Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7348/12.0TBBRG.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
FACTOS SUPERVENIENTES
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Após as alterações legais introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, no artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível, sem que o Estado ( a Fazenda Nacional e/ou a Segurança Social) o tenha votado favoravelmente, homologar um plano de revitalização que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos de natureza tributária .
II - Destarte , desde que não aprovado com o voto favorável da entidade Pública credora, e porque em rigor integra um tal plano um conteúdo e/ou providência com incidência no passivo do devedor que implica a violação de preceitos legais imperativos, tal obriga inevitavelmente à recusa oficiosa da sua homologação pelo Juiz ( cfr. art. 215.º do CIRE).
III - Não obstante, se após a prolação de sentença de não homologação , o devedor liquida o crédito de natureza tributária da entidade Pública credora e, qual facto superveniente, invoca e prova tal pagamento documentalmente, fazendo-o em sede de instância recursória e até ao termo do prazo para a apresentação das alegações, nada obsta já à homologação do plano de revitalização aprovado.
IV - Na sequência do referido em III, e porque nada impede que nos recursos ordinários possa ser alegado um facto superveniente e apresentada a respectiva prova documental, e quer quando tal facto e a referida prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação , deve então o ad quem julgar a apelação procedente , e , revogando a sentença apelada, homologar o plano de revitalização aprovado .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
S.., LD., com sede em Braga e na qualidade de devedora, munida de declaração escrita a que alude o artº 17º-C,nº1, do CIRE, comunicou ao Exmº Juiz do Tribunal Judicial de Braga e ao abrigo do disposto nos arts. 1º, nº 2 e 17º-C do CIRE, que pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação no âmbito de Processo Especial de Revitalização , razão porque impetrava a nomeação, de imediato e por despacho, de Administrador judicial provisório.
1.1.- Instruído o processo, nomeado o administrador judicial provisório (nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º- C, do CIRE) e reclamados os créditos, e , bem assim, elaborada a lista provisória de créditos pelo supra indicado administrador judicial, foi finalmente (após as competentes negociações e prorrogação do prazo para a sua conclusão ) o plano ( junto a fls. 207 a 213) de recuperação conducente à revitalização da devedora S.., LD. sujeito a aprovação, tendo o Administrador Judicial Provisório junto aos autos o documento a que alude o nº 4, do artº 17º-F, do CIRE, com o resultado da votação, indicando ele que o plano havia merecido uma percentagem de 96,28 % de votos a favor.
1.2.- Conclusos os autos, proferiu de seguida o Exmº Juiz a quo decisão/despacho ( a 2/4/1013 e a fls. 306 ) de reconhecimento de que , em razão da expressão percentual de aprovação indicada em 1.1.,se impunha considerar como aprovado pelos credores o Plano de Revitalização, pois que, nas negociações prévias, haviam participado pelo menos 1/3 do total dos créditos com direito a voto e, a final, o plano havia merecido a aprovação de mais de metade da totalidade dos votos emitidos.
1.3. - Finalmente, conclusos os autos para o efeito, veio o Exmº Juiz a quo a, por sentença de 21/6/2013, a proferir a decisão a que aludem os nºs 1 e 5, do artº 17-F, do CIRE, sendo o respectivo excerto/comando decisório do seguinte teor :
“III-Decisão
Pelas expostas razões, ao abrigo do disposto no artigo 215º, do CIRE, decide-se não homologar o plano de revitalização aprovado em relação à devedora S.., LD..
Custas pela devedora.
Registe e notifique “
1.4.- Notificada da sentença indicada em 1.3., a qual recusou a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização da devedora e que fora aprovado, e da mesma discordando, dela apelou - juntando documentos - então a devedora S.., LD., concluindo a instância recursória nos seguintes termos :
I. O Mm.o Juiz a quo pronunciou-se pela não homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Apelante, com fundamento na violação do Principio da Indisponibilidade do Crédito Fiscal e também pelo facto de a Segurança Social não ter dado a sua concordância ao referido plano,
II. A Apelante, não se conformando com a douta decisão, é do entendimento que o Tribunal recorrido fez errada análise ou interpretação da matéria de facto que sustentou a sua decisão, porquanto o Plano de Recuperação apresenta condições de pagamento ao Estado alinhadas com as normas fiscais aplicáveis a esta matéria ;
III. E ainda que assim não fosse, este Venerando Tribunal dispõe, agora, de novos documentos que importam uma decisão diversa quanto à apreciação da matéria de facto que sustentou a decisão recorrida, designadamente o pagamento do crédito da ISS,IP, pelo codevedor responsável.
IV. E diga-se ainda, sem prescindir, que o Tribunal recorrido faz uma errada aplicação do direito, porquanto é entendimento da Apelante que as normas fiscais em causa não têm carácter imperativo e, mesmo se o tivessem, a sua violação nunca poderia desencadear a não homologação do Plano de Recuperação aprovado pelos Credores da Apelante,
Com efeito,
V. Dispõe o n.º 1 do art. 17.o-C do CIRE que o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de que encetaram negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
VI. A proposta de pagamento dos tributos ao Estado, aliás como a dos demais credores, resultou, assim, de um processo negocial que a Apelante encetou com os seus credores, com vista à aprovação de um plano de recuperação.
