Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
419/11.1TAFAF.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: NULIDADE INSANÁVEL
DEFICIÊNCIA DE GRAVAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – A falta ou deficiente gravação da prova produzida em audiência de julgamento constitui nulidade sanável, cuja arguição deverá ser feita por meio de requerimento formulado perante o tribunal de primeira instância e não diretamente na motivação de recurso interposto da sentença;
II – O prazo para o efeito é de 10 dias, após a deteção do vício (art. 105 nº 1 do CPP), sendo que, na prática, tal prazo, por impossibilidade da prova do contrário, normalmente será extensível até ao último dia do prazo do recurso, pois é possível que só neste último dia o recorrente, ao pretender ouvir a prova gravada, se aperceba da inexistência ou deficiência da gravação.
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, após julgamento, foi decidido:
a) Absolver o arguido Mário M... da prática, em autoria material, de um crime de dano, previsto e punido pelo art.º 212.º n.º1 do Código Penal.
b) Condenar o arguido Mário M... pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º n.º1, do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 880,00 (oitocentos e oitenta euros).
c) Condenar Mário M... pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros) o que perfaz o montante global de € 480 (quatrocentos e oitenta euros).
Procedendo ao cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77.º do Código Penal, condenar o arguido Mário M... na pena única de 130 (cento e trinta dias) de multa à razão diária de € 8,00 (oito euros), perfazendo o montante global de € 1040 (mil e quarenta euros).
Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Orlando C..., parcialmente procedente, e em consequência:
a) condenar o demandado Mário M..., a pagar, a título de danos patrimoniais, a quantia de €353,57, acrescida dos juros legais de mora, calculados à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de 1.100,00 € (mil e cem euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais de mora, calculados à taxa legal, desde a data da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
b) Absolver o demandado do demais peticionado.
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Inconformado, o arguido Mário M... recorre desta decisão, impugnando a matéria de facto relativa aos pontos 1 a 13 e 18, que devem ser dados como não provados.
Além disso, argui a nulidade de deficiência da gravação da prova, dado que o depoimento das testemunhas gravado em 16-10-2012 (é manifesto lapso a referência a 2010) se encontra totalmente inaudível e impercetível.
A decisão recorrida comporta diversas contradições e imprecisões.
Discorda ainda, por excessivo, do montante da indemnização por danos morais.
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A decisão recorrida assentou na seguinte matéria de facto:
1. No dia 17 de Novembro de 2010, em hora não concretamente apurada, mas antes das 18h18, da parte da tarde, na Rua B..., neste concelho de Fafe, após o ofendido ter estacionado o veículo em que seguia, surgiu o arguido num carro de cor escura, modelo antigo, que parou atrás do seu veículo.
2. Quando o ofendido se preparava para sair do seu veículo, o arguido abordou-o e, sem intenção de o partir, deu um murro no para-brisas do seu carro, partindo-o…
3. … e deu-lhe murros na cara e na cabeça.
4. De seguida, o ofendido, que tinha a porta do condutor aberta, caiu ao chão e o arguido continuou a dar-lhe murros e pontapés no corpo, conduta essa que só terminou quando testemunhas que ouviram o ofendido gritar acorreram ao local, tendo, nessa altura, o arguido abandonado o local no veículo que tripulava, arrancando de marcha-atrás.
5. Com tal conduta o arguido provocou na pessoa do ofendido, como era seu propósito, traumatismo na face e dores no corpo ferimentos esses que lhe demandaram, directa e necessariamente, dois dias de doença sem qualquer incapacidade para o trabalho.
6. O arguido bem sabia que o para – brisas que partiu lhe não pertencia e que ao fazê-lo actuava contra a vontade e sem autorização do seu dono.
7. O arguido quis agredir o ofendido, provocando-lhe as lesões e doença que lhe advieram.
8. O arguido, polícia de profissão sabia que as suas condutas constituíam crime e agiu de forma livre, deliberada e consciente relativamente aos factos descritos em 3. e 4.
9. . Enquanto o ofendido se preparava para sair da viatura e abria a porta, já o arguido se encontrava ao seu lado tendo-lhe apelidado “filho da puta”, expressão que repetiu por várias vezes quando praticou a factualidade referida em 3. e 4.
10. O arguido praticou o facto referido em 9, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e ilícita.
11. Bem sabia o arguido de que com a sua conduta estava a ofender – como ofendeu – o assistente na sua honra, consideração e dignidade.
Mais se provou que:
12. O ofendido foi transportado de ambulância para um centro hospitalar, onde foi assistido e realizou vários exames médicos, tendo despendido a quantia de € 15,40.
13. A substituição do vidro do pára brisas da viatura do ofendido ascendeu a €338,17.
14. Como consequência da agressão perpetrada o assistente viu ofendida a sua região malar direita.
15. O ofendido sofreu dores e teve receio pela sua integridade física por agressões futuras.
16. Em consequência da agressão o arguido ficou com um hematoma no rosto, o que lhe causou tristeza, sentindo-se envergonhado.
17. Sentiu dores na zona lombar e torácica.
18. O insulto referido em 9. provocou ao ofendido revolta, indignação, desgosto e tristeza, sentindo-se envergonhado e ofendido na sua honra pessoal.
19. O ofendido sentiu-se abatido e deprimido por alguns dias.
Mais se provou que:
20. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.
21. Em média o arguido aufere mensalmente o salário de 1.150,00€ (mil cento e cinquenta euros).
22. Tem dois filhos com as idades de 4 (quatro) e 8 (oito) anos.
23. A esposa é agente da GNR, auferindo, em média, o valolr de 1.000,00 € (mil euros)
24. É proprietário de um terreno rústico.
25. Juntamente com a esposa o arguido gere uma empresa de electrificação de edifícios, tendo um funcionário, o qual aufere o salário mínimo nacional.
26. O arguido é pessoa sociável e não conflituoso.

Factos não provados:
i) Nos termos referido em 9. o arguido disse ao ofendido “é hoje que eu te vou matar”.
ii) O arguido ao efectuar o exarado em 3. mencionava repetidamente ao ofendido “ainda te vou matar”.
iii) O arguido no momento da agressão repetidamente mencionou ao ofendido “vou-te matar, seu filho da puta”.
iv) Os actos praticados em i) a iii) foram praticados pelo arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e ilícita.
v) Bem sabia o arguido de que com a conduta referida em i) a iii) estava a ofender – como ofendeu – o assistente na sua honra, consideração e dignidade.
vi) As palavras foram proferidas pelo arguido em alta voz numa rua onde o ofendido sentiu-se vexado e imensamente envergonhado perante as pessoas que ali se encontravam e assistiram a esta situação.
vii) As lesões sofridas pelo demandante foram causa directa e necessária de 30 dias de doença, com incapacidade para o trabalho.
viii) A agressão perpetrada pelo arguido afectou a sua dentição, causando-lhe fortes dores nos dentes malares, os quais ficaram a abanar e carecer de tratamento no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
ix) O hematoma que o ofendido padeceu levou-o a se isolar por vários dias seguidos.
x) As dores que teve na zona lombar e torácica dificultou o ofendido em deslocações e movimentos, o que o inibiu de se deslocar ao centro de saúde para efectuar os curativos…
xi) …pelo que um amigo de família, enfermeiro de profissão, que se deslocou a residência do assistente para lhe prestar os necessários tratamentos.
xii) Várias pessoas assistiram aos actos de agressão física praticados pelo arguido.
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O Ministério Público, na 1ª instância, defende o julgado e, nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto entende no mesmo sentido.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

O arguido invocou que a gravação de parte dos depoimentos se encontra totalmente inaudível e impercetível, dizendo que isso integra a nulidade decorrente da deficiência do registo magnético que inquina o julgamento da matéria de facto e influi decisivamente no exame e na decisão da causa.

Esta questão tem sido abundantemente tratada, no sentido inequívoco de que se trata de nulidade sanável e a ser arguida perante o Tribunal do julgamento.

Como exemplos, citam-se os seguintes acórdãos:
Ac.TRG, de 11-04-2012, processo 1037/08.7PBBGMR.G1, assim sumariado:
I) A deficiência de gravação das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento, constitui nulidade sanável, pois não consta do elenco das nulidades insanáveis do art. 119º do CPP, nem a norma do art. 363º a comina como insanável.
II) Tratando-se de uma nulidade da audiência de julgamento e não de sentença, não está sujeita ao regime específico do artº 379º do CPP.
III) In casu, tal nulidade deveria ter sido arguida perante a sra. juíza do processo, requerendo-se que fosse repetida a audiência, ou os depoimentos deficientemente gravados.
IV) Não tendo sido submetida à decisão do tribunal de primeira instancia a questão da invalidade da audiência, não pode agora esta relação conhecer dela. A consequência é a normalização dos efeitos originariamente precários da nulidade, a qual, no caso de ter ocorrido, ficou sanada.

Neste acórdão, diz-se o seguinte:
“Dispõe o art. 363 do CPP que “as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”.
Nesta norma comina-se com nulidade não só a falta ou ausência da gravação das declarações prestadas oralmente, mas também a sua deficiência. Após a Lei 48/07, a audiência de julgamento passou a ser sempre documentada, seja qual for o tribunal competente, não se permitindo, sequer, que os sujeitos processuais prescindam da documentação, mesmo que haja acordo expresso de todos sobre a sua desnecessidade ou até inconveniência.
Porém, trata-se de uma nulidade sanável, pois não consta do elenco das nulidades insanáveis do art. 119 do CPP, nem a norma do art. 363 a comina como insanável (o recorrente, aliás, não invoca a norma em que sustenta o seu entendimento de que se trata de uma nulidade sanável). Para as nulidades sanáveis, o artigo 120 nº 1 do CPP dispõe que “qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados…”.
A questão está, pois, no modo de arguir a nulidade.
Trata-se de uma nulidade da «audiência» e não da «sentença». O julgamento tem fases distintas – os “actos preliminares”, a “audiência” e a “sentença” (Livro VII da Parte Segunda do Código de Processo Penal), sendo que a nulidade invocada, a ter existido, ocorreu na audiência.
Não está em causa uma nulidade da sentença, porque estas são só as previstas no art. 379 nº 1 do CPP.
Para as nulidades da sentença está previsto um regime específico de arguição, devendo ser arguidas no recurso (art. 379 nº 2 do CPP).
As demais nulidades devem ser arguidas perante o tribunal onde foram praticadas, nos termos previstos no nº 3 do art. 120º do CPP, ou, se não houver norma especial, no prazo de 10 dias indicado no art. 105 nº 1 do CPP, que se contará a partir do conhecimento da ocorrência da nulidade, sendo que, naturalmente, a arguição nunca poderá ser posterior ao trânsito em julgado da sentença.
Por isso, a nulidade em causa deveria ter sido arguida perante a sra. juíza do processo, requerendo-se que fosse repetida a audiência, ou os depoimentos deficientemente gravados (a declaração de nulidade determina os actos que devem ser repetidos – art. 122 nº 2 do CPP). Sobre tal requerimento recairia um despacho, que haveria de deferir, deferir parcialmente (especificando os depoimentos que seriam repetidos) ou indeferir a pretensão.
Caberia, então, recurso da decisão que viesse a ser proferida. Isto é assim, porque, salvo os casos restritos das questões de conhecimento oficioso, os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido. É pacífica a jurisprudência no sentido de que "a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pela tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei" - por todos, acs. STJ de 6-2-87 e de 3-10-89, BMJs 364/714 e 390/408.
O presente recurso foi interposto apenas da sentença e não de algum incidente processual que teve decisão desfavorável ao arguido. Está limitado ao conteúdo da sentença, às questões que nela foram ou deviam ter sido decididas.
Se a Relação decidisse agora sobre a alegada deficiência das gravações estaria a conhecer de questão nova, que não foi submetida, como podia e devia, à decisão do tribunal recorrido.
Não tendo sido submetida à decisão do tribunal de primeira instancia a questão da invalidade da audiência, não pode agora esta relação conhecer dela. A consequência é a normalização dos efeitos originariamente precários da nulidade, a qual, no caso de ter ocorrido, ficou sanada.
E não se diga, em sentido contrário, que estamos perante uma irregularidade que afecta o valor do acto praticado, pelo que se pode dela conhecer oficiosamente nos termos do art. 123 nº 2 do CPP.
Em primeiro lugar, há que distinguir entre a validade do acto e o seu valor. “O acto será válido se a irregularidade não for declarada, mas pode não ter valor, designadamente por não poder produzir os efeitos a que se destina” – v. Germano Marques da Silva, ob. cit., pag. 85. Ora, o julgamento não deixa de produzir todos os efeitos a que se destina pelo facto de não ter sido feita uma correcta documentação das declarações orais (com o julgamento visa-se apurar da existência de um crime, a identidade do seu autor e a aplicação da pena ou medida de segurança, escopo que foi atingido com a sentença).
Depois, como também escreve o aquele Prof. no mesmo local, a reparação oficiosa da irregularidade, há-de ser feita pela autoridade judiciária competente para o acto, enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo. Aliás, mal se perceberia que, sendo a irregularidade o menos relevante dos vícios processuais, tivesse um regime idêntico ao das nulidades insanáveis, e bem mais apertado do que o das nulidades relativas (como se viu, estas, se não forem arguidas, ficam sempre definitivamente sanadas).
Improcede, pois, a invocada nulidade insanável”.

Ac.TRG, de 15-10-2012, processo 929/07.5TAFLG.G1, assim sumariado:
A falta ou deficiente gravação da prova produzida em audiência de julgamento face à actual redacção do artº 163º do CPP constitui uma nulidade sanável, na medida em que não consta no elenco de nulidades insanáveis previstas no artº 119º do CPP, e depende de arguição - artº 120º do CPP.
Neste acórdão, diz-se o seguinte:
“A falta ou deficiente gravação face à actual redacção do art.363.º do C.P.Penal é uma nulidade sanável, na medida em que não consta no elenco de nulidades insanáveis previstas no art. 119.º do C.P.Penal, e depende de arguição – art.120.º do C.P.Penal.
Como bem se refere no Ac.R.Coimbra de 2/6/2009, proc. 9/05.8TAAND, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt, “a sua arguição deverá ser feita por meio de requerimento formulado perante o tribunal de 1.ª instância, dentro do prazo legal previsto no artigo 105.º, n.º1, do C.P.P., e não directamente na motivação de recurso interposto da sentença. Mantém-se actual a jurisprudência a que Alberto dos Reis aludia, em sede de processo civil, quando citava o postulado «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».
Só a nulidade de sentença penal pode ser arguida em sede de recurso da decisão final e, portanto, em prazo superior àquele prazo legal supletivo, sendo certo que a nulidade por falta ou deficiência de documentação reporta-se a actos ocorridos numa fase prévia à sentença e que não a inquinam com qualquer nulidade das previstas no artigo 379.º do C.P.P., pelo que se submete ao regime geral sobre nulidades processuais. Da decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade caberá recurso, nos termos gerais.» No mesmo sentido se pronunciaram o Ac.R.Guimarães de 11/4/2012, proc. n.º1037/08.7PBBGMR.G1, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso, in www.dgsi.pt e o Ac.R.Porto de 11/4/2012, proc. n.º3/09.0PLPRT, relatado pela Desembargadora Lígia Figueiredo, in www.dgsi.pt.
No caso vertente, a nulidade da gravação deficiente deveria ter sido arguida perante a Sra. juíza do processo e da decisão que viesse a ser proferida, caberia recurso. Na verdade, excepto nos casos de apreciação de questões de conhecimento oficioso, os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre questões que não foram apreciadas pelo tribunal a quo. Salvo os casos restritos das questões de conhecimento oficioso, os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias novas que não foram suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido.
O presente recurso foi interposto da sentença, pelo que se este tribunal da relação decidisse agora sobre a deficiência da gravação estaria a apreciar uma questão nova, a qual não é de conhecimento oficioso e que, por outro lado, não foi suscitada junto do tribunal recorrido, como devia ter sido.
Não tendo sido arguida perante o tribunal da 1ªinstância, a nulidade mostra-se sanada, pelo que improcede, nesta parte, o recurso”.

Acolhendo-se na íntegra estes entendimentos, temos que, no caso concreto, também a nulidade apontada devia ter sido arguida perante o Tribunal a quo, e da decisão sobre a mesma, dessa sim, caberia recurso para esta Relação.
Ou seja, o recorrente tinha o prazo de 10 dias após detecção do vício para ter ido solicitar a sanação do mesmo, sendo certo que, na prática, tal prazo, por impossibilidade de prova do contrário, sempre se terá por extensível até ao último dia do prazo do recurso, in casu, o de 30 dias, pois é possível que só no último dia do prazo de recurso o recorrente, ao pretender ouvir a prova gravada, se aperceba da inexistência ou deficiência da gravação.
Além disso, o que está em causa é o prejuízo, por falta de instrumentos, para o direito de defesa, e nunca, como invoca o recorrente, algo que inquina o julgamento da matéria de facto e influi decisivamente no exame e na decisão da causa.
Aliás, como veremos, o julgamento da matéria de facto não está inquinado e, obviamente que uma gravação mal feita não pode ter influído no exame e na decisão da causa ora em recurso.
Nestes termos, improcede a dita nulidade.
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Impugna também o recorrente a matéria de facto acima assinalada.
Vejamos a fundamentação do Tribunal:
O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjunta de toda a prova produzida em audiência.
Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, p. 111, a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
Relativamente aos antecedentes criminais o Tribunal teve em consideração o teor do CRC junto aos autos, a fls. 224.
O arguido, no início da audiência de julgamento, não quis prestar declarações, no âmbito de um direito que lhe assiste.
Tendo no fim do julgamento mencionado que no dia dos factos não esteve em Fafe, negando a prática dos ilícitos que lhe são imputados.
A prova foi analisada na sua globalidade e de acordo com as regras da experiência e do normal suceder.
Compulsados os autos verificamos que constam umas fotografias (cf. fls. 47 a 50) que segundo referido pelo assistente e pela sua filha – testemunha Mónica C... – as mesmas foram tiradas dias a seguir à agressão de que o assistente foi alvo.
Constam de igual modo elementos clínicos do Centro Hospitalar do Alto Ave – cf. fls. 30/31, 51, 89 a 92, referentes ao assistente e reportados ao dia 17 de Novembro de 2010 - 18h18 (episódio de urgência – onde é referido como motivo alegado: agressão). O que demonstra que efectivamente o assistente foi alvo de agressões, conforme resulta do mencionado pelas testemunhas da acusação e pelo próprio assistente.
O assistente referiu que é vizinho do arguido e que sempre esteve de boas relações com o mesmo. Realçou que dias antes existiu um conflito entre as esposas do assistente/arguido.
Referiu que no dia e hora mencionada na acusação, tinha estacionado o seu veículo e que o arguido estacionou, de igual modo, o veículo em que tripulava (um mercedes – cor escura).
Salientou que de seguida o arguido a pé se dirigiu a si junto da viatura onde se encontrava, apelidando-o de “filho da puta”, e com a porta do condutor aberta iniciou as agressões, com socos na cara e na cabeça. O que sucedeu dentro da viatura.
Salientou que depois foi arrastado para a estrada e empurrando para o chão o arguido desferiu-lhe vários pontapés e murros no corpo, o que levou a que gritasse por auxílio.
Tendo chegado ao local várias pessoas que o acudiram.
Mais salientou que o arguido o apelidou por várias vezes de “filho da puta”.
É de salientar que o assistente prestou um depoimento seguro e quando confrontado sobre o desgosto, humilhação e receio que sentiu, prestou um depoimento firme, demonstrando que se encontrava a recordar da situação vivida.
A testemunha Maria A... referiu que ouviu o assistente gritar pedindo auxílio e que foi ao local e viu o ofendido magoado, pelo menos no rosto, e prostrado no chão, queixando-se de dores.
Realçou que visualizou um carro escuro, a efectuar marcha atrás de modo repentino, salientando que “parecia um Mercedes antigo”. Esta testemunha chamou uma ambulância.
Prestou um depoimento calmo e sem hesitações, não se denotando qualquer interesse no desfecho da causa.
Verificando o estado em que o ofendido foi encontrado e estando um veículo a fugir do local, à velocidade elevada – em marcha atrás - não olvidando os exames médicos, as regras do normal suceder permitem-nos concluir que o mesmo foi alvo de uma agressão.
Ana Morais, que prestou um depoimento fluido, merecendo a credibilidade do Tribunal, corroborou o mencionado pela testemunha Maria A..., tendo-se deslocado ao local em virtude de pedido de auxílio, tendo visto a viatura Mercedes a “fugir” de marcha atrás.
Salientou, quando questionada, o que confirma o modo como o assistente foi agredido, que a porta da carrinha do ofendido estava aberta.
Prestou um depoimento calmo e sem hesitações e coerente.
O assistente refere que foi o arguido.
Maria T..., não presenciou os factos, mas referiu que numa outra altura visualizou o arguido, que tripulava num veículo, dirigindo-se, em voz alta, para o assistente, que se encontrava na via pública, referindo “já apanhaste mas vais apanhar mais, seu filho da puta”, colocando o braço de fora de forma ameaçadora.
Salientou que verificou que o ofendido estava muito assustado e que nesse momento quando confrontado pela testemunha referiu que tinha sido agredido anteriormente pelo arguido.
Questionada salientou que não tem qualquer tipo de conflito para com o arguido.
Esta testemunha, confrontada no seu depoimento, manteve o seu teor, prestando um depoimento seguro e coeso, sem dúvidas nem hesitações.
De modo convicto salientou que não tem dúvidas de que a pessoa que referiu a referida expressão foi o arguido.
O assistente foi alvo de uma agressão e a imputa ao arguido, sendo que Maria T... refere que visualizou o próprio arguido, noutra altura, a ameaçar o assistente com ofensas à sua integridade física.
Mónica C..., filha do assistente refere que ouviu o seu pai a gritar por auxílio tendo-se deslocado ao local e visualizou o carro do ofendido e o carro que o arguido habitualmente tripulava.
Visualizou o arguido a apelidar o ofendido de “filho da puta”, tendo de seguida fugido, de modo rápido, na sua viatura em marcha atrás. Questionada salientou que não assistiu a qualquer agressão, tendo apenas ouvido as expressões injuriosas, mas que não tem dúvida de que foram proferidas pelo arguido, pois as presenciou.
Salientou que o veículo era um mercedes, e que passados uns dias após o sucedido, o arguido deixou de o tripular.
A testemunha de seguida auxiliou o seu pai, que se encontrava prostrado no chão.
Questionada referiu que antes da factualidade vertida na acusação não tinha nada contra o arguido. Aliás, arguido e ofendido tinham uma relação não conflituosa.
O Tribunal não ignorou a relação de parentesco existente para com o assistente, o que tomou em consideração na sua apreciação.
Referiu que se sentia revoltada com a situação, mas prestou um depoimento seguro escorreito e sem hesitações.
Acresce que a testemunha Carlos S... (que nenhuma relação tem para com o arguido, conhecendo-o apenas de “vista”) salientou que o arguido tripulava um carro escuro – um Mercedes antigo. O que se encontra de acordo com a descrição da viatura, cujo condutor se evadiu do local em que ocorreu a agressão, deixando o assistente prostrado no chão com dores.
De igual modo, a testemunha Ana M... (que conhece o arguido apenas de vista e nada tem contra o mesmo) salientou que visualizou o arguido a conduzir um Mercedes de cor cinza.
A esposa do assistente salientou que esteve no local, contudo prestou um depoimento não muito seguro. Referiu que visualizou o arguido no local, contudo, o seu depoimento foi prestado de um modo confuso e atribulado, pelo que o Tribunal não o valorou (verificamos que a testemunha estava confusa sobre o que aconteceu mormente no que se refere à altura da chegada da ambulância, quem auxiliou o ofendido e demais factualidade circunstanciada...).
Rui P... agente da PSP questionado onde estaria o arguido no dia 17 de Novembro de 2010, referiu que não saberia se estava, ou não, de “folga”.
Miguel C... não presenciou a factualidade, sendo uma testemunha abonatória.
José A..., agente da PSP, refere que é colega de trabalho do arguido desde 2001.
Salientou que durante a semana do dia 17/11/2010 estavam de prevenção 24 horas.
Sendo que no dia 17/11 estiveram de folga e que o arguido foi jantar consigo e assistiram a um jogo de futebol (Portugal-Espanha).
Questionado, referiu que foi consultar o referido dia na sua agenda pessoal e verificou que estava marcado o jogo de futebol, recordando-se de que foi buscar o arguido ao Porto para o levar à sua residência, onde jantaram.
Sendo que não se poderá ignorar a relação de amizade entre a testemunha e o arguido (colegas de profissão).
Porém, o certo é que o teor do seu depoimento não afasta a credibilidade que as testemunhas de acusação mereceram, conforme atrás aludimos.
Aliás, o arguido pode no referido dia ter jantado com o seu colega (o qual se recorda por causa de uma marcação constante numa agenda), sendo que o timing em que ocorreu a agressão foi necessariamente, em hora não concretamente apurada, antes das 18h18 – hora em que o arguido deu entrada no hospital (existindo prova documental para o efeito - fls. 31) –.
Sendo certo que a hora em que a testemunha foi, conforme referiu, buscar o arguido certamente que não constava em nenhum documento. Não tendo a testemunha, obviamente, o cuidado de fixar o referido dia e hora pois não se tratou de um acontecimento marcante. Ao contrário do sucedido e verificado pelas testemunhas de acusação.
Maria C..., não esteve com o arguido nem com o ofendido no dia em apreço, pelo que de nada relevante carreou para os autos. Ficou demonstrado a existência, por sua parte, de quezílias para com o ofendido
Os documentos juntos pelo arguido na audiência de julgamento de 16 de Outubro de 2012 reportam-se a uma consulta e tratamentos de fisioterapia efectuados posteriormente à data em apreço, pelo que de pouco auxiliaram o Tribunal.
A testemunha José S... prestou depoimento abonatório.
Assim, ponderando todo o exposto o Tribunal cria uma convicção positiva da autoria das agressões por parte do arguido porquanto, em suma:
a. o assistente, ao descrever a agressão e insultos, imputa, sem hesitações e de modo convicto, a sua autoria ao arguido, o que faz de modo magoado e sentido – não tendo o Tribunal, analisando a prova na sua globalidade, denotado motivos para não valorar o seu depoimento, sendo certo que se denotava que o assistente ao prestar as suas declarações visualizava a agressão (e o seu autor) de que foi alvo, tendo sido coerente.
b. A viatura que foi vista no local era um Mercedes, tendo sido atribuída a detenção ao arguido de um veículo da mesma marca.
c. As testemunhas que não presenciaram a agressão referiram que viram um carro Mercedes a sair do local a alta velocidade, em marcha atrás – prestando um depoimento sem hesitações. Salientando que a viatura do ofendido tinha a porta aberta o que se encontra de acordo com o modo de agressão explicitado pelo assistente.
d. O arguido, dias depois da agressão, foi visto a ameaçar o assistente com a continuação das agressões.
e. Mónica C..., não obstante ser filha do arguido, o que o Tribunal não ignorou, vislumbrou que prestou um depoimento seguro, não tendo dúvidas de que a pessoa que entrou na viatura e que se afastou do local era o arguido, tendo assistido o mesmo a apelidar o ofendido de “filho da puta” Sendo de realçar que antes do sucedido nenhuma quezília havia com o arguido.

É de realçar que o assistente, no âmbito das suas declarações, relativamente ao dano no vidro da viatura, refere que a intenção do arguido era agredir o assistente e não danificar a viatura, mas que “acabou por acertar na viatura”.
Razão pela qual o Tribunal dá como provado que o arguido agiu sem a intenção de partir o vidro.
O Tribunal valorou os elementos clínicos e o relatório do INML de fls. 71 a 73 e 112 a 114 para dar como provado a matéria constante no ponto 5., 11, e 14.
O referido relatório pericial foi efectuado por uma entidade isenta, sendo certo que o seu juízo técnico presume-se subtraído à livre apreciação do julgador nos termos do art.º 163º n.s º1 e 2 do CPP. Pelo que o Tribunal, atenta a sua força probatória, o valorou, considerando o teor do relatório pericial, não formando uma convicção positiva sobre os factos vii) a viii).
Relativamente ao pedido de indemnização civil, foi tomado em consideração a nota de débito de fls. 161 do Centro Hospitalar, bem como o orçamento de fls 162 – factos provados n.ºs 9. e 10.
O hematoma de que padeceu o ofendido resultou do depoimento das testemunhas que assistiram-no no local, bem como da análise das fotografias juntas aos autos (fls. 47 a 50).
O assistente confirmou a factualidade vertida em 15. a 19, bem como as testemunhas que depuseram sobre a referida matéria, sendo que o dado como provado se encontra de acordo com as regras da normalidade.
As condições sócio económicas do arguido resultaram do depoimento prestado pelo próprio, não tendo o Tribunal, atento o modo espontâneo como foi prestado, duvidado das suas declarações.
Os factos 6. a 8. e 10. a 11. resultaram da análise da prova na sua globalidade, de acordo com o normal suceder.
Sobre os factos dados como não provados não foi efectuada prova que convencesse o Tribunal da sua ocorrência.
Pelo exposto, o Tribunal formou a sua convicção.

O arguido põe em causa o modo de apreciação da prova, mas a fundamentação acima transcrita é bastante e pertinente, acrescentando nós agora que foi feita no exercício de um dever, a saber o de apreciação livre e fundamentada, o que tudo é feito sem incoerências, contradições ou erros lógicos que a turvem ou maculem.
A modalidade de impugnação dos julgamentos através de algumas indicações da localização de alguns depoimentos não pode, como parece claro, ter a virtualidade de desmontar um acto judicial, da parte de quem é parte independente e imparcial nas causas.
Neste julgamento, o Tribunal recorrido conheceu dos factos da acusação, atendendo a todas as provas que lhe foram submetidas.
De seguida fixou os factos, e como lhe é exigido, fundamentou a sua convicção e os juízos que seguiu para o efeito, levando em especial conta (face à negação do arguido) o depoimento do ofendido e outros elementos que levaram indubitavelmente à aceitação da versão deste e à recusa da negação do arguido.
Desses elementos, salienta-se, em primeiro lugar o depoimento da filha do ofendido, que ouviu os gritos do pai e que, acorrendo, ainda viu o arguido a afastar-se do local onde o pai estava prostrado no chão e, em segundo lugar, os exames e fotografias juntas aos autos.
Não há o menor indício de que as lesões objectivamente documentadas, por exames e fotografias, tenham sido auto-inflingidas ou possam ter outra origem que não a do confronto entre arguido e assistente e que esse confronto ocorreu tal como, coerentemente, o ofendido o denunciou, o Ministério Público o acusou e o Tribunal a quo o deu como provado.
O Tribunal foi claro ao mostrar as razões por que acreditou nas demais versões e descredibilizou a negação do arguido e os depoimentos de certas testemunhas, tudo fazendo com respeito dos critérios de julgamento e avaliando uma a uma as provas produzidas, ou seja, tudo motivando de forma transparente e fundada, sem que caísse em qualquer dúvida séria, razoável e intransponível.
Assim, e não se verificando qualquer erro de julgamento, nem qualquer dúvida, mantém-se a integridade da matéria de facto.
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Quanto à indemnização por danos morais, na parte final do recurso versando a vertente cível da decisão impugnada.
Nos termos do artº 400º, nº 2 do CPPenal "O recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do Tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada".
É de 3.740,98 Euros a alçada do tribunal recorrido (artº 24º da Lei nº 3/99, de 13.01 - LOFTJ).
O recorrente foi condenado a pagar ao demandante cível a quantia de 1100 Euros a título de danos não patrimoniais.
Consequentemente não pode esta Relação conhecer do recurso no que concerne à vertente cível da sentença, por não se mostrarem verificados os dois requisitos (cumulativos) a que alude o citado artº 400º, nº 2 do CPPenal.
Daí que o recurso, neste particular, tenha de improceder.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em se julgar o recurso improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 (quatro) UC’s..