Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1466/11.9TBBCL.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
INCÊNDIO
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A indemnização fundada em contrato de seguro de danos próprios de um veículo que cobre o risco de incêndio, apenas tem lugar quanto aos danos causados por este evento e não pelos danos causados na viatura por avaria acidental da peça do motor que desencadeou o próprio incêndio.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a primeira secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


I-RELATÓRIO
A… Lda., com sede em Braga, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra B… Companhia de Seguros S.A.com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 7.983,84 dispendido pela mesma com a reparação da sua viatura, sinistrada, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou que: no dia 21 de Setembro de 2010, pelas 8H50 Minutos, na A11 e no sentido Braga – Esposende, ao Km 11,8, a viatura de marca Mercedes Benz, matrícula …-FF-…, sua propriedade, ficou danificada por se ter incendiado; tal viatura, que era conduzida por C…, funcionário da autora, estava em perfeito estado de funcionamento; sucede que, repentinamente, e sem que nada o fizesse prever, a viatura começou a deitar muito fumo, tendo-se imobilizado, incendiando-se rapidamente, sendo que só a perícia dos seus ocupantes permitiu que estes apagassem o fogo antes de se propagar por toda a viatura; a autora celebrara anteriormente com a ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º … para a viatura sinistrada, pelo qual esta ré assumiu toda a responsabilidade relativa à circulação do veículo em causa, nomeadamente a cobertura de danos próprios, sendo o mesmo válido e eficaz; em consequência do sinistro, a viatura da autora sofreu vários danos que se cifram em € 7.983,84; a Ré recusou qualquer responsabilidade pelo sinistro, pela que a autora, para não agravar os danos da demora da resolução da situação viu-se obrigada a suportar o custo da reparação da viatura no dito montante.

A Ré contestou por impugnação e excepção, alegando que o incêndio da viatura não teve origem numa combustão acidental, mas antes numa avaria do motor que poderia ser verificada pelo seu condutor, que de imediato deveria ter desligado o motor e bem assim, pelo mau estado de conservação e pela falta de assistência, sendo que, foi a continuação do seu funcionamento que originou o sobreaquecimento do motor e o incêndio que se seguiu. Mais alega que os danos em causa, porque decorrentes de avaria do motor não estão cobertos pelo contrato de seguro.

A Autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador que afirmou a valida da instância, fixando-se a factualidade assente e organizando-se a base instrutória.

A requerimento das partes foi realizada perícia com intervenção de um único perito a que se seguiu uma perícia colegial.

Realizou-se a audiência de julgamento com o formalismo legal.
Após decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando-se a Ré no pedido.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, que foi admitido, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Conforme consta da apólice que titula o contrato de seguro realizado com a autora, no que toca aos danos próprios do veículo de matrícula …-FF-…, a Ré apenas assumiu a responsabilidade dos danos deste veículo em caso de choque, colisão ou capotamento, incêndio, raio ou explosão e ainda em caso de furto ou roubo.
2ª – Com resulta da matéria de facto provada, o referido veículo sofreu uma avaria de um injector que provocou um furo do pistão, daí acabando por resultar o derramamento do óleo e gasóleo sobre o colector do escape/turbo, dando origem a um princípio de incêndio.
3ª – O incêndio provocou danos nos componentes da área circundante da zona do turbo/colector do escape, como seja a tampa, válvulas, medidor do caudal de ar, tubagem de admissão de ar, cablagem do motor, válvula da temperatura de ar, e cuja reparação foi orçada em € 1.171,82.
4ª – Os danos sofridos pelo veículo em consequência da avaria do injector e que s repercutem nos componentes do bloco do motor, ou seja, pistões, colaça, bronzes M injectores, juntas e óleo do motor, e cuja reparação foi orçada em € 6.812,02 (€ 7.983,84 – € 1.171,82) não são da responsabilidade da Ré, pois não estão a coberto do seguro d incêndio.
5ª – Assim, a Ré apenas pode ser responsabilizada pelo pagamento da reparação dos danos resultantes do incêndio do veículo e não dos demais, que precederam o incêndio e que até foram a causa deste, ou seja, só pode ser responsabilizada pelo pagamento de € 1.171,82.
6ª – Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida não teve na devida conta os factos provados e fez incorrecta aplicação do direito.
7ª – Deve ser revogada a sentença recorrida, julgando a acção apenas parcialmente procedente, limitando o pagamento da Ré à importância de € 1.171,82.

A Autora respondeu ás alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, a questão a decidir é a de saber quais os danos invocados pela Autora cuja indemnização cabe à Ré, por via do contrato de seguro que celebrou com aquela.

A factualidade provada que fundamentou a decisão recorrida é a seguinte:
a) No dia 21 de Setembro de 2010, pelas 8 h 50 m, na A11, no sentido Braga – Esposende, ao Km 11,8, ocorreu um acidente no veículo de marca Mercedes Benz, matrícula …-FF-…, propriedade da Autora, quando o mesmo era conduzido por um seu funcionário, C… [al. a dos factos assentes].
b) A Ré celebrou com a Autora o contrato de seguro titulado pela apólice nº 5531544 [al. b dos factos assentes].
c) O referido C… circulava no FF, no sentido de Braga – Esposende [art. 1º da base instrutória].
d) É experiente, diligente e está habituado a conduzir o FF [art. 2º da base instrutória].
e) A Autora sempre utilizou o FF, diariamente, na sua actividade, nomeadamente para o transporte de material [art. 3º da base instrutória].
f) O FF, além de ter efectuado as inspecções e revisões nas datas devidas, estava em perfeito estado de funcionamento e conservação [art. 4º da base instrutória].
g) Na data do sinistro, o FF tinha 2 anos e oito meses e cerca de 135.000 km [arts. 5º e 6ºda base instrutória].
h) Como consequência de uma avaria incidental de um injector do veículo e do incêndio que deflagrou, o FF sofreu vários prejuízos que ascenderam a € 7.983,84” [art. 7º da base instrutória].
i) Uma vez que a Ré declinou a sua responsabilidade e a Autora necessitava do FF para o exercício da sua actividade, esta suportou o custo da reparação da viatura naquele montante [art. 8º da base instrutória].
j) O FF teve uma avaria acidental de um injector [art. 9º da base instrutória].
k) Que provocou um furo no pistão [art. 10º da base instrutória].
l) A compressão do motor passou para o cárter [art. 11º da base instrutória].
m) E rebentou o tubo de respiro do óleo [art. 12º da base instrutória].
n) Que caiu em cima do turbo [art. 13º da base instrutória].
o) E em consequência, o FF incendiou-se [art. 14º da base instrutória].
p) A avaria acidental do injector foi causa do incêndio do veículo [art. 15º da base instrutória].
q) O FF tinha água [art. 18º da base instrutória].
r) Quando o C… conduzia o FF, repentinamente e sem que nada o fizesse prever, este começou a fazer muito fumo [art. 21º da base instrutória].
s) Acabou por parar e imobilizar-se [art. 22º da base instrutória].
t) E incendiou-se logo de seguida [art. 23º da base instrutória].
u) Só a destreza dos seus ocupantes permitiu que estes apagassem o fogo antes de se propagar por toda a viatura [art. 24º da base instrutória].

