 20 na parte em que consideram que é o Réu quem explora o estabelecimento.
E) Quanto ao ruído produzido pelo estabelecimento, cremos que no âmbito do Ponto 9 não há qualquer fundamento para se dar como provado algo que é de natureza subjetiva e para a qual não se vê fundamento probatório bastante. Pelo contrário, os resultados do estudo acústico apontam no sentido de o ruído produzido se encontrar dentro dos limites legais. Neste sentido, cremos ser de eliminar este ponto da matéria de fato provada.
F) Já o Ponto 10 reflete o que foi dito pelas testemunhas apenas de forma parcial e, por isso, induz em erro que possa agora analisar a sentença recorrida. Ninguém negando que clientes à porta de um estabelecimento façam barulho, o certo é que as grandes queixas que se constataram em sede de audiência de julgamento não tem que ver com isso. Antes, têm que ver com grupos de jovens que, não sendo clientes do estabelecimento, se concentram numas escadas próximas do estabelecimento e, particularmente, da casa dos Recorridos, com bebidas que trazem do supermercado (v. depoimento da testemunha Rosa S).
G) Quanto ao Ponto 11, sendo precisos, há que referir que o rojar de mesas e cadeiras foi referido quanto à esplanada e não quanto ao interior do estabelecimento, pelo que deve este ponto ser corrigido quanto a essa parte. Tratar-se-á até de lapso, uma vez que o Tribunal a quo considerou como não provado que a vozearia dos clientes no interior do estabelecimento faça muito barulho.
H) Relativamente ao Ponto 16, só por distração o mesmo pode ser incluído nos fatos provados. Além de terem sido as testemunhas totalmente omissas quanto aos vómitos, seringas e urina, acabaram por confirmar que o estabelecimento há muito deixou de ter copos de vidro, o que ficou refletido no Ponto 20 da matéria de fato. Além disso, ficou dado como provado no Ponto 21 que era o próprio pessoal do estabelecimento que limpava as ruas de manhã. Assim, deve este ponto ser eliminado da matéria de fato dada como provada (v. depoimento das testemunhas Rosa S, Carlos T e Domingos P).
I) Quanto à posição dos Recorridos perante o funcionamento do estabelecimento, cabe notar a omissão de elementos probatórios que confirmem o constante dos Pontos 13, 14 e 15, pelo que devem os mesmos ser eliminados.
J) Adicionalmente, deve ser dado como provado que a Associação Recreativa e Cultural da Zona Histórica de Chaves é a titular do alvará para exploração do estabelecimento desde 19 de fevereiro de 2015; que o estabelecimento foi avaliado acusticamente pelo Laboratório de Ensaios Ambientais do Instituto de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica, no mês de dezembro de 2014, do qual resulta que o ruído produzido se encontra dentro dos limites legais; e que existem outros estabelecimentos noturnos próximos da casa dos Recorridos.
K) Relativamente à matéria de direito, já se explicou que o proprietário do estabelecimento e titular do respetivo alvará 12/94 emitido pela Câmara Municipal de Chaves é a ARCZHC - Associação Recreativa e Cultural da Zona História de Chaves, pelo que é esta que tem interesse direto em contradizer o pedido formulado nesta ação, sendo ela na realidade o sujeito passivo da relação configurada pelos Recorridos.
L) É por isso o Recorrente parte ilegítima, o que constitui exceção dilatória que deveria levar à sua absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e) do CPC.
M) Quanto à análise do pedido dos Recorridos, no essencial, a fundamentação e a linha de raciocínio do Tribunal a quo encontram-se corretas e merecem a nossa adesão. No entanto, cremos que as conclusões que daí se deviam extrair são um pouco mais alargadas no que ao horário de funcionamento diz respeito.
N) O que aqui está em causa, como de costume neste tipo de processos, é lograrmos uma decisão judicial que de forma equilibrada conjugue o direito de personalidade na vertente de direito ao repouso dos Recorridos e o direito de propriedade privada e livre iniciativa do titular do estabelecimento (que não é, como vimos, o Recorrente). Isto, sabendo que ambos têm dignidade constitucional e que nenhum é mais relevante do que o outro.
O) Quanto à esplanada, o Recorrente nada tem a apontar à decisão do Tribunal a quo, reconhecendo que a esplanada à porta do estabelecimento tem sido motivo de algum ruído, motivo pelo qual já não funcionou este ano de 2015.
P) Quanto ao horário do estabelecimento à sexta e sábado, o Recorrente nada tem a apontar, crendo que se trata de uma situação equilibrada. Trata-se de dias em que o ruído naquela área é existente independentemente do funcionamento ou encerramento do estabelecimento, pelo que se o mesmo funcionar nesse horário não causa qualquer perturbação aos Recorridos.
Q) Quanto ao horário de segunda a quinta, cremos que o Tribunal a quo deveria ter seguido precisamente o mesmo raciocínio, o que não fez. Consideremos que estamos a falar de uma zona em que existem diversos estabelecimentos de diversão noturna, inclusive com alguns mais próximos de casa dos Recorridos do que o que está aqui em causa. Tal como à sexta e sábado o ruído existe naquele horário independentemente deste estabelecimento, também aos dias de semana isso se verifica.
