Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
278/07.9TBVLN.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Mostra-se adequada a indemnização de €12.000,00 para compensar o dano não patrimonial do lesado que, em decorrência de acidente de viação, sofreu essencialmente:
- Traumatismo da anca esquerda, da coluna vertebral, crânio-encefálico, hematomas e escoriações;
- Assistência médica no centro de saúde e em hospital, de onde teve alta no próprio dia,
- Fratura de ossos da bacia;
- Retenção no leito durante 6 semanas, de onde nunca se levantou;
- Submissão a diversos tratamentos, designadamente de fisioterapia;
- Deslocação com o auxílio de canadianas durante vários meses;
- Susto no momento do acidente;
- Dores nas regiões atingidas, que se mantêm, e limitações físicas;
- Desgosto pelos danos padecidos.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

D… demandou, pelo Tribunal Judicial de Valença e em autos de ação declarativa na forma ordinária, Companhia de Seguros…, S.A., peticionando a condenação desta na quantia de €82.477,00, acrescida de juros de mora desde a citação, bem como na condenação em quantia a liquidar ulteriormente.
Alegou para o efeito, muito em síntese, que quando conduzia o seu ciclomotor matrícula 1-VLN-34-19 veio a ser embatida pelo veículo automóvel matrícula 26-15-TU. Na altura, e precedendo as devidas cautelas, estava a fazer uma manobra de mudança de direção para a esquerda. O condutor do TU, porém, circulando desatento e em velocidade excessiva, iniciou uma manobra de ultrapassagem do veículo que o precedia e do da Autora, mas sem ter em consideração a manobra encetada pela Autora, indo assim embater no veículo desta. Do acidente resultaram para a Autora os danos patrimoniais e não patrimoniais que discrimina, e outros poderão ainda vir a emergir. A responsabilidade civil decorrente do uso do veículo TU estava transferida para a Ré, de modo que compete a esta reparar o prejuízo advindo à Autora.
Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.
Disse, em síntese, que foi a Autora quem deu causa ao acidente, por isso que procedeu à alegada mudança de direção de forma descuidada e inopinada, colocando-se na frente do TU quando este procedia regularmente à manobra de ultrapassagem.
Mais requereu a intervenção principal de … Seguros, S.A.
Alegou para o efeito que o acidente em causa constituiu também acidente de trabalho, tendo a Chamada procedido ao pagamento à Autora de certas quantias, e daqui que interessava que viesse aos autos exercer o seu eventual direito de regresso contra a Ré, suposta responsável pelos danos emergentes do acidente de viação em questão.
A Chamada interveio, peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de €3.628,73, acrescida de juros de mora desde a notificação da Ré.
Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que, em procedência parcial da pretensão da Autora e em procedência total da pretensão da Interveniente, condenou a Ré nos seguintes termos:
«a) a pagar à A. a quantia de € 1.075,79 (mil e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos) - por referência a preços do ano de 2006, acrescida de IVA, quantia essa que deverá ser actualizada em função da depreciação monetária ocorrida entre 2006 e a citação) – a título de danos patrimoniais;
b) a pagar à A. a quantia de € 10.855,07 [dez mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e sete cêntimos = € 100,00 + (€ 3.921,00 – € 3.410,93) + € 245,00 + € 10.000,00] a título de danos patrimoniais e de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais;
c) a pagar à A. os juros de mora à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr):
• desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais;
• desde hoje até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais;
d) a pagar à interveniente …Seguros, SA, a quantia de € 3.628,73 (três mil seiscentos e vinte e oito euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr) desde a notificação para contestar o pedido da interveniente até integral pagamento».

Inconformada com o assim decidido, apela a Ré.
A Autora recorre subordinadamente.

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Da respectiva alegação extrai a Ré as seguintes conclusões:

1ª - O presente recurso visa apenas discutir a questão da determinação do montante da indemnização atribuída à autora, quer a título de dano patrimonial, quer a título de dano não patrimonial.
2ª – A decisão ora posta em crise condenou a recorrente a pagar à recorrida, a título de dano patrimonial futuro a quantia de 10.000,00€, tendo, para tanto, e ao que diz, tomado em consideração que à data do acidente, a autora tinha 31 anos de idade; no exercício da sua actividade profissional auferia o ordenado líquido de € 475,00 mensais; em virtude das lesões sofridas no acidente dos autos, a autora padece actualmente de uma IPG de 6%; e o tempo expectável de vida activa até aos 75 anos de idade;
3ª – Aduz-se na sentença recorrida que tal montante, “depositado no primeiro ano, proporcionará à A. um rendimento anual (constituído por capital e juros) semelhante ao que auferiria em condições “normais”, extinguindo-se o mesmo quando a sua idade rondar os 75 anos”.
4ª – A recorrente não se conforma com esta decisão, nem com o seu fundamento, posto que entende que a referida verba, aplicada de acordo com os pressupostos estabelecidos na sentença recorrida, representará uma vantagem patrimonial para a recorrida.
5ª – Isto porque, a idade da reforma em Portugal situa-se actualmente nos 65 anos de idade e, quando muito, tenderá, no futuro, a manter-se nesta idade, ou, na pior das hipóteses, nuns escandalosos, 66 ou 67 anos de idade...
6ª – Assim, ao atribuir uma indemnização à recorrida pela perda de capacidade de ganho emergente do sinistro dos autos, no pressuposto de uma vida activa até aos 75 anos, o Tribunal recorrido não atentou no facto de que aquela se reformará aos 65, 66 ou 67 anos de idade, recebendo uma pensão por esse motivo, a que acrescerá uma verba de capital e juros, totalmente injustificada, desde essa data até aos 75 anos de idade.
7ª – Na verdade, o demonstrado prejuízo por perda de capacidade de ganho cessará com a atribuição de uma pensão de reforma (posto que substitui vencimento da recorrida, sem o correspondente emprego da sua capacidade de ganho) o que é expectável que venha a ocorrer aos 65 anos de idade daquela, ou próximo desta idade.
8ª - A consideração do limite de vida activa até aos 75 anos de idade como pressuposto da indemnização aqui em causa, corresponde necessariamente a uma indemnização injustificada, pelo menos desde a idade da reforma até aos 75 anos.
9ª - Assim, considerando como limite da vida activa os 65 anos de idade – pressuposto habitualmente utilizado pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores – entende a recorrente, apelando adequadamente à equidade, ser justa e equilibrada a quantia de 7.500,00€, como completa indemnização pela perda de capacidade de ganho aqui em causa.
10ª - Esta parte da sentença ora posta em crise deve ser revogada e substituída por outra que condene a recorrente no pagamento à recorrida da quantia de 7.500,00€ como completa indemnização pela perda de capacidade de ganho.
11ª - A recorrente discorda igualmente do montante que o Julgador ora arbitrou à recorrida em virtude dos danos não patrimoniais de que esta padeceu por força do ajuizado sinistro, decisão que no seu modesto entendimento, peca por excesso.
12ª – Em abono do princípio da economia e celeridade processuais, a recorrente dá aqui por transcritos, com a devida vénia, os pontos 22º a 40º da matéria de facto provada constante da sentença.
13ª - Ponderada a citada matéria de facto, afirma o Tribunal recorrido entender ajustado o valor de 20.000,00€, como indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida.
14ª - Não deixamos de ter presente a grande dificuldade que existe em indemnizar danos desta natureza, posto que, uma tal atribuição monetária, possui forçosamente um cariz compensatório e não uma verdadeira e crua natureza indemnizatória.
17ª – Tal atribuição pecuniária pode revelar-se inteiramente desajustada, quando cotejada com atribuições de idêntica natureza e em situações semelhantes ou aproximadas, sobretudo quando se perde a visão de conjunto que a Jurisprudência nos oferece.
18ª - Analisada alguma da Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em situações semelhantes, e a nosso ver, mais graves até do que a que ora se nos apresenta, constata-se que a verba de 20.000,00€ se revela excessiva para compensar a recorrida dos danos não patrimoniais sofridos com este sinistro.
19ª – São exemplos do que acaba de se dizer a decisão proferida no dia 31-05-2012, na Revista n.º 1145/07.1TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção, pela Senhora Juiz Conselheira Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 19-04- 2012, na Revista n.º 3046/09.0TBFIG.S1 - 2.ª Secção, pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator Serra Baptista;
20ª - Compulsada a primeira das referidas decisões, constata-se que as lesões sofridas pela sinistrada em acidente de viação, e as consequências permanentes que dele resultaram, são objectivamente muito mais graves do que as que sobrevieram à recorrida na situação ora em apreço e foram indemnizadas pelo montante de 10.000,00€.
21ª- Na segunda das citadas decisões, a natureza do dano, muito mais grave e limitador do que o sofrido pela ora recorrida, foi indemnizado pelo montante de 15.000,00€, quando o lesado era uma criança de 19 anos de idade.
22ª - Da leitura dos Acórdãos que se assinalaram supra, exemplificativos do sentido e orientação da profusa Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores nesta matéria, podemos constatar com relativa facilidade que, no uso da equidade que a lei lhe impõe, o Tribunal recorrido usou de “mão pesada” ao fixar em 20.000,00€ o valor compensatório dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida, demonstrados nestes autos.
23ª - A nossa Jurisprudência mais recente vem reservando a atribuição de indemnizações na ordem dos 20.000,00€, a casos que, pela sua gravidade e consequências, suplantam claramente a gravidade das lesões que a recorrida se submeteu por força do sinistro dos autos.
24ª - A decisão ora posta em crise deve ser substituída por outra, que melhor se coadune com os danos não patrimoniais sofridos pela recorrida, que de acordo com a nossa Jurisprudência deve fixar-se no valor inferior ao de 10.000,00€.
25ª - A decisão ora posta em crise ofende o preceituado nos artigos 483º, 496º, 562º e 566º do Código Civil.