DECIDINDO
A Autora, segurada, fundamentou o pedido formulado contra a Ré seguradora, na responsabilidade contratual por esta assumida em consequência de contrato de seguro de danos próprios. Tal contrato, para além do mais cobria o risco de incêndio na viatura em causa, propriedade da demandante.
Cabia à Autora provar a existência quer do incêndio da viatura, quer dos danos causados por tal evento, o que, em nosso entender logrou fazer (cf. facto provado sob as alínea h).
Por sua vez, a Ré seguradora não logrou provar a matéria de excepção que alegou na contestação, a saber, a culpa da Autora no desencadeamento do sinistro, e algumas das alegadas situações de exclusão da cobertura do seguro, previstas na cláusula 38.º das condições gerais da apólice.
A questão que agora se nos coloca é a de saber se todos os danos da viatura alegados e provados pela Autora, podem ser atribuídos ao risco de incêndio previsto no contrato de seguro,
Deu-se como provado que um dos injectores da viatura segura avariou acidentalmente, que tal avaria provocou um furo no pistão, sendo que, a compressão do motor passou para o Cárter e rebentou o tubo de respiro do óleo, que caiu em cima do turbo e que, em consequência, o veículo incendiou-se. Provou-se também que os danos sofridos pela viatura, cuja reparação ascendeu a €7.983,84, foram consequência de uma avaria de um injector do veículo e do incêndio que deflagrou.
Na perícia colegial os peritos referem que os danos causados na colassa, pistões, bronzes e juntas, ocorreram em consequência directa da avaria do injector e os danos causados na tampa da válvulas, no mediador caudal do ar, na tubagem de admissão do ar, na cablagem do motor, nas válvulas tampa do ar e no filtro do ar ocorreram em consequência directa do incêndio.
No entanto, os peritos maioritários, incluindo o perito do tribunal, perguntados sobre se, em consequência do sinistro, a viatura sofreu danos orçamentados em € 7.983,84 (valor do pedido) responderam que tal valor parece ajustado ao sinistro em questão, tendo o perito indicado pela Ré avaliado os danos visíveis provocados pelo incêndio em €1.171,82.
Na sentença recorrida decidiu-se que todos os danos do veículo que estão provados deveriam ser indemnizados pela seguradora, incluindo o injector, ponto de origem do incêndio que teve avaria acidental que é frequente e difícil de detectar.
Referiu-se na sentença que … “neste contexto...a teoria da causalidade adequada reporta-se a todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados. Como esclarece Almeida Costa, a teoria da causalidade adequada “não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha por si só determinado o dano”. No mesmo sentido, esclarece Antunes Varela que “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.”
E, assim, responsabilizou-se a Ré por todos os danos causados na viatura segura por via da avaria do injector e suas consequências.
Ora, o objecto do recurso da Ré, radica precisamente nesta questão, a saber, se o contrato de seguro que fundamentou o pedido da Autora cobre ou não a avaria incidental do injector e os danos causados na viatura segura até ao desencadeamento do incêndio, ou apenas aqueles que estes entenderam ser consequência directa do mesmo incêndio.
Diga-se desde já que o que releva para a apreciação desta questão não é o que consta da perícia, designadamente as respostas dadas aos respectivos quesitos pelo perito indicado pela apelante, mas sim os factos que se deram como provados, que não foram impugnados pelo recorrente.
É pacífico que o contrato de seguro celebrado entre as partes não cobre o risco de avarias acidentais do veículo seguro, mas tão-somente, na parte que releva para os autos, o risco de incêndio.
Assim sendo, a responsabilidade contratual da apelante está delimitada aos danos da viatura ligados ao evento coberto, incêndio, por um nexo de causalidade adequada.
A teoria da adequação ou da «causalidade adequada», segue, na nossa lei civil, uma fórmula negativa (cf. art.º 563.º do CC), não se exigindo, para haver obrigação de indemnizar, que, à partida, fosse «normal», «previsível» ou «provável» a ocorrência do dano. Pelo contrário, só não há obrigação de indemnizar quando, à partida, o facto responsabilizador era «totalmente indiferente» para a produção de daqueles danos, que só surgiram devido a «circunstâncias extraordinárias», «altamente improváveis», «absolutamente imprevisíveis».
No caso concreto e a anteceder o incêndio evento desencadeador da responsabilidade contratual da Ré, ocorreu uma avaria acidental de um injector da viatura seguro, que causou a danificação num pistão, que furou, e ainda o rebentamento do tubo de respiro do óleo, que caiu no turbo, tendo, em consequência, ocorrido o incêndio da viatura (cf. factos provados j) a o) da factualidade provada).
Ora, a danificação destas peças do veículo, que antecederam a eclosão do incêndio, não podem ser abrangidas pela responsabilidade contratual da Ré, pois que foram causadas por avaria acidental, não prevista no contrato de seguro celebrado entre as partes.
Ao contrário do que se refere na sentença apelada, os danos que relevam no caso concreto são aqueles que estão ligados, por nexo causal, à deflagração do incêndio da viatura, que, logicamente, só ocorreram após este evento. Por isso, apesar da causa do incêndio radicar na dita avaria acidental, o que releva é o processo causal desencadeado pelo próprio incêndio coberto pelo contrato de seguro.
Não obstante, e como já referimos, da factualidade provada resulta apenas que os danos causados pelo incêndio em causa apenas excluem a avaria de um injector, o pistão furado e o tubo do respiro do óleo.
Embora não se tenha provado o valor concreto destes danos e, consequentemente, dos danos apenas causados pelo incêndio, entendemos que a lei confere ao julgador mecanismos que permitam concretizar e quantificar a indemnização no caso concreto.
Em primeiro lugar, dispõe o art.º art. 566, n.º3 do C.Civil que, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Ora, este tribunal tem aos dispor os elementos constantes dos autos, designadamente a factura da oficina (fls 349 a 351) onde foi reparada a viatura, que ascendeu no total a € 6490,93, sem IVA. Este documento discriminada todas as peças e serviços necessários á sua reparação, designadamente a montagem dos pistões, no valor unitário de €7,50, o preço unitário dos pistões, no valor de €1.150,00, o preço unitário dos injectores, no valor de €399,55 e o preço unitário do tubo do respiro, no valor de € 70,00, a que acresce o IVA e o valor/hora da mão de obra referida na dita factura, que também contém o número total de horas para a reparação total do veículo, atendendo-se nesta parte, à natureza dos serviços acima discriminados.
Assim, e em equidade, entendemos que, tendo em conta o valor dos danos não cobertos pelo contrato de seguro, a indemnização deve fixar-se no valor de € 5800,00, incluindo IVA, mais os juros de mora tal como peticionado.

Procede assim parcialmente a apelação.

Em conclusão:
I – A indemnização fundada em contrato de seguro de danos próprios de um veículo que cobre o risco de incêndio, apenas tem lugar quanto aos danos causados por este evento e não pelos danos causados na viatura por avaria acidental da peça do motor que desencadeou o próprio incêndio.

DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar á Autora a quantia de €5.800,00 – cinco mil e oitocentos euros - acrescida de juros de mora á taxa legal desde a data citação até efectivo e integral pagamento.
Custas pelas partes na medida do respectivo decaimento.

Guimarães, 24 de Outubro de 2013
Isabel Rocha
Moisés Silva
Jorge Teixeira