Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
261/13.5GBGMR.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Os factos que não constam do elenco dos factos provados e não provados da sentença não podem ser objeto de impugnação ampla da matéria de facto em recurso interposto para a relação.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
JOSÉ C... veio interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artºs 292º, nº1, e 69º, nº1, al. a), do CP, o condenou nas penas de 6 meses de prisão, a cumprir em dias livres (36 períodos com início às 9h de sábado e termo às 21h de domingo), e 1 ano de proibição de conduzir veículos motorizados.
O arguido expressa as seguintes “conclusões Dificilmente se pode considerar revestir a natureza de “resumo das razões do pedido” (artº 412º, nº1, do CPP) um texto dividido em 36 itens, com uma extensão aproximada à da própria Motivação – cf fls. 51-61.:
1.A matéria de facto em que assentou a douta decisão recorrida é manifestamente insuficiente para fundamentar a aplicação de uma pena privativa da liberdade ao arguido.
2. Por outro lado, da prova produzida em julgamento resultaram evidenciados factos que o douto Tribunal a quo não considerou provados nem valorou na decisão proferida a final, e que, levados em conta impõem necessariamente uma decisão diversa, a saber:
- o arguido manifestou sincero arrependimento pelos factos cometidos,
- que o arguido confessou os factos da acusação manifestando uma atitude colaborante e decisiva para a descoberta da verdade material.
- que o arguido conduzia numa estrada secundária, quase sem trânsito automóvel.
- que no estado de embriaguez apenas percorreu uma distância de dezenas de metros, a distância que separava o local onde bebeu e a sua residência.
- que o arguido conduzia num perfeito domínio dos seus sentidos, de forma regular e sem ter colocado em perigo a segurança rodoviária e a integridade física de terceiros.
3. Os factos em causa integram-se num dos núcleos do artigo 124º do C.P.P. e, provados, interessam para a boa decisão da causa.
4. O douto Tribunal a quo deveria ter incluído tais factos na matéria de facto provada pela sua relevância para a decisão.
5. Tais factos resultaram inequívocos quer das declarações prestadas pelo arguido que sempre se manifestou de forma colaborante, sincera e coerente,
6.Quer ainda das declarações do agente da GNR que os confirmou integralmente.
7. A sentença recorrida, enferma, pelo exposto, de um erro de julgamento pois que, tais factos, perante a prova produzida, deveriam ter sido considerados provados.
8. Certo é também que o douto Tribunal a quo não só não levou em conta os factos supra expostos, mas também ignorou a própria confissão integral e sem reservas do arguido.
9.Por outro lado, também deveriam ter sido investigados, e considerados pelo Tribunal a quo, factores relativos à personalidade do agente que sempre revelam para a medida da pena, podendo ser valorados positivamente na formulação de um juízo atenuante das exigências de prevenção.
10. Os elementos probatórios constantes dos autos impunham uma decisão diversa, e nomeadamente, quanto à matéria de facto dada como provada, devendo nela ser incluídos os factos supra referidos.
11. A decisão em crise, omitindo na matéria de facto provada e não provada quer o arrependimento sincero quer as demais circunstâncias atenuantes que resultaram a favor do arguido recorrente da audiência de julgamento, agride a disciplina dos artigos 71º, 72º, n.º 2 alínea c) apresentando-se por isso viciada nos termos do artigo 412º alínea a) b) c).
12. Pelo exposto, deve a douta decisão em crise ser revogada e substituída por outra que, tomando em consideração os factos supra expostos, aplique ao arguido uma pena de multa.
DO DIREITO
13. O crime pelo qual o arguido vem condenado é punido, em abstracto, com pena de prisão ou pena de multa, enquadrando-se na denominada pequena criminalidade. Cfr. Disposto no artigo 292º nº 1 do Código Penal.
14. Tendo em conta o acima exposto quanto á matéria de facto e, nomeadamente, a ausência de valoração daquelas circunstâncias atenuantes, a douta fundamentação da sentença recorrida é inaplicável in casu pelo facto de resultar viciada a operação de determinação e escolha da medida da pena.
15. Bem assim, a matéria de facto dada como provada e tida em consideração pelo Mm.º Juiz a quo é manifestamente insuficiente para justificar a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
16. Ademais, a consideração daqueles concretos pontos de facto não valorados, impunha, de igual modo, decisão diversa.
17. A pena de prisão aplicada ao arguido é excessiva e desajustada.
18. A pena privativa da liberdade é a última ratio da política criminal e é determinada tendo em vista necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização que, como infra se demonstrará, não cabem no caso concreto. Cfr. Artigo 40° do C.P.
19. No entanto, o Mmo.Juiz a quo determinou a culpabilidade do arguido unicamente com base na consideração dos seus "antecedentes criminais" , procurando justificar desse modo uma decisão exacerbadamente punitiva e que não encontra arrimo nas necessidades de prevenção geral e especial nem tão-pouco nos princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade.
20. Naquilo que diz respeito à execução do facto tido como ilícito sempre se dirá que a consciência da ilicitude está deveras esbatida, pois que o Arguido conduzia o seu veículo numa estrada secundária de reduzido, ou até nenhum movimento/trânsito, não colocando por isso em perigo a vida de terceiros.
21. Por outro lado, é certo que também a pouca distância que separa a residência do arguido (para onde este se dirigia) e o café onde esteve e acabou por beber um ou dois copos de vinho, e o perfeito domínio dos sentidos pelo arguido, são sintomáticos de uma consciência da ilicitude quase inexistente.
22. Bem assim, o douto Tribunal a quo não se socorreu de elementos essenciais à determinação daquela pena, tais como sej a solicitar a elaboração de relatório social ou aos serviços de reinserção social, nos termos do disposto no artigo 370º do CPP, não podendo, por isso, considerar que as exigências de prevenção especial e de ressocialização sejam tão elevadas que imponham, por si só, a preterição da regra do artº 70° do CP.
23. Para que a pena ditada pudesse impor-se nos termos legais era necessário que Tribunal a quo que fizesse uso dos seus poderes de investigação oficiosa com vista a munir-se de elementos necessários para fundamentadamente decidir-se pela aplicação de uma pena privativa da liberdade, e assim ponderar, as concretas finalidades de prevenção especial que ao caso se impunham.
24. Sendo certo que, a personalidade do agente é um factor da mais elevada importância para a medida da pena, relevando tanto para determinar culpa como para determinar as exigências de prevenção prevenção.
25. Quanto a isto sempre se dirá que o arguido apenas tem dois crimes no seu registo criminal, sendo que um deles foi praticado há mais de 5 anos e outro é de natureza diferente.
26. De todo o modo, os antecedentes criminais do Arguido não permitem, de modo algum, extrair as gravosas consequências que o tribunal extraiu nesta sede, até porque o arguido apenas tem dois crimes no seu registo criminal, um deles praticado há mais de 5 anos e outro de natureza diferente.
27. A existência de condenações anteriores do agente só devem surgir como agravantes na medida em que essas condenações possam ligar-se ao facto praticado e constituir indice de uma culpa mais grave, o que não sucede in casu, tendo em conta os factos relatados supra.
28. Na operação da escolha e determinação da medida da pena concretamente aplicável, o douto Tribunal a quo parece ter-se olvidado ainda da circunstância da confissão e do arrependimento sincero do arguido, que necessariamente tem de ser levada em consideração e valorada positivamente.
29. O Tribunal ignora ainda outros elementos relevantes como sejam a idade o arguido, que aos 61 anos de idade e com um passado pautado por um comportamento exemplar, socialmente bem inserido e respeitado não releva obviamente necessidades de prevenção especial que justifiquem a medida adoptada.
30. Ao não fazê-lo, o douto Tribunal a quo fez tábua rasa dos critérios legais orientadores da escolha e medida da pena, conforme os artigos 70° e 71° do C.P.
31. Resultam a favor do arguido recorrente circunstâncias atenuantes que não foram tidas em conta pelo douto Tribunal a quo.
32. Aliás, a pena adoptada parece até, face à factualidade supra narrada, ter um efeito contraproducente, estigmatizando de forma desproporcional o arguido, sancionado-o com uma pena bem superior à sua falta, numa desproporcionalidade que não se pode aceitar.
