Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
313/04.2TBCHV-A.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Para além do respeito pela exigência geral de prudencial ponderação contida no nº 2 do art. 279º do Cód. Proc. Civil (na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06), particulares cautelas se impõem na suspensão dos embargos com fundamento na existência de uma causa prejudicial;

II - Entendendo-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto uma pretensão que constitui pressuposto da formulada, não é prejudicial, aos embargos a uma execução intentada com base numa ata de reunião de assembleia de condóminos de determinado prédio, a ação para alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, relativa àquele, onde se cumula pedido de indemnização contra os condóminos por alegado enriquecimento sem causa;

III - Ainda que o fosse, tendo a dita ação sido intentada quando os embargos, pendentes há longos anos, se encontravam em fase de julgamento, com suspensão da audiência já iniciada, sempre haveria fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão dos embargos ou, no mínimo, para considerar que estes estavam tão adiantados que os prejuízos da suspensão superariam as vantagens, pelo que não deveria ser ordenada a suspensão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Inconformado com o despacho que determinou a suspensão dos embargos de executado apensos à Execução em que é Exequente Condomínio do Edifício X e Executada o Teatro Experimental F. Cooperativa de Responsabilidade Lda., veio o primeiro interpor o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

O Tribunal “a quo” determinou a suspensão dos presentes embargos, até decisão final transitada em julgado na acção declarativa n.º 2189/16.8T8CHV, do Juízo Local Cível de Chaves, intentada pela embargante/apelada Teatro Experimental F. CRL, por alegadamente, em síntese, no entender do Tribunal “ a quo” esta acção declarativa, a proceder tornaria sem fundamento os presentes embargos, constituindo, por isso, a dita acção causa prejudicial relativamente aos presentes embargos.
O presente apenso declarativo deu entrada em 1 de Julho de 2004, isto é, há treze anos atrás.
A embargante/apelada, não obstante os argumentos por si apresentados, os quais salvo o devido respeito carecem totalmente de fundamento, ao longo de todo este período de tempo, nada fez para concretizar e/ou demonstrar o por si alegado, designadamente, quanto a alteração das permilagens de cada uma das fracções que compõem a propriedade horizontal do edifico em causa nos autos.
Assim, a acção que a embargante/apelada refere ter intentado, mais não é do que uma tentativa sem qualquer fundamento de entorpecer os presentes autos, não se tratando de qualquer causa prejudicial para a decisão dos mesmos.
Acresce que, nos presentes autos é titulo executivo uma deliberação de 2004, cuja validade não pode ser impugnada, como aliás ressalta da acta da sessão da audiência de discussão e julgamento dos presentes autos, realizada no dia 11 de Outubro de 2016.
Deste modo, o critério de comparticipação de cada uma das fracções nos montantes deliberados encontra-se definido na deliberação que serve de titulo executivo e, é a permilagem de cada uma das fracções, isto é, o valor de cada uma das fracções no capital total do edifico nos termos do n.º 1 do art.º 1424 do CC, na data da referida deliberação.
Assim, a permilagem de cada uma das fracções existente na data da deliberação é que serve de critério para a comparticipação de cada uma delas nos montantes deliberados e dados á execução.
Sendo a dita deliberação válida e eficaz, uma vez que não pode ser objecto de qualquer impugnação, as permilagens existentes que servem de critério de compartipação não podem ser alteradas.
Por outro lado, na hipótese meramente académica, que não se admite, de a dita acção, alegadamente, poder, alegadamente, proceder, o que não se concede, nunca a mesma teria qualquer repercussão na presente acção.
10º Com efeito, a dita acção, não teria qualquer repercussão na presente, quer pelo que vem dito anteriormente, quer, designadamente, por a mesma apenas poder reger e dispor para o futuro, não influenciando em nada as permilagens existentes em 2004 e, logo não influenciando em nada a comparticipação de cada condomínio nos montantes deliberados e constantes da deliberação que serve de título executivo, uma vez que foi definido como critério de comparticipação de cada condómino o critério legal previsto no n.º 1 do art.º 1424 do CC.
11º Por seu turno, a alteração das permilagens e/ou valor de cada fracção na propriedade horizontal, nada tem a ver com as competências e funções do condomínio, ora exequente/embargado/apelante, mas apenas diz respeito aos proprietários de cada uma das fracções, não existindo nenhuma prejudicialidade entre a dita acção declarativa intentada pela embargante/apelada e os presentes autos, por termos sujeitos processuais totalmente distintos e diferenciados.
12º Qualquer alegada e hipotética responsabilidade por qualquer alegada e hipotética obrigação de indemnizar, que não se admite, nem concede, será sempre individual e concreta de cada proprietário de cada fracção e não do ora embargado/exequente/apelante, não tendo, por isso, nenhuma influência na decisão dos presentes autos, não tendo, assim, qualquer fundamento o alegado no despacho recorrido, quando se refere que procedendo-se, alegadamente, a um eventual acerto de contas tornaria alegadamente não exigível a quantia exequenda
13º Em face do alegado nas conclusões 5º a 12º não existe qualquer questão prejudicial entre os presentes embargos e a nova acção intentada pela ora embargante/apelada, que vem identificada, a qual não tem qualquer fundamento e terá necessariamente de improceder.
14º Não está na disponibilidade de um ou de vários dos titulares das fracções, os condóminos, só por si, procederem à alteração do título de constituição desse tipo de propriedade.
15º Para que o título constitutivo seja alterado é necessário que a assembleia de condóminos se pronuncie e aprove as alterações sem qualquer oposição, pois o art.1419 do CC tem carácter imperativo.
16º A constituição da propriedade horizontal e as suas posteriores alterações, caso ocorram, por forma a garantir a sua conformidade às leis e regulamentos em vigor, são objecto de sindicalização e licenciamento pela autoridade camarária.
17º A lei exige que a escritura de alteração do título constitutivo de propriedade horizontal não pode ser feita sem a junção de documento camarário comprovativo de que a alteração ao título constitutivo está de acordo com os correspondentes requisitos legais
18º A única entidade competente para gerir a urbanização é a Câmara Municipal e é essa a entidade pública a que se refere o artº.1415º do Cód. Civil.
19º A Câmara Municipal é a única entidade competente para definir a composição de um edifício, o destino de cada fracção ou parte comum do mesmo e isso tem de ser fixado no projecto de construção aprovado e depois vistoriado.
20º A alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal é feita por escritura pública que altera o título anterior.
21º A escritura pública é uma formalidade ad substantiam, indispensável para a validade da alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal, conforme resulta do disposto nos arts. 220.º, 371.º e 1419.º do CC.) e está sujeito a registo obrigatório.
22º Deste modo, conforme vem sendo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal por meio de sentença judicial não é legalmente admissível.
23º Assim, além de nenhum fundamento ter a acção intentada pela embargante/apelada, também a mesma, pelas razões que vêm aduzidas, não constitui qualquer causa prejudicial relativamente aos presentes autos.
24º Por outro lado, além de não haver qualquer fundamento para a suspensão dos presentes autos de embargo, na hipótese meramente académica de assim não se entender, o que não se admite, nem concede, também a suspensão dos mesmos até trânsito em julgado da dita acção declarativa, em face do adiantado dos mesmos e das delongas da dita acção, ainda não foram citados todos os RR, acarreta prejuízos para o embargado/apelante superiores a qualquer vantagem de uma alegada suspensão, pelo que também para por aqui, salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” não andou bem ao suspender os presentes autos de embargo.
25º Deste modo, salvo o devido respeito, não andou bem o Tribunal “ a quo” ao determinar a suspensão a presente instância.
26º Salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” violou, interpretou ou aplicou incorrectamente, além de outros, o disposto nos art.º 276 e 279 do CPC na versão aplicável aos autos.
Termina pedindo a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que ordene a prossecução dos autos para os seus ulteriores termos.
A Recorrida não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, a questão a decidir que ressalta das conclusões recursórias é a seguinte:
- Saber se a ação intentada pela Executada/Embargante é prejudicial relativamente aos embargos deduzidos.
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III. FUNDAMENTOS.

Os Factos
1 - É o seguinte o teor da decisão recorrida:

Por requerimento datado de 02/12/2016, veio o embargante pedir a suspensão dos presentes embargos até ser proferida decisão final na ação que interpôs no juízo local cível de Chaves, peticionando seja alterado o título constitutivo da propriedade horizontal e seja a embargada condenada a ressarcir o A., aqui embargante, por todos os danos por este sofridos, por o desfecho de tal ação ser determinante na análise dos argumentos vertidos.
O embargado opôs-se ao requerido, invocando que o peticionado naquela ação não é admissível e, ainda que seja proferida decisão a julgar a ação procedente, a mesma só terá efeitos para o futuro e nunca no título já dado à execução.
Cumpre apreciar e decidir:
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sempre que numa ação se ataca um ato ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ação, aquela é prejudicial em relação a esta.
Os artigos 276.º, n.º 1, al. c), e 279.º, do Código de Processo Civil (na versão aplicável aos autos), permitem ao Tribunal suspender a instância quando esteja em curso causa prejudicial.
Ora, verificando-se que na ação instaurada pela embargante é pedida uma indemnização por os condóminos do prédio terem beneficiado, ao longo de todos estes anos, de um enriquecimento sem causa, que deverá ser quantificado com a correção do título constitutivo da propriedade horizontal – cfr. artigo 14.º, da P.I. apresentada – infere-se que, a proceder tal pedido, ficariam prejudicados os fundamentos de defesa invocados nestes embargos, já que, em tais danos, poderiam ser envolvidos os valores peticionados na execução.
Assim sendo, a procedência daqueloutra ação, tornaria sem fundamento os presentes embargos, pois a ora embargante veria a sua posição salvaguardada, procedendo-se a um acerto de contas que poderia tornar não exigível a quantia exequenda.
Com a suspensão, evitar-se-á, ainda, a possibilidade de se chegar a decisões contraditórias, nem que apenas referentes a alguns factos (cfr. facto 9), da base instrutória).
Pelo exposto, será de todo o interesse que os presentes embargos fiquem a aguardar o desfecho daquela.
Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 276.º, n.º 1, al. c), e 279.º, do Código de Processo Civil, determina-se a suspensão dos presentes embargos até ser proferida decisão final transitada em julgado na ação n.º 2189/16.8T8CHV, do juízo local cível de Chaves.
Para o efeito, decorridos que sejam três meses, solicite informação àqueles autos do estado do processo.
Notifique.

2 - É ainda de considerar que:
a) No âmbito da execução que integra os autos principais, instaurada em 01.04.2004, foi dada à execução uma ata assembleia de condóminos do Edifício X (a nº18, relativa ao dia 11-06-2003), onde, entre o mais, consta que a referida assembleia reuniu para deliberar sobre as obras a realizar no dito edifício e que foi colocada a votação a realização de obras de recuperação do edifício, exigidas pela Câmara Municipal C., através de notificação, tendo a proposta sido acolhida, com votos favoráveis de 445,50 de permilagem e votos contra de 88,95 de permilagem, e tendo o pagamento da comparticipação de cada condómino sido fixada em € 326,00, por cada mil avos de capital do edifício pertencente a cada condómino, devendo o primeiro pagamento, na proporção de 50% de suas quota-parte ser efetuado até 15 de Julho de 2003 e os demais 50% deveriam ser liquidados até 15 de Agosto de 2003.
b) Nos embargos deduzidos em 01.07.2004 pela Executada, invocou esta nunca ter estado presente na aludida Assembleia Geral, sendo falso o que da mesma consta a respeito de ela ali ter sido representada por José, administrador do condomínio, não havendo pois quórum para deliberar, que a permilagem fixada na escritura de propriedade horizontal não corresponde à realidade (afirmando que a mesma “é manifestamente absurda e desajustada”, sem, porém, concretizar as supostas incorreções que a dita escritura contém) e, ainda, que as obras realizadas não correspondem às que foram objeto da deliberação em causa, que apenas versou as obras de recuperação do edifício exigidas pela Câmara Municipal C..
c) Em 02.12.2016 - quando os referidos embargos se encontravam em fase de julgamento, com suspensão da audiência já iniciada -, a Embargante/Recorrida intentou uma ação contra os condóminos do Edifício X em que peticiona a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal do aludido edifício e a condenação dos Réus a ressarcirem o Autor por todos os danos sofridos por este, “cujo quantitativo ficará para posterior liquidação de sentença”, alegando, para o efeito, a existência de um “erro manifesto” na permilagem, com consequências ao nível do pagamento das despesas do condomínio.
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O Direito.

Dispõe o art. 279.º, n.º 1, (atual art. 272º, nº 1) do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06, aplicável ao caso em apreço, que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
“Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto uma pretensão que constitui pressuposto da formulada.” (J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 1999, pág. 501). Exemplificando, diz-nos o referido Autor, que “a acção de nulidade dum contrato é, por exemplo, prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes”.
O mesmo é dizer que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3.ª edição, 2000, pág. 43).
No caso da questão prejudicial surpreende-se uma supremacia do interesse “da maior garantia de acerto ou aperfeiçoamento da decisão” sobre o interesse da celeridade processual (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 222).
“O que importa à qualificação de causa como prejudicial é, portanto, que ela tenha por objecto: uma questão que constitua um antecedente jurídico-concreto da questão objecto da causa dependente, por postular que ele se resolva antes da decisão final da questão principal; uma questão autónoma, quer no seu objecto, quer mesmo na sua natureza; uma questão necessária à decisão da questão objecto da causa dependente, uma vez que o sentido da sua resolução é elemento condicionante do conhecimento e decisão da questão principal
O nexo de prejudicialidade só existe desde que a decisão de uma das causas possa afectar a decisão da outra, o que sucederá, por exemplo, se decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa dependente”. (Acórdão da Relação de Coimbra de 29.06.2010)
No que toca à ação executiva a jurisprudência é unânime no sentido de que esta não pode ser suspensa com tal fundamento, uma vez que não tendo a mesma por fim a decisão duma causa, não pode verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito.
Já assim não será relativamente aos embargos: tendo em conta a sua natureza declarativa a suspensão é em princípio admissível, assim o tendo entendido a doutrina (cfr. J. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 502 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 1971, pág. 47) e a maioria da jurisprudência.
Todavia, “é de ponderar se a finalidade da realização do direito, que é própria da acção executiva, não deve levar, sempre que possível, a deslocar para a sua esfera a apreciação das questões que possam ser tratadas em processo declarativo apenso (que tem uma função de concentração conforme ao princípio da economia processual), só admitindo a suspensão com fundamento na pendência de causa prejudicial quando tal não seja possível”, havendo, “nomeadamente, que evitar que pela via da suspensão duma acção declarativa apensa à execução se consiga o mesmo resultado que procuraram evitar preceitos como os dos artigos 909-1-d (a acção de reivindicação pode levar à anulação da venda executiva mas não suspende a execução) ou 777 e 781-3 (a pendência de recurso extraordinário não impede a execução da sentença)”. (J. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 502 e 503).
Assim, para além do respeito pela exigência geral de prudencial ponderação contida no nº 2 do art. 279º (atual art. 272º, nº 2) - que prescreve que, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens - particulares cautelas se impõem na suspensão dos embargos com fundamento na existência de uma causa prejudicial.
Feito este enquadramento, analisemos o caso em apreço.
Como se sabe, em reapreciação está a suspensão, por alegada existência de causa prejudicial, dos embargos a uma execução intentada pelo Condomínio do Edifício X assente em ata de reunião duma assembleia de condóminos contendo determinada deliberação a respeito da realização de obras naquele edifício e montante das contribuições, em razão de tais obras, devidas ao condomínio.
Em 02.12.2016, anos decorridos desde a propositura da execução e da dedução dos embargos, a Embargante/Recorrida intentou uma ação contra os condóminos do Edifício X em que peticiona a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal do aludido edifício e a condenação dos Réus a ressarcirem o Autor por todos os danos sofridos por este, “cujo quantitativo ficará para posterior liquidação de sentença”, alegando, para o efeito, a existência de um “erro manifesto” na permilagem, com consequências ao nível do pagamento das despesas do condomínio.
Tendo o artigo 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro, conferido força executiva à “acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum…”, pode o Executado tentar atacar indiretamente a validade desse título atacando a validade do título constitutivo da propriedade horizontal que, nomeadamente, determina as permilagens.
Cremos, porém, que como defende Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, III, pág. 274, nota 4, “O executado, depois de citado para a execução, se tem alguma coisa a alegar contra o título executivo deve alegá-lo em oposição à execução e não em ação separada proposta contra o exequente”.
Mas, independentemente da opinião que acabamos de expressar, certo é que, na ação proposta não foi peticionada a declaração de nulidade ou a retificação do título constitutivo da propriedade horizontal do edifício em causa - com a inerente retroatividade em caso da sua eventual procedência e as consequências relativas à validade da subsequente deliberação da assembleia geral que constitui o título dado à execução nos autos principais - tendo, sim, sido peticionada a alteração do aludido título constitutivo, pedido que, como o Recorrente/Embargante sublinha, a proceder, só produzirá efeitos para o futuro, em nada afetando a validade do título executivo que está na base da execução intentada contra o Condómino ora Recorrido.
A verdade, porém, é que não é essa a base da decisão recorrida: esta invoca um argumento distinto para concluir pela existência de uma causa prejudicial justificadora da determinada suspensão.
Com efeito, ali se diz que verificando-se que na ação instaurada pela embargante é pedida uma indemnização por os condóminos do prédio terem beneficiado, ao longo de todos estes anos, de um enriquecimento sem causa, que deverá ser quantificado com a correção do título constitutivo da propriedade horizontal – cfr. artigo 14.º, da P.I. apresentada – infere-se que, a proceder tal pedido, ficariam prejudicados os fundamentos de defesa invocados nestes embargos, já que, em tais danos, poderiam ser envolvidos os valores peticionados na execução, pelo que, conclui, a procedência daqueloutra ação, tornaria sem fundamento os presentes embargos, pois a ora embargante veria a sua posição salvaguardada, procedendo-se a um acerto de contas que poderia tornar não exigível a quantia exequenda.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que tal argumento não tem qualquer sustentação.
Em primeiro lugar, não tendo a suposta ação prejudicial sido intentada contra o Condomínio, mas sim contra os Condóminos, como frisa o Recorrente, a alegada e hipotética responsabilidade por qualquer alegada e hipotética obrigação de indemnizar (…) será sempre individual e concreta de cada proprietário de cada fracção e não do ora embargado/exequente/apelante, não tendo, por isso, nenhuma influência na decisão dos presentes autos.
Em segundo lugar, para além de a dita ação não ter por objeto uma pretensão que constitua pressuposto da pretensão formulada nos embargos, não constituindo, pois, causa prejudicial em relação a estes, o cenário de “acerto de contas” equacionado pela decisão recorrida corresponderia, na prática, a admitir a compensação de créditos na fase executiva contra aquilo que é a jurisprudência que vem sendo perfilhada no Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que “na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva”, ou seja, no sentido de que a admissibilidade da compensação visada pelo titular do alegado crédito se encontra efetivamente condicionada, no processo executivo, ao prévio reconhecimento judicial da existência deste último. (cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2015).
Isto “atenta a respectiva natureza e especificidade, em confronto com a fase declarativa do processo, podendo, mesmo, traduzir-se em concessão de privilégio ao executado (e inerente violação do princípio da igualdade das partes), estimulando-o ao uso de meros expedientes dilatórios, em cotejo com o exequente a quem é exigido o “salvo-conduto” dum título executivo corporizador e meio de prova da existência, titularidade e objecto da obrigação para poder ingressar nas portas da acção executiva, na sugestiva imagem usada pelo Prof. Antunes Varela (Cfr. RLJ 121º/148)”.
E se da existência de uma verdadeira causa prejudicial se pudesse falar, cremos que, ainda assim, não deveria haver lugar à ordenada suspensão, certo que não é compreensível nem aceitável que os embargos sejam suspensos com fundamento na propositura de uma outra ação intentada quando aqueles se encontravam em fase de julgamento, com suspensão da audiência já iniciada.
Em tais circunstâncias e tendo presente as consequências para a própria execução, cremos que sempre haveria fundadas razões para crer que a dita ação foi intentada unicamente para se obter a suspensão dos embargos ou, no mínimo, para considerar que estes estavam tão adiantados que os prejuízos da suspensão superariam as vantagens.

Procede, pois, a apelação.
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Sumário:

I - Para além do respeito pela exigência geral de prudencial ponderação contida no nº 2 do art. 279º do Cód. Proc. Civil (na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06), particulares cautelas se impõem na suspensão dos embargos com fundamento na existência de uma causa prejudicial;
II - Entendendo-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto uma pretensão que constitui pressuposto da formulada, não é prejudicial, aos embargos a uma execução intentada com base numa ata de reunião de assembleia de condóminos de determinado prédio, a ação para alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, relativa àquele, onde se cumula pedido de indemnização contra os condóminos por alegado enriquecimento sem causa;
III - Ainda que o fosse, tendo a dita ação sido intentada quando os embargos, pendentes há longos anos, se encontravam em fase de julgamento, com suspensão da audiência já iniciada, sempre haveria fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão dos embargos ou, no mínimo, para considerar que estes estavam tão adiantados que os prejuízos da suspensão superariam as vantagens, pelo que não deveria ser ordenada a suspensão.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e decidindo, em sua substituição, indeferir a requerida suspensão dos embargos, com o consequente prosseguimento dos autos.
Custas pela Recorrida.
Guimarães, 25.01.2018

(Margarida Sousa) (Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)