VII. Foi nesse âmbito que a Fazenda Nacional, com excepção do ISS, IP, remeteu à Apelante comunicação, onde deu a conhecer as condições necessárias à emissão de voto favorável à aprovação do plano.
VIII. E, assim, face à posição assumida pela Fazenda Nacional, a Apelante veio, então, requerer a alteração do plano que se encontrava a negociar com os seus credores.
IX. Assim, o plano foi alterado no sentido de adequar a modalidade de pagamentos de tributos ao Estado, quer à Fazenda Nacional, quer à Segurança Social, ao previsto na legislação fiscal que regula esta matéria, designadamente, o disposto no art. 196.º do CPPT, sendo a sua redacção actual resultado dessa alteração.
X. A Segurança Social apesar de devidamente notificada do plano, quer da versão inicial, quer da versão final, não indicou ou sugeriu qualquer alteração ou levantou qualquer reserva à sua aprovação, tal como havia feito a Fazenda Nacional.
XI. Assim, foi este plano, que sujeito a votação foi aprovado pelos credores da Apelante.
XII. Contudo, a ISS, IP, emitiu voto desfavorável, tendo, solicitado a não homologação do plano aprovado com fundamento no perdão parcial de juros moratórios e de que o mesmo não previa a constituição de garantias idóneas e suficientes.
XIII. Mas, entende a Apelante que constam dos autos documentos, concretamente, o Plano de Recuperação, a proposta de alteração ao plano comunicada pela Fazenda Nacional, o requerimento de alteração ao plano apresentado pela Apelante e o voto final emitido pela Fazenda Nacional que, se analisados e interpretados correctamente pelo Tribunal recorrido, necessariamente importariam uma decisão da matéria de facto diversa à sustentada na sentença recorrida.
XIV. Aliás, os novos documentos apresentados pela Apelante referente aos créditos reclamados pela Fazenda Nacional e pela Segurança Social importam uma decisão diversa da matéria de facto que sustentou a sentença recorrida
XV. Na verdade, após a prolação da douta decisão em recurso, a administradora da Apelante e responsável subsidiário dos créditos reclamados nos autos pela ISS,IP, liquidou tais créditos, conforme documento n.º 1 junto.
XVI. Assim, face ao conhecimento superveniente destes documentos, encontra-se este Venerando Tribunal em condições de modificar a decisão da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido, o que a suceder, como deverá, certamente levará a decisão diversa da constante da sentença recorrida.
XVII. Quer pela actual inexistência do crédito reclamado pelo ISS,IP.
XVIII. Quer pela confirmada adequação da proposta de pagamento à Fazenda Nacional constante do plano aprovado pela Apelante, como se atesta pelo conhecimento superveniente dos documentos emitidos pelas entidades credoras.
XIX. O Tribunal recorrido considerou ainda, na sentença em recurso nestes autos, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art.º 215.º do CIRE, que a devedora aprovou junto dos seus credores um Plano de Recuperação cujo conteúdo viola normas de direito público e de natureza imperativa, que não podem ser afastadas pela vontade das partes, com fundamento na violação do Principio da Indisponibilidade do Crédito Fiscal, decorrente da actual redacção do art.30 º da Lei Geral Tributária, e também pelo facto de a Segurança Social não ter dado a sua concordância ao referido plano.
XX. Assim, sem prejuízo do acima alegado supra, é entendimento da Apelante que o Tribunal recorrido fez uma errada aplicação do direito, na interpretação que fez do âmbito de aplicabilidade do disposto no artº 30º da LGT, que consagra o Principio da Indisponibilidade do Crédito Fiscal, designadamente, na interpretação segundo a qual esta norma prevalece sobre qualquer legislação especial e, assim, também sobre a lei insolvencial.
XXI. Contudo, da redacção do art.º 30.º da LGT desde logo resulta que a Lei fiscal, tal como a Lei insolvencial, admite a redução e extinção de créditos fiscais.
XXII. Isto é, contrariamente ao entendimento firmado na sentença recorrida é possível a redução de créditos fiscais, desde que enquadrado num procedimento que respeite o princípio da legalidade e da igualdade.
XXIII. Na verdade, dispõe o art.º 192.0 do CIRE que o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de recuperação
XXIV. Dispõe, ainda, o art.196.0 do CIRE, que o plano de recuperação pode conter providências sobre passivo, nomeadamente, perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros.
XXV. Daí que, quer a lei fiscal quer a lei insolvencial admitem a redução ou extinção de créditos.
XXVI. A questão que se coloca é a de como articular os princípios da igualdade e da legalidade tributária, decorrentes do art.º 3.0 da LGT, com os princípios da universalidade e da igualdade de credores prevalecentes no regime insolvencial.
XXVII. Com a insolvência do devedor, temos, pois, a intervenção de um novo sujeito, ou conjunto de sujeitos, os credores do devedor, que vem alterar ou reconfigurar a anterior relação tributária estabelecida com a administração fiscal.
XXVII. Entramos, assim, no âmbito de uma nova relação, a relação concursal estabelecida entre o devedor e os credores no seu conjunto,
XXIX. A questão que se coloca é a da compatibilidade dos princípios da legalidade tríbutária e da igualdade, previstos na lei fiscal, e os princípios da universalidade e da igualdade de credores, prevalecente na lei insolvencial.
XXX. A resposta terá, necessariamente, de passar pela articulação destes princípios, isto é, pelo reconhecimento de que a obediência e o cumprimento destes princípios decorrerá da sua correcta adequação ao especifico momento da relação que é estabelecida entre os seus vários sujeitos e as respostas que cada corpo legislativo ou regulamentar possam dar nesse particular momento temporal.
XXXI. A alteração ou a reconfiguração da relação que se estabelece com a insolvência do devedor importa a aceitação de que os créditos sobre a insolvência possam ser objecto de tratamento previsto na lei, desta feita, da lei insolvencial, que admite, neste caso concreto, a redução dos créditos, perdão dos juros e moratórias.
XXXII. Em ambos os casos, na lei fiscal ou na insolvencial, a alteração do crédito resulta por via da lei.
XXXIII. Sendo inequívoco que a alteração da relação que se estabelece entre a administração fiscal e o devedor, pela intervenção de um novo sujeito, impõe que se aplique este ultimo regime.
XXXIV. Assim, é entendimento da Apelante que a eventual alteração dos créditos do Estado (ISS, IP) por via de um plano de recuperação aprovado no âmbito de um procedimento insolvencial/revitalização é admissível, porquanto tal alteração decorre da Lei, neste caso concreto, da lei insolvencial, por ser esse o instituto jurídico que melhor responde ao particular momento vivido pelo devedor, pelos novos sujeitos e novas relações que se criam e estabelecem com a insolvência, às quais a lei fiscal se encontra incapaz de responder .
XXXV. Aliás, a eventual alteração dos créditos do Estado resultante do plano que a Apelante aprovou, não decorreu da vontade arbitrária do devedor, mas sim da Lei que admitiu, e admite, tal redução.
XXXVI. Assim como da vontade dos demais credores que votaram favoravelmente à aprovação do plano.
XXXVII. O princípio da igualdade diz-nos que todos os cidadãos se encontram obrigados ao pagamento de impostos.
XXXVIII. Situações idênticas devem ser tratadas de forma idêntica e situações desiguais devem ser tratadas de forma desigual, isto é, o pagamento de impostos deve ser medida pela capacidade contributiva de cada um.
XXXIX. De igual modo, a lei insolvencial determina que os credores do devedor devem ser tratados em pé de igualdade, sem prejuízo de causas legítimas de preferência (principio par conditio creditorum) e que todos os credores e todos os bens do devedor devem ser submetidos a um mesmo corpo legislativo e a um mesmo juízo (principio da universalidade ).
XL. Decorre, por isso, do princípio da igualdade tributária que os contribuintes insolventes devem ser tratados e, se for o caso, diferenciados de acordo com a sua particular situação económica, neste caso, a sua particular incapacidade para solver pontualmente as suas obrigações.
XLI. Pelo que, o pagamento dos créditos de acordo com um plano que trata de forma igual todos os credores, sem prejuízo das causas legítimas de preferência, e segundo um mesmo instituto jurídico, a lei insolvencial, não viola o principio da igualdade tributária, que admite a aplicação de medidas diferenciadoras e excepcionais para o devedor em situação económica difícil ou de insolvência .
XLII. Isto é, existindo previsão legal que aceite e aplique medidas diferenciadores em face de uma particular e excepcional situação económica do devedor, como é a resultante da situação de insolvência, a liquidação do crédito fiscal por plano que contenha a redução/alteração desse crédito não viola o princípio da igualdade tributária que, na sua dimensão mais ampla, admite a aplicação de medidas diferenciadoras para situações excepcionais, como é o caso da situação económica em que a Apelante se encontra.
XLIII. Assim, o Plano de Recuperação aprovado pela apelante não viola o princípio da legalidade tributária e da igualdade, previstos no art. 30º da LGT, porquanto a existir redução/alteração do crédito tributário (que, reitera-se, a Apelante entende não existir) tal resulta da lei, neste caso a lei insolvencial, que trata e diferencia o devedor segundo a sua actual capacidade contributiva e de acordo com a sua particular e excepcional situação económica.
XLIV. Deste modo, entende a Apelante que o Tribunal recorrido fez uma errada aplicação do direito, na interpretação que fez do âmbito de aplicabilidade do disposto no art. 30º da LGT, que consagra o Principio da Indisponibilidade do Crédito Fiscal, designadamente, na interpretação segundo a qual esta norma prevalece sobre qualquer legislação especial e, assim, também sobre a lei insolvencial.
XLV. Por tudo isto, deverá a sentença recorrida ser declarada nula e substituída por outra que declare homologado o Plano de Recuperação aprovado pela Apelante.
XLVI. Entendeu ainda o Tribunal recorrido que o plano aprovado pela Apelante contém disposições que violam matéria de natureza fiscal, de carácter público e imperativo, recusando por isso, a sua homologação, com fundamento no disposto no nº1, do artº 215º do CIRE, decidindo não homologar o plano que a Apelante e os seus credores aprovaram.
XLVII. No entanto, e no entendimento da Apelante, uma vez mais, salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido decidiu mal.
XLVIII. O pagamento dos créditos do Estado por meio de um plano de recuperação aprovado pelos credores no âmbito de um procedimento insolvencial/revitalização (e, por isso, previsto na Lei), não violam os princípios da legalidade tributária e da igualdade, constantes no art.º 30.° da LGT, porquanto tais princípios se encontram respaldados nos princípios da universalidade e da igualdade de credores, ínsitos no CIRE.
XLIX. Contudo, a aceitar-se entendimento contrário (com o que se não concorda), a consequência não será necessariamente a não homologação do plano, mas antes a correcção do vício que inquine o plano e impossibilita a sua homologação por violação de normas legais de natureza pública e imperativa.
L. Dispõe o n.º1 do art.17.º C do CIRE que o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de que encetaram negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
LI. O plano de recuperação depois de elaborado e negociado é submetido a votação por escrito dos credores, que o podem aprovar, desde que verificado um duplo quórum constitutivo e deliberativo, tal como determina o art.º 212.° do CIRE, neste caso aplicável por força do n.º 3 do artº 17.0- F do mesmo diploma.
LII. O plano assim aprovado carecerá, ainda, de posterior homologação pelo Tribunal, nos termos do art.º 215.° e art.º 216.° do CIRE.
LIII. A aceitar-se o entendimento da indisponibilidade dos créditos fiscais (com o que se não concorda), então o plano aprovado pela Apelante conteria vícios que impedem a sua homologação, enquanto fonte constitutiva das alterações a introduzir nos créditos.
LIV. Acontece que, a ser assim, então o vicio constante no plano teria de ser suprimido, após o qual, estaria o plano em condições de ser homologado pelo Tribunal.
LV. Isto é, entendendo-se que os credores da Apelante votaram favoravelmente um plano que contem um vício que inquina todo o seu conteúdo, designadamente, pelo facto de o plano conter disposições que violam normas de natureza pública e imperativa, tal votação (ou declaração de vontade) é nula, nos termos do art.º 294.° do Código Civil.
LVI. Significa, então, que sendo a votação dos credores nula, por versar sobre um objecto contrário à Lei, a consequência necessária será a repetição do acto.
LVII. Deste modo, decidiu mal o Tribunal recorrido ao considerar que padecendo o plano aprovado pela Apelante de vício quanto à previsão de pagamento dos créditos fiscais, por violar normas de carácter público e imperativo que regulam esta matéria, tal desencadearia a sua não homologação, quando a decisão que se imporia seria a repetição da votação dos credores da Apelante, por esse acto se revelar nulo por versas sobre matéria contrária à Lei, nos termos do artº 295º, do Código Civil.
Nestes termos, e nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V/Exas. Deverá o presente recurso merecer provimento, e assim :
a. - Revogar-se a sentença recorrida, sendo substituída por outra que homologue por outra que homologue o Plano de Recuperação que a Apelante aprovou junto dos seus credores ;
b. - No caso de assim se não entender, que seja então declarada nula a sentença em recurso, ordenando-se ao Tribunal a quo que proceda a nova votação do Plano.
1.5.- Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6.- Proferido despacho (a 14/10/2013) de admissão dos documentos apresentados pela apelante juntamente com as alegações, e satisfeito o contraditório, nada foi dito pelo Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Braga.
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1.7.- Objecto da apelação
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil - com as alterações introduzidas pelo DL nº 303/07, de 24 de Agosto - revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho - cfr. artº 7º, nº1, deste último diploma legal ), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
a) Qual questão prévia, decidir se os documentos que a recorrente juntou ao processo aquando da apresentação das alegações da apelação, e que , por despacho do Relator - de 14/10/2013 - foram mantidos nos autos, importam uma decisão diversa da matéria de facto que sustentou a sentença recorrida, estando portanto o ad quem em condições de modificar a referida decisão, e , em consequência, alterar a decisão/ sentença recorrida.
b) Aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao proferir decisão de não homologação do plano de recuperação da devedora.
c) Decidir se, existindo fundamento legal que “obrigava” à não homologação do plano de recuperação da devedora, impunha-se que o a quo tivesse determinado que fosse ele sujeito a uma nova votação, e após a remoção do vício que impedia a respectiva homologação inicial.
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2.Motivação de Facto.
I - Do processado nos autos de onde emerge a apelação sob sindicância, resulta, designadamente, o seguinte Iter processual relevante para a decisão recursória :
2.1.- S.., LDª, em Outubro de 2012, deu inicio, no Tribunal Judicial de Braga, a processo especial de revitalização (PER), comunicando, ao abrigo do disposto nos arts. 1º, nº2 e 17º-C do CIRE ( com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril), a pretensão de iniciar negociações com os respectivos credores, e , concomitantemente, requereu a nomeação de um administrador judicial provisório;
2.2.- Instruído o processo, foi proferido pelo Exmº Juiz titular despacho que, para além do mais, nomeou administrador judicial provisório, por decisão de 29/10/2012 ;
2.3.- Reclamados os créditos e elaborada a lista provisória de créditos, foi a mesma apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius;
2.4.- Em 28 de Março de 2013, foi junto aos autos o plano de recuperação de S.., LDª, informando o Administrador judicial que havia sido ele aprovado por uma maioria de credores de 96,28 % ;
2.5.- Do plano indicado em 2.4. constam, além do mais, e no tocante às Providências com incidência no passivo, as seguintes medidas :
Relativamente ao Estado:
A1) Instituto da Segurança Social
a. Pagamento de 100 % dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza e de 20 % dos juros de mora vencidos (o perdão de juros é imprescindível à viabilização da empresa), em 150 prestações mensais de igual valor, com início 30 dias após o trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação;
b. Perdão de 80 % dos juros vencidos e relacionados com créditos constituídos ou vencidos até ao final da data fixada para a reclamação de créditos.
A2 ) Fazenda Nacional
c) Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza e de 20 % dos juros de mora vencidos (o perdão de juros é imprescindível à viabilização da empresa), em 120 prestações mensais de igual valor, com início 30 dias após o trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação ;
d) Perdão de 80 % dos juros vencidos e relacionados com créditos constituídos ou vencidos até ao final da data fixada para a reclamação de créditos.
2.6.- O plano indicado em 2.4., em sede de votação por escrito, veio a obter os seguintes resultados: Votos a Favor: 96,28 % ;
2.7.- Por requerimento de 10/4/2013 veio o Ministério Público informar que a requerida S.., LDª , já não era devedora de uma qualquer quantia à Fazenda Nacional ;
2.8.- Por requerimento de 18/4/2013 veio o ISSocial,IP/Centro Distrital de Segurança Social de Braga impetrar a não homologação do plano de recuperação com vista à revitalização de S.., LDª ;
2.9.- Da lista provisória de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório a que alude o artº 17º-D,nº2, do CIRE, consta - a fls. 131 - a indicação de um no valor total de € 3 981,90 ( € 3 819,43 de capital e € 162,47 de juros ) e pertencente ao Centro Distrital da Segurança Social de Braga;
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II - Factos considerados provados pelo tribunal ad quem.
Considerando o disposto no artº 659º, nº3, ex vi do artº 713º,nº2, todos do Código de Processo Civil e não olvidando o princípio da aquisição processual plasmado no artº 515º do referido diploma legal, com base essencialmente no teor dos documentos juntos aos autos pela apelante juntamente com as alegações, e satisfeito que foi o contraditório, impõe-se ainda atentar na seguinte factualidade provada :
2.10.- Em 10/7/2013, a apelante S.., LDª, procedeu à entrega ( em numerário ) na tesouraria da Segurança Social da quantia de 533,82 €, com vista ao pagamento de créditos liquidados pelo Instituto da Segurança Social, IP ( cfr. docs de fls. 402 , 403 e 404 verso ) ;
2.11.- Em 10/7/2013, a apelante S.., LDª, procedeu à entrega ( em numerário ) na tesouraria da Segurança Social da quantia de 800,73 €, com vista ao pagamento de créditos liquidados pelo Instituto da Segurança Social, IP ( cfr. docs. de fls. 403 verso, 405, 402 verso e 404 );
2.12.- Em 10/7/2013, a apelante S.., LDª, procedeu à entrega ( em numerário ) na tesouraria da Segurança Social da quantia de 3.565,65 €, com vista ao pagamento de créditos liquidados pelo Instituto da Segurança Social, IP ( cfr. docs. de fls. 405 verso, 408, 406, 407 verso , 407 e 406 verso )
3 - Motivação de Direito
3.1.- Qual questão prévia, se a “factualidade” [ resultante dos documentos que a recorrente juntou ao processo aquando da apresentação das alegações da apelação, e que , por despacho do Relator - de 14/10/2013 - foram mantidos nos autos ] vertida nos itens 2.10 a 2.12 da motivação de facto importa necessariamente a alteração da decisão/ sentença recorrida.
Tendo presente a posição que pelo Relator e Exmºs Adjuntos foi já perfilhada por este Tribunal no tocante ao thema decidendum que integra o núcleo central do objecto da presente apelação [ questões enunciadas sob as alíneas b) e c) do item l.7 do presente Acórdão ], e a qual mostra-se explanada no recente Acórdão de 23/4/2013 (1), sendo ela a que perfilha o entendimento de que, após as alterações legais introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, no artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível, sem que o Estado o tenha votado favoravelmente, homologar um PER que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos da segurança social, pois que, em rigor, integra então um tal plano um conteúdo e/ou providência com incidência no passivo do devedor que implica a violação de preceitos legais imperativos, o que obriga à recusa oficiosa da sua homologação ( cfr. art. 215.º do CIRE), difícil não é conjecturar qual o desfecho que a final mereceria a instância recursória .
Ou seja, no seguimento da posição vertida no referido Acórdão deste tribunal, e não olvidando, como bem se nota no Acórdão do STJ de 10/5/2012 (2), que os créditos da Segurança Social são créditos de natureza tributária, assumindo a natureza de impostos especiais, tese que de resto foi desenvolvida a partir do acórdão nº 363/92, de 12 de Novembro de 1996, do Tribunal Constitucional ( D.R.II Série, de 8 de Abril de 1993), em razão da “factualidade” inserta nos itens 2.5., 2.8. e 2.9., todos da motivação de facto do presente Acórdão, tudo apontaria prima facie para a prolação de decisão de confirmação da sentença apelada, nada obstando sequer a que revestisse ela a forma sumária a que alude o artº 705º, do CPC.
Sucede que, tendo presente a factualidade vertida neste Acórdão nos respectivos itens 2.10 a 2.12, tudo obriga a concluir que, posteriormente à prolação pelo a quo da sentença apelada, procedeu a apelante à regularização do seu passivo perante a Segurança social, tendo designadamente efectuado o pagamento do crédito [ no valor total de € 3 981,90 ( € 3 819,43 de capital e € 162,47 de juros ) ] que fora incluído na lista provisória de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório e a que alude o artº 17º-D,nº2, do CIRE.
Na sequência do acabado de expor, temos assim que, antes de mais, importa questionar se “lícito” é ao ad quem socorrer-se da referida factualidade - porque posterior à prolação da sentença apelada -, para, com base nela, fundamentar a prolação de uma decisão de revogação da sentença apelada.
Vejamos.
A questão ora em análise entronca directamente com a discussão, que já vem de há muito, da possibilidade de o tribunal de recurso poder conhecer, em sede de instância recursória, de factos essenciais supervenientes que se relacionam directamente com o respectivo mérito.
É que, como é consabido, e como de resto é jurisprudência praticamente uniforme do STJ (3) “ (…) sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).”
Dir-se-á que, alinhando o nosso direito adjectivo com o modelo que circunscreve a função do recurso ordinário à mera reapreciação de uma decisão recorrida , sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que não o de reexame, limitando-se portanto o tribunal de recurso a “reponderar” a decisão recorrida tal como foi ela proferida e com base no acervo fáctico em que assentou a mesma decisão, o que interessa para o ad quem é aferir tão só da correcção [ o recurso não serve para conhecer de novo da causa, mas tão só para exercer o controlo da decisão recorrida ] da decisão do a quo e em face do acervo fáctico com base no qual decidiu. (4)
E, assim sendo, daí a “inutilidade/irrelevância” para o ad quem dos factos “supervenientes” à decisão recorrida [ rectius de novos factos, ou de factos não conhecidos pela primeira instância ], ou seja, e socorrendo-nos agora de Castro Mendes (5), se “ o objecto do recurso é julgar se a decisão proferida foi justa ou injusta, então não interessa senão comparar a decisão com os dados que o juiz decidente possuía. Se o Juiz não se podia servir de certo facto extintivo, e por isso condenou, condenou bem ; o tribunal superior deve declarar que condenou bem, e negar-se a revogar a condenação “.
Sucede que, e como bem nota Nuno Andrade Pissarra (6), nada impede - em face do CPC - que o tribunal da Relação, ainda que não haja acordo das partes, atenda - quando aprecia o recurso de apelação - aos factos supervenientes invocados até ao termo do prazo para a apresentação das alegações, desde que, tendo sido assegurado o contraditório, a parte que os invoca tenha agido de boa fé, e da alegação e do seu conhecimento não resulte perturbação inconveniente para o julgamento do pleito. (7)
Desde logo, como lucidamente refere Nuno Andrade Pissarra (8), porque no artº 713º, nº2, do CPC, que precisamente alude à elaboração do acórdão pela Relação, remete o legislador para a aplicação do preceituado nos artigos 659.º a 665.º do Código de Processo Civil, ou seja, “obriga” [ o que ocorre com o CPC actualmente em vigor, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , tal como que resulta da remissão que o nº2, do artº 663º faz para o artº 611º ] o tribunal ad quem a atender em sede de decisão aos factos supervenientes ao encerramento da discussão em primeira instância, abrindo assim uma excepção ao principio da reponderação.
Depois, porque em sede de disciplina da junção de documentos com as alegações ( no artº 693.º-B , do CPC), ao referir-se às situações indicadas no art. 524.º do Código de Processo Civil, abrangendo assim quer a do respectivo nº1, quer a do nº2, tal equivale a dizer que se prevê a possibilidade de a parte recorrente poder juntar um documento com as alegações com vista à prova de factos articulados em recurso (isto é, os ocorridos ou desculpavelmente conhecidos depois de encerrada a discussão na primeira instância).
