Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5062/08.0TBBRG-A.G1
Relator: MARIA LUISA RAMOS
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ANULABILIDADE
INCAPACIDADE ACIDENTAL
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA EXECUTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Nos termos do n.º1 do art.º 257º do Código Civil, “ A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou do conhecimento do declaratário.”
II. Nos termos do n.º2, do indicado preceito legal “ O facto é notório, quando uma pessoa de norma diligência o teria podido notar”, circunstancialismo este que decorre naturalmente dos factos provados, maxime, in casu, tratando-se o destinatário da declaração do próprio irmão do incapacitado.
III. Nos termos do art.º 46º-n.º1-alínea.c) do Código de Processo Civil, provando-se que o documento particular que baseia a execução tem inserta declaração de divida inválida e anulável, tendo sido pedida e reconhecida a anulabilidade da declaração, não produzindo esta quaisquer efeitos nos termos do art.º 289º do Código Civil, forçoso é concluir que o documento em causa não importa a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária do devedor/executado, e, assim, consequentemente, tal documento não possui força executiva relativamente ao montante da quantia exequenda constante do requerimento inicial, e, assim, não constitui título executivo da execução em causa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AM e outros, exequentes nos autos de Execução Comum, nº 5062/08.0TBBRG-A, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, em que são executados CB e outros, na qualidade de herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de VM, vieram interpor recurso da sentença que julgou procedente a Oposição deduzida pelos executados e decidiu julgar extinta a instância executiva.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:
I - Os Recorrentes não concorda com a douta sentença, por entender que nela se fez uma errada apreciação da matéria de facto e uma incorrecta aplicação da lei.
II - O Tribunal a quo considerou que a confissão de dívida assinada pelo falecido VM, considerou que a mesma é anulável, fundada em incapacidade acidental, e como tal não produzindo efeitos entre as partes.
III - Assim sendo considerou o documento dado à execução não era válido e insusceptível de ser considerado título executivo.
IV – Os Recorrentes não se conformam com tal entendimento, uma vez que senhor VM estava nas suas plenas faculdades de entendimento quando assinou o documento em questão.
V - O Tribunal a quo não valorizou o depoimento credível da única testemunha que presenciou a assinatura por parte do falecido senhor VM da declaração de dívida junta aos autos como título executivo.
VII – Sobre se o senhor VM estaria nas suas plenas faculdades, depôs a testemunha Abílio, que naquele dia 21 de Setembro de 2004 foi visitar o senhor VM, conjuntamente com o Senhor Raul e verificou que aquele assinou a confissão de dívida e estaria consciente daquilo que estava a outorgar.
VIII – Por seu turno a testemunha Maria, irmã de VM afirmou ao tribunal, que conversava telefonicamente, quase todos os dias, com aquele, tendo a percepção que estaria consciente, totalmente lúcido e nas suas plenas faculdades de entendimento.
IX - A testemunha Fernando, médico que acompanhou o falecido VM no Hospital Egas Moniz, referiu que, apesar do estado clínico débil, existia a possibilidade do Senhor VM estar consciente e conseguir entender e discernir o teor da declaração que estava a assinar e o que lhe era transmitido.
X - Não se questionando que o senhor VM tenha assinado a confissão de dívida, atento tais depoimentos verifica-se que tal documento foi assinado estando o senhor VM nas sua plenas faculdades mentais, ciente e consciente do que estava a assinar.
XI - Atento o supra exposto, os quesitos 5.º e 6.º, não poderiam ter sido dados como provado, visto o senhor VM estar nas suas plenas faculdade mentais quando outorgou a confissão de dívida, título executivo na acção principal.
XII - Assim sendo, deverão ser alteradas as respostas dadas às quesitos 5.º e 6.º, devendo as mesmas ser dadas como não provadas.
XIII – Para além desta incorrecta apreciação da prova, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação do direito.
XIII - O Tribunal a quo considerou que a declaração de dívida é anulável, atendendo ao disposto no artigo 257.º do Código Civil.
XIV - Para que uma declaração seja anulada com base na incapacidade acidental do declaratário é imprescindível que se verifiquem, cumulativamente dois requisitos:
- Que a declaração negocial seja feita por quem, devido a qualquer causa, se encontre, acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade;
- Que esse facto seja notório ou do conhecimento do declaratário.
XV - Assim sendo, deve verificar-se um condicionalismo que afecte a formação correcta da vontade e o respectivo facto tem de ser notório ou conhecido da outra parte.
XVII - O Sr. VM, aquando da assinatura da confissão de divida em apreço, não se encontrava acidentalmente incapacitado.
XVIII - Apesar da sua frágil condição de saúde, gozava das suas plenas faculdades de entendimento e de discernimento aquando da assinatura do referido documento.
XIX - Ainda que se considerasse que o Sr. VM se encontrava acidentalmente incapaz, o que não se concebe e apenas por mera hipótese teórica se admite, não era notória tal incapacidade.
XX - Ainda que se entendesse que o mesmo não reunia as condições necessárias de capacidade para outorgar a declaração em causa, tal facto não era notório por aqueles que com o Sr. VM conviviam mais proximamente, naquele período de tempo.
XXI – As pessoas que conviviam com o Senhor VM naqueles últimos dias não tiveram a percepção da incapacidade do Sr. VM.
XXII - Segundo estes e na sua convicção, o Sr. VM encontrava – se nas suas plenas faculdades de entendimento e discernimento, tendo tal convicção sido demonstrada através do depoimento das Testemunhas Abílio e Maria.
XXIII - In casu não se encontram reunidos os pressupostos para a incapacidade acidental e em consequência para a anulação da declaração junta como título executivo.
XXIV - A declaração em causa é válida para as partes que a celebraram e como tal susceptível de ser considerada título executivo, nos termos do artigo 46º, alínea c) do C.P.C.
XXV – Para além disto, ainda que se considerasse que no caso concreto a declaração em apreço se encontrava ferida de anulabilidade, o que não se concebe e apenas por mera hipótese teórica se admite, o prazo para invocar tal vício, nos termos do artigo 287º do C. Civil, é o de 1 ano.
XXVI - In casu, nunca fora invocado tal vício, pelo que há muito precludiu o prazo de um ano a que alude o artigo 287º do Código Civil.
XXVII - Também por este motivo, deverá a declaração de divida em causa ser considerada título executivo, por preencher todos os requisitos legalmente exigidos para tal.
XXVIII - A douta sentença recorrida violou, além do mais, os artigos 257.º, 285.º, 287.º e 289.º do Código Civil e os artigos 45.º e 46, al. c), 514º, 712º, nº1 als a) e b) do Cód. Processo Civil e os Decretos – lei nº 289/73 de 06 de Junho, Decreto – Lei 400/84 de 31 de Dezembro e Decreto – Lei 448/91 de 29 de Novembro.

Foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- reapreciação da matéria de facto
- do mérito da causa:
- o Sr. VM, aquando da assinatura da confissão de divida em apreço, não se encontrava acidentalmente incapacitado?
- ainda que se considerasse que o Sr. VM se encontrava acidentalmente incapaz, não era notória tal incapacidade ?
- há muito precludiu o prazo de um ano a que alude o art.º 287º do Código Civil ?
- deverá a declaração de divida em causa ser considerada título executivo, por preencher todos os requisitos legalmente exigidos para tal ?



Fundamentação
I. OS FACTOS declarados provados na sentença recorrida:
1. Foi dado à execução um documento, designado como “Declaração/Reconhecimento de dívida”, datado de 21 de Setembro de 2004, onde se declara que VM deve a seu irmão RJ a quantia de €31.325,00, a qual seria liquidada com a quantia que tinha a haver do seu cunhado JT da venda da sua parte num pavilhão industrial, sito na Rua Costa Soares, freguesia de Dume, concelho de Braga – documento de fls. 167.
