Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
376/09.4 TMBRG.G2
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Embora não seja vinculativa, a jurisprudência uniformizada do STJ tem a força persuasiva que é inerente ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderada e, em princípio, respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão.
II - A não aplicação da doutrina uniformizada pelo STJ não pode basear-se na mera discordância da interpretação da lei que lhe esteve subjacente e com base nos mesmos argumentos que já eram utilizados anteriormente pela corrente jurisprudencial que defendia posição diversa daquela que veio a ser acolhida no acórdão uniformizador.
III - A não aplicação daquela doutrina terá que ser sempre devidamente fundamentada com base em novos argumentos e novas circunstâncias que justifiquem a sua desconsideração.
IV – Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, deverá ser acolhida nos autos a doutrina fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 07/07/2009, segundo a qual as prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos apenas são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação do tribunal.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
Por decisão proferida em 17/06/2010, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento de F … , e J … e foi homologado o acordo referente à regulação do exercício do poder paternal do filha menor do casal F… tendo ficado estabelecido que o pai do menor pagaria a quantia de 80 €, a título de alimentos devidos à filha.
Por requerimento datado de 21/07/2010 F…, na qualidade de progenitora veio informar que o progenitor nunca cumpriu com a prestação de alimentos e requerer que seja suportada pelo FGADM (Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social) a pensão de alimentos devida à menor F… por se encontrarem verificados os requisitos dos artigos 2º, 3º e 4º do Decreto - Lei n.º 164/99 de 13 de Maio.
O pedido foi instruído e o Ministério Público emitiu parecer favorável.
Afinal, foi proferida decisão que condenou o FGADM a pagar mensalmente a F… a pensão de alimentos relativa à filha menor F… nascida a … no montante mensal de €180,00, a que o devedor J… está legalmente obrigado, fixando-se o momento a partir do qual são devidas as prestações pelo IGFSS, FGADM, em Julho de 2010, altura da petição de intervenção do FGAM
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio interpor recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, recurso que não mereceu conhecimento pelo Tribunal Constitucional, considerando que a recusa de aplicação da norma constante do artº 4 5 do Dec Lei 164/99 de 13/05 por considerar que a sua literal e prospectiva estatuição a torna inconstitucional não concretiza uma verdadeira desaplicação por inconstitucionalidade da norma mas antes , o que o tribunal recorrido faz é aplicar um segmento da norma com o sentido que julga adequado.
Da decisão da 1ª Instância apelou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que apresentou as seguintes alegações:
1ºA douta sentença recorrida interpretou e aplicou de forma errónea, ao caso sub Júdice , o art 1º da Lei75/98 “de l9/11 e o art° 4° nº 4 e 5 do Dec-Lei 164/99 de 13 de Maio;
2ºCom efeito, o entendimento do douto Tribunal a quo, de que no montante a suportar pelo FGADM devem ser abrangidas as prestações já vencidas e não pagas pelo progenitor obrigado a prestar alimentos não tem, salvo o devido respeito, suporte legal;
3º O Dec-Lei n° 164/99 de 13 de Maio é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações;
4º No n° 5 do art” 4 do citado diploma, é explicitamente estipulado que “o centro regional de segurança social inicia o pagamento por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribuna”, nada sendo dito quanto as prestações em divida pelo obrigado a prestar alimentos;
5º Existe uma delimitação temporal que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado;
6º Não foi intenção do legislador nos supramencionados diplomais legais, impor ao Estado, o pagamento do débito acumulado obrigado a prestar alimentos;
7ºTendo presente o preceituado no art” 9 do Código Civil, ressalta ter sido intenção do legislador expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado, apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo Tribunal dentro de determinados parâmetros – artº 3º n°3 e artº 4 do Dec-Lei 164/99 de 13/5 e art° 2 da Lei 75/98 de 19/11
8ºA prestação que recai sobre o Estado é, pois, uma prestação autónoma, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos do devedor, mas, antes, proporcionar aos menores a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, que pode ser diversa da que determinou a primitiva prestação;
9° O FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a presta-los, antes assegura face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação de montante por regra equivalente – ou menor – ao que fora judicialmente fixado.
10º Só ao devedor originário é possível exigir o pagamento das prestações já fixadas, como decorre do disposto no art° 2006 do CC, constatação que é reforçada pelo disposto no artº 7 do Dec-Lei 164/99 ao estabelecer que a obrigação principal se mantêm, mesmo que reembolso haja a favor do Fundo.
11º Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercido do poder Paternal; a última visa assegurar, no desenvolvimento social do Estado, a protecção do menor, proporcionando-lhe as necessárias subsistência;
11º Enquanto o art” 2006° do Código Civil está intimamente ligado ao vinculo familiar – artº 2009º do CC – e dai que quando a acção é proposta, já os alimentos seriam devidos, por um principio de Direito Natural, o Dec-lei 164/99 “cria” uma obrigação nova imposta a uma entidade que antes da sentença, não tinha qualquer obrigação de os prestar.