Reconhecendo-se, é inquestionável, estar-se na presença de verdadeira vexata quaestio aquela que - na doutrina e jurisprudência - discute a admissibilidade de alegação e consequente conhecimento de factos essenciais supervenientes em sede de recurso [ sinteticamente, dir-se-á que (9), sendo alguma jurisprudência, ainda que maioritária, contrária a tal possibilidade - v.g. os Acs. do STJ de 28/1/1989, de 20/8/2000 e de 26/5/2009 , todos in http://www.dgsi.pt - , outra porém já a admite - v.g. os Acs. do STJ de 15/12/1983 e de 15/3/2007, ambos in http://www.dgsi.pt , o mesmo sucedendo com a doutrina, que igualmente se mostra dividida (10) , pugnando v.g. o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (11) que “nos recursos ordinários, pode ser alegado um facto superveniente e apresentada a respectiva prova documental, tanto quando aquele facto e esta prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação” ] , temos para nós que nada na Lei adjectiva afasta expressis verbis tal possibilidade, antes mostra-se ela inequivocamente viabilizada pelo nº2, do art. 713.º, do CPC.
Ademais, como bem nota Nuno Andrade Pissarra (12), não apenas o sistema de recursos ordinários do Código de Processo Civil não se fecha completamente à consideração de novos factos ( v.g. no tocante aos factos de conhecimento oficioso e aquando da alteração do pedido e da causa de pedir por acordo, cfr. artº 272º,do CPC) pela 2ª instância, não sendo assim a não consideração de factos supervenientes na instância recursória uma regra absoluta ( não sendo o sistema recursório nacional de pura reponderação ), como por outra banda o principio da estabilidade da instância ( artº 268º, do CPC) admite outrossim excepções, nada impedindo que caso a caso deva antes dar-se prevalência ao principio da economia processual e desde que a alteração da instância não perturbe “inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito” ( cfr. artº 272º, do CPC).
Perfilhando-se portanto o entendimento de Nuno Andrade Pissarra, dir-se-á que, desde que observados os principio do contraditório e da boa fé [ este último, estando relacionado essencialmente com a autenticidade da superveniência dos factos, ter-se-á como verificado quando na presença, v.g., de factos objectivamente supervenientes ], e desde que não perturbe “inconvenientemente” o “julgamento” da instância recursória [ v.g. quando se prova facilmente por documento não impugnado os novos factos alegados ], e se alegados outrossim até ao termo do prazo para a apresentação das alegações [ cujas conclusões, recorda-se, delimitam o objecto do recurso , cfr. arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º1, do Código de Processo Civil ], “nenhum obstáculo se põe ao conhecimento dos factos constitutivos supervenientes alegados pelo autor e , bem assim, dos factos impeditivos, modificativos e extintivos supervenientes alegados pelo réu” em sede de julgamento pela 2ª instância de recurso interposto. (13)
É assim que, e socorrendo-nos agora de Teixeira de Sousa (14), nada obsta portanto a que, nos recursos ordinários, possa ser alegado um facto superveniente e apresentada a respectiva prova documental, “(…) tanto quando aquele facto e esta prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação", e no último caso, importa realçar, não obstante a decisão revogada se mostrar correcta em face dos elementos apurados em primeira instância - obviamente pelo tribunal a quo.
Em suma, tal como sustenta Cardona Ferreira (15), sendo o sistema recursório português basicamente de reponderação, tal não veda ao ad quem a possibilidade de um conhecimento “actualístico de factualidade desde que seja conveniente e, decerto, respeitadora de todos os pressupostos da superveniência e de relevância exigidos pelo artº 663 “ , e , ademais , “o principio da utilidade implica a possibilidade de conhecimento fáctico no decurso do processo na base do regime emergente do artº 663 “.
Aqui chegados, e analisando a sentença recorrida, descobre-se nela que a ratio que conduziu ao respectivo comando decisório de não homologação do plano de revitalização aprovado em relação à devedora/apelante S... LD., ficou a dever-se ao facto de no que tange às providências com incidência no passivo relativas ao Estado e, concretamente, no que tange aos créditos do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, ter sido aprovada uma providência que “apontava” para o pagamento de 20% [ existindo assim o perdão de 80% dos juros vencidos e relacionados com créditos constituídos ou vencidos até ao final da data fixada para a reclamação de créditos ] dos juros de mora vencidos ( com o pretexto de o perdão de juros ser imprescindível à viabilização da empresa), e , outrossim, para o pagamento dos créditos em causa em 150 prestações mensais de igual valor.
Em rigor, em razão de prever o plano aprovado pelos credores concretas moratórias e a possibilidade do pagamento fraccionado de crédito da Segurança Social em nº de prestações superior ao legalmente admissível (12 anos e 6 meses anos - cfr. art. D 196. D, do CPPT), e , bem assim, contemplar ainda o perdão de juros, concluiu ( e bem ) o tribunal a quo que a proposta em causa violava o disposto nos artºs 30.º n.º s 2 e 3 , e 36.° n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT) (também aplicável às obrigações contributivas da Segurança Social), sem prejuízo da sua especialidade, por força do disposto nos seus art.ºs 1º e 3.º, n.º 2, assim como o disposto no art.º 196.º n.ºs 1 e 5 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), e o preceituado nos art.ºs 1 e 2 do DL 441/91, de 17 de Outubro, ou seja, violava tal Plano normas de direito público e de natureza imperativa.
E, em consonância , partindo do pressuposto ( correcto) de que o artigo 215.°, do CIRE, não consente a homologação parcelar em que se traduziria a homologação com declaração de ineficácia em relação a determinados credores, como, ademais, a própria solução em apreço encerra em si uma violação do princípio “par conditio creditorum”, dado que a homologação do plano nestes termos atentaria contra o tratamento igualitário de todos os credores da devedora, decidiu-se ( e com acerto ) a primeira instância pela não homologação do plano de revitalização aprovado.
Sucede que, como resulta dos factos ( novos) que constam dos itens 2.10. a 2.12 da motivação de facto do presente Acórdão, o crédito da Segurança Social que iria beneficiar de tratamento privilegiado [ no pagamento em prestações e com o perdão de juros ] , veio posteriormente à sentença do a quo a ser in totum liquidado/pago pela requerente/devedora, o que equivale a dizer que deixou o plano de revitalização aprovado de ter por objecto um qualquer crédito do Instituto de Segurança Social ,IP, não podendo ele - o Plano - em rigor e a fortiori , de implicar a derrogação de normas de direito público e de natureza imperativa no que ao respectivo pagamento/regularização concerne.
Destarte, no seguimento do defendido por Teixeira de Sousa, temos assim que , em razão de um novo facto superveniente e apresentada que foi a pertinente e respectiva prova documental, obriga ele à “revogação" da sentença apelada, e isto, sublinha-se, não obstante a decisão revogada se mostrar correcta em face dos elementos apurados em primeira instância .
Em conclusão, em face de tudo o supra exposto, ainda que tendo decidido bem, a apelação deve merecer provimento, pois que, nada impede a homologação do plano de revitalização aprovado.
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4.- Sumariando .
I - Após as alterações legais introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, no artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível, sem que o Estado ( a Fazenda Nacional e/ou a Segurança Social) o tenha votado favoravelmente, homologar um plano de revitalização que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos de natureza tributária .
II - Destarte , desde que não aprovado com o voto favorável da entidade Pública credora, e porque em rigor integra um tal plano um conteúdo e/ou providência com incidência no passivo do devedor que implica a violação de preceitos legais imperativos, tal obriga inevitavelmente à recusa oficiosa da sua homologação pelo Juiz ( cfr. art. 215.º do CIRE).
III - Não obstante, se após a prolação de sentença de não homologação , o devedor liquida o crédito de natureza tributária da entidade Pública credora e, qual facto superveniente, invoca e prova tal pagamento documentalmente, fazendo-o em sede de instância recursória e até ao termo do prazo para a apresentação das alegações, nada obsta já à homologação do plano de revitalização aprovado.
IV - Na sequência do referido em III, e porque nada impede que nos recursos ordinários possa ser alegado um facto superveniente e apresentada a respectiva prova documental, e quer quando tal facto e a referida prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação , deve então o ad quem julgar a apelação procedente , e , revogando a sentença apelada, homologar o plano de revitalização aprovado .
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5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , na sequência do provimento da apelação interposta por S.., LD:
5.1.- Revogar a decisão impugnada ;
5.2.- Homologar o plano aprovado de recuperação conducente à revitalização da devedora/apelante, devendo ele produzir os devidos efeitos legais.
Custas da apelação a cargo da recorrente [ por aplicação analógica e com as devidas adaptações do principio subjacente ao comando dos nº 3 e 4, do artº 450º, do CPC ] .
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(1) Cfr. Ac. do TRG de 23/4/2013, Proc. nº 2848/12.4TBGMR.G1, e disponível in http://www.dgsi.pt..
(2) Proferido no Processo nº 368/10.0TBPVL-D.G1.S1, sendo Relator Álvaro Rodrigues e disponível in http://www.dgsi.pt.
(3) Cfr. v.g. o Ac. de 28.05.2009 , proc. nº 160/09.5YFLSB e disponível in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81 .
(5) In " Recursos ", edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e segs.
(6) No excelente trabalho/estudo publicado na Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Lisboa, Ano 72 , Nº1, (Jan.-Mar.2012), págs. 287-334, sob o título de “O CONHECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES RELATIVOS AO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL DE RECURSO EM PROCESSO CIVIL “.
(7) Cfr. Nuno Andrade Pissarra, ibidem, pág. 334.
(8) Ibidem, pág. 325 e segs..
(9) Cfr. nota de rodapé 327 inserta em Recursos do Novo Código de Processo Civil, de António Santos Abrantes Geraldes, Almedina, 2013.
(10) Alinhando pela solução afirmativa v.g. os Profs. José Alberto dos Reis e Teixeira de Sousa, e os Cons. Amâncio Ferreira e Cardona Ferreira e, pela tese negativa, os Profs. Castro Mendes e Lebre de Freitas, e com os argumentos, uns e outros, devidamente enunciados no estudo já citado de Nuno Andrade Pissarra, ibidem, pág. 304 e segs..
(11) In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág.457 .
(12) Ibidem, págs. 318 e segs..
(13) Ibidem, pág. 334.
(14) Ibidem, pág. 457
(15) In Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª ed., Coimbra, 2010, pág.s 142 e 187.
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Guimarães, 25/11/2013
António Manuel Fernandes dos Santos
António Manuel Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Oliveira Duarte