Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
216/14.2T8EPS.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
FURTO DE VEÍCULO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
ÓNUS DA ALEGAÇÃO E PROVA DOS FACTOS CONDUCENTES À EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Celebrado contrato de seguro entre as partes, em que um dos riscos cobertos é o furto do veículo, incumbe ao autor a prova da verificação do furto, por se tratar de facto constitutivo do direito indemnizatório que se arroga titular perante a seguradora (art. 342º, n.º 1 do CC), competindo à última o ónus da alegação e da prova de factos conducentes à exclusão da sua responsabilidade (n.º 2 do art. 342º do CC).

2- Não cumprindo o segurado este ónus, a dúvida sobre a existência do sinistro tem de ser resolvida contra si (art. 414º do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: P. A..
Recorrida: Seguradora X, S.A.
*

P. A., residente na Rua do … Mar, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Seguradora X, S.A. (anteriormente Companhia de Seguros Y, S.A.), com sede no largo da … Ponta Delgada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

1- a quantia de 26.499,99 euros, correspondente ao valor contratualmente atribuído ao veículo;
2- juros sobre o valor de 26.499,99 euros, contados desde a interpelação da Ré em janeiro de 2012, até à presente data, no montante de 3.150,96 euros;
3- a quantia de 5.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais sofridos;
4- a quantia que se vier a apurar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais;
5- juros vincendos até integral e efetivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, ser proprietário do veículo automóvel de matrícula MI, e ter celebrado um contrato de seguro com a Ré, mediante o qual esta garantiu os danos próprios e os emergentes da responsabilidade civil pela condução daquele veículo, incluindo o risco de furto ou roubo, obrigando-se, em caso de furto, a pagar ao Autor a quantia de 26.499,99 euros;
Esse veículo foi furtado na Holanda e nunca mais apareceu, facto que participou às autoridades policiais holandesas e à Ré, que se recusa a indemnizá-lo, causando-lhe com esse seu comportamento danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama.

A Ré contestou, aceitando a existência do contrato de seguro, mas impugnando parte da factualidade alegada pelo Autor.
Conclui, pedindo que se absolva aquela do pedido.

Realizou-se audiência prévia e frustrada a conciliação entre as partes, fixou-se o valor da causa, proferiu-se despacho saneador e conheceu-se parcialmente do pedido, julgando-se improcedente a ação quanto aos pedidos formulados pelo Autor sob os pontos 3 e 4 do petitório e absolveu-se a Ré destes pedidos.
Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, tendo o Autor apresentado reclamação, que não foi atendida.

Realizada audiência final foi proferida sentença, julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo a Ré do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:
Julgar a ação totalmente improcedente e, por consequência, absolver do pedido a ré Seguradora X, S.A.
Condenar o autor P. A. no pagamento das custas do processo”.

Inconformado com o assim decidido, o Autor veio interpor recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1) A questão decidenda a mais se não reconduz do que à de esclarecer os exactos termos em que a Ré, “ Seguradora X, S.A.” (inicialmente designada de “Companhia de Seguros Y, S.A.”) terá assumido a cobertura dos danos decorrentes do furto do veículo automóvel de matrícula MI (objecto seguro), propriedade do A., e, designadamente, se à luz das cláusulas contratualmente acordadas, e para accionar essa cobertura, era exigível que este, na dupla condição de tomar de seguro e segurado, tivesse feito prova perante a Ré, na condição de seguradora, da verificação do risco coberto, ou seja, do furto, tal como é repetidamente sustentado pelo tribunal a quo, na sua douta decisão sob recurso;
2) Antes de mais, o pedido do A. move-se no domínio da responsabilidade contratual e emerge de um contrato de seguro facultativo, celebrado exclusivamente por força da autonomia das partes, destinado a eliminar os danos causados no património do segurado, por virtude de furto do veículo seguro;
3) Ora, não existindo regulamentação legal específica para o contrato de seguro contra furtos, parece evidente que a fonte do direito para resolver o presente caso está no contrato de seguro celebrado, pois deste é que brotam os direitos e obrigações para os dois outorgantes (A. e R.); isto, como é óbvio, sem deixar de convocar para o efeito o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), plasmado no DL n.º 72/2008, de 16 de Abril.
Concretizando:
4) Da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice avulta, com interesse, o estipulado nos artigos 28º e 30º (aqui aplicáveis, com as necessárias adaptações, por força da conjugação do disposto no artigo 39º da Parte II das referidas condições gerais e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”) que definem os direitos e obrigações das partes;
5) Assim, sob a epígrafe «Obrigações do Tomador do Seguro e do Segurado», o n.º 1 do citado art.º 28º consigna que «Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, o tomador do seguro ou o segurado, sob pena de responder por perdas e danos, obrigam-se», designadamente, «A comunicar tal facto, por escrito, ao segurador, no mais curto prazo de tempo possível, nunca superior a 8 dias a contar do dia da ocorrência ou do dia em que tenha conhecimento da mesma, fornecendo todas as indicações e provas documentais e ou testemunhais relevantes para uma correcta determinação das responsabilidades.» (cf. al. a)),
6) A respeito da “realização da prestação do segurador”, preceitua o n.º 1 do art.º 102º do RJCS que «O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências»;
7) E o art.º 104º do mesmo regime jurídico, a propósito do vencimento da prestação do segurador, estatui que «A prestação do segurador vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o art.º 102º»;
8) Nos termos do art.º 13º do RJCS, as disposições constantes dos citados art.ºs 102º e 104º são “imperativas”, podendo, no entanto, «ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro»;
9) É o que sucede in casu. Na realidade, nos termos do disposto no n.º 6 do citado art.º 30º da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice (aqui aplicável, com as necessárias adaptações, por força da conjugação do disposto no artigo 39º da Parte II das referidas condições gerais e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”), a indemnização deve ser paga, e, por conseguinte, vence-se, logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos;
10) Mas, em seguros como o de furto, a incerteza sobre a efectiva verificação do dano, consubstanciado/materializado no desaparecimento do objecto seguro, explica a inserção nos contratos de cláusulas que estabelecem um prazo a partir do qual se considera haver uma perda definitiva do objecto seguro;
11) Nestes casos, esgotado o prazo, o segurador assume a obrigação de indemnizar automaticamente o segurado, i.é, o segurador, esgotado o prazo, constitui-se na obrigação de pagar ao segurado a indemnização corresponde ao valor da coisa segura, o que, naturalmente, pode suceder antes de concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos;
12) Ao ser estipulado no contrato de seguro um tal prazo limite, o que se pretende reconhecer, nesses casos, é que o segurado, uma vez decorrido o mesmo, deixou de ter interesse objetivo na recuperação do objecto seguro, ficando o segurador, como vimos, constituído na obrigação de indemnizar, porquanto se entendeu como razoável e suficiente para que se opere o vencimento automático desse direito, que o segurado não se veja obrigado a suportar a privação da utilização do objeto seguro por um período de tempo mais prolongado, conferindo-se, assim, segurança jurídica às relações contratuais entre as partes;
13) Ora, no caso sub judice, verifica-se, precisamente, a inserção no contrato de seguro, mais concretamente no n.º 5 do art.º 45º da Parte II (“Do Seguro Facultativo”) das “Condições Gerais” da Apólice, de um prazo com um significado e alcance igual àquele que temos vindo a expor, com o seguinte teor: «Ocorrendo furto, roubo, ou furto de uso que dê origem ao desaparecimento do veiculo que se prolongue por mais de 60 dias contados desde a data de participação dessa ocorrência às autoridades competentes, o segurador decorrido esse prazo, obriga-se ao pagamento da indemnização devida, nos termos do presente contrato, sendo que, para liquidação da mesma o tomador do seguro e o segurado deverá apresentar os documentos do veículo, chaves, declaração de venda, bem como documentação que comprove não ter o veículo seguro sido localizado pelas autoridades.»;
14) Todavia, o nº 4 desse mesmo art.º 45º da Parte II das “Condições Gerais” faz recair sobre o tomador do seguro uma obrigação acrescida relativamente aquelas outras que figuram no já citado art.º 28º da Parte I das referidas condições gerais, obrigação essa condicionante do exercício, por parte do tomador do seguro, dos direitos que o contrato de seguro lhe confere, e que se traduz no dever de «apresentar, logo que possível, queixa às autoridades competentes e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime»;
15) Com interesse, nenhuma outra obrigação/dever a lei comercial e/ou as disposições constantes do contrato de seguro impõem ao A. para accionar a cobertura de furto, na sua dupla condição de tomador de seguro e de segurado, e para a Ré, na sua condição de seguradora, se constituir na obrigação de pagar a indemnização devida;
16) Serve tudo isto para dizer que, em face de todo o exposto, e à luz da economia do contrato de seguro, por um lado, e da lei comercial, por outro, em nenhum sítio das disposições constantes de ambos se exige que o A., enquanto tomador de seguro/segurado, comprove perante a Ré, enquanto seguradora, a concreta ocorrência do furto, para poder accionar a cobertura facultativa de “Furto ou Roubo”;
17) Apenas se exige, como vimos, que «Em caso de sinistro», o tomador de seguro ou o segurado comunique «tal facto» ao segurador, «no mais curto espaço de tempo possível, nunca superior a 8 dias a contar do dia da ocorrência ou do dia em que tenha conhecimento da mesma [sublinhado nosso] (…)» - cf. cit. al. a) do n.º 1 do artigo 28º da Parte I da “Condições Gerais”, em conjugação com o n.º 1 do art.º 100º do RJCS;
18) Além disso, e como vimos, exige o contrato de seguro, mais especificamente o cit. n.º 4 do artigo 45º da Parte II das “Condições Gerais”, que, «Ocorrendo furto», o tomador de seguro «deverá apresentar, logo que possível, queixa às autoridades competentes (…)»;
19) Ora, neste âmbito, logrou adesão de prova que «No dia 2 de Janeiro de 2012 foi efectuada por O. Gecici participação às autoridades policiais holandesas de um furto do referido veículo, como tendo ocorrido entre o dia 31 de Dezembro de 2011 e o dia 2 de Janeiro de 2012 na localidade de …, Holanda, tendo sido depois esses factos participados à aqui ré.» - vide ponto 4. dos “Factos Provados” constantes da fundamentação da sentença;
20) Da análise do “Auto de Notícia” (junta à PI sob Doc. 4, e cuja tradução, a partir de certidão, consta de fls. 152 e ss, dando-se aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), que serviu de suporte à factualidade dada por provada na conclusão antecedente, também resulta que essa participação foi efectuada pelo Sr. O. «em nome próprio e em nome do lesado», o aqui autor/recorrente, porquanto, como está aí expressamente declarado pelo participante, «“Estou autorizado pelo lesado a proceder à participação”», acrescentando que «“Não sou proprietário do automóvel mencionado. O automóvel é propriedade de P. A.”».
Segue-se, depois, a descrição pelo participante das circunstâncias do furto do automóvel em causa, objecto da participação;
21) Sucede que, em cumprimento do estipulado no n.º 4 do artigo 30º da Parte I da “Condições Gerais” da Apólice, aplicável ao presente caso, como vimos, por força da conjugação do artigo 39º da Parte II das referidas condições gerais e do Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”, a Ré, «na sequência da participação do sinistro apresentado pelo A.», ordenou «a realização de uma averiguação, visando o apuramento dos factos participados» (cf. item 9º da Contestação);
22) E, realizada essa averiguação (na qual, além do mais, se apurou, através do Comando Metropolitano da PSP do Porto, que o veículo seguro «ainda consta para apreender no Espaço Schengen», mantendo-se, por conseguinte, desparecido; isto, na sequência da difusão internacional pelas autoridades policiais holandesas da ocorrência de furto, conforme documento lavrado por essas mesmas autoridades, designado de “Indicação NSIS de veículo motorizado furtado, apropriado ilicitamente ou desaparecido”, com vista à «apreensão do veículo e recolha de indícios», cuja tradução consta a fls. dos autos), reconheceu-se/confirmou-se a ocorrência do furto do veículo seguro, tal como participado pelo A., referindo-se nas respetivas conclusões, de forma expressa e categórica, que «não nos resta outra solução senão aceitarmos como verdadeiro o presente caso» (sublinhado nosso), pois que, apesar de todas as dúvidas quanto à veracidade da ocorrência do furto plasmado na participação, «o facto é que não foi apurada matéria de forma a provarmos o contrário»(sublinhado nosso) - vide “Relatório de Averiguação” da Ré de fls. dos autos;
23) Portanto, logo que o A. tomou conhecimento do desaparecimento do veículo por motivo de furto, e nos termos contratualmente estipulados nas “Condições Gerais” da Apólice, comunicou tal facto à Ré, e esta, na sequência da averiguação que realizou, confirmou a ocorrência do sinistro (furto);
24) Ora, como já salientamos supra, nos termos do disposto nº 6 do citado artº 30º da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice (aplicável ao presente caso, com as necessárias adaptações, por força da conjugação do disposto no art.º 39º da Parte II da referidas condições gerais e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”), a indemnização deve ser paga, e, por conseguinte, vence-se, logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos;
25) Sendo certo que, relativamente a este último aspecto (fixação do montante dos danos), logrou a adesão de prova, por ter sido expressamente aceite pela Ré como verdadeira (vide item 1º da Contestação), que «em caso de furto ou roubo a Ré indemnizaria o A. pelo valor acordado de €26.499,99» (vide item 4. da PI), não tendo sido, por conseguinte, questionado o valor que, por acordo, foi atribuído ao veículo seguro, ou seja, a Ré não invocou, na Contestação, qualquer situação de sobresseguro;
26) Assim, tendo em consideração que, por um lado, e, pelo menos, à data da apresentação da Contestação pela Ré (20/02/2015), esta já havia reconhecido/confirmado a ocorrência do sinistro (furto) e que, com a apresentação desse articulado, aceitou o montante do dano resultante do furto, fixando-o em €26.499,99, correspondente ao valor indemnizatório contratualmente acordado e que veio a ser peticionado na PI quanto a esse concreto prejuízo,
27) E, por outro lado, à data de 17.04.2012 (constante da comunicação escrita – não impugnada na Contestação – remetida pela Ré ao A., junto à PI sob Doc. 5, em que aquela dá conhecimento a este que o «processo se encontra [ainda] em instrução, pelo que voltaremos à presença de V. Exa. logo que a mesma se encontre concluída») tinha já decorrido o aludido prazo de 60 dias contratualmente previsto, contados desde a data da participação às autoridades competentes do furto do veículo seguro (02.01.2012),
28) E que, por fim, não logrou a Ré demonstrar a verificação de uma qualquer situação passível de tornar justificado o não pagamento ou até, tão-somente, o deferimento do pagamento do referido montante indemnizatório ao A.,
29) Dúvidas não se podem suscitar de que a este assiste o direito de se ver ressarcido pelo dano resultante do desaparecimento do veículo por motivo de furto, no montante contratado/acordado de €26.449,99;
30) Sendo certo que este montante indemnizatório deveria ter sido colocado ao dispor do A. ou logo após a conclusão das supra referidas diligências de averiguação (cf. cit. artº 30º, n.º 6, da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice) ou logo após o decurso do supra referido prazo contratual de 60 dias (cf. cit. art.º 45º, nº 5, da Parte II das “Condições Gerais”), pelo que, não o tendo feito, e por estar vencida a prestação debitória, a Ré (devedora), decorridos 30 dias sobre qualquer um dos aludidos momentos, entrou em mora, vencendo a indemnização juros à taxa legal em vigor, independentemente de qualquer tipo de interpelação por parte do A. (credor), na sua dupla condição de tomador de seguro e segurado (cf. art.º 30º, nº 7, da Parte I das “Condicões Gerais”, ex vi, com as necessárias adaptações, da conjugação do disposto no art.º 39º da Parte II das mesmas condições e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”), com o esclarecimento de que, relativamente ao “Relatório de Averiguação” da Ré, e por não se encontrar datado, não é possível determinar o dia em que o mesmo foi lavrado; porém, uma coisa é certa: o relatório já existia à data da apresentação Contestação (vide itens 9º e 10º desse articulado);
Por todo o exposto, e à luz da economia do contrato de seguro em questão,
31) Assoma à evidência que ocorre o incumprimento culposo da Ré, na qualidade de seguradora, dos seus deveres contratuais, designadamente o de pagar, efectiva e tempestivamente, a sobredita indemnização ao A., sendo que tal incumprimento lhe é imputável e, por isso, ilícito, porquanto, como retro ficou demonstrado, ocorre uma (manifesta) relação de desconformidade entre a conduta devida (a satisfação da prestação debitória) e o comportamento observado (o não cumprimento – assumido – dessa prestação), certo sendo que a culpa da Ré, in casu, se presume, por força do disposto no art.º 799º, n.º 1, do Código Civil;
32) Pelo que devia ter recaído sobre a Ré o ónus da prova da sua falta de culpa no não cumprimento efectivo, integral e tempestivo da obrigação de indemnização acordada, tanto mais que, para justificar o não pagamento dessa indemnização, impugnou a matéria relativa à ocorrência do furto do veículo seguro, alicerçando toda a sua defesa numa mentira descarada, consistente na alegação de que, na averiguação realizada seguidamente à participação do sinistro apresentada pelo A., «não foi possível confirmar a ocorrência dos factos tal como participados pelo Autor» (cf. itens 9º e 10º da Contestação);
33) Mas, como vimos, o “Relatório de Averiguação” da Ré diz exactamente o oposto, ao afirmar, de forma expressa e categórica, nas respectivas conclusões, que, apesar de todas as dúvidas quanto à veracidade dos factos participados (furto), «o facto é que não foi apurada matéria de forma a provarmos o contrário», pelo que «não nos resta outra solução senão aceitarmos como verdadeiro o presente caso», com a agravante desse relatório, como documento particular que é, fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos das disposições conjugados do art.º 376º do Código Civil e 446º do CPC, a significar que só poderia ser atacado mediante a arguição e prova da sua falsidade, o que não aconteceu;
34) Violou, assim, a Ré, de forma clamorosa, o princípio da boa-fé contratual previsto no art.º 762º, n.º 2, do Código Civil, na medida em que, no cumprimento do contrato de seguro, e com o único propósito de prejudicar os legítimos interesses da contraparte, ou seja, do A., não adoptou uma conduta leal, correcta e honesta; antes e pelo contrário: ao recorrer a uma defesa mentirosa, a Ré teve como único objectivo evitar, a todo o custo, o cumprimento da sua obrigação (pagar a indemnização assumida contratualmente), com a consciência perfeita e clara de estar a lesar os interesses do A.;
35) Ou seja, ao alegar deliberadamente quanto à verdade dos factos, que conhecia, a Ré litigou de má-fé, sendo certo que a violação do dever derivado da boa-fé contratual presume-se culposa, por força do citado art.º 799º do Código Civil;
36) Aliás, a litigância de má-fé é tanto mais evidente quanto é certo que a Ré, apenas – como supra se salientou – para se furtar ao pagamento da indemnização assumida contratualmente através do contrato de seguro em causa, escondeu do A. o citado “Relatório de Averiguação”, o qual só foi junto aos autos e o seu teor conhecido em data muito posterior à entrega pela Ré do seu articulado de Contestação, e, mesmo assim, por determinação do tribunal a quo, a requerimento do A., a fls. dos autos, «Para prova da factualidade mencionada nos itens 10º, 15º e 18º da PI, bem como do desaparecimento do veículo por motivo de furto» (realce e sublinhado nosso), na sequência da notificação de fls. para alteração dos requerimentos probatórios, nos termos do art.º 598º, n.º 1, do CPC;
Depois,
37) As dúvidas, reservas e suspeitas desfiadas nos itens 11º a 23º da Contestação são, basicamente, as mesmas que constam do “Relatório de Averiguação” da Ré, mas, ao invés do que sucedeu nesse documento, essas dúvidas, reservas e suspeitas serviram, habilidosa e perversamente, para esta, agora em sede judicial, e sob a capa de diligências de averiguação que – alegada e falsamente – não haviam confirmado o sinistro participado (furto), fazer alicerçar a impugnação da matéria relativa à ocorrência do furto, justificando/legitimando, deste modo, o não pagamento da indemnização contratada, contando, com isso, e como é óbvio, com o desconhecimento pelo A. do verdadeiro teor das conclusões desse relatório, que lhe são, como vimos, totalmente favoráveis;
38) Com a agravante de tais dúvidas, reservas e suspeitas não passarem de alegações vagas, genéricas e abstractas, que não integram factos concretos susceptíveis de justificar a não aceitação do sinistro participado (furto) como causa dos danos a indemnizar, ou de preencher uma qualquer causa de exclusão de coberturas contratadas, especificamente o risco de furto do veículo seguro, antes sendo recondutíveis a insinuações assentes em simples aparências (do que parece ser e não do que é!), que não ultrapassam, por isso, o limiar da conjectura, da especulação, do palpite, enfim, da pura subjectividade…
39) E o facto é que a Ré não logrou produzir qualquer prova sobre os indicados “factos” vertidos nos itens 11º a 23º da sua contestação (nem tampouco – diga-se de passagem – relativamente a quaisquer outros constantes desse articulado), pelo que poder-se-á dizer que a actuação da Ré, atento todo o exposto, só com muita boa vontade não pode deixar de preencher o conceito de litigância de má fé, pois não é impunemente que se faz determinados juízos de valor, insinuando, objectivamente, a participação fraudulenta do furto do veículo seguro por parte do A., sem se possuir qualquer prova disso, e, apenas – repisa-se – para se furtar ao pagamento da indemnização assumida contratualmente, através do respectivo contrato de seguro.
Aqui chegados,
40) Confirmado/reconhecido o furto pela Ré no seu “Relatório de Averiguação” e não tendo este documento e respectivas conclusões, a posteriori, sido contrariadas de nenhuma forma (designadamente, através de um outro relatório de averiguação de sentido diverso ou por quaisquer outros meios/elementos de prova), com o devido respeito e salvo melhor opinião, competia a esta, na Contestação que apresentou, alegar e provar, nos termos do art.º 342º, n.º 2, do Código Civil, factos extintivos/excludentes do direito de indemnização que contratualmente assiste ao A.;
41) Na realidade, não estando em causa a não aceitação do sinistro – furto – pela Ré (até porque – repisa-se! – para fundar a rejeição da ocorrência do furto socorreu-se, na contestação, única e exclusivamente do resultado das diligências de averiguação que realizou para apurar os factos participados, as quais se encontram cristalizadas no “Relatório de Averiguação”, mas de cujas conclusões, como vimos, se extrai conclusão contrária sobre essa mesma matéria), não se transferiu para o A., como é lógico, o ónus de provar a ocorrência do furto, nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil;
42) Aliás, ainda que, por mera hipótese de trabalho, se admita essa transferência, com o devido respeito e salvo melhor opinião, constituiria uma violência intolerável exigir ao autor/lesado a alegação e prova precisa e concreta do furto, uma vez que este tipo de acções criminosas não são, usualmente, presenciadas;
43) Ora, como parece óbvio, a prova do furto há-de ser sempre indireta, e, in casu, resulta de todo o circunstancialismo exposto, sendo completamente descabido convocar para este efeito (i.é, para prova do furto), como indevida e erradamente faz o tribunal a quo, as normas do Código Penal, não podendo, por conseguinte, escudar-se, como se escudou, no conceito técnico-jurídico do tipo legal de furto, tal como este vem aí previsto no art.º 203º, n.º 1, para concluir, como concluiu, que não ficaram provados todos os requisitos daquela figura;
44) É que, em sede criminal, e como consabido é, o inquérito é a única forma de investigação criminal legalmente consagrada, sendo sempre dirigido e levado a efeito sob a orientação do Ministério Público, que é o dono da acção penal, a significar que não cabe, nunca, à vítima de um crime (por exemplo, de furto), empreender qualquer tipo de diligências, em ordem a investigar a existência desse crime, determinar os seus agentes, apurar a sua responsabilidade e descobrir e recolher provas. Tais diligências estão compreendidas no inquérito que é, como se disse, da exclusiva responsabilidade do Ministério Público (cf. art.º 224º, n.º1, da Constituição, e art.ºs 48º e 262º do CPP).
45) Daí a razão da prestação debitória do segurador, em sede de cobertura do risco de furto, não depender do desfecho do atinente processo-crime, tanto no âmbito da lei comercial (cf. citado Regime Jurídico do Contrato de Seguro) como, como sucede in casu, à luz do concreto contrato de seguro facultativo celebrado entre o A. e a Ré;
46) Portanto, para além do conceito do tipo legal de crime, é possível, in casu, e como retro se salientou, concluir-se pela existência de furto do veículo seguro com os factos provados nesta acção, devidamente conjugados com o teor do “Auto de Notícia”, com as conclusões constantes do “Relatório de Averiguação” da Ré, e, evidentemente, com todo o demais circunstancialismo que acima se referiu, pois que, pese embora as dúvidas, reservas e suspeitas levantadas por esta na sua Contestação, o certo é que não se provaram quaisquer factos que possam por em causa a existência daquele furto e, bem assim, a exigibilidade do pagamento da indemnização;
47) Ora, ao desconsiderar/ignorar, por completo, e de forma incompreensível, além do mais, o “Relatório de Averiguação” da Ré, não dando, por conseguinte, por provado a ocorrência do furto do veículo seguro, aí cabalmente reconhecido/confirmado nas respectivas conclusões, o Meritíssimo Juiz a quo, com a sua douta decisão sob recurso, incorreu num manifesto erro de julgamento, maxime num erro de apreciação das provas, como em erro de julgamento também incorreu quando, independentemente da concreta prova da ocorrência de furto do veículo seguro, não reconheceu ao A. o direito a ser automaticamente indemnizado pela Ré no montante acordado de €26.449,99, logo que decorrido o indicado prazo limite contratualmente previsto de 60 dias sobre a data de participação do sinistro (furto) às autoridades competentes, sem aparecimento do veículo seguro, fazendo, deste modo, uma errada determinação e interpretação das normas legais e contratuais aplicáveis, designadamente, as indicadas nas conclusões antecedentes e na subsequente;
48) Violou, assim, a decisão recorrida as disposições conjugadas dos art.ºs 236º, 237º, 342º, n.ºs 1 e 2, 376º, 762º, n.º 2, e 799º, n.º 1, do Código Civil, art.ºs 48º e 262º do CPP, art.º 446º do CPC, art.º 221º, n.º1, da Constituição, art.ºs 10º e 11º das Cláusulas Contratuais Gerais – DL n.º 446/85, de 25 de Outubro –, art.ºs 13º, 102º, n.º 1, 100º, n.º 1, 104º e 123º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), plasmado no DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, e os artigos 1º, al. f), 28º, n.º 1, al. a), 30º, n.ºs 4, 6 e 7 da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice (aqui aplicáveis, com as necessárias adaptações, por força da conjugação do disposto no art.º 39º da Parte II das mesmas condições e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”), bem como os artigos 39º, 40º, n.º 1, 1.3, e 45º, n.ºs 4 e 5, da Parte II das “Condições Gerais” da Apólice, e, ainda, o Artigo Preliminar e o artigo 2º da Condição Especial 704 – Furto ou Roubo – das “Condições Especiais”, normativos estes que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido supra exposto, além de ter contrariado e sentido da esmagadora maioria da Doutrina e Jurisprudência, nesta matéria.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e fazendo-a substituir por outra que, além do mais, e com base na sobredita factualidade e normativos aplicáveis, condene a Ré-“Seguradora X, S.A.”, a pagar ao Autor-P. A., o montante de €26.499,99, correspondente ao valor pelo qual o seu veículo automóvel se encontrava seguro à data do sinistro (furto), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados nos termos definidos na conclusão 30) retro, ou a partir interpelação da Ré, em Janeiro de 2012 (vide ponto 5. dos “factos Provados”), até efectivo e integral pagamento, tudo com as inerentes consequências legais, assim se fazendo, como sempre, serena, sã e objectiva JUSTIÇA”

A Ré contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões recursórias:

1- As conclusões do recurso apresentado pelo Recorrente limitam-se a reproduzir as alegações apresentadas, pelo que devem ser consideradas como inexistentes.
2- A falta de conclusões no recurso, implica, nos termos do disposto no artigo 641º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil o indeferimento do requerimento de recurso, pelo que, entende a Recorrida que o recurso apresentado pelo Recorrido dever ser indeferido.
3- O Recorrente, no âmbito das suas alegações de recurso, em momento algum especifica quais os factos que considera incorrectamente julgados.
4- Qualquer reapreciação da matéria em causa nos presentes autos tem que partir do facto de não ter ficado provado que o veículo seguro propriedade do Recorrente foi furtado.
5- O Recorrente, nas suas alegações de recurso delimita o âmbito do seu recurso à questão de determinar os exactos termos em que a Recorrida assumiu a cobertura dos danos decorrentes do furto do veículo seguro e se para tal é necessário que o Recorrente tivesse efectuado a prova do furto do veículo.
6- As condições gerais e especiais da apólice de seguro são claras ao referirem que para acionamento da cobertura facultativa de “Furto ou Roubo” é necessário, obviamente, que ocorra o furto ou roubo do veículo em causa.
7- A ocorrência do furto ou roubo do veículo seguro é o facto constitutivo do direito invocado pelo Recorrente nos presentes autos, pelo que, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil recai sobre este o ónus de demonstrar a sua ocorrência, o que o Recorrente não logrou efectuar e, como tal, o facto – furto do veículo seguro – foi considerado como não provado.
8- Como o próprio Recorrente reconhece, na Contestação apresentada pela Recorrida são alegados os mesmos factos constantes do relatório de averiguação e que permitem a efectuar a contraprova dos factos alegados pelo Recorrente, pelo que a conduta da Recorrida não foi de todo, desleal, desonesta ou de má-fé.
9- Na realidade, é o Recorrido que pretender utilizar uma única frase do relatório de averiguação – “não nos resta outra solução senão aceitarmos como verdadeiro o presente caso” totalmente fora do contexto da globalidade do referido relatório, que conclui “Não obstante trata-se de um caso com todos estes contornos que nos leva a suspeitar de simulação da participação de furto do veículo à seguradora, facto é que não foi apurada matéria de forma a provarmos o contrário” para sustentar a sua posição.
10- O parecer do averiguador não vincula a Recorrida, sendo esta livre de assumir uma posição diferente dos pareceres que sejam emitidos pelos seus averiguadores, pelo que mesmo que se considerasse que o averiguador considerou a ocorrência do furto como demonstrada [o que no caso não sucedeu], tal não significava que a Recorrida tivesse também aceite automaticamente o mesmo como demonstrado.
11- O facto da Recorrida não ter demonstrado qualquer facto impeditivo do direito invocado pelo Recorrente, como sendo a não participação do furto, a não entrega das chaves ou dos documentos do veículo, não tem qualquer relevância prática, na medida em que o Recorrente não provou o facto constitutivo do seu direito.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo a Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal reconduzem-se ao seguinte:
a- se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na fixação da matéria de facto, ao dar como não provado a ocorrência do furto do veículo automóvel seguro e se, reponderada a prova produzida, se impõe dar como provada essa matéria;
b- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento na interpretação das cláusulas do contrato de seguro celebrado com a Ré e ao absolver esta do pedido;
c- se a Ré litiga com má-fé.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal a quo deu como provados e não provados os seguintes factos:

1- Encontra-se inscrito no registo automóvel em nome do autor P. A. o veículo automóvel da marca Audi, modelo A4 Cabriolet, com a matrícula MI.
2- O autor celebrou com a ré um acordo designado “Pontual Auto – Seguro Automóvel”, a que correspondeu a apólice nº 90.01300…, acordo esse com início a 14/10/2011 e sujeito às condições gerais, particulares e especiais constantes dos documentos juntos a fls. 24 e 25, e a fls. 28 a 65 dos autos - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3- As garantias aí acordadas entre o autor e a ré incluíam a cobertura de furto ou roubo do veículo automóvel da marca Audi, modelo A4 Cabriolet, com a matrícula MI, com o capital contratado de € 26.499,99, sem qualquer franquia.
4- No dia 2 de Janeiro de 2012 foi efectuada por O. Gecici participação às autoridades policiais holandesas de um furto do referido veículo, como tendo ocorrido entre o dia 31 de Dezembro de 2011 e o dia 2 de Janeiro de 2012 na localidade de …, Holanda, tendo sido depois esses factos participados à aqui ré.
5- O autor interpelou a ré no mês de Janeiro de 2012 para cumprimento do acordo a que se alude em 2..

Factos Não Provados.

Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que:
a- Entre 31 de Dezembro e 2 de Janeiro de 2012, na localidade de …, na Holanda, quando tal veículo se encontrava estacionado num parque de estacionamento devidamente trancado e com o sistema de alarme activo, foi furtado, assim como os respectivos documentos e alguns objectos pessoais do condutor, que se encontravam no seu interior.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de passarmos à apreciação da impugnação da matéria de facto, suscitam-se duas questões prévias, que cumpre apreciar, até porque as mesmas foram levantadas pela recorrida nas suas contra-alegações.
Essas questões prévias resumem-se em saber: a) se o recurso deve ser rejeitado por incumprimento pelo recorrente dos ónus estipulados nos arts. 637º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC; e b) se o recorrente cumpriu, em sede de impugnação da matéria de facto, os ónus que se encontram elencados no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC e, no caso negativo, se se impõe rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

B.1- Do incumprimento pelo recorrente dos ónus estipulados nos arts. 637º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC.
Sustenta a recorrida que as conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente são reprodução das motivações apresentadas e, como tal, não cumprem os ónus estipulados nos arts. 637º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC, concluindo que o recurso apresentado não contém conclusões, mas apenas alegações, repetidas em duas partes distintas do recurso e como tal, nos termos do disposto no art. 641º, n.º 2, al. b) daquele Código, o recurso carece de ser indeferido.
Em abono dessa sua tese invoca os Acs. da R.C. de 10/11/2015, RL. de 15/02/2013 e um acórdão da R.P, que não cuidou em identificar.
Apreciando.
A apresentação de recurso em processo civil sujeita o recorrente a dois ónus: a) a obrigação de apresentar alegações, em que exponha, de forma circunstanciada, as razões de facto e de direito da sua divergência em relação ao decidido pelo tribunal a quo de modo a ser apreensível pelo tribunal superior dos reais motivos por que, na tese do recorrente, a decisão recorrida deve ser revogada, modificada ou alterada, e b) o ónus de finalizar essa peça com formulação de conclusões, indicando de forma concentrada os fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão.
É assim que o art. 639º, do C.P.C preceitua que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (n.º 1) e “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada” (n.º 2).
A falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso, a declarar pelo juiz a quo, sem que se admita despacho de aperfeiçoamento, tratando-se a final de uma situação semelhante àquela em que a petição inicial é rejeitada liminarmente por falta de causa de pedir ou de pedido (art. 641º,n.º 2, al. b) do CPC).
Tal como a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir ou pedido, também a falta absoluta de alegações ou de conclusões determina a ineptidão do recurso, uma vez que este se torna imprestável para os fins a que se destina – enunciar as concretas questões de facto e/ou de direito que se pretende ver reapreciadas pelo tribunal superior e, em sede de conclusões, enunciar o concreto pedido e razões que subjazem a esse pedido que se formula junto desse tribunal, delimitando o seu campo de conhecimento.
As conclusões têm, assim, a função importante de delimitação do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, n.º 3 do CPC, circunscrevendo o campo de intervenção do tribunal superior encarregue do julgamento, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, ou à das exceções, na contestação. Assim, exceto tratando-se de matérias que sejam do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, não lhe é lícito conhecer de matérias que não lhe são submetidas, compreendendo-se, por isso, que nas conclusões o recorrente deva proceder à identificação, clara e rigorosa, daquilo que pretende obter do tribunal superior.
Dentro do que se vem dizendo, entende-se que, pelo papel primordial desempenhado pelas conclusões, diversamente do que acontece com as alegações, em que a lei não contém solução expressa quanto ao conteúdo mínimo daquelas, quanto às conclusões, a lei tenha tido a preocupação de enunciar solução expressa, no citado art. 639º, n.ºs 1 e 2, quanto ao conteúdo mínimo que as mesmas carecem de conter.
Na atual lei processual civil, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, a falta absoluta de conclusões, a par da falta absoluta de alegações, passou a constituir fundamento de rejeição do recurso, sem que se admita despacho de aperfeiçoamento.
Precise-se, no entanto, que o n.º 3 daquele art. 639º prevê que quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
Significa isto, que se a atual lei processual civil não admite a prolação de convite ao aperfeiçoamento dirigido ao recorrente para que supra a omissão quando ocorra uma situação de total falta de conclusões, estabelecendo como cominação automática para essa ausência a imediata rejeição do recurso, já rejeita esta solução no caso de se tratar de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, em relação às quais prevê expressamente dever ser emitido despacho de aperfeiçoamento para que esses vícios sejam supridos, no prazo de cinco dias, e só então, em caso de não supressão, prevê a rejeição do recurso na parte afetada.
Deste modo, perante as diferentes consequências jurídicas previstas, por um lado, para a total falta de alegações e, por outro, para alegações deficientes, obscuras ou complexas, urge proceder à distinção cabal daquilo que consubstancia falta absoluta de conclusões dos restantes vícios enunciados.
Na linha dos ensinamentos de Abrantes Geraldes(1) “as conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando na mesma não encontrem apoio, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes) ou quando surgem amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (confusas). Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permita ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama. As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referencias doutrinas ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”, concluindo aquele autor, a fls. 148, que a rejeição liminar do recurso apenas se encontra prevista para as situações em que faltam pura e simplesmente as conclusões.
Tendo as conclusões o papel fundamental de delimitar o objeto do recurso e não obstante seja certo que o art. 639º, n.º 1 do CPC impõe ao recorrente o ónus de condensação, obrigando-o a formular proposições sintéticas em que identifique, de forma clara e rigorosa, as questões que submete à apreciação do tribunal superior, não convém apreciar o cumprimento dos ónus enunciadas nos n.ºs 1 e 2 daquele art. 639º à luz de um critério demasiado rigoroso, mas dos princípios da proporcionalidade e da adequação, sob pena de, inclusivamente, se ir contra a filosofia subjacente ao atual CPC, que acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais.
Pelo papel funcionalizado que as conclusões desempenham, sempre que as mesmas permitam ao tribunal superior e ao recorrido apreender quais as concretas questões que o recorrente pretende ver reapreciadas e os fundamentos que subjazem a essa reapreciação, ainda que com maior ou menor intensidade aquelas reproduzam as motivações, não se está, no nosso modesto entendimento, perante um caso de falta de conclusões, mas antes na presença de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, em relação às quais se impõe lançar mão do convite ao aperfeiçoamento dirigido ao recorrente para que supra esses vícios. Assim, é que não podemos deixar de sufragar o entendimento propugnado por Abrantes Geraldes quando sustenta que apenas a total omissão, isto é, quando as alegações se mostram desprovidas, em absoluto, de conclusões, é que se pode considerar que estas são ineptas e como tal determinam a rejeição do recurso.
Assente nestas premissas, analisadas as alegações e as conclusões apresentadas pelo recorrente, cumpre referir que não é certa a ilação extraída pela recorrida quando pretende que as últimas são repetição das motivações, posto que se apreende, nas conclusões apresentadas pelo recorrente, um manifesto propósito de condensar as questões que pretende sejam reapreciadas por este tribunal e na enunciação dos fundamentos em que faz ancorar essa reapreciação, questões e fundamentos esses que desenvolveu em sede de motivações do recurso apresentado.
É certo que nesse esforço de condensação, o recorrente logrou obter escasso sucesso, na medida em que apresentou 44 conclusões extensas.
Essas conclusões são, sem dúvida alguma, confusas, na medida em que o recorrente mistura nelas questões de facto e de direito, o que sucede ao longo dessas conclusões.
Padecem do vício da prolixidade na medida em que para além de se mostrarem repetitivas, nelas o recorrente mistura as verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, com outras questões laterais, como a alegada litigância de má-fé com que litigará a recorrida, alegação essa que surge sensivelmente a meio das conclusões e onde, de resto, é utilizada linguagem que, a nosso ver, por despropositada e poder ferir suscetibilibidades, se nos afigura perfeitamente evitável – ex: “defesa mentirosa”, “mentira descarada”, etc.
As conclusões apresentadas padecem, ainda, a nosso ver, do vício da inocuidade, dado que nelas o recorrente repete os argumentos que já tinha apresentado nas motivações.
No entanto, esses vícios não determinam a rejeição do recurso por falta de conclusões. Essas conclusões existem, com os apontados vícios, é certo, vícios esses que seriam fundamento de convite ao aperfeiçoamento a que alude o n.º 3 do art. 639º do CPC., para que o recorrente aprimorasse no seu esforço de síntese e eliminasse das conclusões os excessos em que incorreu.
Note-se que as conclusões apresentadas pelo recorrente, apesar de padecerem dos apontados vícios cumprem os ónus enunciados no art. 639º do CPC., na medida em que nelas o recorrente indica as concretas questões de facto (vide infra) e de direito que pretende ver reapreciadas, as respostas que, na sua perspetiva, devem ser dadas a essas questões, os fundamentos probatórios que, a seu ver, sustentam a resposta a dar à matéria de facto que pretende ver reapreciada, as normas e os institutos jurídicos que, sempre na sua perspetiva, foram violados pelo tribunal “a quo” e que carecem de ser aplicados ao caso concreto, indicando, também, a interpretação que dessas normas e institutos deve ser feita.
Precise-se que analisadas as contra-alegações apresentadas pela recorrida, verifica-se que no ponto II, intitulado de “Das alegações do Recorrente”, a mesma mostra ter identificado, de forma cabal, as concretas questões de facto e de direito que o recorrente submete a este tribunal e os fundamentos probatórios e jurídicos que o mesmo aduz para ancorar as pretensões que formula, pelo que apesar dos enunciados vícios de que manifestamente padecem as alegações e as conclusões apresentadas pelo recorrente, nenhum prejuízo decorreu desses vícios para a defesa da recorrida.
Aliás, porque assim é, não se justifica, no caso, estarmos a lançar mão do convite ao aperfeiçoamento para que o recorrente supra os enunciados vícios, já que daí nenhum benefício resultaria para a recorrida, mas apenas prejuízos para a celeridade e economia processuais (2).
Aqui chegados, impõe-se concluir pelo indeferimento da pretensão da recorrida em ver rejeitado o recurso por pretensa violação dos ónus enunciados nos arts. 637º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC, o que assim se decide.

B.2- Do incumprimento pelo recorrente, em sede de matéria de facto, dos ónus enunciados no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC.
Pretende a recorrida que, em momento algum das suas alegações, o recorrido afirma colocar em causa o acervo fáctico dado como provado pelo tribunal a quo, não especificando, em momento algum, os factos dados como provados, concluindo que, consequentemente, a matéria dada como provada e não provada por aquele tribunal se tem como definitivamente assente.
Antes de entrarmos na apreciação desta concreta questão impõe-se enunciar os critérios que presidem à impugnação da matéria de facto pelo recorrente e quais os limites e critérios a que esta Relação se encontra submetida na reponderação da prova produzida, até porque só assim se poderá, por um lado, aquilatar se assiste razão à recorrente e, por outro, no caso negativo, se o recorrente cumpriu os restantes ónus que sobre si impendem em sede de impugnação da matéria de facto.
Saliente-se que com a reforma introduzida pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, ao CPC, o legislador introduziu o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação, foi propósito do legislador, que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, são de rejeitar todas as interpretações minimalistas do enunciado art. 662º que, refugiando-se nas dificuldades relacionadas com a audição dos depoimentos testemunhais captados sem registo de imagem, com prejuízo do princípio da imediação (prejuízo esse que, aliás, é uma realidade), se limitam a fazer um controlo meramente formal da fundamentação vertida pelo tribunal a quo, assim como aquelas que se limitam a fundamentar, de forma genérica, sem referência aos concretos meios de prova e a conectá-los entre si e com as regras da experiência comum, por forma a demonstrar o acerto ou desacerto da decisão proferida pelo tribunal a quo em relação à matéria impugnada em sede recursória.
Na verdade, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (3).
Resulta do que se vem dizendo que perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância.
Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação, a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (4).
Não obstante o que se acaba de enunciar, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer admitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus, que enuncia no art. 640º do CPC., destinados a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, tendo “o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (5), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto-responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido proferida e os concretos meios de prova que reclamam essa solução diversa.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Note-se que, conforme acima ficou dito, cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do âmbito do recurso, mas se destinam a fundamentar o recurso, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (6), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente:
a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como alerta Abrantes Geraldes, a justificá-la a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto-responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (7).
Por último, precise-se que porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.
Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (8).
No caso, na conclusão 47º o recorrente alega que “ao desconsiderar/ignorar, por completo, e de forma incompreensível, além do mais, “o relatório de averiguação” da Ré, não dando, por conseguinte, por provada a ocorrência do furto do veículo, aí cabalmente reconhecido/confirmado nas respetivas conclusões, o Meritíssimo Juiz a quo, com a sua douta decisão sob recurso, incorreu num manifesto erro de julgamento, máxime num erro de apreciação das provas (…) – sublinhado nosso.
Em face de semelhante alegação é para nós, à luz do critério interpretativo de um declaratário médio que se visse confrontado com semelhante alegação, que o recorrente impugna de forma concreta e especificada a alínea a) dos factos dados como não provados pelo tribunal a quo, sustentando que face à prova produzida, aquela matéria devia ter sido dada como provada por aquele tribunal e pretendendo que este tribunal, reponderando essa prova, dê aqueles factos como provados.
Precise-se que o recorrente indica quais os meios de prova que, na sua perspetiva, suportam aquela resposta positiva. Coisa diversa é saber se o mesmo, no que respeita às provas gravadas que identifica, cumpriu com o ónus que sobre si impendia de, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (art. 640º, n.º 2 do CPC).
Relembra-se que a especificação dos concretos meios de prova que suportam a solução da matéria de facto propugnada pelo recorrente não têm (sequer deve) por ele serem indicados nas conclusões, mas sim nas motivações.
Ora, para além do recorrente indicar como meio de prova, em sede de conclusões, que suportam, a seu ver, a alteração da resposta de não provada àquela matéria, para “provado”, o enunciado “relatório de averiguações”, aquele também indica, como meios de prova que alegadamente suportarão aquela alteração:
- o documento n.º 5 junto com a p.i., sustentando que neste documento, a Ré, em 20/02/2015, reconheceu/confirmou a ocorrência do sinistro (furto), documento este que afirma não ter sido impugnado pela última em sede de contestação (cfr. fls. 221 verso e conclusão 27 de fls. 229);
- o depoimento da testemunha L. S., autor do relatório, sustentando que o Mmo Juiz a quo ignorou o “relatório de averiguações” da Ré e respetivas conclusões, “valorando, estranhamente, as declarações da única testemunha que arrolou, L. S., autor desse relatório, no que tange a umas «reservas de que deu conta» (cfr. fls. 224);
- as declarações de parte do Autor, alegando que este “mencionou em declarações de parte (tal como, de resto, já havia feito constar por escrito, em sede de diligências de averiguações empreendidas pela Ré (vide “relatório de averiguação”, a fls. dos autos), emprestou o seu veículo seguro ao seu amigo O. G. e, inexplicavelmente, o veículo desapareceu no local e nas circunstâncias de modo e tempo que lhe foram transmitidas por esse seu amigo (cfr. fls. 225);
- o auto de notícia, junto como doc. 4 com a p.i., e cuja tradução consta de fls. 152 e ss. (fls. 225 e conclusão 20 de fls. 228 verso);
- a difusão internacional da ocorrência, cuja tradução consta de fls. dos autos (fls. 225);
- a informação prestada pelo “Comando Metropolitano da PSP do Porto” (fls. 225).
Deste modo, não é certa a alegação da recorrida segundo a qual o recorrente, em momento algum, afirma colocar em causa o acervo fáctico dado como provado pelo tribunal a quo, sequer especifica quais os factos incorretamente julgados.
O recorrente faz essa especificação, enuncia qual a resposta que, na sua perspetiva, devia ter sido dada pelo tribunal a quo em face da prova produzida e, inclusivamente, indica quais os concretos fundamentos probatórios que, sempre a seu ver, suportam a resposta positiva da matéria dada como não provada sob a al. a), pelo que, deste ponto de vista, nenhum obstáculo processual se levanta à reapreciação daquela matéria de facto, improcedendo o fundamento aduzido pela recorrida nesta sede.

B.3 – Reponderação da matéria dada como não provada sob a alínea a).
Como acima se deixou referido, o recorrente pretende que o tribunal, reponderando a prova produzida, dê como provada a matéria dada como não provada pelo tribunal a quo na alínea a) dos factos não provados.
O tribunal a quo fundamentou esta resposta negativa nos seguintes termos:
“Já os factos não provados assim se tiveram em virtude de, na óptica do tribunal, não ter sido sobre eles produzida prova bastante para convencer o tribunal da sua realidade, ao menos com a segurança exigível.
Tais factos eram constitutivos do direito à prestação que o autor aqui vem exigir. E assim sendo, como determina o artigo 342º, nº 1 do Código Civil, àquele competia fazer a prova dos mesmos, sendo que, em caso de dúvida quanto à sua realidade, tal dúvida necessariamente teria de valorar-se em seu desfavor.
Com efeito, desde logo se dirá que a própria versão do sucedido relatada pelo autor em declarações de parte se não mostrou totalmente credível, não deixando de causar alguma estranheza que, como declarado por aquele, tivesse emprestado o veículo em referência ao seu amigo O. G. em virtude de este ter tido necessidade de se deslocar com urgência à Alemanha (mas sem que lhe tivesse pedido mais esclarecimentos) e não conseguir voo senão na semana seguinte (o que não resulta também inteiramente verosímil, dada a multiplicidade de voos que existem actualmente, e à data existiriam já também, para várias cidades alemãs, quer a partir do Porto, quer de Lisboa) e logo se dar a coincidência ou a fatalidade de o veículo acabar por ser furtado no estrangeiro.
Mas a realidade é que nenhuma prova minimamente consistente foi produzida de que o furto efectivamente tenha ocorrido, ou de que a viatura do autor tenha realmente desaparecido nas circunstâncias que lhe foram transmitidas pelo seu conhecido e amigo O. G.. E a verdade é que este - a pessoa que em melhores condições estaria para esclarecer quanto possível o sucedido -, apesar de estar arrolado como testemunha, não foi trazido à audiência de julgamento pelo autor, como era seu ónus também.
À falta de consistência da prova produzida pelo autor – qualitativa e quantitativamente – aliaram-se as reservas de que deu conta a testemunha L. S. (a pessoa que procedeu à averiguação do sinistro a solicitação da ré), que contribuíram também para criar no espírito do julgador a dúvida quanto à realidade da matéria acima descrita sob a al. a).
E sendo assim, por falta de prova bastante, se teve como não demonstrada essa mesma factualidade”.
Entre os meios de prova que o recorrente indica para suportar a prova daquela matéria que o tribunal a quo deu como não provada, o mesmo aduz o depoimento da testemunha L. S. e, bem assim as declarações de parte prestadas pelo Autor em audiência final.
Acontece que tratando-se de prova gravada, verifica-se que o recorrente não deu minimamente cumprimento ao ónus enunciado no art. 640º, n.º 2 do CPC, que o obrigava a indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte.
O recorrente não indica, sequer, o início e termo daquele depoimento e declarações, ou procede à transcrição integral desse depoimento e declarações, pelo que aqui nem se coloca a discussão jurisprudencial que se suscita sobre se, nesses casos, aquele ónus está ou não cumprido.
Pura e simplesmente, o recorrente limita-se a indicar o nome daquela testemunha e a fazer um relato (que não uma transcrição) daquilo que o Autor terá declarado em audiência final, inviabilizando, com esse seu procedimento, que se proceda à reapreciação desse depoimento e declarações e, bem assim dos restantes meios de prova (documentais) que indica, sob pena deste tribunal, a reponderar apenas a prova documental junta aos autos indicada pelo recorrente, sem conectá-los com as declarações de parte e com o depoimento da testemunha indicados pelo último e que, segundo ele, sustentam a resposta positiva àquela matéria, depoimento e declarações essas a que este tribunal não se pode socorrer dado não ter sido cumprido pelo recorrente o ónus enunciado no citado n.º 2 do art. 640º do CPC, este tribunal ficar com uma visão fragmentada da prova produzida e, consequentemente, inapta para fundamentar o afastamento do convencimento do tribunal a quo e que o levou a dar como não provada essa matéria.
É neste sentido que, a nosso ver, carece de ser interpretado o n.º 2 do art. 640º do CPC, quando nele se expressa que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (…)”, isto é, sendo impugnada determinada matéria de facto com fundamento em prova gravada e noutro tipo de prova, designadamente, documental, não se dando cumprimento ao ónus enunciada naquele n.º 2, automaticamente se impõe rejeitar o recurso quanto a essa concreta matéria de facto impugnada, não se podendo colocar de parte a prova gravada e ir fazer a reponderação apenas com base na restante prova indicada pelo recorrente.
Acresce dizer que ainda que assim não fosse, tendo o tribunal a quo, concluído pela não prova daquela matéria vertida na al. a) dos factos não provados, com fundamento na circunstância das declarações de parte prestadas pelo autor não se mostrarem totalmente credíveis, aliadas às reservas de que deu conta a testemunha L. S., estando esta Relação impedida de reponderar aquelas declarações de parte prestadas pelo Autor e, bem assim o depoimento da testemunha L. S., justamente porque, quanto a eles, o recorrente não deu cumprimento ao ónus enunciado no art. 640º, n.º 2 do CPC, a apelar-se apenas à prova documental, nunca esta seria suscetível de permitir a este tribunal concluir pela prova da matéria em análise.
Vejamos.
O auto de notícia, cuja tradução se encontra junta aos autos a fls. 225, não prova que o veículo automóvel tenha sido furtado, sequer que tenha efetivamente desaparecido, mas apenas que O. G., no dia 02/01/2012, dirigiu-se ao posto policial, onde fez a participação ali enunciada, onde prestou as declarações que se encontram exaradas nesse auto, as quais, evidentemente, podem ser verdadeiras ou falsas, não sendo manifestamente por alguém se queixar à polícia que o seu veículo lhe foi subtraído ou que desapareceu, que se pode concluir que esse veículo lhe foi efetivamente subtraído ou que realmente se encontra desaparecido (pode estar guardado, e bem guardado, pelo próprio participante).
O que se acaba de referir, aplica-se igualmente à difusão internacional do furto tendo em vista a apreensão da viatura e a informação prestada pelo Comando Metropolitano da PSP do Porto, informação esta de que se dá nota no relatório de averiguações (fls. 204 verso), sabendo-se que perante uma participação do desaparecimento/furto de um veículo às autoridades, a estas incumbe fazer essa difusão com vista à possível deteção da viatura que alegadamente foi furtada ou que se encontrará desaparecida, sem que daqui se possa extrair que a viatura tenha sido efetivamente subtraída ou que ande realmente desaparecida do seu proprietário, posto que este, reafirma-se, pode tê-la guardado ou pode ter-lhe dado destino.
Quanto ao documento n.º 5 junto com a p.i. – fls. 5 verso -, trata-se de uma carta datada de 17/04/2012, enviada pela recorrida ao recorrente, que não foi efetivamente impugnada pela recorrida em sede de contestação.
Sucede que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, nessa carta, nada permite concluir que a recorrida tenha aceite o furto ou o desaparecimento da viatura que lhe foram participados. O teor dessa carta apenas comprova que o recorrente participou o furto da viatura à recorrida e que aquela ainda estava a fazer averiguações e que lhe daria nota da sua posição quando concluísse essas averiguações. É isto, e só isto, que se extrai do teor dessa carta.
Finalmente, quanto ao relatório de averiguações junto aos autos a fls. 104 a 121.
É certo que esse relatório é um documento particular e, bem assim que, tal como sustenta o recorrente, nos termos do disposto no art. 376º, n.º 1 do CC., o documento cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.
Só que também como bem diz a recorrida, o declarante, nesse documento, não são os legais representantes da recorrida, mas sim um perito averiguador a que aquela se socorreu para efetuar a averiguação do participado furto, o qual faz as declarações que bem entendeu nesse relatório e que apenas o vinculam, mas que jamais vinculam a recorrida.
Acresce referir que é certo que nas “análises e conclusões” desse relatório se escreve “não obstante tratar-se de um caso com todos estes contornos que nos leva à suspeita de simulação da participação de furto do veículo à seguradora, facto é que não foi apurada matéria de forma a provarmos o contrário. Assim sendo, não nos resta outra solução, senão aceitarmos como verdadeiro o presente caso”, longe dessas conclusões confirmarem o furto/desaparecimento do veículo, as mesmas e, bem assim o restante teor desse relatório de averiguações, fazem antes suscitar fundadas dúvidas sobre se se está efetivamente perante um furto (subtracção) da viatura ou um efetivo desaparecimento da mesma, no sentido de colocação da viatura fora da disponibilidade do recorrente, contra a vontade deste.
Resulta do que se vem expondo, improcederem os fundamentos invocados pelo recorrente em sede de impugnação da matéria de facto, mantendo-se, consequentemente, inalterada a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada.

B.4- Do erro de direito.
Sustenta o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na interpretação das cláusulas do contrato de seguro celebrado com a recorrida e, bem assim das disposições legais aplicáveis a esse contrato e ao absolver a última do pedido.
A alegação do recorrente funda-se, a nosso ver, numa interpretação errónea da matéria provada sob o ponto 4, extraindo dessa matéria que teria feito prova do desaparecimento do veículo seguro e que, consequentemente, decorridos sessenta dias sobre a participação do furto à recorrida, sem que esta tivesse logrado fazer prova de qualquer facto impeditivo à indemnização a que tem direito por via do furto daquele veículo, essa indemnização se teria tornado exigível, desconsiderando, em absoluto, que não logrou fazer prova que aquele veículo tivesse sido furtado (cfr. alínea a) dos factos não provados).
Concretizando.
Como é consabido, o contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de determinada remuneração. A pessoa que transfere o risco, assumindo a remuneração diz-se “tomador do seguro” ou “subscritor”; a que assume o risco e recebe a remuneração é a “entidade seguradora”; o dano eventual é o “sinistro”; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida pelo seguro, e que pode, ou não, coincidir com o tomador do seguro, é o “segurado”; a remuneração da seguradora é o “prémio”.
No contrato de seguro, a seguradora substitui-se, assim, ao segurado na assunção das consequências patrimoniais decorrentes da verificação do risco de sinistro.
O contrato de seguro sobre que versam os autos foi celebrado em 14/10/2011 (cfr. ponto 2 dos factos provados) e, consequentemente, já depois da entrada em vigor do D.L. n.º 72/2008, de 16/04, que institui o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS).
Atento o princípio da liberdade contratual expressamente reafirmado no art. 11º do RJCS, o contrato de seguro é regulado pelas estipulação da respetiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, subsidiariamente, pelas disposições do RJCS e ainda, subsidiariamente pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4º do RJCS).
Por outro lado, sendo o contrato de seguro um contrato de adesão, é-lhe aplicável o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo D.L. n.º 446/85, de 25/10, e sucessivas alterações, pelo que na interpretação do clausulado no contrato de seguro, embora se imponha seguir o critério interpretativo geral enunciado no art. 236º do CC, que consagra a teoria da impressão do destinatário, em caso de duvida sobre o alcance interpretativo a dar a esse clausulado após aplicação daquele critério interpretativo geral, deverá prevalecer o sentido mais favorável a quem beneficia do contrato, ou seja, o segurado (art. 11º, n.º 2 do DL n.º 446/85, de 25/10) (9).
O contrato de seguro em análise, atenta a matéria apurada sob o ponto 3º e o art. 2º das condições especiais do contrato (cfr. fls. 34), garante os prejuízos ou danos materiais causados ao veículo seguro em consequência de furto ou roubo, de acordo com o definido no n.º 1.3 do art. 40º das condições gerais da apólice.
Por sua vez, neste art. 40º, n.º 1. 3, das condições gerais da apólice (cfr. fls. 31) estabelece-se que para efeitos daquele contrato de seguro, entende-se por “furto ou roubo”, “o desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentado ou consumado)”.
Significa isto, que o contrato de seguro celebrado entre recorrente e recorrida, abrangendo o risco de perda do veículo por ato de terceiro, no caso de apropriação ilícita sem violência (furto) ou com violência (roubo), mediante o qual a recorrida assumiu a obrigação de reparar os danos sofridos pelo recorrente resultantes da subtração e da privação da propriedade e posse da viatura segura, consubstancia um “típico contrato de risco, garantia e conservação do património do segurado”, seguro em que a indemnização que for devida, verificado o sinistro, “surge como uma forma de reparação ou ressarcimento do dano a favor do segurado” (10).
Precise-se, aliás, que na tipologia dos contratos de seguro enunciada no RJCS, o contrato de seguro em análise integra o tipo denominado “seguro de danos”, previsto no título II do RJSC – arts. 123º a 174º desse diploma.
Tratando-se de um contrato que visa a reparação de um dano em caso de “sinistro”, este entendido como “a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco previsto no contrato” (cfr. art. 1º, al. f) das condições gerais do contrato de seguro celebrado), isto é, no caso, relembra-se, “desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentado ou consumado)”, mediante a reposição do segurado na situação patrimonial em que se encontraria caso não se tivesse verificado o “sinistro”, a obrigação de indemnizar por parte da seguradora há-se ficar sujeita ao regime da responsabilidade civil, seja no tocante aos seus pressupostos, seja no tocante à determinação de reparação e respetivo montante (11).
Em sede de repartição do ónus da prova desses pressupostos, essa repartição deve fazer-se de harmonia com a previsão traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão deduzida, mas “não se trata … de lançar o ónus da prova do facto sobre a parte que o invocou”, pois o ónus “imposto a quem alega o direito não se estende a todos os factos que interessam à vigência atual desse direito, mas somente aos factos constitutivos dele” (12).
Esses factos são os “que servem de fundamento à ação “ou os idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga” (13).
Note-se que o que se acaba de referir é aquilo que resulta do enunciado no n.º1 do art. 342º do CC. onde se estabelece que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Ora, pretendendo, no caso, o recorrente arrogar-se titular do direito indemnizatório que lhe assiste por via do contrato de seguro celebrado com a recorrida, em consequência de se ter verificado o “sinistro”, é indiscutível que sobre ele impende o ónus da prova da verificação do “sinistro”, por se tratar de elemento constitutivo do direito indemnizatório que se arroga titular perante a recorrida, isto é, que o veículo seguro se encontra desaparecido, foi destruído ou se encontra deteriorado por motivo de furto, roubo ou furto de uso, tentado ou consumado.
Não tendo o recorrente logrado fazer prova em como o veículo seguro pela recorrida se encontra desaparecido em consequência de ter sido furtado (vide matéria dada como não provada na al. a) dos factos não provados), é manifesto que a presente ação tinha de improceder (14).
Objeta o recorrente que assim não é, e invoca em defesa da sua tese o regime enunciado nos arts. 2º das condições especiais, 1º, al. f), 28º, 30º, 39º e 45º das condições gerais do contrato de seguro celebrado, bem como os arts. 13º, 102º e 104º do RJSC e, bem assim os doutos acórdãos do STJ. de 21/02/2006 e de 08/05/2007 e desta Relação de 20/11/2014, mas, antecipe-se, desde já sem razão.
Com efeito, daquele clausulado e das disposições legais do RJSC não resulte nada em contrário daquilo que se acaba de expandir, mas antes pelo contrário, resulte justamente confirmado aquilo que anteriormente se referiu.
Precise-se que corroborando justamente o que acima se enunciou e concluiu, o art. 99º do RJSC, define “sinistro” como aquilo que é “correspondente à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco previsto no contrato”, resultando daqui que o “sinistro” é o facto gerador que determina o pagamento da indemnização devida ao lesado (15), pelo que, consentaneamente com o disposto no n.º 1 do art. 342º do CC, impende sobre o recorrente o ónus da alegação e da prova do “sinistro” como facto constitutivo do direito indemnizatório que se arroga titular perante a seguradora.
Também naqueles doutos arestos invocados pelo recorrente nada resulta em contrário ao que se acaba de referir, mas antes pelo contrário.
Na verdade, o que resulta das disposições contratuais e legais invocadas pelo recorrente e desses doutos arestos, é que em caso de furto (alegado e provado), decorridos sessenta dias sobre a participação do sinistro à seguradora, vence-se o direito indemnizatório que assiste ao segurado sobre a seguradora, tornando-se esse direito indemnizatório exigível, pelo que se esta não pagar a indemnização, entra em mora, ficando obrigada a pagar ao segurado juros de mora.
Discutia-se nos doutos arestos invocados pelo recorrente, onde o furto das viaturas a que se reportam esses autos quedou-se provado (o que não é o caso dos presentes autos), o que aconteceria caso a seguradora, decorridos esses sessenta dias sobre a participação do furto, não tivesse pago a indemnização devida ao sinistrado e, entretanto, já depois desses sessenta dias decorridos, o veículo furtado aparecesse, tendo-se concluído, que nessa situação, porque o direito indemnizatório do segurado já se tinha vencido no 60º dia subsequente à participação do furto (o “sinistro”), o segurado não era obrigado a aceitar a viatura, assistindo-lhe o integral direito a receber da seguradora a indemnização, uma vez que esse direito já se tinha vencido e se tornara exigível em data anterior ao aparecimento da viatura.
Foi isto e só isto que se discutiu naqueles arestos, realidades essas que nada têm a ver com a dos presentes autos e que em nada contende com o que anteriormente se enunciou a propósito do ónus da prova do “sinistro” (o furto/subtração do veículo), antes pelo contrário, nesses autos, o “sinistro”, elemento constitutivo do direito indemnizatório exercido pelo sinistrado contra a sua seguradora, quedou-se plenamente provado nos autos a que se reportam aqueles arestos, o que não é o caso dos presentes.

B.5- Da litigância de má-fé da recorrida.
Sustenta o recorrente que a recorrida litiga de má-fé.
Nos termos do disposto no art. 542, n.º 2 do CPC, litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a- tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b- tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c- tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d- tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A doutrina tem classificado a má-fé de que trata o referido preceito em duas variantes: a má-fé material e a má-fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do n.º 2, e a segunda os das alíneas c) e d) do mesmo número.
Precise-se que na redação dada ao art. 456º antes da revisão operada pelos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, o relevante para se afirmar a litigância de má-fé é que existisse uma “intenção maliciosa” – má-fé em sentido psicológico – e não apenas com leviandade ou imprudência – má-fé em sentido ético -, pelo que só a lide essencialmente dolosa e não meramente temerária ou ousada justificava a condenação como litigante de má-fé.
Porém, na sequência da revisão operada pelos referidos diplomas ao art. 542º (anterior 456º), assistiu-se a uma ampliação do conceito de má-fé, abarcando aquela, desde então, não só o dolo mas, ainda, a negligência grave ou grosseira.
Verifica-se uma situação de “negligência grave” naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (16).
Não obstante o alargamento do conceito de litigância de má-fé, ainda assim, o julgador deverá agir com cautela de modo a que nela não se incluam casos de manifesto lapso, de lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e de os interpretar, de diversidade de versões sobre determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer. É que conforme se escreve no Ac. R.P. de 07/09/2010, (17) “a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias de um Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do art. 456º do CPC., e não é por não se ter provado a versão dos factos alegada por uma parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má-fé, tanto mais que a verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do Juiz, que não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas, sendo a verdade judicial uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico, o que impõe que o julgador seja muito prudente no juízo sobre a má-fé processual”.
Acresce que a doutrina e a jurisprudência têm entendido, sem discrepância, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má-fé (18).
Desta forma, a condenação como litigante de má-fé implica a consciência de quem pleiteia de certa forma de que não tem razão.
No caso, é indiscutível que a recorrida não litiga de má-fé, uma vez que se limitou a defender-se contra o direito indemnizatório que o recorrente dela pretendeu reclamar, improcedendo a pretensão do recorrente em que se condene aquela como litigante de má-fé.
Aqui chegados, impera concluir pela total improcedência dos fundamentos recursórios invocados pelo recorrente, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Acordam em julgar improcedente o pedido de condenação da recorrida como litigante de má-fé.
Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 16 de novembro de 2017

(Dr. José Alberto Moreira Dias)
(Dr. António José Saúde Barroca Penha)
(Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha)


1. Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 146; e Ac. do STJ, de 09/07/2015, Proc.818/07.3TBAMD.L1.S1, in base de dados da DGSI.
2. Neste sentido vide Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 148 e 149, onde se lê: A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tomar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reação do recorrido manifestada nas contra-alegações, de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras”.
3. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
4. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
5. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153.
6. ob. cit., pág. 155.
7. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
8. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
9. Acs. STJ. de 12/06/2003, Proc. 1580/03-2ª, e de 11/07/2006; proc. 1855/06.1ª, ambos in base de dados da DGSI.
10. Ac. STJ. de 20/05/2004, Proc. 04B1484, base de dados da DGSI.
11. Ac. STJ.de 08/05/2007, Proc. 07ª686, in base de dados da DGSI.
12. Antunes Varela, RLJ, ano 116º, pág. 346.
13. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, vol. 3º, pág. 282.
14. Neste sentido vide Ac. RP. de 11/07/2012, Proc. 863/09.4TJVNF.P1, onde se lê: “se foi celebrado entre as partes um contrato de seguro de responsabilidade civil em que um dos riscos cobertos é o furto nas instalações da segurada, compete a esta a prova da verificação do furto e à seguradora a prova da factualidade conducente à reclamação da sua responsabilidade”. No mesmo sentido Ac. RP. de 10/11/2009, Proc.588/09.0YRPRT, onde se pondera que “o direito do segurado à reparação com base em contrato de seguro que abrange danos próprios do veículo, não depende apenas da prova da existência dos danos sofridos pelo veículo. Também depende da prova de que os danos foram causados por um dos riscos cobertos pelo seguro. O ónus da prova sobre a ocorrência do sinistro e sobre o nexo de causalidade entre esse sinistro e os danos sofridos pelo veículo compete ao segurado, enquanto titular do direito à indemnização. Não cumprindo o segurado este ónus, a dúvida sobre a existência do sinistro tem de ser resolvida contra si (art. 516º, nº 2 do CPC). Ainda RL. de 18/04/2013, Proc. 2212/09.2TBACB.L1-2, onde se lê: “ao tomador de seguro cabe a alegação e ónus da prova da verificação do risco coberto. À seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação de uma causa de exclusão do risco (com facto impeditivo do direito daquele – art. 342º, n.º 2 do CC.). Finalmente, Ac. RC. de 22/11/2012, Proc. 118/11.4TVLSB.L1-6, em que se escreve: “destinando-se a ação à reparação de um dano contratualmente seguro - a perda do veículo automóvel por furto – tem o Autor ónus de alegar e provar o conjunto fáctico gerador desse dever de indemnizar, desde logo o sinistro (furto)”.
15. Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres e outros, in “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, Almedina, 2016, 3ª ed., pág. 357.
16. Maia Gonçalves, in “Código Penal Português”, 4ª ed., pág. 48; Lebre de Freitas, “Código Processo Civil Anotado”, 2001, Coimbra Editora, págs. 194 e 195.
17. Proc. 192/12.6TBVPA-B.G1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido, Ac. STJ. de 11/09/2012, Proc. 2326/11.09.TBLLE.E1.S1, na mesma base de dados, onde se pondera que “a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos não implica, por si só, litigância censurável”, exigindo a “litigância de má fé a consciência de quem pleiteia de certa forma ter a consciência de não ter razão”.
18. Acs. STJ. de 24/01/2002, Rev. n.º 4047/01-7ª Sumários, 1/2002; de 28/02/2001, Ag. n.º 211/02.2ª Sumários, 2/2002.