33. A leitura conjugada dos artigos 43° n.º1, 70 n.º 1, e 71 ° n.°1 permite retirar a ilacção que só nos casos de absoluta necessidade de realizar necessidades de prevenção especial é que o Julgador pode determinar a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
34. Pela prova produzida nos autos, sempre o Tribunal poderia e deveria ter optado pela aplicação de uma pena de multa,
35. Pois ela será suficiente para realizar de uma forma adequada as finalidades da punição, não afectando, de forma alguma, as exigências de prevenção de futuros crimes.
36. Assim se conclui que, a decisão em crise, omitindo na matéria de facto provada quer o arrependimento sincero quer a confissão do arguido, quer as demais circunstâncias supra elencadas agride a disciplina dos artigos, 40º, 43°, 71°, 72° n.° 2 alínea c) apresentando-se viciada nos termos do artigo 412° alínea a) b) e c).
O Ministério Público respondeu no sentido da manutenção da decisão recorrida.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto aderiu àquela posição, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.

II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
As questões suscitadas:
1ª) os vícios do artº 410º, nº2 Número sempre omitido, quer na Motivação quer nas Conclusões., als. a), b) e c), do CPP Diploma também omitido pelo Recorrente.;
2ª) a impugnação da matéria de facto;
3ª) a escolha da pena principal.

2. A DECISÃO RECORRIDA.
Os excertos que ora relevam apresentam o seguinte teor:
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1) No dia 12 de Abril de 2013, pelas 19H38, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula 76-08-..., ligeiro de passageiros, na Rua G..., Guimarães, via pública, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa da álcool no sangue de 2,23 g/I;
2) O arguido tinha perfeito conhecimento de que, por força da quantidade de álcool ingerido também não estava em condições de exercer a condução e que apresentaria uma taxa igual ou superior a 1,20 g/I;
3) O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, ao conduzir o veículo ligeiro de passageiros identificado nos autos depois de ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que estas lhe poderiam determinar, como determinaram, uma taxa de álcool no sangue de 2,23 g/I, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
4) O arguido é casado e vive com a esposa, doméstica em casa própria; aufere uma reforma de €378,00 mensais.
5) O arguido tem a 4.ª classe e já sofreu as seguintes condenações:
• Proc. 258/09.0GTBRG - 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 03/07/09, condenado, por decisão de 06/07/09, transitada em 05/08/2009, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de C5,50;
• Proc. 525/10.0GBGMR - 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pelo crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogo, praticado em 28/04/2009, condenado, por decisão de 30/05/2011, transitada em 29/06/2011, na pena de 30 meses de prisão, suspensa por 30 meses;
(…)
4 - Da escolha e medida da pena:
Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, determinemos a medida e natureza da pena a aplicar-lhe.
Nos termos do art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal, o crime em causa é punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
Impõe o art.º 70.º do Código Penal que existindo alternativa entre medida privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso concreto, tendo em conta as condenações anteriores do arguido, uma pela prática do mesmo crime, em penas de multa e de prisão suspensa, resulta evidente que tais condenações não impediram que o arguido não voltasse a delinquir e comportar-se conforme ao direito, resultando que uma pena de multa não satisfaz as finalidades da punição, pelo que se opta por pena detentiva.
Cumpre, então, atentos os factores a que alude o art.º 71.º do Código Penal, proceder à determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, que terá se fazer, nos termos do referido preceito, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, servindo como factores de doseamento da pena as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do agente. Assim, há que atender que o grau de ilicitude do facto é elevado, tendo agido com dolo directo, bem como os seus antecedentes criminais, tendo já sofrido uma condenação pela prática do mesmo crime e ter praticado os presentes factos em período de suspensão de pena de 30 meses de prisão, com a condição de se submeter a tratamento à dependência do álcool.
Assim, considera-se adequada a pena de 6 meses de prisão, a qual, atentas as razões já aduzidas entendemos que não pode ser substituída por multa ou por prestação de trabalho, ou mesmo suspensa, já que a suspensão anterior não teve o condão de fazer com que o arguido arrepiasse caminho e deixasse de persistir na prática de crimes.
Porém, estabelece o art.º 45.º do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, que não deva ser substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, é cumprida em dias livres, sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Trata-se também aqui de um poder-dever que o tribunal tem de utilizar. Tem em vista esta disposição legal atenuar os efeitos perniciosos de uma curta pena de cumprimento continuado e furtar o delinquente à contaminação do meio prisional e impedir que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais e profissionais. Para além da eficácia intimidativa, tem como vantagem a circunstância de preservar a família do condenado de consequências gravosas, nomeadamente a nível económico.
Ora, tendo em conta a pena de 6 meses de prisão, mostra-se preenchido o pressuposto formal constante do referido art.º 45.º. Resulta dos autos que a esposa do arguido se encontra desempregada, sendo o arguido, praticamente o único sustento da família, pelo que a aplicação desta pena não o impedirá de conservar o seu emprego, bem como a prover ao sustento da sua família, já que tal pena se cumpre ao fim-de-semana.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. Os vícios
Entende o Recorrente que a sentença se “apresenta viciada nos termos do artº 412º alínea a) b) e c)”.
Estatui o artº 410º, nº2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.”
De acordo com o disposto no corpo da norma transcrita, tais vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora, analisado o texto da sentença, é evidente que se não verifica nenhum dos pretendidos vícios.
Nem o Recorrente os fundamenta adequadamente: no que concerne aos das als. b) e c) do nº2 do artº 410º do CPP, nada diz; e relativamente ao da al. a), o que efectivamente pretende é a ampliação da matéria de facto provada, fazendo apelo à prova produzida na audiência de julgamento.
Aliás, a própria posição do Recorrente parece ser, quanto ao vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, contraditória: se, por um lado, entende que os elementos já recolhidos em audiência (declarações do próprio, depoimentos do elemento da GNR e testemunha João Na acta da audiência de julgamento, identificada como “José A… F…” – v. fls. 30. F…) são de molde a provocar o alargamento da matéria de facto e a aplicação de uma pena de multa V. Motivação, a fls. 52-54., por outro, já alega que o Mmº Juiz a quo não apurou “elementos essenciais à determinação da sanção a aplicar”, tais como solicitar a elaboração de relatório social V. Motivação, a fls. 56..
Ora, a propósito do mencionado “relatório social”, importa salientar que a sua elaboração não é obrigatória (o que resulta da leitura do artº 370º, nº1, do CPP) e que os actos e termos do julgamento (em processo sumário Aplicável ao caso do Recorrente.) são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (artº 386º, nº2, do CPP).
Posto que se tenha apurado aquele núcleo indispensável de factos, relativos à personalidade e às condições de vida do arguido (o que ocorreu, no caso Como se pode ver dos Factos Provados 4 e 5.), não é da mera ausência do relatório social que se poderá inferir a alvitrada “insuficiência” factual para a escolha da pena.
Por conseguinte, se o Recorrente reputava necessário tal elemento, deveria tê-lo requerido oportunamente, perante a 1ª Instância, quer durante os 8 dias que lhe foram concedidos para preparação da defesa V. fls. 20, 22. quer na própria audiência (o que não se vê tenha feito).
3.2. Os factos
Considera o Recorrente que, face às declarações do arguido bem como às do “próprio agente da GNR”, deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os seguintes factos:
- o arguido manifestou sincero arrependimento pelos factos cometidos,
- o arguido confessou os factos da acusação manifestando uma atitude colaborante e decisiva para a descoberta da verdade material,
- o arguido conduzia numa estrada secundária, quase sem trânsito automóvel,
- no estado de embriaguez apenas percorreu uma distância de dezenas de metros, a distância que separava o local onde bebeu e a sua residência,
- o arguido conduzia num perfeito domínio dos seus sentidos, de forma regular e sem ter colocado em perigo a segurança rodoviária e a integridade física de terceiros.
Antes de mais, cumpre realçar que não compete a esta Relação proceder a um novo julgamento da matéria de facto mas tão-só averiguar da razoabilidade do veredicto alcançado pelo Tribunal a quo. Neste sentido, v.g. o Ac. do STJ de 21/05/2008, www.dgsi.pt, consagrando jurisprudência pacífica.
Depois, a “confissão dos factos da acusação” constitui facto assente: apesar de não constar do rol dos Provados, resulta claramente da respectiva Motivação V. nº 2.3. da sentença; o que, aliás, o próprio Recorrente reconhece na Motivação, cf. fls. 53..
Relativamente ao demais alegado, o que o Recorrente pretende não é refutar a decisão proferida sobre matéria de facto mas aditar factualidade “nova”, no sentido de que nunca antes foi alegada pelo arguido, nem em sede de contestação nem em sede de audiência de julgamento; como podia e devia, se a defesa entendia – como parece, mas só agora – tratar-se de matéria relevante para a decisão da causa em qualquer das suas vertentes.
Simultânea ou decorrentemente, são factos que não constam do elenco dos Factos Provados e Não Provados da decisão recorrida; pelo que não podem ser objecto de apreciação por este Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto.
“II - A função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo. (…)
VII - No que respeita à impugnação da matéria de facto ante a Relação, nos termos dos arts. 427.° e 428.º do CPP, não dispensa o recorrente, além do mais, do ónus de enumeração especificada, ou seja, um a um, dos factos reputados incorrectamente julgados, dentre os elencados como provados ou não provados, quer provenientes da acusação, defesa ou resultantes da discussão da causa, por força do art. 412.°, n.º 3, al. a), do CPP.
VIII - Quando, então, impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva interessada, não equidistante, com o devido respeito, em relação àquilo que o tribunal tem para si como sendo a boa solução de facto, entende que devia ser provada. Por isso, segundo os termos da lei, a impugnação é restrita à “decisão proferida”, e realmente prolatada, e não a qualquer realidade virtual, de sobreposição da sua convicção probatória, pessoal, intimista e subjectiva, à convicção desinteressada formada pelo tribunal.
IX - Por força da natureza do recurso da matéria de facto para a Relação, que não é um novo julgamento, um julgamento repetível in totum, mas um julgamento parcial assim estruturado de acordo com a vontade do legislador ordinário, dentro da órbita de poderes de configuração que o constitucional lhe confere.
X - A garantia de um duplo grau de jurisdição de recurso em sede de matéria de facto não é a repetição por inteiro das audiências, o que se harmoniza inteiramente com o princípio de que não está consagrado no nosso direito um direito ilimitado ao recurso Ac. do STJ de 21/03/2012, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro no proc. 130/10.0JAFAR.F1.S1, www.dgsi.pt. (ac. do STJ de 21/03/2012, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro no proc. 130/10.0JAFAR.F1.S1).
Em suma, decorre da disciplina dos artºs 410º, nº1, 412º, nº3 e 428º, do CPP, que não pode ser objecto de impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objecto da prova produzida na 1ª instância que o Recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da sentença.
3.3. A pena
Defende o Recorrente que a pena imposta é “excessiva e desajustada”, propugnando uma pena de multa.
Para além de considerações teóricas, o que motiva a pretendida substituição da pena aplicada são uma série de circunstâncias que manifestamente se não verificam.
Algumas – o sincero arrependimento pelos factos cometidos, … conduzia numa estrada quase sem trânsito automóvel, … apenas percorreu uma distância de dezenas de metros, … conduzia de forma regular e sem ter colocado em perigo a segurança rodoviária e a integridade física de terceiros, … - porque se não provaram; outra – a confissão dos factos -, porque pouco ou nenhum valor atenuativo tem (realçando que o arguido foi detido em flagrante delito de condução embriagada Cf. fls. 3-4., a confissão representa o reconhecimento de uma evidência sem qualquer relevo, nunca “decisivo”, para a “descoberta da verdade material”); outra ainda – um passado pautado por um comportamento exemplar – porque se apurou o contrário (apesar da não despicienda maioridade penal, não constitui seguramente um “modelo” de comportamento a prática dos ilícitos discriminados no Facto Provado 5).
Afastada está, pois, a hipótese de “atenuação especial da pena”, ao abrigo do invocado artº 72º, nº2, al. c), do CP: não existem circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas do crime que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, designadamente, os nele previstos “actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente”.
E quanto ao argumentário teórico, é insusceptível de contrariar a correcção da decisão tomada pelo Tribunal a quo no que toca à escolha e forma de cumprimento da sanção principal, não se descortinando fundamento nem para a opção por pena não privativa da liberdade (inverificado o pressuposto da adequação e suficiência para a realização das finalidades da punição - artº 70º do CP) nem para a respectiva substituição por pena de multa (face à necessidade de prevenir o cometimento de mais crimes - artº 43º, nº1, do CP).
Àquilo que consta da sentença, acrescentar-se-á apenas o seguinte.
O interesse protegido no crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto no artº 292º CP é a segurança da circulação rodoviária, das pessoas, da sua vida, da sua integridade física e dos seus bens.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, cuja importância não pode (nem deve) ser escamoteada ainda que tivesse sido cometido numa “estrada secundária” ou numa “distância de dezenas de metros” (tese do arguido).
Como é sabido, entre nós, a sinistralidade rodoviária assume proporções preocupantes, sendo a condução sob o efeito do álcool uma das suas causas.
No caso do arguido, é indiscutível o acentuado grau de ilicitude do facto, patenteado por uma taxa de alcoolemia de 2,23g/l (4,5 vezes superior ao limite permitido).
Se é verdade que a tolerância ao álcool difere de indivíduo para indivíduo, não oferece também a menor dúvida que a acção do álcool no sistema nervoso origina efeitos nefastos que prejudicam o exercício da condução, diminuindo a atenção e a concentração do condutor e perturbando as suas capacidades sensoriais (em particular, a visão) e perceptivas V., por exemplo, o portal da ANSR..
O arguido regista já 2 condenações anteriores, uma por ilícito idêntico ao deste processo (cometido em 03/07/2009 Ou seja, há menos de 4 anos, reportados à data do julgamento destes autos.) e a outra por crime de violência doméstica, no qual foi condenado na pena de 30 meses de prisão, suspensa na execução “com a condição de efectuar tratamento ao seu problema de alcoolismo Cf. o c.r.c., a fls. 19. (Facto Provado 5); menos de 2 anos decorridos sobre o fixado período probatório, o arguido comete o crime em apreço.
Semelhante circunstancialismo começa a ser revelador de alguma propensão para a prática da condução automóvel em estado de embriaguez e sobretudo, de um “problema” de ingestão excessiva de álcool longe da superação.
Aliás, particularmente impressiva (e perigosa) – no aspecto que agora nos preocupa, da probabilidade de recidiva neste tipo criminal – é a negação por banda do arguido dos efeitos nocivos da ingestão excessiva de álcool na condução.
De tal maneira, que teima em alegar que “conduzia num perfeito domínio dos seus sentidos E que pretendia fosse incluída no elenco dos Factos Provados. com uma taxa de 2,23g/l! (afirmação que não é da lavra exclusiva do seu Digno Mandatário, como se constata das declarações que prestou na audiência Gravadas em CD, que ouvimos., dizendo “para mim, ainda estava consciente… vinha na minha consciência tranquila”).
Perante tudo isto - prementes exigências de prevenção geral e fortíssimas necessidades de prevenção especial (evidenciadas pelas 2 condenações, ambas conexionadas com o consumo desregrado de álcool, aliadas à posição manifestada em julgamento pelo arguido de não reconhecimento da perigosidade da sua conduta) -, mostra-se perfeitamente justificada a opção do Mmº Juiz a quo por pena privativa da liberdade.
Uma nota final para salientar que o Recorrente não foi condenado a uma reclusão permanente; e a forma de cumprimento em períodos de 36 horas A duração mínima prevista na lei – artº 45º, nº3, do CP. em nada compromete (querendo) a sua ressocialização.

Em conclusão: a sentença não padece dos alegados “vícios”; não é possível acrescentar a matéria de facto assente; e não há razão para aplicar pena não privativa da liberdade.

III - DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirma-se a douta decisão recorrida.
2. Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida.

17 de Dezembro de 2013