R) Não só porque existe menos gente e o ruído produzido naquela zona é menor, mas também porque os outros estabelecimentos permanecem em funcionamento, cremos que a solução mais adequada é o funcionamento do estabelecimento no mesmo horário dos restantes, ou seja, até às 02:00.
S) Além disso, sabemos quais os hábitos nacionais no que toca às saídas noturnas, que começam com frequência já bastante tarde. Determinar o encerramento de qualquer estabelecimento pelas 00:00 é determinar que o mesmo não funcione de todo ou não seja minimamente viável. Trata-se por isso de solução que sobrepõe de motivo o direito dos Recorridos sobre o direito do titular do estabelecimento.
T) Sobreposição desnecessária, uma vez que outros estabelecimentos se mantém nessa zona em funcionamento, pelo que o estabelecimento aqui em causa não pode perturbar particularmente os Recorridos.
U) Recorde-se que o cenário apresentado pelos Recorridos nestes autos, e que se percebeu estar bastante longe da realidade, resulta em duas queixas fundamentais: no barulho resultante da esplanada e no barulho produzido até altas horas da madrugada.
V) Ora, quanto à esplanada não é posta em causa a decisão do Tribunal a quo, sendo que a mesma se encontra até encerrada. Quanto ao estabelecimento propriamente dito não resulta dos autos qualquer elemento que impeça que o mesmo funcione dentro dos horários dos demais estabelecimentos. Pelo contrário, ficando este estabelecimento vinculado a horário determinado judicialmente, sabe que será penalizado por qualquer incumprimento e sabem os Recorridos que têm um instrumento de executar tal decisão.
W) Em suma, cremos que a decisão do Tribunal a quo deve quanto à matéria de direito ser alterada, permitindo a abertura do estabelecimento entre segunda e quinta até às 02h00. Isto, sob pena de violação do direito do titular do estabelecimento à livre propriedade e iniciativa.
Pede, a final, que seja alterada a matéria de fato nos seguintes termos:
- devem ser eliminados dos fatos dados como provados os Pontos 3 e 4;
- devem ser corrigidos os Pontos 19 e 20, eliminando-se a referência ao Réu como a pessoa que explora o estabelecimento;
- deve ser eliminado dos fatos dados como provados o Ponto 9;
- deve ser corrigido o Ponto 10, passando a referir que grupos de jovens que não são clientes do estabelecimento se concentram numas escadas próximas do estabelecimento e, particularmente, da casa dos Recorridos, com bebidas que trazem do supermercado;
- deve ser corrigido o Ponto 11, eliminando-se a referencia ao rojar de mesas e cadeiras no interior do estabelecimento;
- deve ser eliminado dos fatos dados como provados os Pontos 16, 13, 14 e 15;
- deve ser acrescentado que a Associação Recreativa e Cultural da Zona Histórica de Chaves é a titular do alvará para exploração do estabelecimento desde 19 de fevereiro de 2015;
- deve ser acrescentado o estabelecimento foi avaliado acusticamente pelo Laboratório de Ensaios Ambientais do Instituto de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica, no mês de dezembro de 2014, do qual resulta que o ruído produzido se encontra dentro dos limites legais;
- deve ser acrescentado que existem outros estabelecimentos noturnos próximos da casa dos Recorridos.
Sem prejuízo, sempre deve ser alterada a decisão do Tribunal a quo, permitindo-se, entre segunda e quinta, o funcionamento do estabelecimento até as 02:00.
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Os AA vieram responder ao recurso interposto pelo R, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- a de saber se o R é parte legítima na acção;
- se é de alterar a matéria de facto impugnada pelo réu;
- se deve ser alterada a decisão recorrida - nos períodos de encerramento do estabelecimento determinados naquela decisão; e
- se é de alterar o valor da sanção pecuniária compulsória aplicada ao R.
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Factos dados como Provados na 1ª Instância:
1. Os autores, residem há mais de 20 anos num imóvel sito na Travessa A, n.º 3-A, St.ª Maria Maior, concelho de Chaves.
2. Sendo nesse local que têm centrada a sua vida familiar, doméstica e social, ali dormindo, confeccionando as suas refeições, recebendo amigos e familiares.
3. O réu explora um estabelecimento comercial, actualmente através da «Associação Recreativa e Cultural do Centro Histórico de Chaves», sito no n.º 68º, da Rua S, em Chaves.
4. É o réu o gerente do estabelecimento e quem tem todos os poderes de decisão.
5. Pelo menos durante o verão e em algumas épocas festivas da cidade, o estabelecimento funciona ainda com uma esplanada, dotada de cadeiras e mesas.
6. Neste estabelecimento são servidos cafés e bebidas.
7. O estabelecimento encontra-se equipado com um aparelho de televisão, aparelhagem de som e várias máquinas frigorificas.
8. O estabelecimento funciona, durante a semana, muitas vezes até às 04h00 da manhã, e aos fins-de-semana, por vezes até às 07h00 da manhã.
9. O estabelecimento põe musica muito alto.
10. Os clientes, quando se concentram no exterior do estabelecimento, fazem muito barulho.
11. Assim como o rojar das mesas e cadeiras, quer no interior quer no exterior do estabelecimento.
12. Existe uma máquina de cerveja no exterior do estabelecimento, o que faz com que os clientes ali permaneçam durante longos períodos de tempo.
13. Os barulhos e ruídos provindos do estabelecimento explorado pelo réu sentem-se com muita intensidade na habitação dos autores, especialmente durante a noite.
14. Impedindo o seu descanso normal, passando muitas noites sem dormir.
15. O ruido produzido pelo estabelecimento explorado pelo réu e consequentemente a falta de descanso por parte dos autores trá-los sob um constante nervosismo e intranquilidade causando-lhes mal-estar e afectando a sua vivência diária.
16. Aos sábados e domingos de manhã a via pública junto ao estabelecimento explorado pelo réu encontra-se com todo o tipo de dejectos espalhados: copos de plástico, vidros, vómitos, seringas, urina, etc.
17. Há mais de 20 anos que o estabelecimento funciona naquele local.
18. Existem outros estabelecimentos de diversão nocturna na zona.
19. O réu, na qualidade de explorador do estabelecimento, faz a limpeza das ruas na manhã de domingo tendo adquirido para o efeito, uma lavadora de alta pressão e um soprador profissional.
20. O estabelecimento explorado pelo réu, apenas serve bebidas em copos de plástico.
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Factos dados como não provados:
a) No estabelecimento identificado em 2 sejam vendidos diferentes tipos de comidas nomeadamente cachorros e hambúrgueres.
b) O aparelho de televisão e o bater das portas das máquinas frigorificas fazem muito barulho.
c) A vozearia dos clientes no interior do estabelecimento faz muito barulho.
d) Os autores tomem medicação para dormir.
e) A presente acção seja um acto de vingança contra o réu.
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Da admissibilidade do documento junto com as alegações dos AA:
Juntaram os AA com as suas alegações um documento datado de 7.7.2015 – um edital da Câmara Municipal de Chaves, a tornar público que por deliberação do executivo camarário foi aprovada a proposta de “Revisão do Regulamento do Horário de Funcionamento dos Estabelecimentos comerciais do Município de Chaves”, conforme documento anexo –, para provar que a decisão recorrida cometeu erro de julgamento ao ordenar o encerramento do estabelecimento do R, aos fins de semana, apenas às 4 horas da manhã, pretendendo com aquele documento demostrar que o horário de encerramento dos estabelecimentos do tipo do explorado pelo R, naquela zona, é, por ordem camarária, às 24 horas, durante todos os dias da semana, com exceção dos meses de Julho e Agosto, nos quais pode prolongar-se até à 1hora da manhã.
O R. não se pronunciou sobre o documento apresentado.
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É de referir que é excepcional a junção de documentos em sede de instância recursória, conforme o preceitua o artº 651, nº1, do actual CPC, ao dispor que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe, por sua vez o artº 425º do mesmo diploma legal que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Ora, confrontando a data do documento ora junto pelos AA – 7.7.20015 -, fácil é de constatar que o mesmo não podia ter sido junto aos autos até ao encerramento da discussão e julgamento - que ocorreu em 20.5.2015 –, pelo que a sua admissão aos autos encontra acolhimento na situação excepcional prevista nos artºs mencionados.
Assim sendo, e dada a sua pertinência com a matéria de facto em discussão, admite-se a junção aos autos do documento apresentado pelos recorrentes/AA.
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Da Impugnação da matéria de facto:
Pretende o recorrente que sejam eliminados dos factos provados os pontos 3 e 4 e corrigidos os pontos 19 e 20, na parte em que consideram que é o Réu quem explora o estabelecimento.
Diz que o atual proprietário do estabelecimento e titular do respetivo alvará 12/94 é a Associação Recreativa e Cultural da Zona História de Chaves, conforme o comprovam os documentos n.º 1 e n.º 2 juntos com a contestação e que não foram impugnados.
Pretende ainda que sejam eliminados da matéria de facto provada os pontos 9), 10), 13), 14), 15) e 16) e corrigido o ponto 11).
Diz que quanto ao ruído produzido pelo estabelecimento, a matéria de facto vertida no ponto 9) é de natureza subjetiva e sem fundamento probatório bastante; que o ponto 10) reflete o que foi dito pelas testemunhas apenas de forma parcial; que quanto ao ponto 11), o rojar de mesas e cadeiras foi referido apenas quanto à esplanada e não quanto ao interior do estabelecimento; que quanto à matéria do ponto 16), as testemunhas foram totalmente omissas; e que existiu omissão de elementos probatórios que confirmem o constantes dos pontos 13), 14) e 15).
Mas sem razão, como é bom de ver.
Quanto aos pontos 3), 4), 19) e 20) da matéria de facto provada, relacionados com a exploração do estabelecimento em causa nos autos, prende-se a discordância do recorrente com a sua qualidade de explorador do estabelecimento comercial que funciona no n.º 68º, da Rua S, em Chaves, sob a denominação social de «Associação Recreativa e Cultural do Centro Histórico de Chaves», porque considera o mesmo que não é o proprietário do estabelecimento, nem titular do respetivo alvará 12/94, emitido pela Câmara Municipal de Chaves, sendo proprietária e titular desse alvará a Associação Recreativa e Cultural da Zona História de Chaves – factos que já havia alegado na sua contestação.
Ora, como resulta, desde logo, da posição do recorrente, nunca o mesmo negou a sua qualidade de explorador do estabelecimento (podendo essa exploração ser feita ao abrigo de qualquer acordo com a referida Associação, proprietária do estabelecimento e titular do respectivo alvará).