12º A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM (autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal) não decorre automaticamente da Lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
13º Se é diferente a natureza das duas prestações, diferente é também o momento a partir do qual se começam a vencer:
14º A prestação de alimentos, visto haver norma substantiva que o prevê, começa a vencer-se a partir da propositura da acção que fixou o quantitativo a satisfazer pelos progenitores do menor,
15º Já a prestação a satisfazer pelo FGADM, tendo em conta o regime geral aplicável à generalidade das acções, começa a vencer-se após o trânsito em julgado da decisão judicial que fixa o seu montante.
16º Muito bem decidiu o douto Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra – agravo n” 06-01- no sentido de o Estado não responder pelo debito acumulado do obrigado a alimentos. Tratando-se de prestações de diversa natureza
17º Não colhe o argumento de que o menor não pode ficar a mercê das contingências do processo e seu arrastamento pelos Tribunais, porquanto, como é do conhecimento geral, no entretanto, e enquanto o processo se encontra pendente do Tribunal, a verdade é que alguém tem de alimentar o menor, sob pena de este não sobreviver.
18º O pagamento das prestações relativas ao período anterior não visaria propriamente satisfazer as necessidades presentes de alimentos a menor, constituindo,, antes, um crédito de quem, na ausência do requerido, custeou ou unilateralmente (ao longo do anos) a satisfação dessas necessidades.
19º O Estado substituiu-se ao devedor, não para pagar as prestações em divida por este, mas para assegurar os alimentos de que o menor necessita; para que este não volte a ter frio, não volte a ter fome (e não para evitar que ele tivesse frio ou fome. Pois tal e impossível. Já passou. É tarde de mais).
20ºDai a necessidade de produção de prova sobre os elementos constantes da lei n° 75/98 de 19 de Novembro e do Dec-Lei n° 164/99 de 13 de Maio, que o Tribunal deve considerar na fixação da prestação a efectuar pelo estado, prestação essa que não é necessariamente equivalente a que estava em divida pelo progenitor.
21º A intervenção do FGADM está dependente de pressupostos cumulativos acima elencados, tendo a natureza de prestação social, não podendo recorrer-se à analogia com o artº 2006” do CC, por não se tratar de caso omisso, o que legitima arredar o disposto no art” 10” do CC.
22º Se tivesse havido o propósito de estabelecer uma qualquer responsabilidade do Estado por prestações vencidas e não pagas pelo legislador não teria deixado de a prever e até de cominar a modalidade e como, alias, o fez no citado art” 4º nº5 do DL 164/99.
23º O FGADM sómente devera ser responsabilizado pelo pagamento das prestações fixadas e devidas a partir da prolação da sentença judicial e não pelo pagamento do débito acumulado dos obrigados.
24º: O que se entende facilmente se atentarmos na finalidade da criação do regime instituído pelos supra citados diplomas legais, que é o de assegurar (garantir) os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.
25º A obrigação do FGADM só nasce com a decisão judicial que verifica os pressupostos da sua intervenção, ordena o pagamento e determina o seu montante, diferentemente da obrigação dos pais “em prover o sustento” dos filhos, que decorre do próprio vinculo da filiação.
26ºO FGADM não tem intervenção na lide incidental de incumprimento, não lhe sendo assegurado qualquer contraditório, não podendo ser condenado no pagamento de prestações antes vencidas, sob pena de grosseira violação dos princípios firmados nos art”s 3” e 3”A do CPC, V e 20”’ da CRP – vide Acordão do Tribunal Constitucional n°s 249/97,259/2000 e 209/2004.
27º Por fim, e de acordo com o recente Acordão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, sempre se dirá que “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo FGADM, em substituição do devedor, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal não abrangendo quaisquer prestações anteriores .

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685-A todos do Código de Processo Civil (CPC).

A questão suscitada pelo recorrente IGFSS cinge-se ao momento a partir do qual é devido o pagamento das prestações alimentares por parte do FGADM e, in casu, se a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto:
1-A requerente F… e o requerido J… são pais da menor F…, nascida a ….
2-Foi proferida decisão homologatória do acordo de exercício das responsabilidades parentais aquando da conversão do divorcio em mutuo consentimento, em 17/06/2010 pela qual o requerido ficou obrigado a pagar a pensão de alimentos de 80 € para a filha menor, a actualizar anualmente de acordo com a taxa da inflação nunca inferior a 3%, a partir de Janeiro de 2011
3-0 obrigado não tem pago, vivendo de rendimento social de inserção no valor mensal de 189,57 euros, tendo um historial de alcoolismo e de desemprego.
Não lhe são conhecidos quaisquer bens ou rendimentos.