São as seguintes as conclusões que a Autora extrai da sua alegação:

1ª. - o acidente de trânsito que deu origem à presente acção ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Recorrida Companhia de Seguros …, S.A.;
2ª. - por força do contrato de seguro referido na presente acção, deve, pois, a Ré/Recorrida "…, S.A." ser condenada a pagar, à Autora/Recorrente, a indemnização global que, a final, for fixada, na presente acção;
3ª. a quantia de 20.000,00€, fixada a título de indemnização/compensação pelos danos de natureza não patrimonial, sofridos pelo Recorrente, tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre a apresentação em juízo da petição inicial e a prolação da sentença recorrida - seis (6) anos - reputa-se de insuficiente;
4ª. - justa e equitativa é a quantia de 25.000,00 €;
5ª. - a qual cabe no pedido global formulado, na petição inicial;
6ª. - quantia que se reclama, nas presentes alegações de recurso;
7º. - a quantia de 10.000,00 € para ressarcir a Autora/Recorrente pelos danos sofridos pela IPP de 6% - 06,00 pontos -, para a sua profissão de costureira (operária fabril), de doméstica e de agricultora, é manifestamente insuficiente;
8ª. - justa e equitativa é quantia de 50.000,00 €, reclamada na petição inicial;
9ª. - e que continua a reclamar-se, nas presentes alegações de recurso;
10ª. - os juros de mora são devidos desde a data da citação sobre todas as quantias indemnizatórias e compensatórias, quer relativas a danos de natureza patrimonial, quer relativas a danos de natureza não patrimonial;
11ª. - reclamam-se, pois, de forma expressa, esses juros moratórios a incidir sobre todas as quantias indemnizatórias/compensatórias, incluindo sobre a quantia relativa a indemnização/compensação pelos danos de natureza não patrimonial, desde a citação até efectivo pagamento;
12ª. - ficou devida (com)provado que a Autora vai ter necessidade de usar anti-inflamatórios não esteróides, em situação de SOS, ao longo de toda a vida;
13ª. - trata-se de um dano futuro;
14ª. - previsível e certo;
15ª. - mas, não é possível contabilizar, na presente data, a real e efectiva dimensão desse dano, nem apurar o montante económico respectivo;
16ª. - deve, pois, proceder o pedido, formulado na petição inicial, no sentido da quantificação desse danos em Incidente de liquidação - artigo 378°., nº 2, do Código de Processo Civil, em vigor à data da eclosão do acidente de transito que deu origem à presente acção - artigo 359°., nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil, actualmente em vigor.
17ª. - o que, expressamente, se requer;
18ª. - quanto ao restante, não colocado em crise no presente recurso, deve manter-se o decidido pelo Tribunal de Primeira Instância - Tribunal Judicial de Viana do Castelo;
19ª. - decidindo de forma diversa, fez o tribunal de primeira instância má aplicação do direito aos factos alegados e provados e violou, além outras, as normas dos artigos 496°., nº 1,562°.,564°. e 805°., do Código Civil e no artigo 378°., nº. 2, do Código de Processo Civil, em vigor à data da eclosão do acidente de trânsito que deu origem à presente acção - artigo 359°., nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil, actualmente em vigor.

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Não se mostra oferecida qualquer contra-alegação.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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São questões a conhecer:
- As isoladas nos itens abaixo discriminados.

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A sentença recorrida elenca como provados os fatos seguintes:

1. No dia 27 de Setembro de 2004 Há aqui um lapso de escrita. O acidente ocorreu bem no dia 27 de setembro de 2005., cerca das 08.20 horas, na Estrada Nacional nº 201, ao quilómetro 01,500, em Cerdal, no concelho de Valença, ocorreu um embate no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 26-15-TU, conduzido pelo seu proprietário, M…, residente em AZ do Preto, Letras A.C.M., Lumiar, Lisboa, e o ciclomotor com a matrícula 1-VNL-34-19, conduzido pela A, sua proprietária (A e B);
2. Momentos antes do embate, a A. conduzia o 1-VLN pela Estrada Nacional nº. 201, em Cerdal, desenvolvendo a sua marcha no sentido Paredes de Coura-S. Pedro da Torre. Circulava pela metade direita da faixa de rodagem da referida via (Estrada Nacional nº. 201), tendo em conta o seu sentido de marcha (C, D e 9);
3. A A. pretendia penetrar com o 1-VLN no logradouro das instalações da fábrica de confecções denominada “C…, Lda.”, ali situada junto à Estrada Nacional nº. 201, na margem esquerda desta via, tendo em conta o sentido por si seguido, e prosseguir a sua marcha, no sentido Sul, em direcção ao interior do logradouro daquela fábrica (E e F);
4. Quando se encontrava a uma distância não inferior a 70 metros antes de chegar ao local do entroncamento indicado em 13 e também quando se encontrava a uma distância não inferior a 70 metros antes de chegar ao local do acesso ao interior do logradouro da referida fábrica, a A. olhou para a sua frente ao longo da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201, em direcção a S. Pedro da Torre (G);
5. O TU circulava na Estrada Nacional nº. 201 no sentido Paredes de Coura/S. Pedro da Torre, pela metade direita da faixa de rodagem (H e 17);
6. O embate ocorreu entre a parte frontal do TU e a parte lateral traseira do 1-VLN, ao nível avental inferior do estribo da tampa lateral (esquerda de trás) e da grelha do escape do mesmo lado. A colisão ocorreu totalmente sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201, atento o sentido Paredes de Coura-S. Pedro da Torre (I, J e 23);
7. À data do embate, encontrava-se transferida para a R. a responsabilidade pelos danos decorrentes de acidentes de viação provocados pelo TU, através de contrato de seguro, válido e em vigor, titulado pela apólice nº 05-9931177601 (L);
8. A A. contava, à data do embate, 31 anos de idade (M);
9. Ao abrigo do contrato de seguro e acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º 64-680925, emitido pela interveniente … Seguros, SA, a A. recebeu desta diversos montantes referentes a perdas salariais (N);
10. No exercício da sua actividade, a interveniente … Seguros, SA, celebrou com a sociedade “C…, Lda.”, um contrato de seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº 64/680925. Pelo referido contrato a sociedade transferiu para a interveniente a responsabilidade pelos encargos provenientes de Acidentes de Trabalho em relação a todos os trabalhadores que se encontram ao seu serviço, nomeadamente, a trabalhadora e ora A. (O e P);
11. A Estrada Nacional nº. 201, no local do sinistro, configura um traçado rectilíneo com uma extensão superior a 500 metros. A sua faixa de rodagem tinha e tem uma largura de 06,00 metros, o seu piso era e é pavimentado a asfalto e, à data do embate, encontrava-se limpo e seco. Pelas duas margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201 apresentava e apresenta bermas, pavimentadas a asfalto, com a largura de 02,40 metros a situada do lado esquerdo, tendo em conta o sentido Paredes de Coura-S. Pedro da Torre, e de 01,20 metros a situada do direito, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha contrário (1 a 4);
12. No local do embate, existem várias casas de habitação, restaurantes e fábricas de confecções de vestuário, todas elas com os seus respectivos acessos a deitar Tribunal Judicial de Valença directamente para a faixa de rodagem da referida estrada, e placas que indicam a freguesia de Cerdal (5 e 77);
13. Pela margem esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201, tendo em conta o sentido Paredes de Coura-S. Pedro da Torre, existe um entroncamento configurado pela via pública que, no sentido Norte-Sul, dá acesso, da Estrada Nacional nº. 201, ao interior da freguesia de Cerdal, à oficina de reparação de automóveis denominada “Auto Fontourense” e à fábrica de confecções denominada “C…, Lda.” (6);
14. O veículo da A. vinha animado de velocidade de cerca de 30-40 km/hora (10 e 83);
15. Pretendendo realizar a manobra descrita em 3, a A. pôs em funcionamento o “pisca” do lado esquerdo do 1-VLN, reduziu a velocidade e aproximou-se do eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201. Nesse momento, circulava atrás do 1-VLN, sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201, atento o sentido Paredes de Coura-S. Pedro da Torre, um veículo automóvel e atrás deste circulava o TU. Quando se encontrava em frente ao logradouro indicado em 3, a A. flectiu para a sua esquerda em direcção a este logradouro; nessa altura, o condutor do TU, não se apercebendo da manobra que a A. estava a efectuar, iniciou a ultrapassagem ao veículo automóvel que circulava à sua frente (e atrás do 1-VLN), passando a circular sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201, atento o sentido Paredes de Coura-S. Pedro da Torre, acabando então por embater no 1-VLN (conforme indicado em 6) quando este ainda se encontrava nessa metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 201 (conforme indicado em 6) (11 a 16, 18 a 20, 22, 79 a 82 e 84);
16. Após o embate, o 1-VLN e a A. foram projectados em direcção a S. Pedro da Torre. O TU continuou a sua marcha e até que foi embater no muro de vedação do logradouro da fábrica de confecções supra referida (24 e 25);
17. Em consequência do embate, resultaram para o 1-VLN danos cuja reparação, com serviços de mão-de-obra de mecânico, de chapeiro e de pintor, substituição de Tribunal Judicial de Valença peças (nomeadamente 1 par de borracha dos punhos, 1 blindagem interior do pousa-pés, 1 tampa da frente do conta-quilómetros, 1 avental inferior, 1 estribo pousa-pés, 1 tampa lateral esquerda de trás, 1 grelha do escape e 1 manete do travão do lado direito), ascende ao valor global de € 1.075,79, por referência a preços do ano de 2006, acrescido de IVA (26);
18. O 1-VLN ainda se encontra por reparar, tendo apenas sido alvo de um conserto, no ano de 2012, destinado a colocá-lo em condições de circular pelos seus próprios meios, cujo valor ascendeu a cerca de € 100,00 (27);
19. O 1-VLN tinha sido comprado pela A. no ano de 2000, e nunca tinha sofrido qualquer embate (28-B);
20. A A. reside no lugar de Rio Torto, freguesia de Fontoura, Valença, e exerce a profissão de operária fabril na fábrica “C…, Lda.”, a qual se situa a uma distância de 4 quilómetros da sua residência. A A. utilizava o 1-VLN para todas as suas deslocações de casa para o trabalho (29 e 30);
21. Desde a data do embate até ao conserto indicado em 18, o 1-VLN ficou impossibilitado de circular. Durante esse período a A. não usou o 1-VLN nas suas deslocações para o trabalho (31 e 32);
22. Como consequência do embate, a A. sofreu traumatismo da anca esquerda, traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo do tórax, traumatismo do crânio, traumatismo craneo-encefálico, fractura dos ossos da bacia, ao nível do terço médio dos ramos ílio-isqui-púbico esquerdos, hematoma da região parieto-temporal esquerda, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo (34);
23. A A. foi transportada de ambulância para o Centro de Saúde de Valença, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, efectuados exames radiológicos, prescritos analgésicos e anti-inflamatórios (35);
24. Após, foi de imediato transferida para o Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foram efectuados exames radiológicos e uma ecografia, os quais lhe revelaram a fractura dos ossos da bacia, ao nível do terço médio dos ramos ílio-isqui-púbico esquerdos (36 e 37);
25. Foram prescritos à A. analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos (38);
26. A A. obteve alta hospitalar no próprio dia do embate, regressando à sua residência, onde se manteve retida no leito durante 6 semanas e de onde nunca se levantou, razão pela qual foi aí diariamente assistida por um enfermeiro, com tratamento de injecções (39 e 40);
27. Após esse período de tempo, a A. passou a receber assistência e tratamentos na Policlínica Vianense, Lda., em Viana do Castelo, por indicação da Companhia de Seguros …, SA, onde foi acompanhada pelo Dr. D…. A A. deslocou-se à Policlínica Vianense por 6 vezes (41 e 42);
28. Após o que foi transferida para os Serviço Clínicos da Companhia de Seguros …, SA, no Hospital de Santa Maria, da cidade do Porto, onde se deslocou também por 6 vezes (43);
29. A A. fez tratamento de fisioterapia na Clínica de Reabilitação de Valença, onde frequentou 25 sessões ao longo de 2 séries (44);
30. A A. obteve alta médica definitiva no dia 18 de Maio de 2006 (45);
31. Após o período referido em 26, a A. passou a caminhar com o auxílio de 2 canadianas, que usou durante 7 meses (46);
32. No momento do embate e nos instantes que o precederam, a A. sofreu um susto (47);
33. A A. sofreu dores em todas as regiões do seu corpo atingidas, com maior intensidade nos ossos fracturados da anca esquerda, na coluna lombar, dorsal e cervical, no tórax, no crânio e na bacia (48);
34. Como consequência do embate, a A. apresenta: dores localizadas à anca esquerda, mesmo em repouso, agudizadas pelo esforço; limitações na marcha prolongada; impossibilidade de sopesar, carregar e transportar objectos pesados; impossibilidade de suportar longos períodos de tempo de pé (50);
35. Como sequelas das lesões sofridas, a A. apresenta: - bacia: sequelas dolorosas, mesmo em repouso, localizadas à metade esquerda da bacia, resultantes de fractura dos ramos ílio-isquio-púbicos esquerdos; - necessidade de usar anti-inflamatórios não esteróides em situação de SOS, ao longo de toda a sua vida (51);
36. Antes do acidente a A. não padecia de nenhuma das sequelas que hoje apresenta (52);
37. Os factos descritos em 34 e 35 causam desgosto à A. (53);
38. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram para a A. uma incapacidade temporária geral total de 45 dias, uma incapacidade temporária geral parcial de 190 dias e uma incapacidade temporária profissional total de 235 dias (54 a 57 e 59);
39. A final, a A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 6%, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual embora impliquem esforços suplementares (58);
40. A. sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (60);
41. À data do embate a A. exercia a profissão de operária têxtil (costureira) por conta da sociedade “C…, Lda.”, auferindo o ordenado líquido de € 475,00 (63);
42. Fora das horas de trabalho por conta da sua referida entidade patronal, a A. desempenhava tarefas domésticas na sua casa de residência (64);
43. O agregado familiar da A. é constituído por ela própria, pelo seu marido e por um filho do casal, com 6 anos (65);
44. Na altura do acidente a A. dedicava-se a trabalhos agrícolas, explorando um terreno de onde extraía alimentos que destinava ao consumo do seu agregado familiar (66 e 67);
45. Durante o período de incapacidade temporária profissional total a A. não conseguiu desempenhar as tarefas domésticas na sua casa de residência nem os trabalhos agrícolas referidos em 44 (68);
46. Em consequência directa e necessária das lesões sofridas no acidente e das sequelas delas resultantes, a A. teve que pagar consultas médicas, realizar tratamentos e fazer deslocações, tendo gasto pelo menos a quantia de € 200,00 (70);
47. A A. viu danificadas e inutilizadas as peças de vestuário que usava na altura do acidente: 1 par de calças, 1 blusa, 1 camisola, 1 kispo e 1 par de sapatos, no valor global de 40,00 + 30,00 + 35,00 + 100,00 + 40,00, ou seja, € 245,00 (71):
48. A linha longitudinal que divide ambas as hemi-faixas de rodagem, no local do embate e nos 150 metros que o precede, apresenta traço descontínuo (85)
49. A Companhia de Seguros …, SA, seguradora do 1-VLN, assumiu toda a responsabilidade pelo presente sinistro e indemnizou o segurado da ora R. de todos os prejuízos que para ele emergiram do sinistro (86);
50. No âmbito do Proc.632/06.3TTVCT que correu termos no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, foi a ora interveniente … Seguros, SA, condenada a pagar à A. a quantia de € 20,00 a título de despesas com transportes, e suportou os custos inerentes à assistência clínica e indemnizações por períodos de ITA da A. no valor total de € 3.390,93, e com a averiguação do sinistro a quantia de € 217,80 (87).

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Esta fatualidade não vem contestada pelas Recorrentes, nem nós encontramos fundamento para a modificar oficiosamente, pelo que consideramos fixada a base fatual da causa.

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Quanto à matéria das conclusões 11ª a 24ª da apelação da Ré e quanto à matéria das conclusões 3ª a 6ª do recurso subordinado da Autora:

Insurgem-se aqui as partes contra a indemnização - €20.000,00 - estabelecida na sentença recorrida a título do dano não patrimonial sofrido pela Autora.
Sustenta a Ré que a indemnização cabida ao caso deveria ser a de €10.000,00, enquanto que a Autora pugna pela indemnização de €25.000,00.
Vejamos:
Mostra-se que a Autora sofreu o seguinte conjunto de danos não patrimoniais:
- Traumatismo da anca esquerda, traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo do tórax, traumatismo do crânio, traumatismo craneo-encefálico, fractura dos ossos da bacia, ao nível do terço médio dos ramos ílio-isqui-púbico esquerdos, hematoma da região parieto-temporal esquerda, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo;
- Foi transportada de ambulância para o Centro de Saúde de Valença, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, efectuados exames radiológicos, prescritos analgésicos e anti-inflamatórios;
- Após, foi transferida para o Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foram efectuados exames radiológicos e uma ecografia, os quais lhe revelaram a fractura dos ossos da bacia, ao nível do terço médio dos ramos ílio-isqui-púbico esquerdos;
- Foram prescritos à A. analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos;
- Obteve alta hospitalar no próprio dia do embate, regressando à sua residência, onde se manteve retida no leito durante 6 semanas e de onde nunca se levantou, razão pela qual foi aí diariamente assistida por um enfermeiro, com tratamento de injecções;
- Após esse período de tempo, passou a receber assistência e tratamentos na Policlínica Vianense, Lda., em Viana do Castelo, aonde se deslocou por 6 vezes;
- Após o que foi transferida para os Serviço Clínicos da Companhia de Seguros Liberty Seguros, SA, no Hospital de Santa Maria, da cidade do Porto, onde se deslocou também por 6 vezes;
- Fez tratamento de fisioterapia na Clínica de Reabilitação de Valença, onde frequentou 25 sessões ao longo de 2 séries;
- Durante sete meses deslocou-se com o auxílio de canadianas;
- No momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um susto;
- Sofreu dores em todas as regiões do seu corpo atingidas, com maior intensidade nos ossos fracturados da anca esquerda, na coluna lombar, dorsal e cervical, no tórax, no crânio e na bacia;
- Apresenta: dores localizadas à anca esquerda, mesmo em repouso, agudizadas pelo esforço; limitações na marcha prolongada; impossibilidade de sopesar, carregar e transportar objectos pesados; impossibilidade de suportar longos períodos de tempo de pé;
- Apresenta: - bacia: sequelas dolorosas, mesmo em repouso, localizadas à metade esquerda da bacia, resultantes de fractura dos ramos ílio-isquio-púbicos esquerdos; - necessidade de usar anti-inflamatórios não esteróides em situação de SOS, ao longo de toda a sua vida;
- Sente-se desgostosa pelos danos qua a afetaram;
- Sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

Qual a compensação adequada à reparação destes malefícios?
Regem a propósito os art.s 496º nº 3 e 494º do CCivil.
Importante é ter sempre em conta que a indemnização do dano não patrimonial não visa nem pode visar pagar o que seja, senão (e para além de punir, pelos meios próprios do direito civil, o causador do dano) conferir ao lesado uma compensação que lhe permita adquirir meios que, de alguma forma, tornem a sua vida um pouco mais gratificante. Trata-se de conferir ao lesado a possibilidade de aquisição de meios materiais ou espirituais que, de forma razoável, lhe proporcionem uma qualquer auto-gratificação ou satisfação capaz de iludir o dano sofrido. A indemnização não pode servir para enriquecer o lesado, por muito respeitável que seja o dano.
Julgamos, tendo designadamente em conta o grau de culpa do causador do acidente, a condição pessoal da Autora e o comparativo jurisprudencial a que sempre se deve recorrer neste tipo de casos, que a indemnização arbitrada na sentença recorrida é excessiva. No que respeita ao comparativo jurisprudencial, e para além das decisões do STJ citadas pela Ré, aponte-se o acórdão desta RG de 15-10-2013 (disponível em www.dgsi.pt). Neste último caso era lesado um jovem de 15 anos de idade, atropelado por veículo automóvel quando procedia ao atravessamento de estrada e em plena passadeira de peões; sofreu, além do mais, fractura exposta nos ossos da perna direita, ficando a afetado de uma IPP de 6 pontos; sofreu ainda intensas e prolongadas dores físicas, quer por causa das lesões que lhe advieram aquando do atropelamento, quer pelos inúmeros tratamentos e duas intervenções cirúrgicas a que foi sendo sucessivamente submetido; ficou impedido de se movimentar e permaneceu totalmente imobilizado por período superior a 75 dias. Em qualquer dos referidos casos (os citados pela Apelante e este último caso tratado pela RG) valorou-se o dano não patrimonial em quantia inferior (no acórdão desta RG foi a indemnização fixada em €15.000,00) àquela que a sentença ora recorrida estabeleceu, sendo que se estava perante dano de magnitude superior àquele que a ora Autora sofreu.
Como assim, e tudo visto e ponderado, julgamos que a indemnização que compete à Autora pelo dano não patrimonial que a atingiu deve ser fixada, não na quantia estabelecida na sentença recorrida, mas na quantia de €12.000,00.
Esta quantia considera-se a adequada com referência à data da sentença recorrida, e não à data da citação da Ré, tendo-se assim por devidamente atualizada até então.
Procedem, deste modo, em parte, as conclusões da Ré em destaque; e improcedem na totalidade as conclusões da Autora.


Quanto à matéria das conclusões 10ª e 11ª do recurso subordinado da Autora:

Pretende esta que os juros de mora sobre o quantum indemnizatório fixado a título do dano não patrimonial devem ser estabelecidos desde a citação.
Mas não é assim.
Como acaba de ser dito, a indemnização em causa é a considerada adequada mas com referência à presente data, não com referência à data da citação.
Donde, e sob pena de duplicação da indemnização nesta parte, os juros só podem ser devidos desde o presente.
Improcedem assim as conclusões em destaque.


Quanto às matéria das conclusões 2ª a 10ª da apelação da Ré e quanto à matéria das conclusões 7ª, 8ª e 9ª do recurso subordinado da Autora:

Contestam aqui as partes o quantum indemnizatório - €10.000.00 - fixado na sentença recorrida a título do rebate para o futuro da supressão parcial da capacidade aquisitiva da Autora.
Sustenta a Ré que a indemnização deve ser fixada em €7.500,00, enquanto que a Autora pugna pela indemnização de €50.000,00.
Vejamos:
Estão provados com interesse para o caso os seguintes fatos:
- A Autora ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 6%, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual embora impliquem esforços suplementares;
- À data do acidente exercia a profissão de operária têxtil (costureira) por conta da sociedade “C…, Lda.”, auferindo o ordenado líquido de € 475,00;
- Fora das horas de trabalho por conta da sua referida entidade patronal, desempenhava tarefas domésticas na sua casa de residência;
- Na altura do acidente a A. dedicava-se a trabalhos agrícolas, explorando um terreno de onde extraía alimentos que destinava ao consumo do seu agregado familiar, constituído por marido e filho menor.
- À data do acidente a Autora tinha 31 anos de idade;
- A Autora teve alta médica definitiva em 18 de maio de 2006.

Como resulta desta fatualidade, a Autora ficou efetivamente prejudicada na sua capacidade de ganho.
Como contabilizar esse prejuízo?
Estamos perante um dano com projeção para o futuro.
Dentro do que tem sido uma constante na jurisprudência, interessa para o efeito alcançar uma indemnização que represente um capital que se extinga ao fim do tempo em que o lesado pudesse angariar rendimento e seja susceptível de garantir, durante aquele, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Relevante para a aferição do prejuízo em questão é sempre a idade do lesado. No caso, a idade que nos deve servir de referência é a idade de 32 anos, que era a que a Autora tinha à data da consolidação médico-legal da lesão (maio de 2006). Era expetável a tal data que a Autora pudesse trabalhar no seu ofício por mais uns 34 ou 35 anos (admitindo como idade da reforma os 66 ou 67 anos). Mas a cessação da vida profissional mediante a reforma não significa de forma alguma a supressão da capacidade de ganho, e daqui que se pode admitir que a Autora poderia gerar pelo seu próprio esforço algum tipo de rendimento, designadamente agrícola, durante mais uns anos, digamos mais uns 10 anos (até porque a esperança de vida das mulheres anda à volta dos 80 anos e, segundo os entendidos, tenderá até a aumentar no futuro).
Entretanto, mostra-se que a Autora auferia o salário de €475,00 (supostamente 14 vezes por ano) e que retirava alguma vantagem económica para o seu lar de trabalhos agrícolas que executava.
Ora, aqui chegados, usando a metodologia preconizada pelo Exmo. Conselheiro Dr. Sousa Dinis (Col Jur-Ac do STJ, 2001, tomo I, p. 5 e seguintes), e apelando a uma taxa de juro de uns 4% (taxa que era comum em 2006 para aplicações financeiras sem risco) e ao abatimento, à partida, de ¼ do valor assim encontrado (a fim de neutralizar o efeito de enriquecimento indevido que resultaria da circunstância de se receber no imediato aquilo que só se iria obter ao longo de muitíssimos anos), alcança-se, visto o grau de IPP de 6%, o valor de cerca de €7.500,00. Porém, este é um valor meramente indicativo, é uma base de trabalho. A partir daqui há que fazer intervir a equidade. E assim, considerando a idade ainda jovem da Autora e a circunstância de haver outros rendimentos e prejuízos envolvidos (os decorrentes da atividade agrícola e dos trabalhos domésticos), justifica-se que o valor encontrado seja aumentado. Julgamos que o valor definido na sentença recorrida acaba por ser o adequado ao caso (estamos a falar em números redondos; é estulto andar-se nesta matéria à busca de valores exactos, “matemáticos” ou “científicos”). Será a quantia de €10.000,00 a que, mais coisa menos coisa, representará o capital que, acrescido do seu rendimento, se há-de extinguir ao fim da vida produtiva - vida profissional e para além dela - da Autora.
Improcedem assim as conclusões em destaque.


Quanto à matéria das conclusões 12ª a 17ª do recurso subordinado da Autora:

Insurge-se aqui a recorrente contra a circunstância de ter ficado por atender um dano futuro, o correspondente à necessidade de usar anti-inflamatórios não esteróides em situação de SOS ao longo de toda a sua vida.
Realmente, vem dado como provado (embora de forma aparentemente pouco congruente com a resposta dada ao quesito 73º) que, como sequela das lesões sofridas, a Autora terá necessidade de usar anti-inflamatórios não esteróides em situação de SOS, ao longo de toda a sua vida. E tal uso implica obviamente a aquisição dos correspondentes medicamentos, e isso custará o seu preço.
Como assim, estamos perante um dano que importa reparar, na certeza de que a Autora formulou pedido ilíquido no sentido da condenação da Ré no pagamento dos encargos com medicamentos que pudesse vir a ter no futuro.
Como o referido prejuízo está dependente de uma futura liquidação, é de relegar para momento ulterior tal liquidação, como pretende a Autora.
Procedem pois as conclusões em destaque.


Quanto à matéria da conclusão 25ª da apelação da Ré e quanto à matéria da conclusão 19ª do recurso subordinado da Autora:

As disposições legais citadas em tais conclusões mostram-se violadas ou respeitadas na exata medida do que fica dito.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedentes a apelação da Ré e o recurso subordinado da Autora, nos seguintes termos:

1. Condenam a Ré a pagar à Autora a quantia indemnizatória de €12.000,00 a título do dano não patrimonial sofrido, revogando correspetivamente (ou seja, na parte em que se fixou em €20.000,00 a indemnização) a sentença recorrida. Acrescem juros de mora sobre esta quantia à taxa de 4% desde a data da decisão recorrida.
2. Condenam a Ré a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar ulteriormente a título do custo de aquisição de medicamentos anti-inflamatórios não esteróides motivada pelas lesões sofridas em decorrência do acidente.
No mais são os recursos julgados improcedentes, sendo correspetivamente confirmada a sentença recorrida.

Regime de custas:

Custas da 1ª instância pela Autora e Ré, na proporção do decaimento, e que se fixa em ¾ para a Autora e ¼ para a Ré.
Custas da apelação interposta pela Ré por Autora e Ré, na proporção de metade para cada.
Custas do recurso subordinado interposto pela Autora por Autora e Ré, na proporção de 9/10 para a Autora e 1/10 para a Ré.
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Guimarães, 23 de janeiro de 2014
José Rainho
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça