Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3200/12.7TBBCL.G2
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: AUTO-ESTRADA
CONCESSIONÁRIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Nas auto-estradas, em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, cabe à concessionária, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, desde que a causa do sinistro respeite a atravessamento da via por animais.
2 - Não basta uma prova genérica do cumprimento pela concessionária das regras de segurança.
3 - O cumprimento, pela concessionária, das obrigações de segurança passa, no mínimo, pela conservação, em perfeito estado, das redes metálicas que é suposto impedirem animais de atravessar as auto-estradas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – “A… – Companhia de Seguros, SA, sociedade com sede na Rua…, Porto, intentou contra a B…, S.A., com sede social na…, Cascais, e F… - Companhia de Seguros, S.A., com sede no …, Lisboa, a presente acção declarativa, com processo sumário, na qual termina peticionando a condenação das rés no pagamento à autora da quantia de € 11.056,38, acrescida dos juros de mora contados desde a citação e calculados à taxa de 4%, por danos sofridos no veículo de matrícula …-MN em consequência de acidente de viação ocorrido na Auto-Estrada (A.E. n.º 3), provocado pela invasão da referida via por dois coelhos.
Juntou documentos.
A Companhia de Seguros F…, excepcionou a existência de uma franquia no contrato de seguro que celebrou com a co-ré, mais impugnando os factos alegados na petição inicial.
Juntou a apólice que titula o contrato de seguro.
A B… contestou impugnando os factos articulados pelo autor e alegando ainda que o local onde ocorreu o acidente tinha sido patrulhado previamente por funcionários seus.
Conclui pela improcedência da acção e juntou documentos.
Foi proferido despacho saneador, onde se decidiu ser o Tribunal materialmente incompetente para conhecer o litigio em apreço.
Recorreu a autora, logrando obter vencimento no recurso que interpôs, decidindo o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães revogar a decisão proferida, determinando o prosseguimento dos autos.
Foi então proferido despacho saneador onde, já à luz do novo regime legal consagrado pela Lei n.º 41/2013, e depois de admitida a prova, se agendou data para a realização da audiência de julgamento.
Procedeu-se, então, ao julgamento com inteira observância das formalidades legais.”.
A final, 29-08-2014, a acção foi, doutamente, julgada improcedente.

Inconformada, a autora apela do assim decidido, firmando conclusões que aqui se têm por reproduzidas.
Em resposta, a 2ª ré pugna pela manutenção do julgado.

O relator exarou, então, a seguinte decisão sumária:
“O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade.
II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.
III – Fundamentação:
i) A decisão de facto:
Na conclusão 32, en passant, a recorrente fala na “reapreciação das provas existentes no processo”, deixando, assim, a dúvida de saber se, desse modo, pretende ou não, e em que medida, impugnar a decisão em epígrafe.
Queremos crer que a recorrente se refere apenas à necessidade de uma mais correcta subsunção das provas existentes às previsões legais, mas sempre se dirá que, como é evidente, aquele não é o modo correcto de discutir a matéria de facto, por isso que não se cumprem os ónus estabelecidos no artº640.º, nº1, do CPC.
A factualidade assente é, pois, a constante da decisão recorrida, para ela se remetendo, ao abrigo do disposto no artº663.º, nº6, do actual CPC.

ii) A decisão de direito:
Vem impugnada nos termos das conclusões 20 a 32.
Vejamos:
Segundo o artº12.º, nº1, alínea b), da Lei 24/2004, de 18-07, nas auto-estradas, em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, cabe, à concessionária, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (ónus), desde que a causa do sinistro respeite a atravessamento da via por animais.
Em discussão está apenas a questão de saber se foi ou não cumprido o ónus; na sentença, entendeu-se que sim, com o aplauso da 2ª ré, enquanto que a recorrente entende que não.
Vista a conformação dos pontos 17 a 20 do probatório, facilmente se conclui que a sentença se bastou com uma prova genérica do cumprimento, pela 1ª ré, concessionária, das regras de segurança a que disse estar obrigada, sendo de realçar, desde já, não ter sido feita prova do teor de tais regras – para o probatório, não passaram os factos, também eles genéricos, aliás, levados ao artigo 8 da contestação da Brisa.
E, na tarefa de cumprir o ónus, teria sido fulcral que se demonstrasse, ao menos, que, a seguir ao sinistro, se tinha vistoriado, numa extensão razoável (não de metros, mas, no mínimo, de centenas deles, para o que não seria despiciendo apurar quais os hábitos de deslocação dos coelhos - não se perde de vista que os animais avistados eram apenas semelhantes a coelhos, mas, nesta incerteza, parece curial que se actuasse como se aqueles animais fossem desta espécie), o estado de conservação das redes metálicas e das fiadas de arame farpado mencionadas naquele artigo 8.
Estamos, deste modo, como é bom de ver, a escolher, na querela que opõe os que se bastam com aquela prova genérica aos que exigem algo mais que isso, o campo destes.
Pensamos, com efeito, que tal prova genérica não é suficiente para cumprimento do ónus.
O cumprimento, pela concessionária, das obrigações de segurança, passa, naturalmente, no mínimo, pela conservação, em perfeito estado de conservação, das redes metálicas que é suposto impedirem animais de atravessar as auto-estradas.
Não pode, pois, considerar-se bastante que, para cumprimento do ónus, a concessionária se limite, após um sinistro, a percorrer o lanço (em que distância?) onde este ocorreu, e a verificar não existir aí, vivo ou morto, qualquer animal.
Deste modo, não se mostra cumprido o ónus incidente sobre a concessionária, que, por isso, deve ser responsabilizada pela indemnização, adiantada pela autora, dos danos sofridos pelo segurado desta, salvo no que se refere à franquia de 748,20 € referida no ponto 16 do probatório.
O recurso deve, pois, proceder.
Em síntese:
I – A decisão de facto é mantida, porque ou não vem impugnada ou vem-no sem observância dos ónus impostos ao recorrente pelo artº640.º, nº1, do CPC;
II – A sentença é revogada, e as rés condenadas no pedido, por se entender, ao contrário do que sucede na sentença, que as rés não cumpriram o ónus de provar que a 2ª ré cumpriu as obrigações de segurança a que estava adstrita.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a sentença, e:
- Condena-se a 2ª ré a pagar, à autora, 10 308,18 €, acrescidos de juros à taxa legal, a contar da citação;
- Condena-se a 1ª ré a pagar, à autora, 748,20 €, acrescidos de juros à taxa legal, a contar da citação.
Custas pelas recorridas, na proporção do respectivo decaimento.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.
• Entende-se que a reclamação para a conferência, nos termos do artº652.º, nº3, do actual CPC, está sujeita a custas [tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, in fine (0,25 a 3)], devendo observar-se o disposto no artº14.º, nº1, deste.”.

Vem, agora, requerido, com exposição de motivos, pela recorrida B…, com adesão da F…, que, sobre o objecto do recurso, recaia um acórdão.
Em conferência, o tribunal revê-se na decisão vinda de transcrever, que, por isso, avoca e, por inteiro, faz sua, com o que se revoga a sentença, e:
- Condena-se a 2ª ré a pagar, à autora, 10 308,18 €, acrescidos de juros à taxa legal, a contar da citação;
- Condena-se a 1ª ré a pagar, à autora, 748,20 €, acrescidos de juros à taxa legal, a contar da citação.
O tribunal não se pronuncia sobre a dita exposição, por estar fora de questão que, com ela, se possa, de algum modo, alterar os termos do recurso.
Custas pelas recorridas, na proporção do respectivo decaimento, incluindo no que se refere à reclamação, cuja taxa de justiça se fixa em 150,00 €.
Guimarães, 09-04-2015
Henrique Andrade
Eva Almeida
Filipe Caroço