4-Não há ascendentes de 2ºgrau ou outros tios da menor aqui em causa que tenham, conhecidamente, capacidade económica de os prestar.
5-A menor reside em território nacional, Braga, vivendo em economia doméstica com a mãe.
6-A mãe da menor recebe o abono de família da menor, 43,25 euros mensais, e subsidio de desemprego diário no montante de 13,67 euros, pelo que o rendimento mensal al) e de (13,67 X 30) + 43,25 = 453,35 euros. !
7º A capitação ao do agregado da menor (1 requerente, 0,5 filha D.L. 70/2010, art. 5º) é de 453,35 : 1,5 = 302,23, sendo assim inferior ao salário mínimo nacional.

Intensa tem sido a discussão jurisprudencial sobre a questão que se nos depara na apreciação do objecto do presente recurso e ao mesmo tempo também importa dize-lo de alguma disparidade de posições no que tange à mesma, disparidade que se mantêm.
A situação jurídica tem enquadramento na L. 75/98, de 19 de Novembro e no DL 164/99, de 13 de Maio. Estes diplomas, surgidos tardiamente num estado de direito vinculado pela Convenção Sobre os Direitos da Criança adoptada pela ONU em 1989 e destinatário das Recomendações do Conselho da Europa de 1982 e 1989 relativas à obrigação do Estado de garantir o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, dá execução ao princípio genérico contido nos artigos 63º nº 3 e 69º nº 2 da Constituição da República Portuguesa onde é cometida ao Estado a protecção dos cidadãos no que toca à falta ou diminuição dos meios de subsistência assegurando, nomeadamente, especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
Dispõe o art. 1º da Lei nº 75/98 de 19/11: “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
Dispõe, por outro lado, o art. 6º nº 2 da citada lei que o pagamento das prestações fixadas nos termos desta lei é assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Tal lei veio a ser regulamentada pelo Dec. Lei nº 164/99 de 13/05 onde se determinou, no art. 4º nº 5, que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
Com base nas citadas normas e na factualidade acima enunciada, considerou a decisão recorrida estarem preenchidos os requisitos legalmente exigidos para que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegure o pagamento da prestação alimentícia devida à menor e, considerando os rendimentos do agregado e as necessidades do menor, fixou em 80€ mensais a prestação a assegurar pelo Fundo.
Resta agora saber – e essa é a única questão que é objecto do presente recurso – desde quando são devidas pelo Fundo as referidas prestações,
Nos termos já referidos, na nossa jurisprudência a questão em apreço é controvertida, em cujas decisões se manifestavam, fundamentalmente, três posições divergentes.
Uma delas sustentava que ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal (neste sentido, podem ver-se os acórdãos do STJ de 10/07/2008 e de 30/09/2008, processos 08A1860 e 08A2953, respectivamente; os acórdãos da Relação do Porto de 27/06/2006 e de 07/12/2005 com os nºs convencionais JTRP00039336 e JTRP00038584, respectivamente, e o acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, processo 899/2008-6, todos em http://www.dgsi.pt).
A segunda sustentava que o pagamento, apesar de se iniciar no mês seguinte ao da notificação da decisão, reporta-se e abrange as prestações vencidas desde a data em que foi formulado o pedido contra o Fundo (neste sentido, o acórdão do STJ de 10/07/2008, processo 08A1907; os acórdãos da Relação do Porto de 08/03/2007 e de 14/12/2006, com os nºs convencionais JTRP00040184 e JTRP00039885, respectivamente; os acórdãos da Relação de Lisboa de 17/06/2008, 13/12/2007 e 10/04/2008, processos 5208/2008-7, 10407/2007-8 e 8324/2007-8, respectivamente; os acórdãos da Relação de Coimbra de 27/05/2008 e 03/05/2006, processos 369/05.0TMCBR-A-C1 e 805/06, respectivamente e o acórdão da Relação de Évora de 10/05/2007, processo 739/07-2, todos em http://www.dgsi.pt.).
A última das referidas correntes jurisprudenciais considerava que a responsabilidade do Fundo abrangia também as prestações acumuladas, já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos (cfr. acórdão do STJ de 31/01/2002, nº convencional JSTJ00042759; os acórdãos da Relação de Lisboa de 24/11/2005, 09/06/2005 e 08/05/2008, processos 9132/2005-6, 3645/2005-8 e 3321/2008-6, respectivamente; os acórdãos da Relação do Porto de 25/10/2004, 21/09/2004 e 22/11/2004, com os nºs convencionais JTRP00037311, JTRP00037161 e JTRP00037401, respectivamente e o acórdão da Relação de Coimbra de 15/11/2005, processo 2710/05, todos em http://www.dgsi.pt.).
A corrente jurisprudencial, supra mencionada, segundo a qual ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal baseia-se no art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 164/99 de 13/05 onde se determina que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, invocando os defensores dessa corrente que, através da citada norma, o legislador fixou a data a partir da qual é devida a prestação substitutiva pelo FGADM.
