Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
795/09.6TBVRL-B.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PROCESSO TUTELAR DE MENORES
NATUREZA URGENTE DO PROCESSO
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Só a falta absoluta de fundamentação determina a nulidade da sentença ou do despacho (art.ºs 613º, nºs 2 e 3, e 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil), não padecendo desse vício a sentença ou o despacho que contém uma fundamentação deficiente ou incompleta.
2. A natureza urgente nos processo tutelares cíveis não é automática para todos eles, antes há de ser apreciada e declarada caso a caso, segundo critério do prejuízo para o superior interesse do menor previsto no art.º 160º da OTM, apenas respeitante ao decurso do processo em férias judicias.
3. Por se situar no âmbito do incumprimento da obrigação de alimentos e não haver norma especial no Regime de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e da responsabilidade social do respetivo Fundo, deve entender-se a ele aplicável a norma do art.º 160º da OTM.
4. Discutindo-se se o prazo de interposição de recurso é normal (30 dias) ou reduzido (15 dias) em função da natureza não urgente ou urgente do processo (art.º 638º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem que a urgência tivesse sido declarada, a subsistência da dúvida sobre aquele prazo sempre justificaria a admissão do recurso atento o interesse em causa e a valência da regra segundo a qual, na dúvida, os direitos prevalecem sobre as respetivas restrições.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
Em ação de incumprimento de decisão de responsabilidades parentais relativas ao menor J…, em que é requerente o MINISTÉRIO PÚBLICO, requerido L… e interveniente incidental o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP [1], em 20.9.2014, foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do relatório social que antecede, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e do qual se afere que o agregado familiar do menor J… é constituído por três pessoas e o rendimento per capita é de € 142,23, verificam-se os pressupostos previstos no art° 3° do Decreto-lei nº 164/99 de 13 de Maio, motivo pelo qual determina-se que o pagamento da pensão de alimentos devida ao menor seja efectuado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Notifique, remetendo ao FGA cópia do relatório elaborado pela Segurança Social – art° 4° n.º 3 do citado Decreto-lei nº 164/99.” (sic)
A notificação desta decisão ao FGADM foi elaborada em ambiente eletrónico no dia 01.10.2013, considerando-se aquela efetuada no dia 04.10.2013.
Inconformado com aquela decisão, o FGADM dela interpôs recurso de apelação no dia 24.10.2013, defendendo que não estão reunidos os pressupostos da sua intervenção para atribuição da responsabilidade àquele Fundo pelo pagamento da pensão de alimento, sendo, por outro lado, nula tal decisão, por falta de fundamentação.
No dia 15.01.2014, foi proferido o seguinte despacho:
“Liquide a multa prevista no art.º 139.º n.º 6 do actual CPC – cf. art.º 638.º, n.º 1, 2ª parte, do mesmo Código”
É desta última decisão que vem interposta a presente apelação, admitida em separado, com subida imediata e efeito suspensivo da decisão, onde o requerido apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
«I. A decisão recorrida é do seguinte teor:
“Liquide a multa prevista no art. 139° nº 6 do actual CPC - cf. art. 638°, nº 1, 2° parte, do mesmo Código.”
II. O despacho ora recorrido foi proferido após ter o FGADM ter interposto, nos presentes autos, recurso de apelação com efeito devolutivo e subido em separado (cf. art.s 627°, 631°, nºs 1 e 2, 644°, nº 1, al. a), 645°, nº 2, do CPC e art. 3°, nº 5 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro), da douta decisão proferida nos mesmos, o qual é do seguinte teor:
"Em face do relatório social que antecede, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e do qual se afere que o agregado familiar do menor J… é constituído por três pessoas e o e o rendimento per capita é de € 142,23, verificam-se os pressupostos previstos no artº 3° do DL n.º 164/99 de 13 de Maio, motivo pelo qual determina-se que o pagamento da pensão de alimentos devida ao menor seja efectuado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Notifique, remetendo ao FGA cópia do relatório elaborado pela Segurança Social-art. ° 4° nº 3 do citado DL n. ° 164/99.

No mais: como se promove."
III. Aquela decisão foi notificada ao FGADM através da carta de notificação com a referência 3133556 do p.e., de 01.10.2013.
IV. Em 24.10.2013 o FGADM, por não se conformar com aquela decisão, interpôs o competente recurso de apelação. (cfr. ref. 14837138 do p.e.)
V. Resulta do despacho recorrido que o Mmo. Juiz a quo, ao invocar o disposto no art. 638°, nº 1, 2° parte, do CPC, entende que o prazo aplicável ao recurso interposto é de 15 dias,
Consequentemente,
VI. Considerou o Mmo. Juiz a quo que aquele recurso foi interposto no terceiro dia após o prazo de interposição (art. 139°, n.º 6, do CPC).
VII. Salvo o devido respeito, não entende assim o FGADM, pois, considera que o recurso foi interposto no vigésimo dia do prazo de trinta dias de que dispunha (cfr. art. 638°, n.º 1, 1 ° parte, do CPC), o qual só terminava em 04.11.2013.
VIII. No despacho ora recorrido determina-se, sem se avançar qualquer razão ou fundamento, que se "Liquide a multa prevista no art. 139° nº 6 do actual CPC - cf. art. 638°, nº 1, 2° parte, do mesmo Código."
IX. Nos termos do art. 638°, nº 1 do CPC, o prazo geral para a interposição de recurso é de 30 dias contados a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do art. 644° e no art. 677°, ambos do CPC.
X. No caso dos autos, não estamos, certamente, perante um processo urgente, nem estamos no âmbito de aplicação do art. 677° do CPC, pelo que nos resta o disposto no nº 2 do art. 644° do mesmo Código, onde se estipula que:
"2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuia impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei".
XI. A decisão antes recorrida, ao determinar “… que o pagamento da pensão de alimentos devida ao menor seja efectuado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.” não se enquadra em qualquer daquelas alíneas.
XII. Assim, mais que não seja por exclusão de partes, parece-nos meridianamente claro que o prazo para interposição do recurso aqui em causa é o prazo geral previsto no art. 638°, n.º 1 do CPC, ou seja, de 30 dias contados a partir da notificação da decisão.
Consequentemente,
XIII. O recurso interposto pelo FGADM da douta decisão que determina "... que o pagamento da pensão de alimentos devida ao menor seja efectuado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.” foi tempestivo,
XIV. Como, aliás, tem sido unanimemente entendido por todos os tribunais, de primeira instância e superiores, onde foram interpostos e julgados largas dezenas de recursos em tudo idênticos ao interposto nos presentes autos.
XV. Ao decidir como decidiu o Mmo. Juiz a quo violou o disposto nos art.s 638°, nº 1, 1ª parte, e 644°, n.º 2, nas suas diversas alíneas, ambos do CPC.
Sem prescindir,
XVI. No despacho ora recorrido determina-se, sem se avançar qualquer razão ou fundamento, que se "Liquide a multa prevista no art. 139° nº 6 do actual CPC - d. art. 638°, nº 1, 2° parte, do mesmo Código."
XVII. Entende o FGADM que tal despacho deveria ter sido devidamente fundamentado, a fim ser possível ao recorrente perceber os fundamentos e motivos de direito que levaram o Mmo. Juiz a quo a considerar que o prazo aplicável ao recurso em causa era de 15 dias, bem como a aplicar-lhe uma multa no valor de € 306,00, sob pena de não se considerar válido o recurso interposto.
Isto é,
XVIII. A douta decisão ora recorrida, porque que se trata de um despacho que manda liquidar e aplicar uma multa, devia ter sido fundamentada, mediante a subsunção dos factos (a, eventual, violação do prazo aplicável ao recurso e sua interposição no terceiro dia posterior àquele prazo) ao direito (a norma que estipula o prazo que o Mmo. Juiz a quo considera aplicável ao recurso interposto), de harmonia com os artigos 154°, n.º 1, e 615°, n.º 1, al. b), ambos do CPC, o que não foi feito,
XIX. Face ao que se entende que a decisão em apreço violou o disposto nos artigos 154°, nºs 1 e 2 e 615°, n.º 1, al. b), ambos do CPC.
XX. Pelo que se invoca a sua nulidade, por omissão, nos termos do art. 195°, n.º 1, 2.ª parte, do CPC,
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se:
- Que o recurso interposto pelo FGADM, em 24.10.2013, da douta decisão que determina " ... que o pagamento da pensão de alimentos devida ao menor seja efectuado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores." foi tempestivo, por ao mesmo ser aplicável o prazo geral de recurso previsto 638°, n.º 1 do CPC, devendo, consequentemente, dar-se sem efeito a guia para pagamento de multa emitida.
Sem prescindir,
- a nulidade, por falta de fundamentação, da decisão que determina a liquidação da multa prevista no art. 139°, nº 6, do CPC, nos termos e com os efeitos do disposto nos artigos 154.° e 615.°, n. ° 1, al. b), e 195°, n. ° 1, 2.ª parte, todos do CPC, tudo com inerentes consequências legais.» (sic)

Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
As questões a apreciar --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do requerido FGADM (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil [2]), cumprindo-nos decidir, por ordem lógica:
1. Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação; e
2. Se o recurso da decisão proferida a 20.9.2013 foi interposto dentro do prazo legal previsto para o efeito ou no 3º dia posterior ao termo desse prazo, devendo, este caso, o recorrente pagar multa.
III.
A matéria relevante é de índole processual e consta do relatório que antecede.
IV.
1. Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação
A fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem imposição constitucional (art.º 205º, nº 1, da Constituição da República), tal é a importância que a Lei lhe concede, como garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, enquanto instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. [3]
É pela fundamentação que a decisão se revela um ato não arbitrário, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional. É por ela que as partes ficam a saber da razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente admitidos.
Todavia, dispondo o citado art.º 615º, nº 1, al. b), que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, é praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência, que só a falta absoluta de fundamentação determina a nulidade da sentença ou do despacho (art.º 613º, nºs 2 e 3), não padecendo desse vício a sentença ou o despacho que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada.[4]
Como escreve o Professor Alberto dos Reis [5], «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
A falta de fundamentação da decisão, seja ela um mero despacho ou uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira.
Só aquela ausência de motivação torna a peça imprestável ou impercetível. Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afeta o valor legal da decisão [6]. A fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões de facto e de direito que servem de apoio à solução adotada pelo julgador.
Está em causa o seguinte despacho:
“Liquide a multa prevista no art. 139° nº 6 do actual CPC - cf. art. 638°, nº 1, 2° parte, do mesmo Código.”
O juiz, ao decidir, não tem que transcrever as disposições legais que cita. Elas são públicas, estão publicadas em Diário da República.
O art.º 139º, nº 6, refere-se expressamente ao pagamento de uma multa, acrescida de uma penalização de 25%, pela prática do ato processual fora de prazo, num dos três dias úteis seguintes, sem que a parte tivesse pago então a multa correspondente.
O art.º 638º, nº 1, respeita aos prazos que a lei do processo prevê para a interposição dos recursos, estabelecendo, para o efeito, 30 dias a contar da notificação da decisão que, conforme a sua 2ª parte, que o tribunal invocou, se reduz para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do art.º 644º e no art.º 677º.
É por demais evidente que o tribunal considerou que o prazo de recurso era de 15 dias. Manifesto é também que não tem aqui aplicação o art.º 677º por não se tratar de um recurso de revista.
Restam as duas outras possibilidades previstas na parte final do nº 1 do art.º 638º:
a) ser o processo urgente; ou
b) verificar-se alguma das situações a que se refere o nº 2 do art.º 644º (al.s a) a i)).
Foi isso que o próprio recorrente entendeu, como resulta das suas alegações de recurso, incluindo as conclusões X a XV, onde denota ter compreendido bem, não apenas que o tribunal atendeu a um prazo de impugnação da decisão de 15 dias, como também que o fez por ter considerado o processo como urgente ou por a apelação verter sobre algum dos fundamentos previstos no dito nº 2 do art.º 644º, com possibilidade de os rebater. Fê-lo, argumentando no sentido de que o recurso foi interposto dentro do prazo de 30 dias e que é este, e não aquele, o prazo aplicável.
Com efeito, se é certo que a decisão poderia e devia ter sido objeto de uma fundamentação mais completa, não ocorre, porém, a invocada nulidade.
Improcede esta questão.
*
2. O recurso e o prazo legal da sua interposição
Pressupondo que o prazo de recurso era de 15 dias, nos termos do art.º 638º, nº 1, 2ª parte, o tribunal entendeu que o recorrente deveria pagar a multa a quer se refere o art.º 139º, nº 6.
A decisão recorrida foi proferida a 20.09.2013, a notificação eletrónica foi elaborada a 01.10.2013, considerando-se efetuada no dia 04.10.2013 e o recurso foi interposto no dia 24.10.2013.
A ser de 15 dias o prazo de recurso, o seu termo teria sido atingido no dia 21.10.2013. Como o recurso foi interposto no terceiro dia útil posterior sem que o recorrente tivesse pago a multa devida nos termos no art.º 139º, nº 5, al. c), estaria incurso no dever processual de pagar a multa e a penalização previstas no subsequente nº 6.
A questão é, precisamente, a de saber se o prazo de interposição do recurso é de 15 ou de 30 dias, assim, se é o prazo normal ou o prazo reduzido a que se refere o art.º 638, nº 1, que se aplica.
De acordo com aquele preceito legal, o prazo reduzido de 15 dias vale apenas para os processos urgentes e para os casos previstos no nº 2 do art.º 644 e no art.º 677º.
Excluindo à partida a aplicação do art.º 677º por se tratar aqui de uma apelação, e não de revista, sobram as duas outras possibilidade.
O nº 2 do art.º 644º prevê apenas as seguintes situações de recurso de apelação:
«a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.»
A decisão então recorrida determinou que o FGADM passasse a pagar a pensão de alimentos devida ao menor pelo seu progenitor ao abrigo da Lei 75/98, de 19 de novembro [7] e do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio [8], designadamente do art.º 3º deste decreto regulamentador. Não trata, com toda a certeza, de nenhuma das situações indicadas nas referidas alíneas do nº 2 do art.º 644º.
Resta a eventual natureza urgente do processo. É esta, realmente, a situação que justifica a apelação e o nosso trabalho.
A obrigação que recai sobre o FGADM constitui uma prestação social de substituição. Impõe-se nas condições legais previstas nos referidos diplomas legais, quando, carecendo o menor de alimentos, não os obtém do progenitor condenado ao seu pagamento. Surge em face do incumprimento daquela obrigação judicialmente declarada e é requerida nos próprios autos de incumprimento, ficando aquele organismo sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respetivo reembolso (art.º 189º da OTM e art.ºs 1º, 3º, nº 1 e 6º, nº 3 da Lei nº 75/98, de 19 de novembro e art.ºs 2º, nº 2, 3º, nº 1, al. a), 5º, nº 1 e 9º, nº 1, do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio).
Do preâmbulo do Decreto-lei nº 164/99 resulta a intenção de proporcionar ao menor, com rapidez e eficácia, a satisfação das garantias de alimentos devidos, criando um procedimento adequado à satisfação daquele interesse, é certo. Já a Lei nº 75/98, de 19 de novembro estabelece prioridades, pressupondo situações de verdadeira urgência, ao dispor que “se for considerada justificada e urgente a pretensão do requerente, o juiz, após diligências de prova, proferirá decisão provisória”, uma decisão cautelar e urgente e, nessa medida, necessariamente célere. Mas nenhum daqueles diplomas classifica expressamente de urgente o procedimento em causa.
Inserindo-se no incumprimento da obrigação de alimentos, uma providência cível, no âmbito dos processos tutelares, deve considerar-se a aplicação do disposto no art.º 160º da OTM [9], que, sob a epígrafe “processos urgentes”, dispõe que “correm durante as férias judiciais os processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses do menor”, assim apontando para uma urgência caraterizada apenas pelo curso do processo em férias judiciais e a declarar, caso a caso, conforme as suas especificidades. É essa a urgência prevista para aqueles procedimentos.
Para que o processo corra nas férias judiciais é necessário que a demora possa causar prejuízo ao interesse do menor. Não é uma urgência automática, que resulte diretamente da lei para todos os processos tutelares. Ela há de emergir de situações concretas e determinadas a ponderar, entendendo-se --- como entendem Helena Bolieiro e Paulo Guerra [10] --- que os processos deste jaez podem ser considerados urgentes, assim passando a correr nas férias judicias, necessitando, no entanto, de um despacho judicial a declarar a situação de urgência.
Mas ainda que assim não fosse e subsistisse a dúvida que justificasse uma urgência não declarada, mesmo válida para além das férias judiciais, a redução do prazo de recurso para 15 dias sempre representaria uma restrição de direitos. E num processo em que está em causa o superior interesse de um menor, que passa pela concretização do seu direito a alimentos, aquilo que é necessário e elementar à sua subsistência, manda a prudência que se aplique a regra segundo a qual, na dúvida, os direitos prevalecem sobre as restrições, devendo, também com este fundamento, considerar-se, no caso, a aplicação do prazo normal de interposição do recurso, de 30 dias (art.º 638º, nº 1, 1ª parte), devendo, por isso, ser aquele admitido.
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SUMÁRIO
1. Só a falta absoluta de fundamentação determina a nulidade da sentença ou do despacho (art.ºs 613º, nºs 2 e 3, e 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil), não padecendo desse vício a sentença ou o despacho que contém uma fundamentação deficiente ou incompleta.
2. A natureza urgente nos processo tutelares cíveis não é automática para todos eles, antes há de ser apreciada e declarada caso a caso, segundo critério do prejuízo para o superior interesse do menor previsto no art.º 160º da OTM, apenas respeitante ao decurso do processo em férias judicias.
3. Por se situar no âmbito do incumprimento da obrigação de alimentos e não haver norma especial no Regime de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e da responsabilidade social do respetivo Fundo, deve entender-se a ele aplicável a norma do art.º 160º da OTM.
4. Discutindo-se se o prazo de interposição de recurso é normal (30 dias) ou reduzido (15 dias) em função da natureza não urgente ou urgente do processo (art.º 638º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem que a urgência tivesse sido declarada, a subsistência da dúvida sobre aquele prazo sempre justificaria a admissão do recurso atento o interesse em causa e a valência da regra segundo a qual, na dúvida, os direitos prevalecem sobre as respetivas restrições.
*
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão objeto do presente recurso, proferida no dia 15.01.2014, considerando-se tempestivo o recurso interposto da decisão pronunciada no dia 20.09.2013.
Custas da apelação pela parte que houver de pagar as custas devidas a final.
Guimarães, 23 de abril de 2015
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (adiante FGADM).
[2] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[3] Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra, pág.s 798 e 799.
[4] Cf. entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, in www.dgsi.pt.
[5] Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140.
[6] Cf., entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, in www.dgsi.pt e Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 390.
[7] Alterado pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro.
[8] Alterado pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro.
[9] Organização Tutelar de Menores.
[10] A Criança e a Família – uma Questão de Direito(s), Coimbra Editora, 2009, pág. 245.