Ou seja, sem prejuízo de o estabelecimento comercial visado nos autos ser pertença da referida Associação (facto que ninguém questiona, de resto), responsável pela sua gestão é quem o explora, quem dele retira os respectivos benefícios, e essa pessoa é o réu.
Tal qualidade é afirmada, além disso, por todas as testemunhas ouvidas, algumas delas suas familiares (caso das testemunhas Rosa S e Carlos T).
Ademais, é o próprio recorrente que se assume como sócio gerente/gerente/administrador/director do estabelecimento, no documento por si junto aos autos com a contestação, pelo qual, em 19/02/2015, através do “portal da empresa”, procedeu à alteração da titularidade da exploração do estabelecimento/actividade, preenchendo um formulário “on line”, a requerer aquela alteração para a «Associação Recreativa e Cultural da Zona Histórica de Chaves», sendo sua a assinatura que consta a fls. 48.
Aliás, ao preencher esse formulário e assinando-o, o recorrente assume-se como explorador do estabelecimento à data dos factos – cerca de um mês antes da propositura da acção -, pretendendo com o mesmo alterar essa exploração para a referida Associação.
Sempre haveria o recorrente de provar, para além disso, que celebrou com aquela associação qualquer acordo no sentido de lhe ceder a exploração (ou de lha devolver), não bastando para o efeito o documento junto aos autos.
Assim sendo, nenhum reparo temos a fazer à matéria de facto dada como provada nos pontos impugnados, que considerou que era o R. quem explorava o estabelecimento em causa (qualidade que ele continua a assumir, aliás, no doc. junto aos autos a fls. 113 e ss).
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Quanto aos pontos 9), 10), 11), 13), 14), 15) e 16) da matéria de facto provada, relacionados com o ruído produzido pelo estabelecimento, trata-se, é certo, de matéria de facto em que impera, de forma acentuada, a subjectividade dos depoentes, mas não pode afirmar-se, como pretende o recorrente, que a prova produzida não foi concludente no sentido da sua afirmação.
Auditada toda a prova produzida, constatamos, tal como o fez o tribunal recorrido, que os factos dados como provados tiveram acolhimento na mesma, cotejada com os documentos juntos aos autos e com as regras da experiência comum, também usadas pelo tribunal recorrido – de que um estabelecimento de diversão nocturna, numa zona antiga da cidade, que é também zona residencial, faz ruídos e barulhos que, naturalmente põem em causa o bem-estar e o sossego de quem ali reside. Note-se que, por regra, as habitações são antigas e consequentemente pouco insonorizadas, em especial para ruídos como os que provêm deste tipo de estabelecimento.
Mas a prova testemunhal foi também toda ela no sentido de que não apenas os autores, mas a grande maioria das pessoas que habitam no largo onde se situa o estabelecimento explorado pelo réu, sofrem muitos incómodos com os ruídos e barulhos provindos do mesmo, assim como com o lixo que os clientes do estabelecimento produzem com o consumo que ali fazem.
Assim, a testemunha Rosa S, vizinha dos autores, referiu que o estabelecimento abre por volta da 10 da noite, mantendo-se aberto enquanto tiver clientes, sendo que às sextas e sábados nunca encerra antes das 6 da manhã.
Que da sua residência, durante aquele período, ouve a música que vem do interior do estabelecimento, sendo especialmente incomodativa quando estão a funcionar umas colunas exteriores.
Acresce que quando montam a esplanada, o que no verão acontece de modo permanente, as pessoas concentram-se no largo exterior ao estabelecimento, fazendo barulho até altas horas da noite e que de manhã há sempre muito lixo no local, em especial copos de plástico.
Tal situação impede a testemunha e a sua família de dormir e descansar (especialmente a sua filha de 15 meses), e das diversas conversas que teve com os autores sobre este assunto constatou que eles também não conseguem dormir e que o ruido dentro da sua casa é como se estivessem dentro do bar.
Mais referiu que os moradores já fizeram várias participações à polícia e à câmara, mas que nada adiantou.
Confirmou que existem outros estabelecimentos na vizinhança que por vezes também causam incómodo; no entanto, sempre que são chamados à atenção pelos moradores acatam e rapidamente diminuem o volume da música, o que não acontece com o réu.
A testemunha Carlos T (companheiro da testemunha anterior), tio do réu e vizinho dos autores, corroborou o depoimento da sua companheira, mais referindo que durante a semana o bar está aberto às quartas e quintas, fechando sempre depois das 3.
Que no interior do estabelecimento existem aparelhagens, emitindo um som muito alto, e um plasma, existindo ainda colunas no exterior do estabelecimento, sendo que os autores se queixam muito do barulho do bar.
Confirmou também que todos os vizinhos já apresentaram queixas às mais diversas entidades, designadamente à polícia e à Câmara Municipal, mas sem êxito.
Referiu ainda que o bar não se encontra insonorizado sendo que na fachada apenas se encontra um vidro e que outros estabelecimentos existentes na zona histórica da cidade também causam algum incómodo, mas que fecham a horas e quando são alertados pelos moradores baixam a música, o que não sucede com o réu (seu sobrinho).
A testemunha Óscar F, a explorar um estabelecimento comercial na zona histórica da cidade, perto do estabelecimento explorado pelo réu, confirmou também ao tribunal que a porta do seu estabelecimento se encontra sempre cheia de lixo, em especial de copos de plástico e que na sua casa ouve o barulho provindo do bar.
Que quando pedem ao réu para pôr a música mais baixo ele não liga, tendo por vezes música ao vivo no interior do estabelecimento, o que faz com que passe muito barulho para o exterior.
Mais referiu que aos fins-de-semana se junta muita gente no largo, onde está a máquina de cerveja, fazendo muito barulho, quer a falar, quer a arrastar mesas e cadeiras, o que, juntamente com o barulho das batidas da música que provém do estabelecimento, não deixam ninguém dormir nem repousar.
Que o mesmo se passa com os autores, que há muito que não conseguem descansar, tendo “batido a todas as portas” para tentarem resolver este problema.
A testemunha Ilda A, esposa da testemunha anterior, confirmou também que o estabelecimento muitas vezes funciona até de manhã, provocando imenso barulho, que não deixa ninguém descansar.
Que quando pedem ao réu para baixar a música, o mesmo não acede ao seu pedido, sendo que durante toda a noite há música, vozes e barulho de garrafas e que de manhã existe imenso lixo, de todo o tipo, acumulado na rua.
A testemunha especificou mesmo que, tendo a sua casa em frente ao bar, já teve de retirar um tapete que tinha no interior da sua habitação por se encontrar com um intenso cheiro a urina, proveniente dos clientes do estabelecimento.
Que os autores também se queixam muito do barulho, em especial a D. Hermínia, que tem problemas cardíacos e não pode tomar medicação para dormir, andando sempre muito nervosos e agitados.
Por fim, a testemunha Domingos P, cujos sogros moram junto aos autores, esclareceu o tribunal que durante o fim-de-semana, atenta a avançada idade daqueles fica em sua casa e que nessa altura a musica toca até às 7 da manhã, sendo a música muito alta e que se ouvem as pessoas aos berros.
Que quando a esplanada está montada o barulho é mais intenso sendo certo que os autores já se queixaram, dizendo que também ouvem muito barulho na sua casa, e que não conseguem dormir.
Ora, como resulta do depoimento das testemunhas citadas, a prova testemunhal produzida - coadjuvada com as fotografias juntas aos autos, que retratam bem a realidade por elas afirmada, nomeadamente o lixo e a imundice da rua junto ao bar, com todo o tipo de objectos, alguns deles com aparência de seringas -, foi bastante, no sentido de dar como provados os factos impugnados pelo recorrente.
Todas as testemunhas depuseram de forma convincente, mesmo agastada, perante a situação que vivenciam, e por isso mereceram ao tribunal recorrido – assim como a este tribunal - total credibilidade.
O mesmo se passou com as declarações de parte do autor, das quais perpassa o seu desespero com a situação, essencialmente provocada pelo barulho que provém da música do interior e do exterior do estabelecimento, e que o impede de descansar, assim como a sua esposa, mostrando-se impotente para resolver o problema, uma vez que já fez queixas na câmara e na polícia, sem resultado, vendo-se obrigado a recorrer a tribunal para o efeito.
As próprias testemunhas do R. confirmaram os depoimentos prestados pelas testemunhas dos AA.
Assim, a testemunha Jorge M, empresário e residente em Leça da Palmeira, referiu ao tribunal que tem conhecimento que desde o início do funcionamento do estabelecimento que houve problemas com os vizinhos por causa do barulho.
Também a testemunha Luís T, pai do réu, que já explorou, outrora, o mesmo estabelecimento, embora tenha afirmado que o mesmo está insonorizado, reconheceu que quando pernoita na habitação por cima do estabelecimento ouve a música provinda do mesmo.
Conclui-se, assim, da prova produzida, que a matéria de facto provada não merece reparo.
E não pode ser infirmada pelo documento junto aos autos pelo R. - um relatório de ensaio – Avaliação dos Níveis de Pressão Sonora – Incomodidade Interior -, elaborado pelo Instituto de Desenvolvimento e Investigação Tecnológica, datado de 9 de Janeiro de 2015, do qual extrai o R. a conclusão que os níveis de ruido provocado pelo bar que explora se encontram dentro dos limites legalmente estabelecidos.
Como bem notou o tribunal recorrido, a avaliação em causa não foi realizada por nenhuma entidade oficial, pelo que tem o valor de mero documento particular, sujeito, como tal, à livre apreciação do tribunal.
Além disso, a medição não foi feita em casa dos autores – como seria oportuno que fosse; foi feita apenas em alguns dias da semana - sexta, sábado e domingo; e os horários em que a medições foram feitas - entre as 18h46m e as 22h31m – não são aqueles em que os AA se queixam.
Sempre se dirá, ainda, que a consagração legal de um valor máximo de nível sonoro do ruído apenas significa que a administração não pode autorizar a instalação de equipamento, nem conceder licenciamento de actividades que não respeitem aquele limite máximo. E quem desrespeite esse limite legal incorre em ilícito de mera ordenação social.
Porém, o direito de oposição à emissão de ruídos subsiste, mesmo que o seu nível sonoro seja inferior ao limite máximo legal, sempre que haja ofensa de qualquer direito de personalidade de um terceiro (Ac. STJ 2-07-2009, in CJ online; Ac. RL de 7-02-08 e de 15-01-08, in www.dgsi.pt; Ac RC de 16.5.2000 e de 19-02-04 in CJ online; e Ac RP de 27-04-95, in CJ online).
O mesmo é dizer que a ilicitude dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais, vector que interessa somente para o direito da comunidade ao ambiente e qualidade de vida.
Por isso também não tem o documento em causa a virtualidade que o recorrente lhe pretende atribuir em termos de êxito da acção.
Concluímos de todo o exposto que perante a prova produzida – quer testemunhal, quer documental -, é de manter a decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo com base nela que as restantes questão irão ser decididas.
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Sobre o horário de encerramento do estabelecimento, imposto pelo tribunal:
Insurge-se também o recorrente/R contra a decisão proferida, no que respeita ao horário de encerramento do estabelecimento imposto pelo tribunal, de segunda a quinta- feira – entre as 00h e as 8h -, alegando que o tribunal deveria ter seguido o mesmo raciocínio do horário de sexta, sábado e domingo – encerramento entre as 4h e as 8h.
Diz que se trata de uma zona em que existem diversos estabelecimentos de diversão nocturna, a funcionar até às 2h, alguns deles mais próximos da casa dos Recorridos do que o do R., pelo que o ruído existe naquele horário também nos dias da semana, motivo pelo qual o horário imposto pelo tribunal deveria ser o mesmo que o daqueles - até às 02:00.
Acrescenta que os hábitos nacionais, no que toca às saídas noturnas, começam com frequência já bastante tarde, pelo que determinar o encerramento de qualquer estabelecimento pelas 00:00 é determinar que o mesmo não funcione de todo ou não seja minimamente viável.
Trata-se, segundo o recorrente, de uma solução que sobrepõe o direito dos Recorridos ao direito do titular do estabelecimento, desnecessária, uma vez que outros estabelecimentos se mantém nessa zona em funcionamento, pelo que o estabelecimento aqui em causa não pode perturbar particularmente os Recorridos.
Também os recorrentes/AA se insurgem contra a decisão recorrida, agora no que respeita ao horário de encerramento durante os fins de semana, que, na sua otica, deveria ser o mesmo que o da semana – entre as 00h e as 8h.
Aliás, segundo o documento que juntam, emitido pela Câmara Municipal de Chaves, foi esse o horário aprovado pelo executivo camarário (embora ainda sujeito à decisão da Assembleia Municipal), com exceção dos meses de Julho e Agosto em que é tolerado o funcionamento até à 1 hora da manhã.
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Sobre esta matéria, começamos por dizer que não é posto em causa, por nenhuma das partes, o raciocínio seguido pelo tribunal recorrido, quanto à decisão da questão colocada pelos AA., tendo ambas as partes concordado que foi feita uma correta integração dos factos ao direito aplicável.
Divergem já os recorrentes, quer os AA quer o R, sobre a solução encontrada pelo tribunal recorrido no sentido de harmonizar os direitos conflituantes de ambas as partes – o direito dos AA ao descanso e ao sossego e o direito do R à exploração da sua actividade comercial.
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O direito dos AA, incluído nos direitos de personalidade, os quais se integram na categoria, mais ampla, dos direitos absolutos, ou seja, direitos oponíveis erga omnes e que impõem a todos os demais sujeitos um dever geral de abstenção ou obrigação passiva universal, sobrevela, sem sombra de dúvida, o direito do R ao exercício da sua actividade económica - incluído na categoria dos direitos económicos -, embora direito também constitucionalmente consagrado.
O direito dos AA encontra protecção na tutela geral dos direitos de personalidade, incorporada no artigo 70º nº 1 do Código Civil, que expressa uma cláusula geral da personalidade humana, pela qual a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Tais direitos são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, independentemente de culpa e da intenção de prejudicar o ofendido (Heinrich Höster, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 258) e dispõem de consagração constitucional, como o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66º da CRP).
Essa tutela confere-lhes o direito de exigir do infractor responsabilidade civil ou de requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (Capelo de Sousa, “O Direito Geral de Personalidade”, 1995, pág. 104).
Trata-se, além disso, de um direito negativo, no sentido de que traduz um direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas, pelo que é um dos direitos fundamentais, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe aplicável o respectivo regime constitucional específico (artigo 17º) (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” anotada, I, 2007, pág. 845).
Assim sendo, no âmbito das relações de vizinhança, devem considerar-se ilícitos todos os actos que ofendam direitos de personalidade, como é o caso do direito ao descanso e ao sossego (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” anotado, I, 4ª ed., pág. 104), embora o direito de personalidade de cada indivíduo deve ser limitado pelos direitos de personalidade dos demais indivíduos da comunidade jurídica, devendo os titulares desses direitos iguais ou da mesma espécie, em caso de concreta colisão, ceder na medida do necessário para que todos esses direitos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (Capelo de Sousa, ob. Cit.pág. 358).
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No caso que nos ocupa, ficou demonstrado à saciedade que o direito de personalidade dos AA – direito ao repouso e ao sossego – tem vindo a ser perturbado pelo ruído produzido pelo funcionamento do bar explorado pelo R, no exercício de direitos de natureza económica – direito de livre iniciativa económica e de propriedade privada – que têm também protecção constitucional (artigos 61º e 62º da CRP).
Ou seja, quer o direito dos autores - à saúde e ao repouso -, quer o direito do R – à exploração do estabelecimento de bar - têm consagração na lei fundamental e apresentam-se conflituantes entre si, o que impõe o recurso, para a sua harmonização, ao instituto de colisão de direitos (artigo 335º do Código Civil).
O apelo ao aludido instituto apenas se coloca, efectivamente, se, existindo dois diferentes direitos, pertencentes a titulares diversos, não se mostre possível o exercício simultâneo e integral de ambos – como ocorre no caso dos autos.
A norma do nº1 do artº 335º do CC prevê a solução jurídica para a colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, caso em que deve haver a sua cedência recíproca, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior perda para qualquer dos seus beneficiários; se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve considerar-se superior (nº 2).
Assim, num primeiro momento, impõe-se uma tarefa de ponderação e harmonização no caso concreto, através do princípio da “concordância prática” ou da “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”, por forma a atribuir a cada um desses direitos a máxima eficácia possível.
Sendo inviável essa harmonização, ocorre a prevalência do direito que seja tido como superior (Gomes Canotilho, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 3ª ed., pág. 1195).
No que respeita à hierarquia dos direitos conflituantes, a Constituição da República Portuguesa confere predomínio aos direitos, liberdades e garantias sobre os direitos económicos, sociais e culturais, o que conduz a reputar de prevalecentes os direitos de personalidade dos AA, e, em concreto, o direito ao repouso e ao descanso sobre o direito do R ao exercício da sua actividade económica.
Essa prevalência não significa, contudo, como tem sido decidido na doutrina e na jurisprudência (cfr, neste sentido Ac RC de 16.3.2010, www.dgsi.pt), que o direito hierarquicamente inferior não deve ser respeitado até onde for possível, e a sua limitação só deve verificar-se na exata medida em que o imponha a tutela do direito de personalidade.
Mesmo assim, defende-se que, em caso de conflito entre um direito de personalidade e um direito de outro tipo, a respectiva avaliação abrange não apenas a hierarquização entre si dos bens ou valores do ordenamento jurídico na sua totalidade e unidade, mas também a detecção e a ponderação de elementos preferenciais emergentes do circunstancialismo fáctico da subjectivação de tais direitos, maxime, a acumulação, a intensidade e a radicação de interesses concretos juridicamente protegidos.
Nessa perspectiva poderá dar-se primazia, nuns casos, aos direitos de personalidade, e noutros casos, aos de outro tipo, com eles conflituantes (Capelo de Sousa, “A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição”, II, 1978, pág. 547).
Volvendo ao caso dos autos, estão sob confronto direitos de natureza pessoal (os direitos dos autores) e direitos de natureza patrimonial (os do réu), pelo que haverá que, atendendo às circunstâncias concretas do caso, encontrar a solução para aquela antinomia de interesses, de modo a causar o menor prejuízo possível para ambos.
Haverá assim que, no caso concreto, ponderar as especificidades da situação e avaliar os interesses em jogo, de modo a permitir a coexistência dos dois direitos, num sacrifício recíproco e num juízo de proporcionalidade e razoabilidade que faculte a menor lesão possível dos direitos conflituantes.
Resulta desde logo do que acaba de se expor que, embora os transtornos e incómodos causados pelo barulho do estabelecimento explorado pelo R lesem o direito ao sossego e ao repouso dos AA, tal não lhes confere direito ao encerramento do estabelecimento (questão que nem sequer é por eles colocada).
Essa solução não é tolerada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e é rejeitada pelos princípios ínsitos à colisão de direitos: primeiro prossegue-se a harmonização dos direitos conflituantes e só esgotada essa via se dá primazia ao direito prevalecente.
Não podemos esquecer que vivemos numa sociedade ruidosa, em que todos os equipamentos de uso diário, mesmo doméstico, geram barulhos e trepidações e, nem por isso, deixamos de a eles recorrer.
Além disso, os autores têm de cultivar um aceitável nível de tolerabilidade aos ruídos por si gerados, aos ruídos envolventes e, consequentemente, também aos ruídos provenientes dos estabelecimentos vizinhos, com quem assumidamente decidiram conviver, ao adquirir uma habitação na zona mais movimentada da cidade, desde que sejam reduzidos a mínimos aceitáveis.
Por outro lado, a actividade que o R. vem desenvolvendo, com o estabelecimento a funcionar até de manhã, não é tolerável, perante as regras da normalidade e da convivência pacífica da vizinhança onde aquele estabelecimento funciona – numa zona habitacional e onde, por norma, os moradores são pessoas idosas, dada a antiguidade das habitações.
Incumbe ao infractor do direito a um ambiente sadio, a mobilização dos meios técnicos existentes, em ordem à insonorização e isolamento acústico do estabelecimento, como mecanismo indispensável a poder continuar a exercer o seu direito à iniciativa privada e ao desenvolvimento da actividade económica.
Ou seja, haverá que preservar o direito dos AA ao seu sossego e descanso – direito prioritário e absoluto – mesmo com o sacrifício – não o aniquilamento – do direito do R.
Nessa perspectiva, parece-nos proporcionado e razoável limitar o horário de funcionamento do estabelecimento comercial do R de modo a permitir aos autores gozar um período de descanso nocturno, entre as 0:00 e as 8:00 horas, que é, de resto, um número de horas capaz de garantir à generalidade das pessoas – e em particular aos AA, que denotam serem pessoas já de idade -, um período mínimo de repouso.
Não podemos ignorar que no âmbito dos direitos de personalidade, não atendemos aos parâmetros de um homem médio ou cidadão normal e comum; como direitos eminentemente pessoais, inerentes a cada pessoa per se, tais direitos devem ser entendidos como corporizados numa pessoa individualizada, ao lesado, com a sua individualidade própria, com a sua sensibilidade (Ac. RP de 27-04-95, in BMJ, 446, pág. 351 e da RC de 16-05-00, in CJ online).
Nessa perspectiva, há que atender a que, em se tratando de pessoas de idade (revelando a A problemas de saúde que a limitam no uso de medicação para dormir), o seu período de descanso não se inicia, por norma, no dia a dia, depois da meia noite.
De todo o exposto concluímos que os ruídos produzidos no estabelecimento explorado pelo R violam o direito dos autores ao sossego e ao descanso e a sua defesa determina que o mesmo seja encerrado durante o período do seu descanso, que se justifica, em nosso entender, entre a meia noite e as 8 da manhã, durante toda a semana (fins de semana incluídos), com ressalva dos meses de Julho e Agosto em que o encerramento do estabelecimento poderá ocorrer apenas à 1 hora da manhã.
Esse é, aliás, o horário imposto pela Câmara Municipal de Chaves para todos os estabelecimentos do tipo do explorado pelo A., segundo o documento junto aos autos pelos recorrentes, pelo que a decisão ora tomada vai de encontro às medidas adotadas pela edilidade para toda a zona histórica da cidade de Chaves, cujos estabelecimentos fiquem situados a uma distância mínima de 50 metros das habitações envolventes.
E tal é também imposto pela norma do CC prevista para a colisão de direitos – o artº 335º do CC – que prevê, em caso de conflito, efectivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de indústrias de diversão, importa preservar os direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos.
Procedem, assim, as conclusões do recurso dos AA quanto a esta questão, e improcedem as conclusões do recurso do R., devendo ser alterada a decisão da 1ª Instância, em conformidade, nessa parte.
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Da sanção pecuniária compulsória.
Peticionaram ainda os autores a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória ao R por cada violação perpetrada à providência decretada, no montante de 500 €.
Considerou o tribunal recorrido sobre esta questão que “…no que se reporta ao seu montante o n.º2 do art. 829º-A, do Cód. Civil refere que a mesma deve ser fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que possa haver lugar.
Desde já se diz que se afigura que o valor de 500 € reclamado pelos autores se afigura como excessivo, considerando-se mais próximo da realizada a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de 100 € por cada infracção…”.
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Insurgem-se os recorrentes/AA contra a decisão recorrida, considerando que tal sanção é demasiado baixa e propiciadora à violação da imposição aí fixada.
Dizem que atendendo ao tipo de estabelecimento em causa e aos movimentos de caixa que ele gera, é notório que a quantia fixada a título de sanção pecuniária não dissuade o devedor de incumprir a obrigação, antes lhe compensa manter o estabelecimento aberto para lá da hora fixada porque os ganhos assim obtidos compensam em muito o prejuízo a suportar.
Que para ser eficaz e produzir efeito útil, o seu montante deverá ser fixado em quantia não inferior a 300,00 € por cada violação verificada.
Não nos parece, no entanto, que a razão esteja do lado dos recorrentes/AA.
Estando apenas em causa, na questão suscitada, o montante da sanção pecuniária aplicada, as alegações dos AA não nos permitem alterar, fundadamente, a decisão recorrida.
Efetivamente, nada existe nos autos que nos permita avaliar “o tipo de estabelecimento em causa” nem “os movimentos de caixa que ele gera”, pelo que não temos elementos de facto para concluir, como fazem os recorrentes, que seja para eles compensador, violar a decisão judicial.
Assim sendo, não existe fundamento para alterar a decisão recorrida, que nos parece equilibrada nesse aspeto, improcedendo, consequentemente, as conclusões de recurso dos AA quanto a essa questão.
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Sumário do acórdão:
I. Estando em confronto direitos de personalidade e direitos de natureza económica, os primeiros devem prevalecer relativamente aos segundos, nos termos previstos para a colisão de direitos no nº 2 do artº 335º do CC;
II- Essa prevalência não significa, no entanto, que o titular de um estabelecimento comercial que viola, com o ruído produzido com a sua exploração, o direito ao descanso e sossego dos AA, deva encerrar o mesmo, havendo que encontrar um ponto de equilíbrio entre ambos os direitos, de modo a que eles possam coexistir.
III- Essa coexistência passa, assim, apenas pelo encerramento do estabelecimento no período considerado necessário para os AA poderem descansar, entre as 00 h e as 8h (com exceção dos meses de Julho e Agosto, altura em que o encerramento pode ocorrer entre a 1h e as 8h).
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Decisão:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a Apelação dos AA e em consequência altera-se a decisão recorrida, impondo-se o encerramento do estabelecimento explorado pelo R durante todos os dias da semana entre as 00h e as 8h, com exceção dos meses de Julho e Agosto em que tal encerramento pode ocorrer entre a 1h e as 8h.
Mantém-se, no mais, a decisão recorrida.
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Julga-se improcedente a Apelação do R.
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Custas da Apelação dos AA a cargo de ambas as partes, na proporção de 1/4 para os AA e 3/4 para o R.
Custas da Apelação do R a seu cargo.
Notifique
Guimarães, 14.4.2016