2. Nesse documento foi aposta a assinatura de VM pelo punho do mesmo.
3. Na data da assinatura do aludido documento, o aludido VM encontrava-se internado no Hospital de Egas Moniz, no serviço de doenças infectocontagiosas.
4. E dias antes desta data – 21 de Setembro – manifestava dificuldades em dialogar, cansava-se muito rapidamente e não reconheceu de imediato os filhos.
5. Este estado não revelou melhorias e o seu definhamento era notório.
6. Quando procedeu à assinatura do aludido documento, o referido VM não estava no pleno uso das suas faculdades mentais.
7. VM faleceu no dia 24 de Setembro de 2004, no estado de divorciado, tendo deixado como descendentes CM e VBM – documentos de fls. 12 a 14.
8. RJ faleceu no dia 17 de Setembro de 2005 - certidão junta a fls. 21 e 22 dos autos apensos.
9. À data da sua morte, o falecido era casado com AM e deixou como descendentes CM e AM - certidão junta a fls. 21 e 22 dos autos apensos.

II.O DIREITO
1. Reapreciação da matéria de facto
Alegam os recorrentes que o Tribunal “ a quo “ procedeu a incorrecta apreciação da prova e fez uma incorrecta apreciação do direito.
A possibilidade legal de impugnação da matéria de facto resulta do que dispõem os normativos dos art.º 712º e 685º-B do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto no artº 712º - nº1, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a)“ Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b)“Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) “ Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
“A reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artº 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente á sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova “ (v.Ac.STJ, de 14/3/2006, in CJ,XIV, I, pg. 130; Ac. STJ,de19/6/2007,www.dgsi.pt;Ac.TRL,de9/2/2005, www.pgdlisboa.pt).
É, assim, entendimento dominante na jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no principio da livre apreciação da prova (artº 655º do Código de Processo Civil), só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou então quando afronte as regras da experiência comum.
Conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/3/2006, supra indicado, “O DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, veio admitir o registo das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento. Com isso foram alargados os poderes de sindicância da decisão da matéria de facto, facultados à Relação pelo artº 712º do CPC. (…). Efectivamente, havendo, ao abrigo do artigo 522º-B, gravação dos depoimentos prestados na audiência final, se a decisão, com base neles proferida, tiver sido impugnada nos termos do artº 690º-A, a Relação reapreciará as provas em que assentou a parte impugnada (…). O objectivo desta reapreciação é, não o de proceder a um novo julgamento da matéria de facto, mas apenas o de – pontualmente e sempre sob a iniciativa da parte interessada – detectar eventuais erros de julgamento nesse âmbito.”
O DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, veio prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências de julgamento e da prova neles produzida, visando, deste modo criar um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto.
Todavia, e como se refere no preâmbulo do citado DL nº 39/95, dado que “ A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência ( …) Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto (…). A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do recurso e à respectiva fundamentação (…) “
Dispõe o artº 685º-B do Código de Processo Civil , sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”
Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Nº2 – No caso previsto na al.b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possivel a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 522-C, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
No caso em apreço, impugnam os recorrentes a decisão proferida pelo Tribunal “ a quo “ em relação à matéria de facto, alegando que deve tal decisão ser alterada atendendo ao teor dos depoimentos das testemunhas que indicam, procedendo os apelantes à transcrição de parte dos depoimentos, com indicação do início e termo da gravação de cada depoimento por referência ao assinalado na acta nos termos em que se estabelecia nos art.º 690º- A-n.º2 e 522º-C-n.º2 do Código de Processo Civil na redacção anterior à decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não sendo já tais preceitos aplicáveis no caso em apreço.
Atento o comando do art.º 685º-B do Código de Processo Civil ( aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável aos presentes autos ) e os ónus que por via do indicado preceito legal são impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto, conclui-se que, no caso sub judice, não cumpriram os apelantes o ónus imposto pelo n.º 2 do art.º 685º-B, sendo-lhes imposto por lei, expressamente, que indiquem com exactidão as passagens da gravação em que se fundam para basear o alegado erro de julgamento com referência a provas que tenham sido gravadas, tendo, no caso, sido gravados os actos da Audiência e mostrando-se possível a identificação precisa e separada dos depoimentos prestados.
E, a lei sanciona o incumprimento do indicado ónus com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Acresce que, como resulta dos autos as respostas dadas pelo Tribunal “a quo “ à matéria de facto resultam de valoração decorrente da avaliação conjunta da prova documental e testemunhal, nomeadamente do depoimento das indicadas testemunhas e outras, baseando-se o julgamento da matéria de facto realizado em provas produzidas e justamente valoradas, tendo o julgamento da matéria de facto sido realizado no âmbito dos poderes de livre apreciação do Tribunal nos termos do art.º 655º do Código de Processo Civil, não se mostrando ocorrer violação ou preterição de prova vinculada ou legal imposta pelo n.º2 do citado preceito legal.
Não se demonstra, nos termos expostos, ocorrem irregularidades ou basear-se o julgamento em meios de prova não produzidos ou com violação de meios legais imperativos nos termos do n.º2 do art.º 655º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e, não tendo os recorrentes cumprido o ónus previsto no citado artº 685º-B do Código de Processo Civil, não é legalmente possível a este tribunal de 2ª instância proceder á requerida reapreciação de prova gravada em Audiência, ocorrendo causa legal de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Improcedem, consequentemente, nesta parte, os fundamentos da apelação, mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
2. Do mérito da causa
Nos autos de Execução Comum foi dado à execução um documento, designado como “Declaração/Reconhecimento de dívida”, datado de 21 de Setembro de 2004, onde se declara que VM deve a seu irmão RJ a quantia de €31.325,00, a qual seria liquidada com a quantia que tinha a haver do seu cunhado JT da venda da sua parte num pavilhão industrial, sito na Rua Costa Soares, freguesia de Dume, concelho de Braga, sendo os exequentes e executados, respectivamente, os herdeiros dos referidos irmã os VM e RJ, ambos já falecidos.
CB e outros, na qualidade de herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de VM, vieram deduzir Oposição à Execução Comum que lhes foi instaurada alegando que a declaração de dívida dada à execução não foi subscrita pelo punho do falecido pai dos executados e que este não se encontrava no uso das suas faculdades mentais quando o aludido documento foi emitido.
Na sentença recorrida julgou-se procedente a Oposição deduzida pelos executados e decidiu-se julgar extinta a instância executiva, considerando-se em tal decisão que a declaração de dívida exequenda foi subscrita por quem não reunia as condições necessárias de capacidade para o efeito, o que era notório e conhecido ou susceptível de ser conhecido pelo autor da herança que os exequentes representam, ocorrendo Incapacidade Acidental nos termos do art.º 257º do Código Civil, sendo a declaração anulável, não produzindo qualquer efeito entre as partes, nos termos dos art.º 285º e 289º, do Código Civil, desta forma concluindo a Mª Juiz “ a quo “ que o reconhecimento da obrigação constante do documento dado à execução não é válido, o que inquina de forma inexorável o título executivo em apreço, por falta de um dos seus requisitos de exequibilidade.
Impugnam os recorrentes tal decisão, alegando, que - o Sr. Vítor Moreira, aquando da assinatura da confissão de divida em apreço, não se encontrava acidentalmente incapacitado; - ainda que se considerasse que o Sr. Vítor Moreira se encontrava acidentalmente incapaz, não era notória tal incapacidade; - e que há muito precludiu o prazo de um ano a que alude o art.º 287º do Código Civil.
Carecem de razão os apelantes.
Com efeito, tendo-se provado que “3. Na data da assinatura do aludido documento, o aludido VM encontrava-se internado no Hospital de Egas Moniz, no serviço de doenças infectocontagiosas.; “4. E dias antes desta data – 21 de Setembro – manifestava dificuldades em dialogar, cansava-se muito rapidamente e não reconheceu de imediato os filhos.; “5. Este estado não revelou melhorias e o seu definhamento era notório.; “6. Quando procedeu à assinatura do aludido documento, o referido Vítor Moreira não estava no pleno uso das suas faculdades mentais” mostra-se verificada a previsibilidade do art.º 257º do Código Civil, nos termos do qual “ A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou do conhecimento do declaratário, “(n.º 1); dispondo o n.º2, do indicado preceito legal que “ O facto é notório, quando uma pessoa de norma diligência o teria podido notar”, circunstancialismo este que decorre naturalmente dos factos provados, maxime, in casu, tratando-se o destinatário da declaração do próprio irmão do incapacitado.
No tocante ao prazo de arguição da anulabilidade estabelecido no art.º 287º do Código Civil, não se mostra ainda o mesmo decorrido, nos termos do n.º1 e n.º2 do citado artigo 287º, quer, por um lado, por não ter cessado o vício que teve por fundamento, não se provando ainda o conhecimento do aludido escrito por parte dos herdeiros do entretanto falecido VM prévio à instauração da acção executiva baseada em tal declaração inválida, quer, por outro lado, por não estar cumprido o negócio ( in casu, a liquidação da declarada divida ) , podendo a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.
“ Se for exigido judicialmente o cumprimento, a anulabilidade pode ser oposta a todo o tempo por via de excepção, nos termos gerais do direito processual “ _ P. Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, pg.262.
Resta apreciar a alegada exequibilidade do título dado à execução.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e limites da acção executiva ( art.º 45º-n.º1 do Código de Processo Civil ), sendo que, nos termos do n.º2, do mesmo preceito legal, o fim da execução pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo.
“Define-se título executivo como o instrumento que é condição necessária e suficiente da acção executiva”- Anselmo de Castro, in “ A acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª edição, pg.14.
Nos termos do art.º 46º-n.º1-alínea.c), do diploma legal em análise, e ao que ao caso em apreço importa, à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.
“ À face da nossa lei podemos definir o título executivo como o acto documentado constitutivo ou meramente declarativo de um direito a uma prestação, maxime, de uma obrigação” – Prof. Jorge Barata, in “ A acção executiva comum – Noções Fundamentais- Lições do 5º Ano Jurídico, AAFDL.
Assim, e nos termos do art.º 46º-n.º1-alínea.c) do Código de Processo Civil, provando-se no caso em apreço que o documento particular que baseia a execução tem inserta declaração de divida inválida e anulável, tendo sido pedida e reconhecida a anulabilidade da declaração, não produzindo esta quaisquer efeitos nos termos do art.º 289º do Código Civil, forçoso é concluir que o documento em causa não importa a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária do devedor/executado, e, assim, consequentemente, tal documento não possui força executiva relativamente ao montante da quantia exequenda constante do requerimento inicial, e, assim, não constitui título executivo da execução em causa.
“ Com efeito, a força executiva do título provém das garantias que ele oferece como atestação da existência da divida, essas garantias são uma consequência das formalidades e requisitos de que o título está revestido “- Prof. A.Reis, in Processo de Execução, vol.I, pg.74.
Reconhecida a inexistência ou inexequibilidade do título tal constitui fundamento de oposição à execução baseada noutro título, nos termos dos art.º 816º e 814º-alínea.a) do Código de Processo Civil.
Improcede, consequentemente, a apelação, devendo manter-se a sentença recorrida nos seus precisos termos pois que não merece qualquer censura.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Guimarães, 16.02.2012
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho