Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/15.5TBVRL-W.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CIRE
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O crédito laboral de compensação/indemnização por antiguidade relativo a contrato de trabalho que cessou após a declaração de insolvência, por iniciativa do administrador judicial, constitui dívida da massa insolvente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;



Recorrente: Massa Insolvente de AA & Companhia, Lda
Recorrido: BB (credor);


*****

Nos autos de verificação ulterior de créditos que o recorrido AA intentou contra a massa insolvente de BB & Companhia, Lda., os credores da insolvente e contra a sociedade insolvente, foi proferida sentença nos seguintes termos:
«Julgo verificados os seguintes créditos como dívidas da massa insolvente:
- Salário do mês de Setembro/2013, respectivas diuturnidades e subsídio de refeição, no valor de 799,55 €.
- Subsídio de natal de 2012 no valor de 710,75 €.
- Subsídio de férias de 2012 vencido em 1/01/2013 no valor de 710,75 €.

- 20 dias de salários de Novembro/2013 no valor de 473,83 €.
- 14 dias de subsídio de refeição de Novembro/2013 no valor de 58,80 €.
- 27,5 dias de férias e respectivo subsídio proporcionais de 2013 (Janeiro-Novembro) no valor de 1.303,04 €.
- 27,5 dias de subsídio de natal proporcional do mesmo período do ponto anterior no valor de 651,52 €.
- indemnização de antiguidade no valor de € 24.738,09.
Deve observar-se, no seu pagamento, o estatuído no n.º 1 do art.º 172.º do CIRE».

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Massa Insolvente de AA & Companhia, Lda a presente apelação, em cuja alegação formula, em suma, as seguintes conclusões:
I – A recorrente assenta a sua discordância quanto à douta decisão recorrida no facto do MMº Juiz ‘’a quo’’ ter entendido que a compensação devida pela extinção do contrato de trabalho, apesar de ser qualificada como divida da insolvência, enquadra-se perfeitamente na previsão do artigo 51º c) do CIRE, sendo tal crédito verificado a título de indemnização por antiguidade ser divida da massa insolvente, a pagar nos termos do artigo 172º, n.º 1 a 3, do CIRE.
II – Afigura-se à recorrente que a douta decisão sob recurso, nomeadamente a inclusão da indemnização de antiguidade no valor de 24.738,09 € como dívida da massa insolvente não interpreta correctamente as normas de direito aplicáveis a este caso concreto.
III – A sociedade AA & Companhia, Lda foi declarada insolvente em 3 de Fevereiro de 2012.
IV - O contrato de trabalho que o recorrido mantinha com a sociedade insolvente cessou em Novembro de 2013.
V - Tal contrato cessou por o administrador, antes do encerramento definitivo da empresa, ter considerado a colaboração dispensável à manutenção do funcionamento da empresa. Tendo enviado ao recorrido a respectiva declaração de desemprego, ao que este não se opôs.
VI - A douta sentença sob recurso julgou o crédito a título de indemnização de antiguidade no valor de 24.738,09 € como dívida da massa insolvente.
VII - No entanto, o crédito a título de indemnização de antiguidade no valor de 24.738,09 €, não pode, no nosso entendimento, ser qualificado como dívida da massa insolvente.
VIII - Certo é que a essência da ratio da existência de dívidas qualificáveis como dívidas da massa, a pagar com precipuidade, está na circunstância de haver dividas do funcionamento da empresa do período posterior à declaração de insolvência e de haver dividas que são contraídas tendo exclusivamente em vista a própria actividade de liquidação e partilha da massa, situação em que não estão ou se enquadram as dívidas por cessação dos contratos de trabalho, principalmente quando tal cessação, como é o caso, está indissoluvelmente ligada às vicissitudes que ‘’laceravam’’ a empresa insolvente, que a conduziram à sua insolvência.
IX - A pensar-se diferentemente – não representando a declaração de insolvência a extinção dos contratos de trabalho em que a insolvente é empregadora – teríamos que, em caso de encerramento final da empresa da insolvente, todas as indemnizações/compensações por cessação de contratos de trabalho seriam sempre créditos sobre a massa.
X - Apenas e só, na generalidade dos casos, por formalmente a cessação dos contratos de trabalho ocorrer em procedimentos já levados a cabo na vigência temporal da Administração da Insolvente.
XI - Mais, assim vistas as coisas – declarada a insolvência, provado o insolvente de uma administração ‘’independente’’ e/ou esta entregue ao administrador da insolvência – uma vez que quase tudo passa pela actuação do administrador, uma vez que em quase tudo estão incorporados actos do administrador, então, tudo ou quase tudo seriam dividas da massa.
XII - Os créditos consistentes na compensação/indemnização por cessação de contrato de trabalho, subsequente às vicissitudes/encerramento da empresa insolvente, são créditos da insolvência; não preenchendo alguma das alíneas do artigo 51º do CIRE.
XIII - Em face do exposto, verifica-se que a douta decisão sob recurso não interpreta correctamente as normas de direito aplicáveis a este caso concreto, ao considerar que a compensação devida pela extinção do contrato de trabalho apesar de ser qualificada como divida da insolvência, enquadra-se perfeitamente na previsão do artigo 51º c) do CIRE, sendo tal crédito verificado a título de indemnização por antiguidade no valor de 24.738,09 € ser divida da massa insolvente, quando os créditos da compensação/indemnização por antiguidade por cessação do contrato de trabalho após a declaração de insolvência são créditos da insolvência, não preenchendo alguma das alíneas do artigo 51º do CIRE, contrariamente ao que consta na douta decisão sob recurso.
XIV - Deverá pois a douta decisão ‘’a quo’’ ser alterada por decisão em que o crédito da compensação/indemnização por antiguidade por cessação do contrato de trabalho no valor de 24.738,09 € seja qualificado como dívida da insolvência.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º do Código de Processo Civil (CPC).

A questão suscitada pela recorrente é a seguinte:
O crédito laboral de compensação por antiguidade relativo a contrato de trabalho que cessou após a declaração de insolvência, por iniciativa do administrador judicial, constitui dívida da insolvência ou da massa insolvente?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente e relevante na sentença recorrida é a seguinte:
1. A sociedade AA & Companhia, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida a 03/02/2012.
2. Em sede de assembleia de credores datada de 21/03/2012 foi decidida a manutenção do estabelecimento da insolvente e a apresentação de plano de recuperação.
3. O Autor foi admitido ao serviço da sociedade insolvente em 01/01/1983, tendo trabalhado por conta, sob a direcção, fiscalização e autoridade da referida sociedade até 20/11/2013, com a categoria profissional de operador de transformação de carnes.
4. A última retribuição base mensal ascendeu a 643,37 €, acrescida de 67,38 € a título de diuturnidades e subsídio de refeição no valor de 4,20€/dia.
5. Após a declaração de insolvência da sociedade AA & Companhia, Lda., o Autor continuou a exercer as suas funções e tarefas laborais no respectivo local de trabalho.
6. Não foram pagas ao Autor as seguintes quantias:
- Salário do mês de Setembro/2013, respectivas diuturnidades e subsídio de refeição, no valor de 799,55 €.
- Subsídio de natal de 2012 no valor de 710,75 €.
- Subsídio de férias de 2012 vencido em 1/01/2013 no valor de 710,75 €.
- 20 dias de salários de Novembro/2013 no valor de 473,83 €.
- 14 dias de subsídio de refeição de Novembro/2013 no valor de 58,80 €.
- 27,5 dias de férias e respectivo subsídio proporcionais de 2013 (Janeiro-Novembro) no valor de 1.303,04 €.
- 27,5 dias de subsídio de natal proporcional do mesmo período do ponto anterior no valor de 651,52 €.


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2. De direito;


A questão recursiva cinge-se, assim, em saber se o crédito laboral de compensação por antiguidade relativo a contrato de trabalho que cessou após a declaração de insolvência, por iniciativa do administrador judicial, constitui dívida da insolvência ou da massa insolvente.

Na sentença recorrida, decidiu-se que tal dívida integra a massa insolvente e não dívida da insolvência, como defende a recorrente.
A argumentação desta alicerça-se, sobretudo, nos fundamentos plasmados no citado douto Acórdão do TRC de 14.07.2010, 562/09.7T2AVR-P.C1, (relator Desemb.Barateiro Martins), e que, em síntese, se limita a esgrimir que a cessação do contrato de trabalho está interligada com as vicissitudes que ‘laceraram’ a sociedade insolvente e a conduziram à situação de insolvência, pelo que só formalmente essa cessação ocorreu por via de procedimento levado a cabo na vigência temporal da administração da insolvente.
Mais argumenta que, declarada a insolvência, tudo passa pela actuação do administrador, pelo que tudo ou quase tudo seriam dívidas da massa insolvente.

Salvo o devido respeito e melhor opinião, entende-se que é de sufragar a decisão recorrida.
Com efeito, em termos de realidade fáctica é inquestionável que o trabalhador em causa, aqui recorrido, após a declaração de insolvência da sociedade insolvente, em 03.02.2012, continuou a exercer funções até 20.11.2013 - data em que cessou o seu contrato de trabalho, por determinação do administrador de insolvência (pontos de facto nºs 1 a 5 supra).
Assim, relevante juridicamente em termos de constituição do seu direito de crédito laboral, incluindo o de compensação/indemnização por antiguidade, é o momento de extinção do seu contrato de trabalho e não o da declaração de insolvência.
Aliás, parece pacífico na doutrina e jurisprudência que não é a declaração de insolvência, em si, que extingue o contrato de trabalho, mas antes o encerramento definitivo do estabelecimento Neste sentido, vide Acórdão do TRG de 29-09-2014, proc. 06320/07.6TBBRG-W.G1, relator Desemb.Espinheira Baltar, assim como Ana Prata, Jorge M. Carvalho e Rui Simões, in CIRE Anotado, Almedina, pág. 340. ou então, por iniciativa do administrador da insolvência, com o fundamento de que a colaboração trabalhador deixou de ser indispensável ao funcionamento da empresa.
É o que resulta expressamente do artº 347º, nºs 1 e 2, do Código de Trabalho (CT).
Cabe também dizer que o artº 277º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), ao estatuir que “os efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho”, é exclusivamente uma norma de resolução de conflitos de leis, não definindo os efeitos da declaração da insolvência nos casos de insolvência do empregador Veja-se Rosário Palma Carvalho, “Aspectos Laborais da Insolvência: notas breves sobre implicações laborais do CIRE, …”, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 695.
Sendo a lei aplicável a portuguesa, como sucede no caso em apreço, a solução há-de ser encontrada à luz do que prescreve o artº 347º do CT, visto que o capítulo IV do Título IV do CIRE é omisso quanto aos efeitos da insolvência do empregador sobre a relação laboral vigente, sendo inaplicável o disposto no artº 111º ou o já referido artº 277º pelas razões supra expendidas Neste sentido, consulte-se Ana Prata, Jorge M. Carvalho e Rui Simões, op. cit., pág. 340..

Reportando-nos mais incisivamente à situação em análise, entende-se que os créditos do trabalhador, ora recorrido, vencidos após a declaração de insolvência da sociedade empregadora, seja a título de créditos de salários, seja a título de indemnização (por antiguidade) decorrente da cessação do seu contrato de trabalho, constituem dívidas da massa – artº 51º, nº1, al. c), do CIRE. Perfilham esta posição, entre outros, Maria do Rosário Epifânio, in Manual do Direito de Insolvência, 3ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 203, nota 566; Menezes Leitão (“ A natureza dos créditos laborais resultantes de decisão do administrador de insolvência”, Ac. do TRC de 14.7.2010, Proc. 562/09, anotado, in Cadernos de Direito Provado nº 34 Abril/Junho 2011, págs. 55 e sgs.
Relevante é, pois, o momento de constituição do crédito laboral, mesmo no caso de indemnização por antiguidade.
Assim, se o trabalhador continuou a trabalhar para a empresa insolvente após a declaração de insolvência e se essa obrigação se constituiu na pendência do processo de insolvência, por acto praticado pelo administrador judicial, não faz sentido considerar tal crédito laboral como crédito sobre a insolvência, mas antes crédito sobre a massa.
E a isto não obsta a circunstância de tal compensação ter em conta a antiguidade da prestação de trabalho, incluindo o período de duração de trabalho anterior à declaração de insolvência.
Este período torna-se apenas relevante para efeitos de cálculo dessa mesma indemnização, mas não para caracterização do tipo de dívida, à luz do assinado artº 51º do CIRE.
Importa não descurar que a manutenção e posterior cessação do contrato de trabalho traduz um acto de gestão do administrador da massa insolvente, que nisso viu interesse, com relevância até na produção, rentabilidade e valorização dos activos e património da empresa insolvente, nomeadamente para efeitos da sua liquidação.
Daí que também se entenda que não é de preconizar uma solução mista que possa considerar como dívida da insolvência a parte da indemnização por antiguidade que contempla os anos de prestação de trabalho até à declaração de insolvência e como dívida da massa a parte da indemnização relativa ao período posterior.
Como dito ficou, seria confundir mais uma vez critérios de cálculo da indemnização por antiguidade com qualificação da dívida, ignorando-se as regras de repercussão jurídica dos actos no tempo, como seja o momento de constituição da mesma dívida, a qual ocorreu inexoravelmente já durante a insolvência e por acto praticado pelo administrador judicial.

Salvo o devido respeito, a alegação da recorrente parte de um pressuposto errado, qual seja o de que a cessação do contrato de trabalho em causa, mesmo que informalmente, não deixou de ocorrer antes da declaração de insolvência, resultando tal extinção da relação laboral duma situação de insolvência de facto, anterior à respectiva declaração, pelo que tal dívida não é enquadrável como dívida relativa ao funcionamento da empresa no período posterior à declaração de insolvência ou dívida associada à própria actividade de liquidação e partilha da massa.
Porém, é inquestionável que o vínculo laboral do trabalhador se manteve após a declaração de insolvência, continuando a exercer funções no seu local de trabalho até se pôr termo ao seu contrato em 20.11.2013.
E é este o momento juridicamente relevante para efeitos laborais e qualificação da dívida contraída pela massa insolvente.
A actuação do administrador judicial de manter em actividade a empresa, fazendo perdurar a relação laboral dos trabalhadores por determinado período de tempo (no caso, 1 ano e 9 meses), não deixa de configurar a prática de um acto de gestão daquele no exercício dos seus poderes – al. d) do nº1, do CIRE.

Por último, ocorre dizer que a solução perfilhada não é susceptível de traduzir uma duplicidade de critérios, pelo facto de, cessando o contrato de trabalho antes da declaração de insolvência, essa dívida laboral seria tratada como dívida da insolvência; se a cessação for posterior, já será uma dívida da massa.
Tal desfecho mais não é do que o consignado efeito jurídico do momento e origem de constituição de um direito - o de crédito laboral - sobre a qualificação da dívida no âmbito do processo de insolvência.

Não procede, pois, a apelação.

Sumariando:
O crédito laboral de compensação/indemnização por antiguidade relativo a contrato de trabalho que cessou após a declaração de insolvência, por iniciativa do administrador judicial, constitui dívida da massa insolvente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


Guimarães, 09.07.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira