Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2419/11.2TBVCT-A.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: INSOLVÊNCIA
CIRE
PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1º- Tendo o requerente da declaração de insolvência apresentado juntamente com a petição inicial um plano de pagamentos, nos termos do artigo 251º do CIRE, impõe-se ao juiz a tarefa liminar de apreciação e valoração do conteúdo do plano de pagamentos proposto, do ponto de vista da probabilidade da sua aprovação pelos credores, nos termos do art. 255º, nº1 do CIRE.

2º- Se desse juízo perfunctório, feito com base na situação patrimonial do devedor e no conteúdo do plano proposto, resultar altamente improvável que o plano de pagamento não venha a merecer a aprovação dos credores, impõe-se ao juiz, nos termos da segunda parte do nº1 do artº. 255º do CIRE, determinar a suspensão do processo de insolvência até ser decidido o incidente do plano de pagamentos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães



Nino.., solteiro, maior, contribuinte fiscal número ..., residente na Rua do ..., nº ..., ..., ...Viana do Castelo, veio apresentar-se à insolvência, pedindo a declaração do seu estado de insolvência actual.
Alegou, para tanto e em síntese, estar impossibilitado de cumprir as obrigações que assumiu para com os seus credores.
E, com vista a acautelar os interesses destes, apresentou o plano de pagamentos que se propõe cumprir.
Formulou ainda, subsidiariamente, pedido de exoneração do passivo restante, dispondo-se à observância das condições legais.

Considerados demonstrados, por força do disposto no artigo 28º do CIRE, os factos articulados na petição inicial, foi proferida sentença que declarou a insolvência de Nino..., determinando:
- fixar a residência do devedor na Rua do ..., nº. ..., ..., Viana do Castelo;
- nomear como Administrador Judicial o Sr. Dr. Fernando..., com domicílio profissional no Edifício... Viana do Castelo;
- decretar a imediata apreensão de todos os bens do devedor de todos aqueles que venham a ser descobertos;
- declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, com carácter pleno;
- fixar em trinta dias o prazo de reclamação de créditos, que devem obedecer ao disposto no artº. 128 do CIRE;
- advertir os credores que devem comunicar prontamente ao Sr. Administrador as garantias reais de que beneficiem;
- advertir os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados serão feitas ao Sr. Administrador;
- designar o próximo dia 12 de Outubro de 2011, pelas 14,00 horas, para a realização de assembleia de apreciação do relatório.
- a citação dos credores e o demais previsto no artº. 37, nº. 3, do CIRE.
- a afixação de editais e as competentes publicações e registo.


Não se conformando com esta decisão, dela apelou o requerente/insolvente, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A) O recorrente apresentou, conjuntamente com a petição inicial do processo de insolvência, um plano de pagamentos aos credores;
B) A apresentação de tal plano desde que não se afigure altamente improvável a sua aprovação determina a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos;
C) O plano apresentado pelo recorrente é razoável, equilibrado e coerente, pelo que possui todas as condições de aprovação por parte dos seus credores;
D) A douta sentença recorrida não teve em consideração o plano de pagamentos apresentado e suas consequências;
E) Trata-se de omissão que tem relevante consequência no processo de insolvência que torna a sentença nula de acordo com o disposto na alínea d) nº 1 do artigo 668º do Cod. Proc. Civil;
F) O recurso é o meio próprio para arguir a nulidade cometida – nº 4 do artigo 668º do C.P.C.;
G) A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto no artigo 255º do CIRE.”

A final, pede seja revogada a sentença recorrida e a sua substituição por outra que, tendo em consideração o plano de pagamentos apresentado pelo recorrente, ordene a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª- a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 668º, nº1, al. d) do C. P. Civil;


2ª- há lugar à suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos.


I- Relativamente à primeira questão, sustenta o apelante que a sentença recorrida não teve em consideração o plano de pagamentos aos credores apresentado com a petição inicial nem as suas consequências, pelo que enferma da nulidade revista no artigo 668º, nº1 al. d) do CPC.
Segundo esta alínea, é nula a sentença ”Quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este vício, conforme jurisprudência unânime , traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no n.º2 do art. 660º do mesmo diploma e que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas á sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras.
E, por outro lado, o dever de ocupar-se tão somente das questões suscitadas pelas partes e/ou daquelas que a lei lhe impuser o conhecimento oficioso.
Dos elementos constantes dos autos, resulta que o requerente apresentou juntamente com a petição inicial um plano de pagamentos, nos termos do artigo 251º do CIRE ( Cfr. fls. 80 a 93 dos presentes autos) e que, a Mmª Juíza a quo, proferiu decisão de declaração de insolvência sem que antes tivesse apreciado o referido plano, quando é certo que o art. 255º, nº1 do CIRE impõe ao juiz a tarefa liminar de apreciação e valoração do conteúdo do plano de pagamentos proposto, do ponto de vista da probabilidade da sua aprovação pelos credores .
E bem se compreende que assim seja.
É que são manifestas as vantagens decorrentes da aprovação do plano de pagamento, quer para os credores, quer para o devedor.
Do lado dos credores, assegura não só uma satisfação razoável dos seus créditos, como uma maior rapidez nessa satisfação.
Do lado do devedor, afasta as consequências desfavoráveis decorrentes do processo de insolvência, designadamente, da liquidação da massa insolvente e da publicitação da situação em que se encontra ( cfr. art. 259º, nº5) e da não abertura de incidente de qualificação da insolvência .
Por tudo isto, manifesto se torna que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 660º, n.º2 do C. P. Civil, padecendo a sentença recorrida da nulidade prevista no citado art. 668º, n.º1, al. d) , 1ª parte do C. P. Civil, pelo que impõe-se declará-la nula.

II- Todavia e porque, nos termos do disposto no art. 715º, nº1 do C. P. Civil, a declaração de nulidade da decisão recorrida impõe a este Tribunal o conhecimento do objecto da apelação, diremos, desde logo, resultar dos elementos constantes dos autos, que o requerente não só preenche os requisitos exigidos pelo art. 249º do CIRE, como também, atenta a situação patrimonial do devedor ( baixo valor do seu património e dispõe apenas de um rendimento líquido mensal de € 1526,00), e ao conteúdo do referido plano ( estabelece, para os empréstimos contraídos e garantidos por hipoteca, um período de carência de dois anos, sem perdão de dívida e, para os demais créditos, um perdão de 30%, prolongamento do prazo de pagamento e uma taxa de juro de 5%) afigura-se-nos como altamente improvável que o plano de pagamentos proposto não venha a merecer a aprovação dos credores.
E sendo assim, manifesto se torna ocorrer motivo justificativo da suspensão do processo de insolvência até ser decidido o incidente do plano de pagamentos, o que se determinará nos termos do art. 255º, nº1 do CIRE.

Procedem, por isso, todas as demais conclusões do requerente/apelante.


DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em declarar nula a sentença recorrida e em determinar a suspensão do processo de insolvência até ser decidido o incidente do plano de pagamentos. .
As custas devidas pela apelação, ficarão a cargo da massa insolvente.

Guimarães, 13 de Setembro de 2011