Esta controvérsia jurisprudencial veio dar origem ao Acórdão do STJ de 07/07/2009, proferido no processo 09A0682- Disponível em http://www.dgsi.pt., que veio uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.
Ou seja, o STJ acolheu a primeira corrente que acima mencionámos, segundo a qual ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal e uniformizou jurisprudência nesse sentido, orientação essa que vamos seguir.
Como sabemos os acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não têm carácter vinculativo para os Tribunais, ao contrário do que acontecia com os anteriores Assentos.
Mas isso não significa que o julgador possa e deva tomar as suas decisões de acordo com a interpretação da lei que entende ser a mais correcta com total desconsideração pela jurisprudência uniformizada. É que, a ser assim, a Uniformização de Jurisprudência seria um instituto criado pelo legislador sem qualquer utilidade, na medida em que a controvérsia jurisprudencial que antes existia continuaria a existir nos mesmos termos, com prejuízo para a segurança jurídica e igualdade de tratamento (valores que são, de algum modo, postos em crise quando existe grande divisão na jurisprudência acerca da mesma questão de direito e que a uniformização de jurisprudência pretende salvaguardar).
Assim, e como refere Abrantes Geraldes - Recursos em Processo Civil, Novo Regime, págs. 443 e 444., a jurisprudência uniformizada do STJ, embora não seja vinculativa, tem força persuasiva e, como tal, deverá merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial. Assim, afirma, “…o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”. E, continua, “a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior”.
Em suma, e como também afirma o citado autor, para contrariar a doutrina uniformizada pelo STJ, é necessário que existam fortes razões ou circunstâncias especiais que o justifiquem.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 14/05/2009, proferido no processo nº 218/09.OYFLSB - Disponível em http://www.dgsi.pt. onde se refere que a decisão que uniformiza jurisprudência, não sendo estrita e rigorosamente vinculativa, cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e a merecer maior ponderação.
Impõe-se, pois, concluir que a decisão que uniformiza jurisprudência deve, em princípio, ser respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão; a não aplicação da doutrina uniformizada pelo STJ não pode basear-se na mera discordância da interpretação da lei que lhe esteve subjacente e com base nos mesmos argumentos que já eram utilizados anteriormente pela corrente jurisprudencial que defendia posição diversa daquela que veio a ser acolhida no acórdão uniformizador; a não aplicação daquela doutrina terá que ser sempre devidamente fundamentada com base em novos argumentos e novas circunstâncias que justifiquem a sua desconsideração.
Ora, não é isso que acontece nos autos, pois a lei não foi, entretanto, alterada nem se verificam quaisquer especiais razões ou circunstâncias que justifiquem a desconsideração pela doutrina fixada no referido Acórdão e não vislumbramos quaisquer argumentos que, sendo novos, não tenham sido ali devidamente ponderados e, por conseguinte, não existe qualquer razão para não seguir a posição que ali ficou consignada.
Nem mesmo assim acontece com o Acordão do TC 54/2011 disponível em www.dgsi.pt- uma vez que as razões que justificam tal decisão não são novas ( ver Acordão Uniformizador) mas também como escreve Lopes do Rego no Ac do STJ de 07.04.2011-- Disponível em http://www.dgsi.pt, tratando-se de decisões proferidas no âmbito da fiscalidade concreta da constitucionalidade , não são neste momento automática e directamente vinculativas no presente processo, sendo indispensável aguardar por uma eventual reponderação pelo próprio plenário das secções cíveis da solução contida no referido Ac. Uniformizador , à luz do superveniente entendimento do TC, ou pela eventual decisão a proferir pelo próprio TC, em sede de fiscalização abstrata sucessiva , nos termos do artº 82 da Lei nº 28/82.
Assim, e em conformidade com essa doutrina, as prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos apenas são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação do tribunal.
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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – Embora não seja vinculativa, a jurisprudência uniformizada do STJ tem a força persuasiva que é inerente ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderada e, em princípio, respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão.
II - A não aplicação da doutrina uniformizada pelo STJ não pode basear-se na mera discordância da interpretação da lei que lhe esteve subjacente e com base nos mesmos argumentos que já eram utilizados anteriormente pela corrente jurisprudencial que defendia posição diversa daquela que veio a ser acolhida no acórdão uniformizador.
III - A não aplicação daquela doutrina terá que ser sempre devidamente fundamentada com base em novos argumentos e novas circunstâncias que justifiquem a sua desconsideração.
IV – Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, deverá ser acolhida nos autos a doutrina fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 07/07/2009, segundo a qual as prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos apenas são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação do tribunal.

Nestes termos, concede-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, determinando-se que as prestações a pagar pelo FGDAM são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.

Guimarães, 04/10/2011